A ação do homem e o aquecimento global

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A ação do homem e o
aquecimento global
Quando o assunto é a temperatura do planeta, os
pesquisadores estão como a Terra: em polvorosa. Não há
consenso para explicar os últimos fenômentos
meteorológicos ocorridos no mundo. Mas de uma coisa se
tem certeza: trata-se de um processo sem volta e a ação
humana já ultrapassou em muito o limite do aceitável
Tatiana Pinheiro
Rogério Fernandes
RISCO DE INUNDAÇÕES O derretimento
do gelo que está sobre a terra firme,
como no polo Sul, vai contribuir para a
elevação do nível do mar, ameaçando
ilhas e cidades costeiras. No pior dos
cenários desenhado por especialistas,
o nível pode aumentar em
59 centímetros.
Foto: Alan Kearney/Getty Images
Apesar da previsão do calendário maia de que
o mundo como conhecemos vai acabar em 21
de dezembro de 2012 , o mais provável é que
não ocorra nada do que mostra o filme 2012,
lançado em novembro do ano passado. Na
trama dirigida por Roland Emmerich, o
personagem do ator John Cusak luta para
salvar sua família, enquanto o planeta se parte
ao meio. Cenários catastróficos volta e meia
ganham destaque no cinema e na imprensa,
porém a maioria dos pesquisadores (físicos,
astrônomos e meteorologistas, entre outros)
não assina embaixo de teorias apocalípticas
como essa.
É fato que o planeta Terra está passando por
mudanças ambientais importantes. O marco
inicial desse processo é a Revolução Industrial, que data do século 19. Foi
nessa época que as fábricas começaram a demandar mais recursos naturais
para produzir bens de consumo. O principal impacto da crescente atividade
fabril - em vigor até hoje - foi o aumento da concentração de gases de efeito
estufa na atmosfera (veja o infográfico), especialmente do dióxido de carbono
(CO2) produzido na queima de combustíveis, como o óleo diesel e a gasolina.
Não por acaso, o último relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças
Climáticas (IPCC, sigla em inglês), de 2007, aponta o dióxido de carbono como
um dos principais vilões do aquecimento global e recomenda que as
emissões sejam reduzidas à metade. Para o órgão, a maior autoridade no
tema, há 90% de chance de o aquecimento do planeta ser provocado pelo
acúmulo desse gás na atmosfera.
Segundo o meteorologista e pesquisador Marcos Sanches, do Centro de
Ciência do Sistema Terrestre do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe), de Cachoeira Paulista, a 230 quilômetros de São Paulo, a concentração
de CO2 aumentou 37% entre 1750 e 2007 (saltou de 280 ppm - partes por
milhão - para 383 ppm). "Isso faz com que o efeito estufa, se intensifique e
provoque o aumento da temperatura média no planeta", diz. Previsões do
IPCC indicam que a média da temperatura mundial subirá entre 1,8 e 4 °C até
2100. Nos últimos 100 anos, a elevação foi de aproximadamente 0,7 °C (em
2005, a temperatura média planetária ficou em 14,65°C). Uma alteração de 2
°C já seria suficiente para acelerar o derretimento do gelo que recobre a
Antártida e a cordilheira dos Andes. "O gelo que está sobre a terra firme,
como no polo Sul, não faz parte do volume de água dos oceanos. Por isso, ao
derreter, ele contribui para elevar o nível das águas, ameaçando cidades
costeiras e ilhas", diz Marcos Sanches. "Bem diferente da geleira que forma o
polo Norte, que funciona como cubos de gelo num copo d'água. Ao derreter,
ela não aumenta o volume de água." O pior dos cenários projetados pelo
IPCC prevê uma elevação de 6,4 °C na temperatura, o que elevaria os níveis
oceânicos em 59 centímetros.
Alguns especialistas acreditam que a progressiva fusão de gelo no polo Norte
vai causar outro tipo de impacto: o enfraquecimento da corrente oceânica
termohalina, que leva as águas quentes da região equatorial para as águas
frias do norte do oceano Atlântico, e vice-versa. A termohalina funciona como
um regulador de temperatura da Terra.
Um estudo recente do norte-americano Josh Willis, do Laboratório de
Propulsão a Jato da Nasa, na Califórnia, Estados Unidos, entretanto, defende
que a circulação de águas continua tão intensa como antes, com a diferença
de que hoje há um volume maior sendo transportado, pois as do Atlântico
estão mais quentes.
Atividade solar pode influenciar a temperatura
AQUECIMENTO A atividade solar, que
As divergências entre os estudiosos não ficam
por aí. Sabe-se que outro fator de influência
nas mudanças climáticas é a atividade solar. Os
cientistas monitoram o Sol há pelo menos
quatro séculos. Para uma estrela de 5 bilhões
de anos, é pouco. Segundo Gastão Lima Neto,
professor de Astronomia do Instituto de
Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas
(IAG), da Universidade de São Paulo (USP),
apenas os registros de 1,5 século são exatos.
Com base neles, sabe-se que o Sol cumpre
influencia a temperatura do planeta,
é observada com exatidão há 150 anos.
O acompanhamento é feito pela
observação da quantidade de manchas
na superfície da estrela. Quanto mais
pontos escuros, mais ativo o Sol está.
Foto: Luis Morais
ciclos de 11 anos. O acompanhamento é feito
pela observação da quantidade de manchas
na superfície da estrela: quanto mais pontos
escuros, mais intensa é a atividade. Logo, mais
radiação ele emite para a Terra.
A partir de 2008, esperava-se o aumento da
atividade solar. Essa retomada atrasou alguns meses e provocou um
burburinho na comunidade acadêmica. "Começou-se a considerar a
possibilidade de isso acarretar o resfriamento de nosso planeta", diz Gastão.
Para alguns pesquisadores, a julgar pela atual situação de crescente atividade
solar, isso não ocorrerá. Há quem discorde, como Shigenori Maruyama,
professor da Universidade Tecnológica de Tóquio e geólogo especializado em
Ciência Planetária Terrestre. Para ele, a ação do Sol vai, sim, colaborar para o
resfriamento da Terra.
No livro Aquecimento Global?, o pesquisador japonês refuta a tese de que as
atuais altas temperaturas sejam provocadas pelo acúmulo de CO2. Com base
na análise da variação da atividade solar nos últimos 400 anos, Maruyama
concluiu que os picos do número de manchas solares têm ciclos de 100 anos
- e não de 11. Para ele, desde 2008 estamos próximos de ultrapassar um pico.
De acordo com ele, o último aquecimento foi causado pela atividade solar
que deverá enfraquecer, indicando grande possibilidade de a temperatura
cair. Por esse raciocínio, com emissão ou não de CO2, a Terra passará por
mudanças climáticas.
Dentro das diversas linhas de pesquisa científica, há um ponto pacífico: o
estilo de vida do homem tem que mudar (leia o artigo no quadro da última
página). "Atualmente somos 6,6 bilhões de habitantes consumindo o que
existe sobre a superfície terrestre a um ritmo superior ao da capacidade de
reposição do planeta. Estima-se que consumimos 25% além do que o meio
ambiente consegue repor", lembra Emerson Galvani, geógrafo e professor da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.
Com a perspectiva de chegarmos aos 7 bilhões de habitantes em dois anos,
fica difícil imaginar uma mudança radical nesse quadro. Uma das saídas é
tentar diminuir o impacto dessa ocupação no planeta e o consequente
aumento da concentração de gases de efeito estufa. Ricardo de Camargo,
físico e professor de Meteorologia do IAG, recomenda cautela. "Não é para
radicalizar. A questão é de sustentabilidade. Não é o caso de parar de
consumir. É preciso pensar em como usar os recursos", diz.
O clima e as catástrofes
As recentes alterações meteorológicas têm mobilizado toda a sociedade e, por
causa disso, o tema aparece nas conversas dos alunos. No entanto, muitas
vezes ele é tratado de forma equivocada. Veja abaixo os principais erros no
ensino do conteúdo e como evitá-los.
Errado: Embarcar no discurso superficial e simplista que atribui todos os
problemas relacionados a clima ao já famoso aquecimento global.
Certo: Mostrar que por trás da elevação da temperatura média do planeta podem
existir outros fatores, como o comportamento do Sol.
Errado: Jogar a culpa pelos fenômenos da natureza, como tsunamis, nas ações
desordenadas dos homens.
Certo: Explicar que a natureza não é catastrófica. As tragédias só ocorrem nas
áreas que o homem ocupou.
Errado: Tratar de problemas enfrentados pela população, como enchentes,
como consequências das mudanças climáticas.
Certo: Considerar que em situações como essas estão envolvidas as ações do
homem (que construiu sua casa num local inadequado, como as margens de rios)
e do poder público, que se omitiu.
Errado: Apresentar os problemas do clima de forma isolada.
Certo: Relacionar o assunto a outras questões ambientais, como o consumo
exagerado, típico das metrópoles, e a escassez de água.
Consultoria Sônia Castellar, geógrafa e professora de Metodologia de Ensino de Geografia da Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo (USP).
O clima e a escola
Paulo Artaxo
Físico, professor da Universidade de São Paulo
(USP) e membro do Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas (IPCC)
Desde que foi divulgado o relatório do Painel
Intergovernamental sobre Mudanças
Climáticas (IPCC, sigla em inglês), em fevereiro
de 2007, muito se tem debatido sobre os
impactos da ação humana no clima do
planeta. Do ponto de vista científico, podemos
Foto: Arquivo pessoal
afirmar que as mudanças climáticas são reais,
já estão ocorrendo e têm como uma de suas
causas a intensificação do efeito estufa. A questão, agora, é como lidar com
esse que é um dos maiores desafios para a humanidade nos próximos
séculos.
Pensar soluções para minimizar os impactos das mudanças climáticas não é
tarefa apenas da comunidade científica ou de ambientalistas. Cabe a toda a
sociedade se envolver e, para isso, uma das palavras-chave é Educação - que
não pode prescindir de informações confiáveis. Nessa perspectiva, tanto a
escola como a imprensa desempenham um papel fundamental e devem cada
vez mais assumir o compromisso de oferecer clareza, abrangência e correção
na abordagem de tema tão complexo. É papel da imprensa contribuir para a
formação de uma consciência cidadã - ainda mais se pensarmos que jornais e
revistas são utilizados como fontes de informação nas salas de aula. Somente
a compreensão devida dos impactos socioeconômicos desse processo
permitirá a cada ator localizar com mais precisão sua responsabilidade e seus
meios de atuação. Abordar o assunto em todos os níveis escolares não é
tarefa complicada.
Cabe à escola explicar às crianças que experiências de pequena escala - como
o cuidado de não desperdiçar água - podem fazer grande diferença. Ao
mesmo tempo, professores precisam mostrar a dimensão da questão e a
necessidade de os governos também fazerem sua parte, formulando políticas
públicas para a redução de emissão de gases do efeito estufa.
Uma sociedade que consegue avaliar a real dimensão do problema
certamente estará em melhores condições para agir e até fiscalizar o poder
público. Já há uma preocupação global. Não é à toa que lideranças de 192
países estiveram reunidas em 2009, pela primeira vez, para estabelecer
metas. Nesse sentido, a reunião de Copenhagem não foi um fracasso. A
humanidade vai precisar de mais do que um encontro de duas semanas para
encaminhar a solução dos complexos problemas ambientais globais. Mas sou
otimista e tenho a convicção de que não caminhamos para o caos climático.
Confio na nossa capacidade de encontrar meios de desenvolvimento
econômico que sejam ambientalmente sustentáveis a longo prazo. Confio
também na nova geração, que não repetirá os erros das passadas e utilizará
os recursos naturais de nosso planeta de modo mais inteligente.
Quer saber mais?
CONTATOS
Emerson Galvani
Gastão Lima Neto
Paulo Artaxo
Ricardo de Camargo
Sônia Castellar
BIBLIOGRAFIA
Aquecimento Global?, Shigenori Maruyama, 125 págs., Ed. Oficina de Textos, tel. (11) 3085-7933, 28 reais
Por que o Céu é Azul?, David West, 122 págs., Ed. Melhoramentos, tel. (11) 3074-0880, 32,60 reais
Ciência Hoje na Escola, volume 1, vários autores, 92 págs., Ed. Global, tel. (11) 3277-7999, 35 reais
INTERNET
Informações sobre mudanças no clima do Brasil
Vídeos e atividades sobre o Sol (em inglês).
Endereço da página:
https://novaescola.org.br/conteudo/2306/a-acao-do-homem-e-o-aquecimento-global
Links da página
https://novaescola.org.br/conteudo/2317/entenda-o-que-e-o-efeito-estufa-e-a-camadade-ozonio
http://www.astro.iag.usp.br/~gastao/
http://www.cgee.org.br/parcerias/p27.php
http://solar-center.stanford.edu/teachers/
Publicado em NOVA ESCOLA 01 de Maio de 2010
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