8º Simposio de Ensino de Graduação HIV/AIDS: EVOLUÇÃO HISTÓRICA, ASPECTOS PSICOEMOCIONAIS DA CONVIVÊNCIA COM A DOENÇA E A PARTICIPAÇÃO DO FARMACÊUTICO NA ADESÃO AO TRATAMENTO Autor(es) THAIS LOMBARDI BARBOSA FERRAZ Orientador(es) PROFA. DRA.MIRIAM RIBEIRO CAMPOS 1. Introdução Os primeiros casos de Aids surgiram em 1981, nos Estados Unidos, a partir da divulgação pela imprensa de que um novo mal poderia estar se alastrando no âmbito da comunidade de homossexuais do país. Em 1982, com a verificação do mal também em cidadãos do Haiti e em pessoas hemofílicas, concluiu-se que o agente infeccioso estava ligado ao sangue e propôs-se a sigla Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), para designar a doença. Em 1983, na França, ocorreu a identificação do vírus HIV como o agente causal e, no ano seguinte, houve a confirmação nos Estados Unidos. O HIV é um retrovírus que, no geral, se transmite pelas vias sexual, sanguínea e perinatal. A infecção viral apresenta quatro estágios básicos: incubação, infecção aguda, latência e Aids. Trata-se de doença crônica, com evolução lenta. Durante o período entre a infecção pelo vírus e o aparecimento dos sinais clínicos da doença, o paciente é chamado soropositivo. A soropositividade apenas atesta a presença do vírus no organismo e não significa que o paciente esteja com Aids (ZALESKI, 1998). Dada a gravidade do problema em todo o mundo, nos meses seguintes à descrição do vírus desenvolveram-se sucessivas ações nas áreas médica, de assistência social e de legislação profissional visando proporcionar uma melhoria da qualidade de vida dos pacientes, tendo sido de fundamental importância o início do emprego de medicamentos antirretrovirais (ARV), a partir de 1986, no tratamento dos pacientes soropositivos. Os ARV atuam restringindo a reprodução do HIV no sangue, sem eliminá-lo. Atualmente, são divididos em cinco classes ou grupos e, para combater o vírus, é necessário utilizar medicamentos de classes diferentes (= coquetéis), sabendo-se que muitos pacientes tomam três a quatro antirretrovirais. A terapia desacelera a progressão da doença e, consequentemente, possibilita que o paciente usufrua de número variável de anos de sobrevida com uma qualidade de vida melhor. Entretanto, embora o tratamento antirretroviral representasse um admirável avanço, não libertou os pacientes HIV+ dos olhares preconceituosos de boa parte da comunidade. Tal discriminação, injustificada, tem levado muitos deles a desenvolver distúrbios psicoemocionais e a abandonar a terapia com ARV, aumentando as taxas de não-adesão. Neste último aspecto, da adesão ao tratamento, tem-se considerado que o farmacêutico pode desempenhar um importante papel, por vezes constituindo-se mesmo em peça-chave dentro da equipe assistencial dos pacientes soropositivos. 2. Objetivos Objetivou-se revisar a literatura atual disponível sobre o assunto de modo a enfocar especialmente os aspectos psicoemocionais que mais afetam os pacientes, os principais distúrbios deles decorrentes e as muitas limitações impostas aos doentes em suas atividades sociais, no ambiente de trabalho e na qualidade de vida em geral. Também se tratou da atuação do farmacêutico nesse complexo cenário, com ênfase à contribuição que ele pode oferecer na adesão à terapia antirretroviral. 3. Desenvolvimento Em termos de metodologia, o estudo realizado baseou-se em levantamento bibliográfico conduzido predominantemente, mas não exclusivamente, no sistema de Biblioteca da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP- campus Taquaral), incluindo busca de dados em periódicos especializados, revistas de difusão cultural, trabalhos acadêmicos de dissertação ou tese e sites da Internet, até maio de 2010. 4. Resultado e Discussão Qualidade de vida e distúrbios psicoemocionais em portadores do HIV A Qualidade de Vida (QV) envolve componentes subjetivos e objetivos, sendo definida pela Organização Mundial de Saúde como a forma pela qual “o indivíduo percebe o lugar que ocupa na sua cultura e no sistema de valores em que vive, bem como em relação aos seus objetivos, expectativas, critérios e preocupações”. No caso do HIV/Aids, desde que o AZT, o primeiro antirretroviral, foi disponibilizado para o tratamento, os portadores passaram a contar com um instrumento capaz de lhes assegurar um sistema imunológico menos frágil, melhor aparência geral e apreciável período de sobrevida. Embora estes benefícios fossem inegáveis do ponto de vista subjetivo, a QV desses pacientes continuou sendo negativamente afetada no que tange aos componentes objetivos, ou práticos, pois o advento da terapia com ARV não impediu que prosseguissem sendo alvos constantes de diferentes formas de discriminação, seja como familiar, cidadão ou trabalhador. Em vista da associação que sempre foi feita entre Aids e comportamentos de risco ou atitudes de transgressão social, o simples diagnóstico de HIV+ no geral já causa um sentimento de culpa no paciente, que o leva a evitar maior interação com a comunidade. Como resultado disso, é comum optar pelo isolamento, desenvolver idéia de suicídio, entregar-se ao alcoolismo ou a outros vícios e, principalmente, ficar mais suscetível a problemas psicoemocionais (MAIA, 2006). Incontáveis relatos existem na literatura especializada dando conta de situações em que os soropositivos são psicologicamente massacrados na vida cotidiana, o que explicaria a incidência tão frequente de transtornos psíquicos mais graves com a evolução da doença. Apertos de mão são negados. Amigos próximos se afastam, sem justificativas. O acesso à escola é dificultado, quando não impedido. Oportunidades novas de emprego são perdidas em função da soropositividade constante em fichas cadastrais. Até a recusa ao atendimento, como clientes de serviços, por cirurgiões-dentistas, enfermeiras, taxistas e outros profissionais, ainda acontece, sob vários pretextos. Podendo ou não estar relacionados à infecção pelo HIV, os distúrbios psicoemocionais mais comuns nos pacientes soropositivos são a depressão e a ansiedade, seguindo-se demência, surtos psicóticos e outros tipos de afecções neurológicas. No geral, sintomas depressivos são observados em cerca de 50% dos pacientes em algum momento da trajetória da doença, refletindo a baixa auto-estima e imagem negativa que formam de si próprios O diagnóstico dessas alterações psicoemocionais deve ser preciso, pois o tratamento delas irá requerer medicamentos que podem sofrer interações com aqueles utilizados na terapia antirretroviral, causando reações adversas ao paciente (FERREIRA, 2000). Curiosamente, o próprio tratamento com ARV, quando se prolonga por anos, pode resultar em acúmulo e distribuição anormal da gordura corporal do paciente (= lipodistrofia), sintoma que acaba contribuindo ao aparecimento, ou ao agravamento, do estado depressivo (EIDAM; LOPES; OLIVEIRA, 2005). O maior problema da ocorrência das perturbações nervosas nos pacientes, todavia, parecer residir no fato de que estes se mostram, com frequência, mais propensos a interromper a terapia com ARV, aumentando o nível de não-adesão. Outros fatores, além do citado, que favorecem a não-adesão ao tratamento antirretroviral no Brasil e em outros países são: demora na evidência de melhora do quadro sintomatológico do paciente; falta de orientação pela equipe assistencial quanto à aplicação dos ARV; complexidade excessiva, ao paciente, na aplicação dos ARV; dificuldades no agendamento do atendimento pela equipe assistencial; indisponibilidade dos medicamentos, ainda que temporária; longa distância entre o domicílio do paciente e os postos médicos; e falta de suporte social para pacientes do sexo feminino, como nos casos de mães que não tem onde deixar os filhos para comparecer a consultas ou sofrer internações (TEIXEIRA; PAIVA; SHIMA, 2000). É oportuno esclarecer que, para garantir a supressão sustentada do HIV, é necessário um nível de adesão de 95%, isto é, que o paciente tome mais de 95% das doses prescritas, de modo regular e contínuo, sem interrupções, a menos que tal ocorra por determinação médica. Em termos globais, no entanto, o nível médio de adesão tem sido estimado em apenas 50%, ou pouco mais, constatando-se a ocorrência de altas taxas de não-adesão tanto em países ricos quanto pobres (COLOMBRINI; LOPES; FIGUEIREDO, 2005). No Brasil, apesar de ter sido adotada uma política governamental de acesso universal e gratuito aos ARV, formalizada desde 1996, e da divulgação periódica de alguns dados estatísticos animadores pelo Ministério da Saúde, o cenário parece não diferir muito dos demais países, constituindo a não-adesão importante fator a limitar não só a plena recuperação de muitos pacientes como a própria busca da cura da doença (TEIXEIRA; PAIVA; SHIMA, 2000). A Participação do Farmacêutico na Adesão à Terapia Antirretroviral Poucas enfermidades, para não dizer nenhuma, tiveram na história da Medicina uma evolução tão rápida e contínua como o HIV/Aids. De fato, há evidências de que nunca antes um número tão elevado de medicamentos havia sido lançado no mercado para o tratamento de uma doença em um período tão curto de tempo. Por um lado, isso pode até ser entendido como algo espetacular, mas, por outro, deixa muito clara a necessidade de os profissionais, encarregados de cuidar desses pacientes, de aprender a se comunicar com eles, de envolvê-los psicologicamente e convencê-los da real importância do tratamento com ARV. A relação estabelecida entre a equipe assistencial e o paciente HIV+ é de suma importância e o fornecimento de informações detalhadas e adequadas ao seu nível cultural representa fator importante para melhorar a adesão ao tratamento antirretroviral. Dentro desta equipe multidisciplinar, destaca-se o farmacêutico, que há de ser visto como componente relevante. Entre as suas habilidades, destaca-se a ampla experiência na utilização de medicamentos, um instrumento que, utilizado de maneira correta, ajuda na cura das enfermidades, porém, se empregado de maneira incorreta, podem causar danos ainda maiores para a saúde (FIGUEROA, 2008). As atribuições do farmacêutico estão bem contextualizadas no conceito designado como Atenção Farmacêutica (AF), ou Pharmaceutical Care em inglês, pelo qual lhe cabe “a provisão responsável do tratamento farmacológico com o objetivo de alcançar resultados satisfatórios na saúde, melhorando a qualidade de vida do paciente”. Embora os estudos que tratam da repercussão da atuação do farmacêutico na adesão à terapia antirretroviral no Brasil e no mundo ainda não sejam muitos e se mostrem insuficientes para suportar uma conclusão definitiva sobre o assunto, já se dispõe de dados alentadores advindos de algumas pesquisas conduzidas na Europa (principalmente Espanha) e América do Norte. Na Espanha, o papel do farmacêutico foi avaliado positivamente em várias publicações, seja pelos pacientes soropositivos assistidos através da AF (CERDÁ et al., 2005), seja pelos médicos ou outros componentes da equipe assistencial (ABELLA; GALLARDO; HORCAJADA, 2003), contribuindo a aumentos na taxa de adesão nos hospitais em que se conduziram os estudos. Em apenas um caso (IBARRA-BARRUETA; ORTEGA-VALIN, 2008), embora os resultados gerais obtidos na pesquisa não fossem ruins, os farmacêuticos avaliaram negativamente os próprios desempenhos, justificando que necessitariam de uma formação acadêmica bem mais completa e adequada sobre a Aids para poderem praticar uma AF de qualidade em relação aos pacientes com HIV. Na América do Norte, o reconhecimento da importância da AF e do profissional farmacêutico por pacientes de HIV/Aids, seja atuando em hospitais, farmácias ou mesmo ao nível domiciliar, já foi destacado no Canadá (COLOMBO, 1997) e nos Estados Unidos (MARSHALL; KUNNY; LAWSON, 1997). No Brasil, em uma pesquisa conduzida em Pelotas/RS (SILVEIRA, 2009), concluiu-se que a AF não levou a crescimento na adesão, mas a satisfação dos pacientes medida durante o período do estudo aumentou, indicando que a AF fortaleceu o vínculo entre eles, o farmacêutico e os demais membros do serviço assistencial, contribuindo para melhorar o sucesso da terapia. 5. Considerações Finais - Uma clara correlação pode ser estabelecida entre a aplicação da terapia antirretroviral e a melhoria da qualidade de vida dos pacientes. Apesar de possíveis efeitos colaterais, os ARV têm possibilitado melhoria dos pacientes não apenas em relação à infecção viral, mas também da depressão, ansiedade e outras alterações psicoemocionais que costumam acompanhá-la; - No caso da terapia antirretroviral, a não-adesão continua a ser o principal ponto de estrangulamento, independente da condição econômica do país; - A participação do farmacêutico no aumento da adesão dos pacientes HIV+ à terapia antirretroviral tem sido reconhecida em diferentes países, inclusive no Brasil. Todavia, há barreiras a superar nesse aspecto, sendo a falta de adequada qualificação profissional possivelmente a mais importante delas. Referências Bibliográficas ABELLA, C.C.; GALLARDO, D.A.; HORCAJADA, C.M. Atención farmaceutica en pacientes con Síndrome da Inmunodeficiencia Adiquirida. Pharm. Care, v.5, p. 146-150, 2003. CERDÁ, J.M.V.; GIMENO, G.S.; BOQUET, E.M.; ALMIÑANA, M.A. Satisfacción percibida por pacientes infectados por el VIH com la unidad de atención farmacéutica a pacientes externos. Farm. Hospitalaria, v.29, p.134-139, 2005. COLOMBO, J. Establishing pharmaceutical care service in an HIV clinic. J. Amer. Pharm. Association, v.37, p.581-592, 1997. COLOMBRINI, M.R.C.; LOPES, M.H.B.M.; FIGUEIREDO, R.M. Adesão à terapia antiretroviral para HIV/AIDS. Rev. Esc. Enferm. USP, v.40, n.4, p.576-581, 2005. EIDAM, C.L.; LOPES, A.S.; OLIVEIRA, O.V. Prescrição de exercícios físicos para portadores do vírus HIV. Rev. Brasil. Ciência e Movimento, v.13, p.7-15, 2005. FERREIRA, V.M.B. Depressão. In: Manual de assistência psiquiátrica em HIV/AIDS. Brasília, Ministério da Saúde, p.23-28, 2000. FIGUEROA, S.C. Visión del farmacéutico. In: Juega a ganar. Salamanca, Hospital Universitario de Salamanca, p.104-108, 2008. IBARRA-BARRUETA, O.; ORTEGA-VALÍN, L. 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