Abertura 1839: uma análise sobre o primeiro volume da Revista do IHGB Camila Aparecida Souza Santos Érika da Silva Brito Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo Durante o século XIX, o Brasil passou por período de intensas mudanças no quadro político, destacando-se o evento da Independência política em relação a Portugal, fato que acarretou grandes debates acerca de como deveria ser sua governança e como iria ser construído o Estado brasileiro. Essa preocupação afligia, sobretudo, a elite política brasileira e podemos buscar o motivo na própria configuração do Brasil enquanto colônia. O país é fruto de uma colonização na qual era administrado apenas para usufruto de sua riqueza pela Coroa Portuguesa, não era tido como extensão orgânica da terra dos colonizadores, pois o lugar onde se identificavam era apenas Portugal e o Brasil era, então, visto como fonte para exploração afim de enriquecimento de seu Reino. Podemos considerar como fato exemplar o não planejamento urbano presente na colonização, que é sintomático da falta de criação de laços afetivos dos portugueses com sua colônia, o que dificultou o desenvolvimento de uma identidade brasileira (HOLLANDA, 2007). O sistema de capitanias hereditárias, implantado pela colonização portuguesa sob o âmbito do poder privado, era um exercício governamental que expressava a heterogeneidade de um governo que se referia a um mesmo território (FERREIRA, 2006). A partir disso, a imagem herdada do país refletia a descentralização política existente e a extensa distância para alcançar os ideais que, aos olhos das elites, regeriam uma nação. Após a Independência, a necessidade de construir uma identidade nacional delimitar o contorno, histórico e físico, do Estado brasileiro preocupou a elite da época, que se empenhou, então, para constituir bases políticas, sociais e territoriais que proporcionassem a consolidação deste. Economicamente, o país era visto como vasta empresa comercial e, se nos embasarmos no conceito marxista de história e a considerarmos como um processo em que os fatos do passado relacionam-se com o presente, a Independência não representou ruptura na história do Brasil.(PRADO JR, 1973). Os sinais de mudança nos registros históricos estão relacionados à necessidade de representação homogênea de identidade, da criação da idéia de nação e de um povo. Um sentimento aliado à nação traz intrínseco a si o 1 Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 1 conceito de identidade, porém, no recém- independente Brasil, o que unia a população que o habitava? “A origem das sociedades geográficas em nosso país vincula-se estreitamente ao processo de formação do Estado nacional” (PEREIRA, 2005), especificamente no caso brasileiro, foi necessária a busca por uma história oficial por receio, entre outros motivos, de possível fragmentação política entre as províncias. Sobre esta base, a história no período Imperial, foi modelada com elogios ao passado, culto aos heróis portugueses e omissão de conflitos internos. Assim, a visão que se tinha era de um país unido, cristão e branco, pensamento evidentemente pertencente à elite branca, cujo representava a minoria política, dona da riqueza nacional e quem se entendiam como nação, na época. Nesse contexto, emerge a preocupação sobre saberes geográficos e históricos brasileiros, produzidos no próprio país e focados na construção do saber oficial. Inaugura-se, então, em 1838, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro- IHGB, a fim de cumprir o propósito de produção intelectual para alcance da legitimidade da nação, este apresentava uma composição interna na qual revelava suas ligações com o Império, ressaltando sua formação e escolha de seus membros muito mais atrelada à determinantes sociais do que a produção intelectual. É possível corroborar essa afirmação observando o perfil dos sócios fundadores, pois, em grande maioria, ocupavam posições hierárquicas de grande importância na organização interna do Estado, dentre eles, cargos de conselheiros de Estado. Essa aliança resultará o fortalecimento do poder centralizado nas mãos do Imperador, incentivo feito por membros do instituto que depositavam imensa lealdade a ele, esta expressa por homenagens e convites de honra para participação em reuniões, esta devoção se deve, inclusive, pelos financiamentos para as produções internas e gastos do instituto. Nos discursos declarados por membros do instituto, podemos perceber a intenção de valorização e exaltação à pátria, difundindo esses objetivos através da educação, pois o IHGB também colaborou com a promoção do ensino de Geografia e História, destinado à socialização das elites dirigentes nos valores que identificavam o elo entre o território e o poder que o regia, assim legitimando o projeto estatal monárquico. Além disso, com a formulação de conhecimento acerca de diferentes corografias brasileiras, cuja continha conteúdo histórico e limites territoriais, o Império podia estabelecer domínio sobre todo o país. (SCHWARCZ, 1993) 2 Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 2 O Instituto se empenhava para difusão desses valores pátrios e da reeducação nacional não só com a promoção no ensino, mas também com a divulgação de muitos de seus documentos através de edições anais de sua revista. A primeira edição da Revista do IHGB foi divulgada em 1839, contendo artigos e documentos referentes às pesquisas feitas por membros deste, interpretações de acontecimentos históricos, relatos de limites do território brasileiro, etnografia indígena e trabalho escravo. Em contato com essa primeira edição, pudemos perceber a glorificação da paisagem natural brasileira, a forma como é feita os elogios referentes a esta é bem próximo à linguagem usada pelos literatos românticos da época, vale ressaltar que estes também estavam envolvidos com esse movimento de busca de identidade nacional e, inclusive, alguns eram membros do IHGB. Nessa perspectiva, então, foram produzidos muitos documentos decorrentes de expedições ao interior do país e restauro de histórias datadas, principalmente, do período colonial para resgate de uma identidade. O advento dessa nova inquietação brasileira proporcionou ao país o título de pioneiro em relação às sociedades geográficas. Foi de suma importância os registros, tidos por este, referentes à estruturação do saber geográfico, observando-se que teve seu inicio em meio a um período em que a própria Geografia não havia se institucionalizado inclusive na Europa. Há uma extensa produção geográfica oriunda dessa época, onde podem ser observados relatos de regiões interioranas do país, locais que obtinham poucos registros ou alguns relatos feitos sob olhar estrangeiro, o que era profundamente repudiado pelos nacionalistas, considerando-se que o foco era a produção interna. A corografia brasileira da época era munida de alta valorização da natureza e os limites territoriais eram cuidadosamente relatados e delimitados, na maioria das vezes pelas fronteiras naturais. Para explanação de como era a visão da época referida sobre os limites dados por fronteiras naturais, propõe-se uma análise sobre registros feitos pelo Visconde de São Leopoldo, em periódico intitulado “Memórias do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro”, publicado pela revista do IHGB, em sua primeira edição (1839). No referido artigo, o Visconde ressalta como já citado, a contribuição do instituto para consolidação territorial do Brasil, porém, a coloca como dever deste, tendo em vista que faz parte de sua esfera as produções acadêmicas e preocupações políticas. Outro aspecto bastante evidenciado por ele são os limites naturais do território brasileiro, destacando como eram feitas as negociações de Portugal com Espanha e França e, quando reivindicado 3 Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 3 territórios brasileiros, reforça que havia embasamento natural, cujo conferia com o percurso de rios. O Tratado Paz de Amiens (1801), antecedido pelo Tratado de Utrecht (1715), foi um dos tratados que propunha delimitar os territórios das Guianas Francesa e Portuguesa, o autor apresenta artigos do próprio tratado que exaltam as fronteiras naturais e as descreve: “Os limites das Guianas Francesa e Portuguesa foram fixados pelo Rio Araguari, na sua embocadura mais distante do Cabo Norte, perto da Ilha Nova, e da Ilha da Penitência [...] e daí tirava uma linha reta até o Rio Branco para Oeste” (Visconde de São Leopoldo,1839). Quanto à defesa desta área, o autor vangloria D. João VI por ter declarado guerra em defesa da Guiana posta sob domínio português e, sobre análise dos tratados, acordos de Paz e convenções, descreve como estão definidas as fronteiras brasileiras sob âmbito de limites naturais, dividindo seu documento em partes referentes às regiões norte, oeste e sul do país. Algumas delas apresentam peculiaridades quanto à definição do território ou aos registros que comprove estar sob qual governo, como a região ocidental de Mato Grosso do Sul, classificada pelo Visconde como difícil de ser identificada exatamente por ser uma área pouco explorada e, conseqüentemente, pouco conhecida. Uma das fronteiras mais defendidas e citadas é o Rio da Prata, o autor enfatiza ser direito primordial brasileiro tê-lo sob domínio, lembrando que este agregava a Colônia do Sacramento ao seu território. A exaltação da natureza do país é permanente nas discrições feitas pelo Visconde e o conceito de fronteiras naturais representa uma lógica que atribui territórios ao Brasil conforme limites traçados por sua própria natureza. A gênese desse conceito esta composta de uma ideologia legitimadora, cujo tem sua origem na França, século XVIII, pois comporta significados mais aceitos, não precisando ser feitas construções abstratas e inscreve maior facilidade de demarcação, as fronteiras naturais são dadas como bases de demarcações, preexistentes, ou seja, as fronteiras de um dado país são predeterminadas por suas fronteiras naturais, independente de seu domínio ser além ou não destas. A partir disso, ocorrem os tratados e conflitos acerca dessas pré-demarcações, podemos conferir essa consciência de direito que as fronteiras naturais proporcionam com uma fala, que expressa reivindicação, do Visconde de São Leopoldo: “Quais são os limites naturais, pactuados e necessários ao Império do Brasil?” (Revista do IHGB, 1839). Porém, todas as fronteiras são artificiais, a demarcação por elementos da natureza são artifícios usados para estabelecer limites mais evidentes e seguros, pois por mais modificações ou falsificações que tiverem os tratados, ninguém pode negar as 4 Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 4 fronteiras naturais, como o Visconde, mais uma vez, defende. O Tratado de Madrid representa uma mostra de conhecimento geográfico português acerca do território interiorano brasileiro, obtido por incursões, necessários à legitimação deste, o que ocasionou ao tratado título de viés nacionalista após Alexandre de Gusmão ser coroado como ícone precursor da diplomacia brasileira, por obter informações valiosas sobre o território brasileiro. Assim, podemos concluir que “construir a nação é como se observa, mudar seu território” (MAGNOLI, 1997). E o diplomata está preparado para esta tarefa. O Tratado de Madri encontra legitimidade no papel que desempenha na mitologia nacional. Dessa forma, a percepção de Alexandre de Gusmão sobre o território brasileiro recebe características nacionalistas por prever, antes do tratado, as configurações quase inalteradas do Brasil. A construção de uma identidade nacional permeia por caminhos cujos alguns foram apontados no presente trabalho, desde a delimitação do território à modelagem de uma história oficial, mesmo não condizente com a realidade, mas referente às necessidades de promoção e legitimidade da elite governamental. BIBLIOGRAFIA FERREIRA,Gabriela Nunes. O Rio da Prata e a consolidação do Estado imperial. São Paulo: Hucitec, 2006. HOLANDA, Sergio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. MARTIN, André Roberto. Fronteiras e Nações. São Paulo: Contexto, 1992. MAGNOLI, Demetrio. O Corpo da Pátria. São Paulo: Editora UNESP; Moderna, 1997. MORAES, Antonio Carlos Robert. Território e História no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2002. PRADO JR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1973, 16ª edição. REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO. IHGB: Rio de Janeiro, Tomo I, n. 1, 1839. PEREIRA, Sergio Nunes. Obsessões geográficas: viagens, conflitos e saberes no âmbito da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro. Revista da Sociedade Brasileira de História da Ciência, 2005. 5 Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 5 SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças- cientistas, instituições e questão racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. 6 Realizado de 25 a 31 de julho de 2010. Porto Alegre - RS, 2010. ISBN 978-85-99907-02-3 6