“O SABER QUE É MAIS SABER” SEGUNDO ARISTÓTELES

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“O SABER QUE É MAIS SABER” SEGUNDO ARISTÓTELES
Valéria do Nascimento Silva (Bolsista do Grupo PET–Filosofia da UFSJ)
Glória Maria Ferreira Ribeiro (Orientadora–Tutora do Grupo PET)
Agência financiadora: MEC/SESu
Resumo: Objetiva-se analisar como Aristóteles compreende o modo de conhecermos
as coisas, ou seja, como se dá o saber e porque a Filosofia é considerada o saber supremo.
Para tanto utilizaremos o 1° e 2° capítulos do livro I da Metafísica. De acordo com o Estagirita,
o conhecimento dos homens inicia-se pela sensação e pela experiência. Estes, porém, não nos
permitem conhecer a verdade porque tanto a sensação quanto a experiência não nos revelam
os princípios e causas, ou seja, não evidenciam o porquê das coisas serem o que são.
Aristóteles diz que o saber consiste na busca da verdade, quer dizer, dos princípios e causas
do real. Essa busca é empreendida por meio da arte, da ciência e da sabedoria. Apesar de a
ciência ser considerada um saber superior à arte e à ciência, ela ainda é tida como menos
saber por que não nos reporta à realidade como um todo. Por fim a Sabedoria ou Filosofia é
considerada mais saber, pois, esta apreende o que seria o princípio e causa da realidade.
Palavras Chaves: Saber, Princípio, Causa, Filosofia.
E
sse artigo se detém sobre o primeiro e segundo capítulos do livro I da
Metafísica, escrita pelo filósofo Aristóteles, e tem por objetivo entender, através da
Metafísica, porque os modos de saber (ou conhecer), quais sejam a sensação,
experiência, arte e ciência são tidos como menos saberes que a Filosofia.
Até o século I a.C. as únicas obras aristotélicas conhecidas eram as exotéricas, ou
seja, os escritos que eram redigidos de forma dialética ao público, que interessavamse pela retórica. Já as obras acromáticas ou esotéricas - ensino mais aprofundado de
Aristóteles para com os membros do Liceu - não eram conhecidas até então, pois,
haviam sido retiradas da escola após a morte de Alexandre o Grande. Isto aconteceu
devido ao fato de Aristóteles, que foi responsável pela educação de Alexandre, ter sido
obrigado a abandonar Atenas, após ser acusado pelos atenienses de cúmplice da
opressão macedônica, cujo responsável foi Alexandre. Como consequência do
acontecido, as obras esotéricas foram guardadas na casa de um grande amigo do
Estagirita, chamado Coriso. Por esta razão, essas obras passaram a ser conhecidas
somente a partir do século I a.C., quando foram recolhidas da casa de Coriso e
levadas novamente para Atenas.
Porém, o acontecimento de outro fato inesperado – a invasão de Atenas comandada
por Silas – faz com que as obras desta vez fossem para Roma. Foi lá que tanto as
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obras exotéricas quanto as esotéricas começaram a ser organizadas por Andrônico de
Rodes. É interessante ressaltar que o termo metafísica não é aristotélico, mas talvez
tenha sido criado pelos peripatéticos1 ou pelo próprio Andrônico de Rodes, que
quando organizava os escritos do Estagirita, colocou-os após os escritos da Física para
indicar
que
os
escritos
posteriores
caracterizavam-se
por
possuírem
conhecimentos que vão além das explicações e demonstrações físicas, daí a
denominação metafísica. Por sua vez, Aristóteles utilizava as expressões “Filosofia
Primeira”, sabedoria ou teologia para designar os conhecimentos dos primeiros
princípios e das primeiras causas da realidade.
Ainda com relação à Metafisica, vale acrescentar que esta obra composta por
quatorze livros, não foi escrita de maneira coerente, uma vez que, possui escritos de
diferentes épocas do autor e até mesmo de anotações que faziam os discípulos, como
Eudemo e Teofrasto, enquanto Aristóteles ensinava no Liceu.
Após esta breve explanação de como surgiu o termo Metafísica, daremos início à
análise da hierarquia dos saberes, para que possamos em seguida compreender
porque Aristóteles considerava a Filosofia mais saber. Mas para isso, é preciso antes
compreendermos o que o Estagirita entendia por princípio e causa. O primeiro termo é
entendido por Aristóteles no V livro da Metafísica, como ponto de partida de onde
deriva tudo que existe, inclusive o conhecimento. Este é tido ainda como
indemonstrável, uma vez que, por apreender a realidade em sua totalidade não pode
ser demonstrado, pois, se assim fosse, ele seria limitado e perderia a sua principal
característica.
Já a causa apreende vários significados: no primeiro a causa é tida como matéria, ou
seja, como elemento que constitui todas as coisas da natureza. Porém, esta matéria
não deve ser entendida no sentido de uma coisa tangível, que possuiria uma
característica eminentemente sensível. Talvez, o sentido que mais nos aproxime do
que Aristóteles compreendia por matéria seja a noção de potência, ou seja, algo
indeterminado e, que no entanto já se encontra previamente disposto a
receber
determinada forma. Num segundo sentido a causa é forma (algo que já se encontra
atualizado); forma que atua sobre a matéria determinando-a. Noutro sentido, a causa é
1
“Do hábito dos estudantes de realizar seus debates enquanto passeavam próximos ao Liceu que ficava
entre alamedas - rua ou avenida marginada de árvores - chamada pelos gregos de perípatos, teria
surgido o termo peripatéticos, que significa os que passeiam, para designar os discípulos de Aristóteles”.
Metafísica. Tradução: Baby Abrão. Editora Nova Cultural, São Paulo 1999.
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tida ainda como responsável pelo movimento ou melhor como causa eficiente, uma
vez que, é através dela que a matéria ganha forma e se determina; (é ato e potência
ao mesmo tempo); e por último, a causa significa o fim, ou seja, aquilo que a coisa
tende a ser, a partir de uma forma que a delimite. Em suma, a causa para Aristóteles é
o que nos fornece o conhecimento, uma vez que, compreender a causa é saber o
porquê das coisas serem isto que elas são.
É interessante ainda acrescentar que princípio e causa de certa maneira se
relacionam, uma vez que, ambos são condições necessárias para as coisas poderem
vir a ser, ou seja, existirem. Porém, não se pode dizer que causa seja princípio, uma
vez que, o princípio como sendo algo indemonstrável não precisa da causa para
existir; já a causa é contrária a este, por ocupar-se em dizer o que as coisas são, é
demonstrável e precisa de um princípio anterior a ela para existir. Pois bem, só há
saber verdadeiro se esse buscar as causas e os princípios assim compreendidos.
E mais, segundo Aristóteles,
“Todos os homens, por natureza, tendem ao saber. Sinal disso é o
amor pelas sensações. De fato, eles amam as sensações por si
mesmas, independentemente da sua utilidade e amam, acima de
todas, a sensação da visão. Com efeito, não só em vista da ação,
mas mesmo sem ter nenhuma intenção de agir, nós preferimos o ver,
em certo sentido, a todas as outras sensações. E o motivo está no
fato de que a visão nos proporciona mais conhecimentos do que
todas as outras sensações e nos torna manifestas numerosas
diferenças entre da cosias.” ARISTÓTELES, 2002 980 -25.
ou seja, para ele o homem por si só sempre aspirou e aspira ao conhecimento, pois,
sempre trouxe consigo o desejo de saber - instalar-se na verdade, ou seja, buscar
conhecer o princípio e a causa que justifique que as coisas sejam aquilo que elas são a realidade na qual ele se encontra inserido.
Para entendermos como se dá o saber ou conhecer, trataremos inicialmente dos dois
modos de como somos afetados pelos seres. Ou seja, das sensações e das
experiências. A sensação (aisthesis) é o que nos faz conhecer as coisas e isso se dá
através de nossos sentidos. Dentre eles a visão é o mais importante, uma vez que é
ela que nos passa um conhecimento imediato das coisas. Porém, não podemos dizer
que a sensação constitua ciência uma vez que, apesar de constituir conhecimento, ou
seja, de me fazer conhecer as coisas, ela não sabe explicar o porquê das coisas. Já a
experiência (empeiria), união da sensação e da memória é a capacidade que temos de
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guardar na memória o que conhecemos através da sensação. É interessante ressaltar
que na memória as experiências são apenas guardadas e lembradas e assim sendo
não é possível saber o porquê de tal ação. Diante do que foi dito, pode-se dizer ainda
que apesar da sensação e da experiência nos fazerem conhecer as coisas, não nos
permitem estar realmente na verdade destas - pois, nestes dois modos não é possível
conhecer os princípios e causas, ou seja, não é possível saber o porquê das cosias
serem o que elas são.
Dando continuidade a sua hierarquia de saberes, Aristóteles diz que o saber consiste
na busca da verdade, ou seja, dos princípios e causas do real. Saber que se dá por
meio da arte, da ciência e da sabedoria - sendo que a última ocupa um maior grau na
hierarquia dos saberes.
O primeiro deles, a arte (tekné), é a capacidade de fazer algo, e isto se dá quando de
muitas observações da experiência, devido à repetição de fatos forma-se um juízo
geral que pode ser referido a todos os casos semelhantes. Assim, o homem que
possui tal capacidade sabe o porquê de algo, possui o conhecimento das causas. Por
esta razão, a arte é considerada conhecimento do universal, e assim sendo, é mais
importante do que a experiência, pois, pode ser ensinada, passada adiante; enquanto
que a experiência sendo algo particular, ou seja, possuindo o conhecimento, mas não
sabendo explicar o porquê das coisas, não tem como ser passada adiante. Assim:
“Todavia, consideramos que o saber e o entender sejam mais
próprios da arte do que da experiência, e julgamos os que possuem a
arte mais sábios do que os que só possuem a experiência, na medida
em que estamos convencidos de que a sapiência, em cada um dos
homens, corresponda à sua capacidade de conhecer. E isso porque
os primeiros conhecem a causa, enquanto os outros não a
conhecem....” ARISTÒTELES, 2002, 981-25.
Em outras palavras, apesar da arte ser universal por lidar com as causas, ela não se
ocupa com o princípio que a causou.
Segundo Aristóteles, quem se dedica em demonstrar esse princípio é a ciência, pois,
esta além de se ocupar com a causa que faz a coisa ser o que ela é, também dedicase a demonstração da articulação interna das coisas visando compreender-lhe o
princípio. Porém, apesar da ciência se apresentar como o saber das causas universais
e necessárias, por dizer as causas e o princípio, ela às vezes torna-se limitada, uma
vez que, seu objeto de pesquisa baseia-se somente no que pode ser provado e assim
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sendo, ela nem sempre pode ser obtida através da demonstração por ter seus
princípios ligados à princípios anteriores.
Diante do que foi dito, Aristóteles ainda considera os saberes anteriores, quais sejam,
arte e ciência como menos saberes, pois, para ele é necessário que o homem
apreenda as coisas em seu princípio e isto só é possível através da sabedoria (sofia) união da ciência com a intelecção -, sendo a última a capacidade que o homem possui
de apreender através do intelecto, o ser das coisas.
Esta sabedoria a qual Aristóteles se refere é a Filosofia Primeira. Tal Filosofia (a
classificação de primeira não significa que depois dela venha uma filosofia segunda)
deve ser entendida como a forma suprema do saber - por ser capaz de apreender o
que seria o princípio e causa, justifica o porquê das coisas serem o que elas são,
ocupando assim o maior grau na hierarquia dos saberes e sendo, portanto
considerada mais saber ou sabedoria por excelência.
Outra característica que faz dela mais saber é que, diferentemente da ciência que se
baseia em demonstrações e experimentações para demonstrar os princípios e causas
de um determinado ente, visando a um determinado fim; a Filosofia, busca um saber
desinteressado, ou seja, sem querer dispor de qualquer utilidade prática, que não seja
o saber por saber. Diante disto pode-se dizer ainda que ela possui em si a causa de si
mesma, daí ser considerada uma ciência livre. Assim sendo, quem souber ensiná-la,
conseguirá levar aos seus discípulos as primeiras causas e princípios do real, fazendo
que assim ele compreenda melhor a realidade na qual se encontra inserido.
Esta Filosofia Primeira de que falava Aristóteles, nasce do espanto, porém, esse
espanto não deve ser entendido no sentido vulgar de um simples assustar-se, mas sim
como o sentimento de estranheza diante da realidade. Ao ser tomado por esse
sentimento, o homem passa a perceber que todas as coisas que existem, sejam em
matéria ou em idéias, estão unidas por algo em comum, todas se encontram radicadas
no ser.
Logo, se todas as coisas que existem participam do Ser, e a Filosofia volta-se para
este Ser enquanto Ser, ou seja, para a totalidade de tudo que existe, assim sendo,
todas as coisas que existem estão subordinadas a ela. Por isso pode-se dizer que é
desta ciência que derivaram todas as outras ciências, uma vez que, contrária àquelas
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que preocupam-se em demonstrar uma parte deste Ser para obter resultados, a
Filosofia ocupa-se com o Ser em geral, sem querer dispor de qualquer utilidade que
não seja o saber por saber.
Já que segundo Aristóteles, o desejo do saber para fugir à ignorância é algo natural do
homem, esta busca pelo saber nasce da curiosidade que é despertada através dos
sentidos, se destacando entre eles a visão, que nos passa um conhecimento imediato
das coisas. Mas, para que isso aconteça segundo Aristóteles, é necessário que o
homem passe a viver no ócio, que não significa “desocupação”, mas sim no sentido
que o homem passe a não se preocupar mais com as coisas que antes considerava
úteis e necessárias. Ou seja, é preciso que ele tenha resolvido tudo o que o prende ao
cotidiano, para que essas coisas não
interfiram mais em seu momento de
contemplação da realidade, pois, só assim ele conseguirá espantar-se com o fato de
as coisas serem o que elas são e passará a agir intelectualmente para conhecê-las.
É interessante ainda reiterar, que esse conhecimento, que é a Filosofia buscada por
Aristóteles, é muitas vezes considerada inútil, pois, esta não é prática e sim teórica.
Assim, pode-se dizer ainda que a Filosofia por ser teórica – ao aprender pelo intelecto
os princípios e causas- mostra-se, contrária às outras ciências porque não depende da
ação humana para se dar, sendo considerada por isso, divina.
Enfim, pode-se concluir que, de acordo com Aristóteles, a Filosofia por buscar um
conhecimento sem querer dispor de qualquer serventia para fora dela mesma, ou seja,
por buscar um saber desprovido de qualquer interesse que não seja somente o de
pensar, ela passa então a ser considerada mais saber.
Referências Bibliográficas:
ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução de Giovanni Reale. Vol. II. São Paulo: Edições Loyola,
2002.
_____________. Metafísica: sumário e comentários. Tradução Giovanni Reale. Vol. III. São
Paulo: Edições Loyola, 2002.
ALLAN, D. J. A filosofia de Aristóteles. Lisboa: Editorial Presença, 1983.
MARIE, Dominique Philippe. Introdução à filosofia de Aristóteles. Tradução: Gabriel Hibon. São
Paulo: Paulus, 2002.
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