A prática dialogal em educação musical: compreender e criar

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A prática dialogal em educação musical:
compreender e criar música na infância
Patrícia Lima Martins PEDERIVA1
Resumo: Esta pesquisa parte de uma investigação que durou dois anos, teve por
objetivo compreender a natureza da reação estético-musical em crianças de 7 a
12 anos de idade, com o fim de traçar uma ontogênese da música e, dessa forma,
caminhos para uma educação musical estética nesse campo. Teve como principal referencial teórico a psicologia histórico-cultural de Vigotski. Conclui-se
que, para a criança dessa faixa etária, existem vários “campos” de compreensão,
expressão e criação musicais, que deveriam ser considerados em uma educação
musical de caráter estético-musical, e que o caminho para uma educação estética
na música para a construção desses campos deve ser realizado pela via dialogal.
Palavras-chave: Educação Musical. Educação Estética. Reação Estética.
1
Patrícia Lima Martins Pederiva. Pós-Doutora em educação pela Universidad Autónoma de
Madrid (UAM), Espanha. Doutora em Educação pela Universidade de Brasília (UnB). Mestre
em Educação pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Especialista em Execução Musical –
Violoncelo pela Universidade de Brasília (UnB). Licenciada em Música pela mesma instituição.
E-mail: <[email protected]>.
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Dialogical practice in musical education:
understand and create music in early
childhood
Patrícia Lima Martins PEDERIVA
Abstract: This research aimed to understand the nature of the aesthetic-musical
reaction in children of 7-12 years of age, in order to draw an ontogeny of music and
paths to an aesthetic musical education in this field. It had, as its main theoretical
basis, the cultural-historical psychology of Vigotski. It concludes that, for the
child of this age, there are several “camps” of understanding, musical expression
and creation, which should be considered in an aesthetic and musical education,
and that the way to an aesthetic education in music for the construction of these
fields must be performed by a dialogical approach.
Keywords: Music Education. Aesthetic Education. Aesthetic Response.
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1.  INTRODUÇÃO
Cada atividade criada pelo homem possui sua importância,
seja do ponto de vista sociocultural, seja do ponto de vista do indivíduo, em termos de seu desenvolvimento psíquico. Assim, as
atividades artísticas e, especificamente, a educação musical são,
sem dúvida, fonte de desenvolvimento psicológico do homem. Todavia, no campo da educação, em especial o da educação escolar,
a arte, em geral, inclusive a educação musical, tem ocupado um
lugar marginal, quase clandestino, no currículo escolar. Há muitos
fatores sociais, históricos, políticos que podem estar ligados a essa
negligência e, entre eles, destaca-se um, há muito tempo apontado
por um estudioso da psicologia L. S. Vigotski, a saber: a falta de
uma análise psicológica, teoricamente fundada e metodicamente rigorosa, do próprio fazer artístico.
A ideia de que a estética não prescinde de um exame psicológico foi enfaticamente defendida por Vigotski (2001), pois que,
segundo ele, “[...] sem um estudo psicológico especial nunca vamos entender que leis regem os sentimentos numa obra de arte [...]”
(VIGOTSKI, 2001, p. 21). Para o autor, uma psicologia da arte
requer uma clara e precisa consciência dos problemas e dos limites
da mesma.
A arte, para ele, sistematiza o campo do sentimento do psiquismo do homem social. O psiquismo de um indivíduo particular
é socialmente condicionado, não existindo, assim, fronteiras entre
um e outro campo e nem diferença de princípios entre os processos
de criação grupal e individual. Desse modo, o psiquismo de um
indivíduo particular é o objeto da psicologia social.
Para Vigotski (2001), a arte é trabalho de um pensamento
emocional específico. Ela possui as suas leis particulares, leis do
pensamento emocional, ou seja, dos modos de funcionamento da
unidade entre afeto e intelecto. Para o autor, os sentimentos são
também materiais. Isso constitui uma mudança no princípio básico
de explicação da obra de arte.
A arte possui um problema psicológico, reafirma Vigotski
(2001) e, por esse motivo, para sua elucidação, é necessário utiliEducação, Batatais, v. 6, n. 2, p. 163-180, jul./dez. 2016
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zar uma explicação psicológica. As condições sociais determinam
apenas indiretamente a natureza e o efeito da obra de arte. Os sentimentos suscitados por ela são socialmente condicionados. Sua
forma possui a função de comunicar um sentimento social, ausente
no objeto representado, mas conferido pela arte. O comportamento
estético do homem é ocasionado por mecanismos psicológicos que
são determinados em seu funcionamento por razões de ordem sociológica. Os gostos e conceitos estéticos seriam possibilitados pela
condição humana. A transformação dessa possibilidade em realidade seria determinada pelas condições que a cercam. Em nenhuma
época as leis gerais da natureza psíquica do homem cessam. Em diferentes tempos, diversos materiais chegam às cabeças humanas e,
assim, os resultados de sua elaboração não são os mesmos. Por isso,
as leis psicológicas podem explicar a história da ideologia em geral
e a história da arte em particular. A psicologia de dada época possui
uma raiz comum com as ideologias. Mas a argamassa é o psiquismo social e não a ideologia. Para compreender a arte dessa forma é
necessária uma psicologia estética que estude a emoção, fenômeno
que atravessa o percurso do desenvolvimento humano na arte.
A arte recolhe da vida o seu material, produzindo a partir desta algo que ainda não está em suas propriedades: “A arte está para
a vida como o vinho para a uva” reafirma o autor (VIGOTSKI,
2001, p. 307). Um sentimento que é inicialmente individual torna-se social. Generaliza-se por meio da obra de arte. Ela é “[...] uma
espécie de sentimento social prolongado ou uma técnica de sentimentos” (VIGOTSKI, 2001, p. 308, grifos do autor). Ela pode ser
uma expressão direta da vida ou uma antítese dela. A arte parte de
determinados sentimentos vitais, reelaborando-os. É a catarse, pela
transformação desses sentimentos em sentimentos opostos, que realiza essa elaboração: “A arte resolve e elabora aspirações extremamente complexas do organismo” (VIGOTSKI, 2001, p. 309).
Existem princípios psicofísicos que servem de base à arte.
A música, por exemplo, surgiu de um princípio geral do trabalho
físico pesado, cuja meta é resolver pela catarse a tensão pesada do
trabalho. Quando a arte e o trabalho se separaram e a música passou
a existir como atividade autônoma, na própria produção foi inserido o elemento que antes era constituído pelo trabalho. Perdendo
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sua relação direta com ele, a música conservou as mesmas funções,
já que ainda deve sistematizar e organizar o sentido social, fornecendo vazão e solução a tensões angustiantes. A arte não se reduz
a comunicar sentimentos, não implicando poderes sobre estes. Ela
é o instrumento mais forte na luta pela existência. Seu fundamento
biológico está em superar as paixões que não encontram vazão na
vida comum. O comportamento é o processo de equilíbrio do organismo com o meio. Os processos de equilibração do organismo
podem ser bastante confusos e complexos, quanto mais complexa
e delicada se tornar a relação entre o organismo e o meio. Haverá
aí a necessidade regular de dar vazão a energias não utilizadas para
equilibrar a balança do homem com o mundo (VIGOTSKI, 2001).
A descarga de energia não utilizada faz parte da função da arte.
Para Vigotski (2001), o organismo humano está de tal modo
estruturado que muito mais atrações e estímulos são percebidos do
que realizáveis. O organismo é um permanente campo de batalha.
Para atingir equilíbrio, a arte é o veículo adequado. Ela estrutura e
ordena os sentimentos humanos. A arte introduz a ação da paixão,
rompendo o equilíbrio interno, modificando a vontade em um sentido novo, formulando e revivendo para a mente emoções, vícios e
paixões, que teriam permanecido em estado indefinido e imóvel na
sua ausência. Contudo, as relações entre a vida e a arte são ainda
muito mais complexas, pois existe uma diferença entre a emoção
estética e a emoção comum. A emoção comunicada pela obra de
arte não é capaz de traduzir-se de modo imediato e direto em ação.
É essa a diferença entre a emoção comum e a estética. O autor entende que o efeito da música, por exemplo, é muito mais complexo
e sutil. Ele acontece por meio de abalos e deformações subterrâneas do posicionamento humano, manifestando-se insolitamente em
determinado instante. Apesar de não se realizar imediatamente, ele
age de modo excitante e indefinido sobre o homem, motiva-o para
algo. Não se vincula a reações concretas, atitudes ou movimentos.
Ao agir de modo catártico, a música elucida e purifica o psiquismo.
Revela e explode para a vida imensas possibilidades reprimidas e
recalcadas até então. Isso é a consequência da arte. O seu vestígio.
Mas entre o homem e o mundo está o meio social, que direciona e
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refrata as excitações que agem de fora sobre o homem e as reações
que partem do homem para fora.
Dessas palavras pode-se inferir que, na obra de arte, e, mais
especificamente, na música, estão presentes materiais que são combinados e enformados de diversos modos, com pontos de tensão e
de relaxamento criados intencionalmente pelo compositor que possibilitam a reação estética. Essa elaboração artística independe de
um estilo específico, não é patrimônio de um gênero particular de
música como a erudita. Pode ser encontrada em diversos tipos de
discurso musical, no choro, na música popular, no samba, na música orquestral. O que importa é o tratamento estético dado ao material, que é intencionalmente combinado de um modo particular,
possibilitando uma reação emocional de cunho estético.
Como em toda emoção, na reação estética há um dispêndio,
uma liberação de energia, uma explosão, uma catarse e “[...] quanto maiores são esse dispêndio e essa descarga tanto maior é a comoção causada pela arte” (VIGOTSKI, 2001, p. 257). Todavia, a
emoção estética é enigmaticamente distinta das demais emoções.
Toda emoção prepara o organismo para a ação, energiza-o, move-o e é exatamente por isso que tem um valor de adaptação ao
ambiente, um valor de sobrevivência. Ao energizar e preparar o
organismo, incitando-o a agir, possibilita que surjam, de imediato,
as reações adequadas à situação. Mas a arte tem uma função sutil
ligada às emoções: “[...] a emoção estética não provoca uma ação
imediata, que se manifesta na mudança de orientação” e, além de
não provocar ações, “[...] ainda desabitua o indivíduo a realizá-las”
(VIGOTSKI, 2001, p. 317). Eis aqui o ponto nevrálgico da sutil
função da arte: ela serve como um meio de condicionar, culturalmente, o valor biológico das emoções. E faz isso não diretamente,
mas trazendo-as para o plano da consciência, transformando-as em
sentimentos e superando-os num ato catártico. Isso significa que
não basta a presença de um sentimento, por mais autêntico que seja,
para que se tenha a arte, ainda que a ele se junte a técnica e a maestria. É imprescindível o ato criador de superação do sentimento.
Assim, pode-se dizer que a arte permite superar paixões que
não tiveram vazão na vida comum. Mas isso ainda não é tudo. O
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sentimento é particular, próprio de uma pessoa, o que não significa que não tenha caráter social, se não entendermos por social
meramente o coletivo, a multiplicidade de pessoas. O plano social
presentifica-se até mesmo onde existe apenas um homem e suas
vivências pessoais. Logo, por meio da arte, a sociedade incorpora
ao ciclo da vida social os aspectos mais íntimos e pessoais do nosso ser. Por isso, “[...] quando a arte realiza a catarse e arrasta para
esse fogo purificador as comoções mais íntimas e mais vitalmente
importantes de uma alma individual”, a sua ação é sempre social
(VIGOTSKI, 2001 p. 315). É nesse sentido que se pode dizer que
a arte promove o desenvolvimento do homem: ela é um meio de
mudança qualitativa nas emoções humanas que, de um caráter elementar, biológico, superam-se, pela ação catártica, transformando-se em emoções de outra ordem, em emoções estéticas.
Segundo o autor, é na própria obra que estão dispostas as condições para uma reação estética. A obra de arte é um sistema de
estímulos organizados intencionalmente com o fim de suscitar uma
reação estética. Então, analisando-se a estrutura e a configuração
dos estímulos, pode-se recriar a estrutura dessa reação.
A psicologia estética implica, assim, um exame psicológico
da obra, da possibilidade de reação estética. A emoção estética é
uma síntese que somente na cultura é possível realizar-se. É próprio
da arte, e somente dela, ser técnica do sentimento. Nenhuma outra
atividade cultural faz isso. Dessa forma, pensar em música como
atividade educativa, ou seja, como educação musical, pressupõe
compreender seu significado para o desenvolvimento humano. Por
isso a importância de seu entendimento em suas bases psicológicas.
Assim, tendo por base a psicologia histórico-cultural, o presente trabalho desse projeto teve por objetivo estudar a emergência
e o desenvolvimento da reação estética na criança na atividade musical como um processo educativo. Para tanto, adotando o método
genético, tal como propõe Vigotski, foram realizadas atividades
musicais com crianças na faixa etária dos sete aos doze anos, visando identificar seus processos de criação e de reação estética, o que
poderia fornecer pistas para uma educação estética nesse campo.
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As crianças foram observadas em duas situações. Primeiramente, numa situação de criação musical livre em que foram instrumentadas e solicitadas a realizar pequenas composições de trechos
musicais. Pretendia-se com isso, dialogando com elas, verificar,
após as composições, se tiveram ou não intencionalidade de provocar alguma reação estética no ouvinte e, em caso positivo, quais
foram os modos adotados de organização do material sonoro. Num
segundo momento, as crianças ouviam trechos de composições
musicais previamente escolhidos pelo pesquisador. Foram observadas suas reações (gestos, expressões e comentários) no decorrer
da audição e, em seguida, indagou-se às crianças se sentiram ou
não alguma emoção e, em caso positivo, se conseguiam identificar
quais foram as reações emocionais sentidas. Os dados obtidos nas
duas situações foram analisados e cruzados com vistas à descrição
do processo de emergência da reação estética na criança e da consciência dessa reação.
2.  DESENVOLVIMENTO
A formação da reação estética na música
Objetivos do projeto
O trabalho buscou descrever a ontogênese da reação estética
da criança na atividade musical. Ou seja, pretendeu-se identificar
as emoções vividas por crianças de diferentes idades, na situação de
ouvinte de uma obra musical e os modos com que organizavam o
material musical intencionalmente, a fim de provocar determinadas
reações estéticas.
Sobre o método: a análise genética
Uma das tarefas mais importantes em uma investigação, para
Vigotski (1982), é a busca pelo método que se revela no conjunto
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da obra, sendo ao mesmo tempo premissa e produto, ferramenta
e resultado. Método e problema devem ser correspondentes. Assim, para cada objeto deve haver um método adequado. O papel
da ciência, para o autor, é o de fornecer meios distintos de análise
para identificar, por trás das semelhanças exteriores, as diferenças
internas, seu conteúdo, sua natureza e sua origem. A dificuldade
da análise científica decorre do fato de que a essência dos objetos,
sua autêntica e verdadeira correlação não se ajustam diretamente
às suas formas de manifestação externa. Importa conhecer o nexo
real e as relações entre o externo e o interno que constituem a base
da forma superior de conduta, descobrindo as relações dinâmico-causais existentes na realidade.
Três pressupostos ancoram as reflexões de Vigotski quanto
ao método e à análise psicológica (VIGOTSKI, 1995). Primeiramente, deve-se diferenciar a análise do objeto do julgamento do
processo. As análises costumam recair sobre os objetos, o que faz
com que um processo passe a ser entendido de forma estanque, decompondo-o em partes isoladas, o que o autor denomina de “lógica
dos corpos sólidos” (VIGOTSKI, 1995, p. 100). A análise de um
processo revela, por sua vez, a dinâmica dos momentos importantes
que estabelecem sua tendência histórica. Tal concepção, de acordo
com o autor, é dada pela psicologia genética. O objetivo dessa análise é estabelecer os momentos de desenvolvimento de um processo, voltando-se aos seus momentos iniciais, ou seja, convertendo
o objeto em processo. Aí, as formas psicológicas fósseis, que são
condutas fossilizadas, comportamentos automatizados e não mais
facilmente visíveis, transformados de alguma forma, podem ser estudados em movimento. Trata-se de ir do processo aos momentos
isolados e não do objeto às suas partes. O segundo pressuposto consiste em contrapor as tarefas descritivas e explicativas da análise.
Na ciência, a tarefa da análise é evidenciar as relações e os nexos
dinâmico-causais que constituem a base de um fenômeno. Desse
modo, a análise se converte na explicação científica do que se estuda e não só na sua descrição. Devem-se evidenciar as relações
efetivas ocultadas pela aparência externa de um processo, o que o
autor denomina de análise genético-condicional, que possibilita o
exame do surgimento e do desaparecimento das causas e das conEducação, Batatais, v. 6, n. 2, p. 163-180, jul./dez. 2016
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dições, bem como dos verdadeiros vínculos que estão na base de
um fenômeno. O terceiro pressuposto advoga que a fossilização da
conduta se manifesta, primordialmente, nos denominados processos psíquicos fossilizados ou mecanizados. Eles são processos que,
pelo seu amplo funcionamento, foram repetidos milhões de vezes
e se automatizaram, perdendo seu aspecto primitivo. Sua aparência não revela a sua natureza interior e perdem todos os vestígios
de sua origem. Desse modo, um comportamento, aparentemente
surgido na cultura e que em nada parece articulado com outras formas mais primitivas, não seria mais do que algo transformado pela
cultura e em seu próprio seio, no percurso filogenético, possuindo,
assim, raízes naturais. Ao se compreender tais raízes, poder-se-ia
entender melhor o processo. Ou seja, é preciso ir além de como
a forma estagnada e automatizada do fenômeno se apresenta para
tentar entendê-lo em movimento. É isso que estrutura o método na
psicologia histórico-cultural.
Estratégias metodológicas e procedimentos de coleta e análise
de dados
A coleta de dados foi realizada em dois tipos de sessão, a
saber, de criação (composição) e de audição. As sessões foram alternadas uma a uma até serem completadas 10 sessões, sendo, portanto, cinco para cada tipo. A sessão de criação continha três atividades, a saber: 1) de composição musical; 2) de execução do que
foi criado, e 3) de diálogo sobre a criação com os pesquisadores. A
de audição compreendia a atividade de audição pelas crianças de
trechos musicais previamente selecionados pelos pesquisadores e
de diálogo com os pesquisadores sobre os trechos ouvidos, ou seja,
pode-se dizer que consistia de uma audição com diálogo.
Participantes
Participaram das 10 sessões consecutivas três grupos separados de três crianças, com idades variando de 7 a 12 anos.
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Procedimento específico das sessões de criação
Primeiramente, os pesquisadores apresentaram os instrumentos musicais às crianças, nomeando-os e mostrando como tocá-los.
A cada sessão, havia, no máximo, oito instrumentos musicais à disposição das crianças por certo tempo, permitindo-se que elas os
explorassem à vontade. Durante esse momento, os pesquisadores
respondiam às perguntas que lhes foram dirigidas, num clima de
descontração, que perdurava todo o tempo ao longo de todas as
sessões.
Nas cinco sessões de criação, as crianças dos grupos A e B
tiveram a seu dispor os seguintes instrumentos: chocalho, bongô,
violão, pandeiro, atabaque, gaita, triângulo, escaleta e reco-reco.
As crianças do grupo C tiveram a seu dispor esses mesmos instrumentos, em quatro sessões. Apenas na segunda sessão, a relação de
instrumentos foi um pouco diferente, a saber: violão, flauta, atabaque, triângulo, agogô e chocalho.
A critério dos pesquisadores, concluído o tempo de “exploração livre” dos instrumentos musicais, era informado às crianças
que deveriam compor, juntas, “uma música” e que, para tanto, poderiam utilizar quaisquer dos instrumentos à disposição. Os pesquisadores também informavam a elas que, após a composição da
música, iriam executá-la diante dos pesquisadores. No decorrer do
tempo de criação, os pesquisadores costumavam deixar a sala e,
quando nela permaneciam, procuravam distanciar-se das crianças,
deixando-as o mais à vontade possível.
Quando percebiam que as crianças haviam finalizado a tarefa
de composição, os pesquisadores solicitavam que executassem o
que haviam composto. Concluído esse segundo momento da sessão, iniciavam uma conversa, incentivando as crianças a falarem
sobre o que fizeram; como trabalharam para fazer a composição
musical; o que pretendiam com a música, enquanto compunham;
o que motivou a escolha dos instrumentos e como os utilizaram;
a existência de inspiração em alguma música, situação ou história
que conheciam; o que acreditavam que uma pessoa iria sentir ao
ouvir a música que compuseram e por quê.
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Procedimento específico das sessões de audição
Os pesquisadores esclareciam às três crianças de cada grupo
(totalizando três grupos), que ouviriam um trecho de uma obra musical e, depois, conversariam sobre ele. Então, deixavam as crianças
escutarem o trecho previamente selecionado, antes de começarem
a conversar. Os pesquisadores permitiam-lhes ouvirem o trecho
quantas vezes quisessem, mesmo que fosse necessário interromper
a conversa já iniciada. Essa conversa versava sobre os seguintes
pontos, em todas as sessões:
1)  Indicar se gostaram ou não da música; indicar a parte de
que mais gostaram e a de que menos gostaram e dizer o
porquê; indicar o que sentiram ao ouvir a música; indicar a
parte da música que provocou aquele sentimento; indicar o
que, na parte destacada, provocava o sentimento referido;
indicar se acreditavam que quem fez a música queria que
as pessoas sentissem o que elas mesmas sentiram; indicar
como achavam que o compositor fez para provocar o que
sentiram; indicar se acreditavam que, quando os músicos
compõem uma obra, eles querem que as pessoas que vão
ouvi-la sintam alguma coisa; se as crianças respondiam
sim à última questão, perguntava-se: como os compositores conseguem isso?
2)  Se respondiam que não, perguntava-se: por que acham que
um músico compõe uma música? Por que e para que as
pessoas ouvem música?
Para cada uma das sessões de audição, era selecionado o trecho de uma música que induzisse uma emoção dentre as seguintes:
alegria, medo, raiva, calma e tristeza. Não houve, da parte dos pesquisadores, um esforço no sentido de definir esses nomes de emoção pelas razões que são apontadas a seguir.
Talvez não exista na Psicologia uma área com a gigantesca
confusão terminológica e conceitual como a do estudo da emoção.
Conforme aponta Engelmann (1978), num estudo em que faz minuciosa revisão da terminologia empregada na área, os conceitos de
emoção, paixão, afeto, sentimento e estado de ânimo são empregaEducação, Batatais, v. 6, n. 2, p. 163-180, jul./dez. 2016
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dos para denotar uma enorme diversidade de fenômenos e, muitas
vezes, são usados como sinônimos. Mesmo no âmbito de uma teoria, como a psicanálise, há variações importantes no significado de
alguns desses termos. Engelmann (1978) salienta o fato de que um
mesmo teórico, no âmbito de sua própria teoria, emprega termos
distintos com o mesmo significado e o mesmo termo com diferentes significados para referir-se a emoções. Assim, mesmo que, no
presente trabalho, fosse utilizada uma teoria como referência, não
seria possível qualquer precisão para definir-se o que, aqui, está
sendo entendido pelos nomes das emoções escolhidas. Uma alternativa poderia ter sido o emprego da expressão estados subjetivos,
tal como o faz Engelmann (1978). Todavia, isso não resolveria o
problema da definição dos termos empregados na presente pesquisa, mas somente aumentaria a amplitude do espectro de nomes. Assim, optou-se por empregar os termos sob a ótica do senso comum.
As obras das quais se extraíram trechos foram, para alegria, 1
x 0, de Jacob do Bandolim; para medo, Rocky Mountains, de Wendy Carlos e Rachel Elkin; para raiva: Hell, da banda Vendo 147;
para calma, canto gregoriano; para tristeza, Tristesse, de Chopin.
A ordem de apresentação das peças musicais foi a mesma
para todos os grupos, nas sessões de audição.
3.  RESULTADOS
Sessões de audição com diálogo
Foram identificadas, nas sessões de audição com os três grupos de crianças, três agrupamentos de ações. O primeiro deles, que
foi denominado de campo da atividade pré-musical, contém as
ações mais simples das crianças nas sessões de audição. As ações
desse campo revelam que a atenção da criança não está voltada
à peça musical em si, mas a aspectos fenotípicos da performance
musical ou externos a ela. A peça musical é tratada pela criança de
modo global, por isso essas ações não evidenciam qualquer habilidade analítica da mesma. O segundo grupo, denominado campo
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da atividade musical ingênua, contém ações que evidenciam habilidade analítica da peça musical, mas ainda de forma incipiente.
Essas ações mostram que a atenção da criança já começa a voltar-se
para aspectos da própria peça musical – e não externos a ela, como
no caso do campo da atividade pré-musical. Contudo, a criança
ainda realiza uma análise incorreta dos elementos que compõem a
peça musical. Finalmente, o terceiro grupo, denominado de campo
da atividade de análise musical, contém ações que revelam que a
criança, efetivamente, já realiza alguma análise dos elementos que
compõem a peça musical.
Discussão dos resultados
Conforme já foi dito, o objetivo do presente trabalho foi o
de descrever o desenvolvimento da reação estética da criança na
atividade musical. Ou seja, pretendeu-se identificar as emoções vividas por crianças de diferentes idades, na situação de ouvinte de
uma obra musical, e os modos com que organizavam o material
musical, intencionalmente, a fim de provocar determinadas reações
estéticas. Trata-se, evidentemente, de um trabalho exploratório em
que se procura, admitindo-se os postulados básicos da psicologia
da arte elaborados por Vigotski, identificar as condições de possibilidade de desenvolvimento da reação estética na criança no campo
da atividade musical e o modo como isso acontece.
Sabe-se que música e fala têm, historicamente, a mesma origem. Em algum momento da nossa história, separam-se e emergem, assim, duas atividades distintas que, todavia, guardam relação
entre si. Essa origem comum permitiu preservar, na música, algumas propriedades estruturais similares às da fala. Agora, já diferenciadas, talvez seja possível concordar com Carrasco (2003) quando
afirma que a música exista para dizer o que a palavra não diz e que
a palavra exista para dizer o que a música não diz, mas o que é
difícil é dizer o que a música diz. De certo modo, para ele, parece
haver uma complementaridade entre música e a linguagem verbal,
do mesmo modo que a música complementa-se com o movimento,
a ação representada, a dança e as imagens. Mas, ainda que tenham
a mesma origem e guardem relação entre si, elas diferem uma da
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outra, especialmente no campo da significação. Ele aponta que, distintamente da linguagem, a significação na música não é conceitual, nem objetiva, a não ser no que diz respeito à sua estrutura.
Embora esboce uma discussão a respeito dessa questão – por
exemplo, o entendimento de que a significação musical ocorre por
associação –, o autor não apresenta uma solução para o problema.
Ou seja, um dos grandes desafios para o estudo do desenvolvimento da reação estética na criança é, exatamente, propor e definir a
unidade de análise que corresponderia ao significado, na fala, tal
como propõe Vigotski (2001). Por isso, por ter um caráter exploratório, preferiu-se focalizar, no presente estudo, a própria vivência
(perejivanie, no russo – ver PRESTES, 2010, a respeito da tradução
desse conceito) das crianças.
Para Vigotski (2004), o conceito de vivência está ligado a
situação social de desenvolvimento. Assim, as crianças que participaram do presente estudo, todas com sete anos de idade ou mais,
já apresentavam condições de falar de suas próprias vivências. É
claro que o falar dessas crianças sobre suas próprias vivências, nas
atividades musicais propostas pela pesquisadora, não é o falar de
música pela própria terminologia musical. Trata-se de um modo
corriqueiro de falar sobre música: sem rigor e com base apenas
na experiência de audição musical. Fala-se de música ligando-a a
emoções ou sensações. É verdade que, nessa fala, muito da música
é deixado de lado na descrição (CARRASCO, 2003). Entretanto,
talvez resida aí, nesse exato momento em que a criança descobre
o fato de suas próprias vivências, a ocasião ideal para investigar o
início do desenvolvimento de sua reação estética.
De fato, foi isso o que se constatou, especialmente nas sessões de audição com diálogo, que se mostraram as mais férteis para
evidenciar o que se buscava na presente pesquisa. Foi possível
identificar, nas crianças, indícios do que foi chamado de campo da
atividade pré-musical. Aqui a característica principal das ações da
criança é tratar a peça musical como um todo homogêneo, associando-a a movimentos corporais difusos, atribuindo-lhe funções externas e ainda sem conseguir estabelecer, de algum modo, uma relação
de suas propriedades com alguma vivência estético-emocional. Um
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segundo campo, denominado de atividade musical ingênua, parece
conter as ações da criança que evidenciam uma transição para o terceiro campo, cujas ações já são evidência de um modo de analisar a
peça musical, ainda que não correspondam, estritamente, ao ponto
de vista da terminologia musical.
De fato, segundo Carrasco (2003), pode-se dizer que a música contém duas propriedades essenciais – a de organizar o desenvolvimento temporal ou tornar o tempo audível e a polifonia que
permite à música associar-se a si e a outras linguagens. Esse movimento audível pode combinar-se ao movimento visível, mas nem
sempre essa associação pode ser considerada uma obra musical.
Sem dúvida, a música associa-se ao movimento. Movimento, aqui
entendido, não no sentido físico, mas inerente à própria linguagem
musical. Para Carrasco (2003), há dois tipos de audição musical,
a técnica e a do homem comum. Para ele, seja qual for o tipo de
audição, o ouvinte é envolvido pelo fluxo contínuo dos sons, pelo
seu movimento.
4.  CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme foi dito, a audição com diálogo mostrou-se a atividade musical mais adequada para a investigação da formação da reação estética da criança. Isso traz algumas implicações para pensar
uma educação musical que tenha como base uma educação estética.
Isso porque nos dá um retorno imediato, tanto pela fala, quanto
pelas composições a partir da fala e da escuta musical, de como a
criança passa a organizar músicas com consciência dos elementos
dela estruturantes e a partir da fala que é seu elemento de organização dessa consciência.
Os resultados aqui apresentados ensejam a possibilidade do
desenvolvimento da reação estética em um processo educativo. Isso
é extremamente importante para o contexto da educação musical na
atualidade. Isso significa que, para um processo de desenvolvimento da educação estética com a criança, é preciso criar condições
de possibilidade para que ela expresse aquilo que ouve, criando
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consciência sobre cada material musical a que ela tem acesso, pelo
diálogo constante.
Defende-se, por meio dos resultados alcançados na presente
pesquisa, que é na possibilidade de uma educação musical permeada por vivências musicais dialogadas, por meio de experiências
ricas, diversificadas e intencionalmente organizadas, tais como as
que foram apresentadas nessa investigação, que torna-se possível
enriquecer a musicalidade de cada pessoa e sua consciência estético-musical. Diante disso, o papel do professor de música e da
escola é o de possibilitar tais diálogos, tais experiências, colocando
as atividades musicais no contexto educativo como instrumento de
enriquecimento cultural e de desenvolvimento global.
É pelo campo do diálogo que o professor pode reconhecer
o que cada criança já consegue perceber em seu campo de escuta e fornecer a essa criança experiências ricas e significativas que
tenham por objetivo o enriquecimento dessa escuta, desse campo
estético-musical. Nesse sentido, a vivência por meio da composição é muito importante nesse processo para que a criança aprenda
a organizar todos os elementos de que, pouco a pouco, vai se apropriando no movimento de escuta e de consciência da reação estética
que uma organização sonora pode provocar.
Este artigo é, ainda, apenas um primeiro olhar de futuras investigações que ainda pretende-se realizar rumo à compreensão
mais aprofundada de uma ontogênese da música. Entretanto, como
primeiros achados nesse caminho, pode-se afirmar que ouvir, dialogar, criar, ouvir ainda mais, voltar a criar, dialogar sempre é o caminho mais rico para o que aqui denominamos de desenvolvimento
da reação estética da criança, ou seja, de como ela reconhece, se
apropria, compõe e tem consciência sobre uma estrutura musical.
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REFERÊNCIAS
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Paulo: Via Lettera/Fapesp, 2003.
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VIGOTSKI, L. S. Obras escogidas II. Problemas de psicologia general. Madrid:
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