CPV o cursinho que mais aprova na GV Fgv - 07/11/2004 3 LÍNGUA PORTUGUESA Leia com atenção o poema de João Cabral de Melo Neto e responda as questões que seguem: SOBRE O SENTAR-/ESTAR-NO-MUNDO A Fanor Cumplido Jr. 1. 2. 3. 4. 5. 6. Ondequer que certos homens se sentem sentam poltrona, qualquer o assento. Sentam poltrona: ou tábua-de-latrina, assento além de anatômico, ecumênico, exemplo único de concepção universal, onde cabe qualquer homem e a contento. * 1. Ondequer que certos homens se sentem 2. sentam bancos ferrenhos de colégio; 3. por afetuoso e diplomata o estofado, 4. os ferem nós debaixo, senão pregos, 5. e mesmo a tábua-de-latrina lhes nega 6. o abaulado amigo, as curvas de afeto. 7. A vida toda, se sentam mal sentados, 8. e mesmo de pé algum assento os fere: 9. eles levam em si os nós-senão-pregos, 10. nas nádegas da alma, em efes e erres. Melo Neto, J. C. de. A educação pela pedra. In: Poesias completas. Rio de Janeiro: Sabiá, 1968. 01. Nos versos 2 e 3 da primeira estrofe “sentam poltrona, qualquer o assento / Sentam poltrona: ou tábua-de-latrina,” e no verso 2 da segunda estrofe “sentam bancos ferrenhos de colégio;”a regência do verbo “sentar” é alterada bem como a natureza de seus complementos. Explique essa ocorrência sintática e os efeitos de sentido que geram no conjunto do poema. Resolução: No título do poema de João Cabral de Melo Neto, percebe-se clara relação entre o verbo “sentar” e o verbo “ser”, já que é usual a alusão, por exemplo, em gramáticas, aos verbos “ser” e “estar”, ambos auxiliares. Desse modo, pode-se supor que “ser” e “sentar” são equivalentes, semanticamente, no texto, o que faria, portanto, do verbo “sentar” um verbo de ligação cujo predicativo do sujeito não é preposicionado. Na primeira estrofe, há versos a respeito de homens que “são poltrona ou tábuade-latrina”, aqueles cujas relações com os outros são flexíveis. Trata-se de homens que admitem diferenças, ecumênicos que são. Na segunda, homens que são “bancos ferrenhos de colégio” são descritos: eles são inflexíveis, apesar de cultos; não são livres, malgrado detenham o conhecimento. Note-se a seleção vocabular de João Cabral de Melo Neto. Na primeira estrofe, o assento tábua-de-latrina é anatômico e ecumênico; na segunda estrofe, os bancos são ferrenhos, duros, inflexíveis. 02. Nota-se no poema, um intenso trabalho com várias figuras de som: assonância, aliteração, coliteração, rima interna, onomatopéia, paronomásia, etc. que conferem expressividade significativa ao texto. Dentre elas, assinala-se a que se forma da relação entre sentem (última palavra do primeiro verso) e sentam (primeira palavra do segundo verso) para que seja respondido o seguinte: 2.1.Quais os nomes das duas figuras que determinam a relação sentem/sentam no poema? 2.2.Explique os efeitos de sentido que essas figuras provocam na significação geral do poema. Resolução: 2.1 Paronomásia e anadiplose. 2.2 O verbo “sentar”, no final do primeiro verso, foi usado denotativamente, em seu significado usual; no início do segundo, assumiu, dentro do contexto, novo significado, que é o de “ser”, explicado na questão anterior. Desse modo, alguns homens se sentam em qualquer lugar e “são poltrona”; outros são “bancos ferrenhos de colégio”. Entretanto, ao assumir a dupla significação da primeira ocorrência, em que “sentir” é igual a “sentar”, pode-se afirmar que “sentir” é igual a “sentar”, que é igual a “ser”; a palavra “ser”, levada tal hipótese às últimas conseqüências, pode ser entendida como reflexiva, o que nos conduziria ao seguinte entendimento: qualquer lugar em que os homens possam sentir a si mesmos ou ser eles próprios será o lugar em que exporão seus modos flexíveis ou não de agir frente ao mundo. CPV fgv041f1dnovdir 4 fgv - 07/11/2004 CPV o cursinho que mais aprova na GV 03. Leia atentamente os dois fragmentos abaixo extraídos de Vidas Secas de Graciliano Ramos, e desenvolva a questão que segue: Texto 1: “Alcançou o pátio, enxergou a casa baixa e escura, de telhas pretas, deixou atrás os juazeiros, as pedras onde jogavam cobras mortas, o carro de bois. As alpercatas dos pequenos batiam no chão branco e liso. A cachorra Baleia trotava arquejando, a boca aberta.” “Fabiano” em: Ramos, G. Vidas Secas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1947 Texto 2: “Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria cheio de preás, gordos, enormes.” “Baleia” em: Ramos, G. Vidas Secas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1947 A expressividade do discurso de Vidas Secas ocorre por meio da forma singular com que são trabalhados todos os níveis gramaticais, mas encontra nos nomes (substantivos e adjetivos) e nos tempos verbais, lugar especial na construção dos sentidos. Analise essa afirmação relacionando comparativamente os dois fragmentos selecionados. Resolução: Ambos os trechos tratam de um processo de ruptura ou mudança; entretanto, a natureza do processo é diversa em cada um deles. No trecho 1, a mudança ocorre no nível concreto e objetivo, o do espaço, — pois Fabiano deixa para trás o juazeiro, a pedra, o carro de bois (universo natural) e alcança o pátio, a casa (universo humano) —, enquanto, no trecho 2, Baleia deixa a realidade e parte para o devaneio, para o sonho: uma mudança de cunho mais abstrato e subjetivo. Nesse sentido, os tempos verbais e o emprego de nomes assume fundamental importância. Em relação ao trecho 1: os tempos verbais que ocorrem são pretérito perfeito e o pretérito imperfeito do indicativo, que estabelecem uma relação de anterioridade ao momento presente e representam fatos que realmente ocorreram. Soma-se a isso a presença de substantivos determinados por artigos definidos e adjetivos cujo significado remete a uma avaliação objetiva dos fatos reais. Em relação ao trecho 2, os tempos verbais empregados são pretérito imperfeito e futuro do pretérito do indicativo, o qual indica posterioridade em relação ao marco passado e remete a uma realidade hipotética, sonhada e desejada pela personagem Baleia. Essa atmosfera de sonho é reforçada pelo emprego de artigos indefinidos e do adjetivo “enorme” que, repetido várias vezes, reforça a idéia de subjetividade e idealização. COMENTÁRIO DA PROVA DE LÍNGUA PORTUGUESA A avaliação de Língua Portuguesa correspondeu exatamente às proposições feitas pela Edesp no Manual do Candidato; segundo seus autores, há “necessidade de um futuro aluno e/ou profissional de Direito ser capaz de lançar mão de seu conhecimento lingüístico para refletir sobre os diferentes usos da língua e as possíveis implicações sociais e políticas destes”. As questões — sempre baseadas em textos — exigiram dos alunos capacidade de leitura, análise e interpretação aprofundada de composições literárias sem abusar das perguntas do tipo “classifique”; exploraram-se a identificação e a utilização de diferentes propriedades lexicais e as relações entre os recursos estilísticos e o texto como um todo. CPV fgv041f1dnovdir