Quedascontra no idoso Vacinação a gripe ARTIGO DE ATUALIZAÇÃO Vacinação contra a gripe como estratégia de promoção de saúde em idosos Influenza vaccination as a quality of life promoting strategy Renata Maciulis Dip1, Marcos Aparecido Sarria Cabrera 1 Recebido em 19/11/2007 Aceito 10/03/2008 Resumo A gripe apresenta grande impacto na morbimortalidade dos idosos. A vacina é atualmente a medida que se tem mostrado mais efetiva para a prevenção da gripe e de suas conseqüências. Ela é efetiva na diminuição do número de internações por gripe e pneumonia e também na redução da mortalidade por todas as causas. Além disso, promove queda no número de internações por doenças cardiovasculares. Embora o envelhecimento traga conseqüências que podem diminuir a eficácia da vacina, é na população idosa que se encontram os maiores benefícios da vacinação. Apesar de tudo isso, há alguns grupos de idosos que aderem menos à vacinação. Os principais motivos alegados para a não-adesão são o medo dos eventos adversos à vacina, a falta de credibilidade nela e a crença de que ela não seja necessária. No entanto, já foi comprovado que a vacina é muito pouco reatogênica. Embora os pacientes não-vacinados refiram que teriam aderido às campanhas vacinais caso o seu médico o tivesse incentivado a tal, a prescrição da vacina não faz parte da rotina médica, que não a tem em conta no seu rol de responsabilidades. Toda a equipe de saúde, incluindo os agentes comunitários de saúde, poderia e deveria estar mais envolvida no esclarecimento dos diversos aspectos relacionados à vacinação, assim como na motivação dos idosos para a vacinação, a fim de que uma maior parcela da população possa se beneficiar de tão grande ação preventiva e promotora de qualidade de vida na terceira idade. Palavras-chave: Vacina contra gripe, eventos adversos, idoso, qualidade de vida. Abstract Influenza has a great impact on elderly morbidity and mortality rates. Vaccination is the most effective measure to prevent these disease’s complications. It is effective preventing hospital admission for influenza and pneumonia and all-cause mortality. Moreover, it is associated with reductions in the risk of hospitalization for cardiovascular disease. Although ageing has consequences that diminish vaccine effectiveness, the great benefits of vaccination occur in this population. Even though, there are some groups with characteristics associated with lower rates of vaccination. The leading reasons given worldwide for not vaccinating are: fear of adverse effects, lack of credibility in the vaccine and beliefs that it is unnecessary. However, the vaccine causes few adverse effects. Nevertheless non vaccinated elderly say they would have been vaccinated if a doctor had proposed this to them, the vaccine isn’t part of medical routine. The whole health team should be more active to elucidate the real benefits of vaccination. Then, more elderly people would beneficiate from this and achieve a better quality of life. Keywords: Influenza vaccines, adverse effects, aged, quality of life. Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Londrina 1 Endereço para correspondência: Renata Maciulis Dip • Rua Pistóia, 287 – Jardim Canadá – 86020-450 – Londrina, PR • E-mail: [email protected] 82 Geriatria & Gerontologia. 2008; 2(2): 81-85 Introdução Em 2008, completam-se 10 anos de campanhas nacionais de vacinação contra a gripe em idosos. Apesar disso, a prescrição da vacina ainda não foi incorporada à pratica médica habitual. Este artigo propõe-se revisar os benefícios que a vacina traz para essa população específica e destacar os fatores associados à menor adesão à vacinação. Além disso, estimula a reflexão dos profissionais de saúde sobre a sua responsabilidade como promotores de saúde. Ignorância ou omissões nesse sentido podem comprometer a qualidade de vida da terceira idade. Impacto da gripe Embora muitos idosos ainda considerem a gripe uma doença inofensiva, a realidade difere dessa primeira impressão ingênua. Nos Estados Unidos, por exemplo, ela é responsável anualmente por cerca de 226 mil internações e aproximadamente 50 mil óbitos1. Entre os indivíduos que morrem, mais de 90% são idosos2. O vírus da gripe A gripe é causada pelo Myxovirus influenza, um RNA vírus da família Orthomyxoviridae. Esse vírus, isolado pela primeira vez em 1933, pode ser classificado em três tipos imunológicos: A, B e C. O tipo A é o mais importante, pois é o mais suscetível a mutações antigênicas, e foi o responsável pelas três grandes epidemias de gripe do século XX3. A gripe apresenta um impacto tão grande no mundo que se estima ter sido o processo infeccioso que mais causou morbimortalidades até hoje4. Durante as pandemias, todas as faixas etárias são amplamente acometidas. Já nos períodos fora das pandemias, as complicações e mortes relacionadas à gripe ocorrem principalmente em idosos e em indivíduos acometidos por doenças crônicas, como insuficiência cardíaca, diabetes e doenças pulmonares crônicas. Os portadores dessas doenças são também, em sua maioria, pertencentes às faixas etárias mais avançadas. Dessa forma, os idosos constituem o grupo para o qual a gripe é potencialmente mais lesiva5. A vacina contra a gripe Para prevenção, controle e tratamento desse mal potencialmente letal foram desenvolvidos agentes antivirais, medicações sintomáticas e vacinas6. A vacina é atualmente a medida que se tem mostrado mais efetiva para a prevenção da gripe e de suas conseqüências7,8. Foi desenvolvida em 19469, e desde 1948 a Organização Mundial da Saúde (OMS) a tem utilizado anualmente10. A vacina utilizada no Brasil é composta por vírus inativados e fracionados. A constituição das cepas segue as orientações da OMS para o hemisfério Sul para o ano vigente3,11. No Brasil, a vacina é disponibilizada para os indivíduos a partir dos 60 anos, assim como para os portadores de cardiopatias crônicas graves, nefropatias crônicas e outras doenças (Tabela 1). Tabela 1. Indicações para a vacina contra a gripe no Brasil Cardiopatia crônica grave Nefropatia crônica DPOC Diabete insulino-dependente Cirrose hepática Hemoglobinopatia Imunocomprometimento Portador de HIV População indígena Presidiários Profissionais de saúde Pacientes transplantados e familiares que estejam em contacto DPOC: doença pulmonar obstrutiva crônica; HIV: vírus da imunodeficiência humana; Fonte: Informe Técnico da Campanha Nacional de Vacinação do Idoso, 2007. Efetividade da vacina Diferentes estudos já evidenciaram a efetividade da vacinação contra a gripe em idosos12-18. Em recente metanálise, Jefferson et al.17 concluíram que, para indivíduos asilados, a vacina foi efetiva na prevenção de pneumonia (46%) e reduziu em 60% a mortalidade por todas as causas. Essa mesma metanálise identificou que, para indivíduos da comunidade, a vacina apresentou pequena efetividade (27%) na redução das internações por gripe e pneumonia. No entanto, promoveu redução de 47% na mortalidade por todas as causas. Ou seja, a vacina apresenta maior efetividade para idosos institucionalizados. No entanto, idosos da comunidade também são beneficiados por ela17 (Tabela 2). Estudos brasileiros associaram a vacinação a quedas significativas dos índices de mortalidade em idosos. Francisco et al. demonstraram tendência à diminuição da mortalidade por doenças respiratórias após a intervenção vacinal no período entre os anos 1980 a 2000 no Brasil19. Donalisio et al.20 analisaram a tendência para mortalidade por doenças respiratórias no período 1980 a 2004, em São Paulo. Observaram que, embora a cober- Vacinação contra a gripe Tabela 2. Efetividade da vacina contra a gripe para idosos asilados e para idosos da comunidade Idosos Idosos da asilados comunidade Prevenção de pneumonia 46% – Internação por gripe 45% 27% – 22% Redução de óbitos por gripe ou pneumonia Redução de doenças respiratórias 42% – Redução de mortalidade por todas as causas 60% 47% Fonte: Jefferson17. tura vacinal tenha aumentado no período 1999-2002, a diminuição da mortalidade não apresentou a mesma tendência. Nos primeiros dois anos, houve queda nas taxas de mortalidade. No entanto, posteriormente houve novo aumento, atingindo os mesmos níveis anteriores a 1999. As possíveis explicações para isso seriam a circulação de outros vírus respiratórios, a precocidade da circulação do vírus influenza A em 2004, e até mesmo a influência de fatores ambientais, como a baixa temperatura e a poluição de uma metrópole. Nichol et al.18, em estudo que analisou a efetividade da vacinação contra a gripe no período de 1990 a 2000, evidenciaram redução significativa do risco de internação por pneumonia e por gripe e também da taxa de mortalidade em idosos não institucionalizados vacinados. O período analisado nesse estudo foi relativamente longo e tende a minimizar as limitações de outros trabalhos nos quais o período analisado foi mais breve18. A variabilidade da eficácia vacinal encontrada entre diferentes pesquisas com períodos de observação mais curtos pode ser decorrente da variedade de vírus circulantes (com virulência variável) em cada época analisada, assim como das diferenças de concordância entre a composição vacinal e os vírus circulantes ano a ano17. Diante disso, observamos que alguns grupos obtêm maiores vantagens com a vacinação, e restam dúvidas para outros fatores relacionados à eficácia da vacinação em idosos. Outros benefícios da vacinação Existem também outros benefícios da vacinação, como a redução das internações por doenças cardíacas e cerebrovasculares nos indivíduos vacinados. A explicação para isso está relacionada a evidências de que a inflamação decorrente da infecção do trato respiratório aumentaria a propensão a eventos trombóticos16. Além disso, diferentes estudos apontam redução da mortalidade por todas as causas nos indivíduos vacinados15-18. Também é importante ressaltar o aumento da eficácia da vacina após repetidas doses. Em um estudo com 83 pessoas de 16 anos ou mais verificou-se que o grupo que tinha recebido a vacina pela primeira vez teve redução da mortalidade em 9%, enquanto aqueles que já haviam sido previamente vacinados tiveram redução da mortalidade em 75%13. Esse aumento da eficácia com a revacinação também foi observado por outros autores15. Objetivos da vacinação Diante de todos esses benefícios, a vacina tem sido indicada pela OMS desde a década de 1960 para reduzir os efeitos da gripe em indivíduos idosos8,17. Atualmente a vacina é amplamente utilizada em todo o mundo. No entanto, deve ficar claro que o objetivo da vacinação em idosos não é a prevenção de quadros gripais e que a vacina não é eficaz para isso. O que se pretende com a vacinação é a redução das complicações da gripe nos indivíduos vulneráveis, e a conseqüente redução da mortalidade por gripe e, como observado, também por todas as causas7,17. Efeito da senescência na eficácia da vacina O idoso apresenta características próprias que poderiam diminuir a eficácia da vacina21,22. O sistema imune apresenta capacidade proliferativa finita, modificando-se com o passar dos anos. Há consenso de que ele se torna menos eficiente com o envelhecimento. De fato, observa-se no idoso maior suscetibilidade a infecções21. Diversas alterações do sistema imune podem estar relacionadas à menor eficácia da vacina em idosos em relação ao indivíduo jovem. Embora todas as células do sistema imune possam sofrer modificações com o envelhecimento, a linhagem mais comprometida é a de linfócitos T. Sua capacidade proliferativa debilita-se com a idade e assim responde menos aos antígenos. Isso é decorrente tanto da diminuição do estímulo para a proliferação (há diminuição da produção de interleucina-2 [IL2]) quanto da diminuição da resposta à IL221. Outra característica da senescência é o aumento proporcional das células de memória em relação às virgens, caracterizando menor potencial de reatividade em relação a antígenos novos21. Os idosos apresentam também níveis reduzidos de IgG e IgA, apresentando o pico de anticorpos mais tardiamente e mantendo esses títulos por menos tempo quando vacinados. Portanto, a avaliação de títulos de anticorpos isolada não constitui boa avaliação da eficácia vacinal21,22. Embora a dosagem de anticorpos dos indivíduos vacinados se apresente mais elevada em indivíduos jovens do que em idosos, deve ser lembrado que a imunidade celular também desempenha importante papel na eficácia da vacina contra a gripe e não pode ser mensurada por esses exames23. 84 Geriatria & Gerontologia. 2008; 2(2): 81-85 As conseqüências da gripe para os indivíduos jovens não costumam ser grandes. Já entre os idosos, em decorrência das múltiplas comorbidades que pode apresentar, a doença evolui muitas vezes com complicações que podem chegar ao óbito; portanto, estes constituem o principal grupo para o qual a vacina está indicada24. Fatores associados à não-adesão Apesar de todos os benefícios apresentados, há grupos que apresentam menor adesão à vacina. Em todo o mundo, seja em países desenvolvidos como a Suécia25 ou os Estados Unidos26 seja em países em desenvolvimento como o Brasil27-30, idosos mais jovens (abaixo de 70 anos) vacinam-se menos do que os demais. Há estudos mostrando menor adesão à vacina entre os idosos que consideram a própria saúde boa31,32. Uma das possíveis explicações para esse achado pode ser a crença de que não necessitam da vacina. Além disso, idosos que não comparecem a consultas médicas pelo menos uma vez ao ano também apresentaram menor adesão, segundo alguns trabalhos26,33. Há idosos que apresentam mais de uma indicação para a vacina além da idade, pelas comorbidades que apresentam. No entanto, embora alguns estudos apontem maior adesão à vacina entre os hipertensos – talvez por estarem em maior contacto com a Unidade Básica de Saúde (UBS)28,30 –, não parece haver diferença de adesão para pacientes com outras comorbidades30. Ou seja, há grupos especiais – portadores de doença cardiovascular, doença pulmonar crônica, diabetes – que mereceriam maior atenção nas campanhas públicas. Motivos da não-adesão É interessante notar que os motivos alegados pelos idosos para a não-vacinação sejam os mesmos entre populações e culturas diversas. Estudos realizados no Reino Unido32,34, na Suíça35, nos Estados Unidos31,36 e no Brasil33 mostram que os principais motivos alegados para a não-vacinação são o medo dos eventos adversos à vacina, a falta de credibilidade nela e a crença de que ela não necessária. Efeitos colaterais Embora um dos principais motivos alegados para a nãovacinação seja o medo dos efeitos colaterais, a literatura científica já comprovou que a vacina é muito pouco reatogênica37-41. Esse é um dos mitos com relação à vacina que precisa ser desconstruído. No caso da vacina de vírus inativados e fracionados, só podem ser classificados como eventos adversos aqueles que ocorrem nas primeiras 48 horas após a vacinação7. No entanto, os idosos consideram efeitos colaterais sintomas gripais que se apresentam após esse período33. Quanto à prevalência dos eventos adversos à vacina, um estudo brasileiro37 identificou a dor no local da vacina como o evento de maior freqüência (12,6%), seguido por sintomas gripais (7,8%). Essas freqüências são semelhantes às encontradas em outros trabalhos37-41. Os médicos não prescrevem a vacina Em diversos estudos, idosos que não aderiram à vacina referiram que o teriam feito caso o médico a tivesse recomendado. Uma pesquisa realizada em São Paulo mostrou que os médicos não incluem a prescrição da vacina como sua responsabilidade38,39. Nesse sentido, é necessária a conscientização da classe médica quanto aos benefícios da vacina e quanto aos prejuízos relacionados à não-vacinação. Um outro estudo encontrou associação entre indicação da vacina por parte da enfermagem e maior adesão34. Toda a equipe de saúde, incluindo os agentes comunitários de saúde, poderiam e deveriam estar mais envolvidos no esclarecimento dos diversos aspectos relacionados à vacinação, assim como na motivação dos idosos, para que assim uma maior parcela da população pudesse se beneficiar de tão grande ação preventiva e promotora de qualidade de vida na terceira idade. REFERÊNCIAS 1. Thompson WW, Shay DK, Weintraub E, Brammer L, Bridges CB, Cox N et al. Influenza-associated hospitalizations in the United States. JAMA. 2004;292:1333-40. 2. Thompson WW, Shay DK, Weintraub E, Brammer L, Cox N , Anderson LJ et al. Mortality associated with influenza and respiratory syncytial virus in the United States. JAMA. 2003;289:179-86. 3. Toniolo-Neto J, Gagliardi AMZ, Kairala M, Halker E. Vacinas. In: Freitas OV, Py L, Neri AL, Cançado FAX et al., editors. Tratado de geriatria e gerontologia. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. 4. Silvestre JA. 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