A estrela - Overmundo

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A estrela
Fred Teixeira
(para T.)
Era uma vez um homem que se apaixonou por uma estrela. Desculpem se começo esta
história assim; mas não vi outra forma de iniciá-la, visto que o homem não mais existe... e
nem a estrela. Foi o único modo que encontrei de iniciar a narrativa de um fato pelo qual
passou um conhecido meu... bem próximo, aliás. Tão próximo que às vezes me confundiam
com ele. Mas continuando: o homem amava uma estrela. Não, não era uma estrela de
cinema, nem qualquer outra do gênero; era uma estrela mesmo, daquelas que piscam no
céu – apesar de algumas estrelas de cinema também piscarem, às vezes. Mas são pagas pra
isso, coisa que as estrelas do céu não são.
Esse homem costumava se apaixonar de estranhas maneiras. Uma vez, apaixonou-se por
uma morta: ia ao cemitério quase todos os dias, levar uma rosa à sepultura de sua eleita.
Certa noite, não resistindo mais à carência que sentia, arrombou o jazigo onde sua amada
dormia o sono eterno. Mas o que encontrou ali desiludiu-o: por entre um conjunto de
ossos secos, panos sujos e madeira de caixão, um crânio comum, como o de qualquer outra
cabeça desprovida de carne, fitava-o sem olhos. Ah, mas se era tão bela na fotografia presa à
lápide! O homem então percebeu que a beleza era passageira, e as fotografias, umas
mentirosas.
Depois disso o homem se apaixonou por uma deusa. Era uma deusa desconhecida, de
modos que não poderei dizer seu nome aqui, pelo que me desculpo novamente. O homem,
cujo amor pela deusa levava a sair pela mata chamando-a desesperadamente – sem no
entanto usar a voz, pois a tal deusa possuía a capacidade de escutar seus pensamentos,
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conforme posteriormente veio a revelar – passava dias desaparecido. Volta e meia era
resgatado pelos policiais florestais, sempre em lastimáveis condições. Faminto, olheiras
fundas, barba imunda e crescida... seus familiares cuidavam dele, mas mal se recuperava
voltava à sua busca. Então, para resumir o caso, contou ter finalmente avistado, do alto de
uma rocha, a silhueta vaporosa de uma ninfa. Era noite, e a forma branca caminhava pelo
ar, com pequenos relâmpagos saltitando ao seu redor. “É ela”, pensou, “enfim a vejo!” E atirouse em sua direção do alto da pedra, vindo a fraturar uns doze ou quinze ossos. Depois, no
hospital, todo engessado e imobilizado, desabafou: “O problema de amar uma deusa é que
ficamos em grande desvantagem. Como manter um encontro amoroso em pleno ar, se não
dispomos de asas?”
De muitas outras formas esquisitas se apaixonou, mas não me estenderei aqui a respeito.
Em todas se desiludiu, como seria de se esperar. Então, cansado, decidiu que era hora de
desistir do amor. E pôs-se a escrever poemas amargurados e a observar as estrelas com
olhos úmidos, declamando em voz alta, na solidão de uma erma colina onde costumava ir
nas noites de lua cheia, os versos mais tristes de que tenho notícia.
Mas... em seu espírito ainda oscilava uma chama de esperança. E, quase sem notar,
percebeu que seu olhar se dirigia para um ponto específico do céu, onde uma luz
avermelhada cintilava todas as noites. Percebeu que aquele ponto luminoso não se movia
como os outros, que parecia fixo ali. Percebeu também que a estrela piscava muito mais
quando declamava dirigindo-se a ela, e, ainda, que seus poemas perdiam o amargor na
mesma medida em que se apercebia desse fato. E a estrela parecia crescer conforme mais
inflamados se tornavam os solitários saraus, e seu fulgor dominava os céus, impingindo
uma espécie de aurora boreal ao firmamento, num festival de cores róseas que ondeavam
por sobre as nuvens, tingindo a lua com matizes nunca vistos, sequer imaginados. E o
homem apaixonou-se pela estrela, pois sentiu que a estrela o amava.
Mas quem pode dizer o que sente uma estrela? O homem, como já devem ter concluído,
era meio louco. Completamente maluco, pra falar a verdade. Pois não é o amor uma
loucura? E amar, seja lá o que for, digno de uma camisa de força? Assim, tendo seus
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familiares deliberado longamente a seu respeito, decidiram que o melhor a fazer, para
protegê-lo de si mesmo, seria interná-lo em uma clínica psiquiátrica.
Lembro-me do dia em que o levaram... esperneava e bradava, aos berros, que a estrela ia
se apagar caso ele não a visse mais. “Vocês não compreendem”, gritava, “que eu dependo
dela? E que ela também depende de mim?” Mas os homens vestidos de branco não deram
ouvidos às suas súplicas, acomodando-o na traseira do veículo que o levou para a clínica. E
nunca mais o vi depois disso.
Ah, mas não pensem que acabou! Muitos anos depois, já esquecido do episódio e do próprio
homem, li num jornal que um meteorito havia caído num cemitério da região. Segundo a
notícia, não causara grandes estragos... atingira em cheio uma sepultura, abrindo uma
modesta cratera no local. A matéria informava ainda o nome do seu ocupante, e não pude
deixar de arregalar os olhos quando o li... pois, pasmem, era o nome do homem, o qual
falecera havia menos de uma semana na clínica psiquiátrica.
Obra original disponível em:
http://www.overmundo.com.br/banco/a-estrela
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