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Publicação do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Santa Marcelina / Ano 12 - Nº 36 / 2º Semestre 2012
A Era de Ouro: paradigma econômico ou ameaça política?
Marília Chiomento
A dolorosa crise financeira de 1929
seguida da Segunda Grande Guerra Mundial
foram pressupostos de uma revolução
econômica e social que perdurou durante,
aproximadamente, 30 anos - os chamados
anos gloriosos da Era de Ouro.
O desemprego crônico, a carência de
investimentos privados na produção e os
gastos expansivos com a guerra haviam
colocado o sistema econômico mundial em
uma situação bastante difícil de ser resolvida
nas décadas de 1930 e 1940. A crise havia
afetado todos os setores da economia norteamericana; assim como, teve seus efeitos
sentidos em boa parte da Europa. O mercado
consumidor e financeiro, os investimentos na
produção e a ação dos bancos foram
severamente limitados diante de tamanha
tragédia.
Enquanto se amargava uma das
maiores derrotas da história econômica nos
Estados Unidos; a então, União Soviética
parecia imune à situação que abalara o
mundo. Além do sucesso na produção, a
URSS conseguiu, praticamente, anular o
desemprego. O segredo de todo esse
desenvolvimento
estava
nos
Planos
Quinquenais combinados a uma economia
planificada. Foi sob tais preceitos que a URSS
saiu de uma posição desprivilegiada, no início
do século XX, e chegou como segunda maior
economia mundial no pós Segunda Guerra.
Esse foi o quadro na década de 1940.
Durante a década de 1950, passados os
anos de guerra, a reorganização econômica
era imprescindível - principalmente da Europa
- e ocorria a custa da redistribuição de renda
norte- americana, por meio do Plano
Marshall. Redistribuição essa que fora
estimulada, em grande parte, pelo medo de
que o sistema político da União Soviética
pudesse criar uma rede de influências que
corroborasse com a expansão comunista,
principalmente no continente europeu - o qual
se encontrava extremamente fragilizado. O
receio não era gratuito, visto que a União
Soviética vivia sua melhor fase: a economia
crescia em um ritmo acelerado baseada no
gasto estatal e na produção em massa; tudo de
acordo com os parâmetros prescritos pelos
Planos-Quinquenais.
Se na URSS colhiam-se os frutos de
sua economia, até então, bem sucedida; os
EUA se desenvolviam devido à soma de
dinheiro acumulado nos lucrativos anos de
guerra em que o país inundava o mundo com
sua-produção.
As disputas entre as duas economias
se acirraram. De um lado, o país socialista
mantinha seus agressivos planos de expansão.
De outro, os EUA, ainda que em ritmo menos
acelerado, continuava desfrutando das
vantagens competitivas conquistadas na
guerra, apesar dos países europeus já terem
retomado suas atividades produtivas a ponto
de não mais depender das exportações
americanas. Foi exatamente essa disputa pela
hegemonia mundial que impulsionou, de certa
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forma, o crescimento europeu e a estabilidade
nas economias capitalistas durante os anos
gloriosos, os quais ultrapassaram até as
expectativas
mais
promissoras
de
desenvolvimento/crescimento.
A política de redistribuição de renda
norte americana intensificava a atividade
econômica, tanto na América quanto na
Europa, aumentando os gastos dos governos
em investimentos públicos e privados em prol
do fortalecimento da produção e do equilíbrio
no emprego; enquanto o projeto do New Deal
– incorporando a teoria keynesiana combinado com o aumento das massas nas
cidades e da Social Democracia possibilitava
a ascensão econômica das mesmas,
garantindo
que
os
gastos
estatais
incrementassem a expansão da produção, o
emprego, o rendimento das pessoas atendendo
as demandas sociais e a estabilidade
financeira.
Não há como negar que, baseados em
políticas desenvolvimentistas e na base
teórica keynesiana, o surto de crescimento
econômico tenha se tornado um fenômenoquase mundial- independente dos regimes
políticos e econômicos adotados pelos países;
tanto que as duas lideranças hegemônicas do
mundo, contraditoriamente, adotavam e
estimulavam sistemas políticos independentes
e divergentes.
As raízes dessa expansão estiveram
intrinsecamente relacionadas às reformas no
capitalismo, que puderam liquidar com
disseminação das ideias comunistas. A nova
face do capitalismo se concretizou na
planificação da economia, com a intervenção
do Estado através de políticas públicas de
proteção social (Welfare State). Além disso,
essa
reforma
tornou
possível
uma
internacionalização,
principalmente
do
comércio.
Em um misto de crescimento
econômico e melhoria de vida de parte
considerável dos trabalhadores, os trinta anos
gloriosos se desenvolveram sob um forte
sentimento de euforia e confiança no sistema
de Bretton Woods, que teve papel
fundamental no sucesso do período. O
sistema,
que
contemplava
políticas
orquestradas prevendo estabilidade cambial,
expansão do comércio internacional e a
conversibilidade em dólar, contribuiu de
forma contundente para o equilíbrio
econômico.
Embora o sistema tenha, por alguns
anos, influenciado diretamente a estabilidade
econômica mundial, a partir da década de
1960 o processo de mundialização da
economia, baseada no dólar, criou uma forte
dependência internacional em relação à
moeda norte-americana, e no momento em
que esta veio a ruir levou consigo todo o
complexo sistema econômico internacional.
Com a moeda hegemônica em crise, o
crescimento dos anos anteriores começou a
sofrer variações negativas. A evolução das
contradições e dos desequilíbrios não
demorou muito a colaborar para que uma
nova depressão viesse a desestabilizar o plano
de estruturação capitalista.
O impacto dessa mudança no cenário
global foi a redução incisiva do ritmo no
crescimento industrial em países capitalistas
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já desenvolvidos. No terceiro mundo as
consequências foram mais drásticas quando a
explosão do endividamento gerou caos
monetário. As sociedades socialistas viram o
colapso de seu sistema político/ econômico.
A Era de Ouro começava a entrar em
colapso nos anos 70. Inicialmente, porque os
EUA vinham se desgastando muito; não
apenas com os gastos na disputa com URSS que culminou em enfraquecimento econômico
- mas também com a crise pós Guerra do
Vietnã, a qual foi um dos pressupostos para
que o mundo capitalista entrasse em recessão,
combinando declínio hegemônico, queda do
sistema monetário internacional, (baseado no
ouro), taxas de crescimento desaceleradas,
inflação e queda da produtividade da mão de
obra, a qual foi progressivamente trocada pelo
avanço tecnológico. A produção não exigia
mais uma massa tão volumosa de operários, o
trabalhador agora devia ser qualificado. Em
contrapartida, as novas tecnologias associadas
ao barateamento da produção garantiam o
acesso a mercados mais pobres. Ora, o acesso
ao mercado do consumo ficava mais fácil à
medida que o desemprego em massa
aumentava. Agrupa-se a isso o fato das
grandes indústrias migrarem sua produção
para novos polos industriais (países do
chamado terceiro mundo) e os novos
desempregados começarem a sobreviver à
custa de políticas de seguridade social, como
o sistema previdenciário - que era mantido
pelos trabalhadores em número reduzido - ou
através de uma economia informal.
O novo modelo produtivo previa o
maior lucro possível com o menor gasto,
gerava um ambiente econômico inflacionário
e era usada, principalmente, na compra de
mais fontes de energia, no caso o petróleo,
para o suprimento da demanda industrial; o
resultado foi a liquidez do sistema monetário
internacional. Com a crise do petróleo, o lucro
dos países da Organização dos Países
Exportadores de Petróleo, que já era
satisfatório, ficou imenso. Os países da OPEP
eram os maiores produtores de petróleo da
época, o que possibilitou o aumento
orquestrado de preços. Logo, a transferência
de renda dos países consumidores de petróleo
para a OPEP era contabilizada e investida no
sistema financeiro pelos países árabes como
forma de gerar novos lucros. O sistema
financeiro internacional emprestava o
dinheiro - investido pelos países produtores
de petróleo - aos países subdesenvolvidos,
que utilizavam o mesmo para a
“modernização” de seus padrões de consumo.
Desse emaranhado de motivos para
aumentar os lucros se originam os eurodólares
e petrodólares, que foram a causa da expansão
da liquidez mundial inflacionária - originária
da crise do petróleo, que abalara as estruturas
do mundo capitalista e socialista, já que
ambos se aproveitavam do baixo preço do
petróleo para satisfazer suas necessidades
industriais e tecnológicas.
Embora a crise tenha sido gerada no
cerne da lógica capitalista de acumulação, a
URSS não escapou ao círculo vicioso
inflacionário, o qual fora agravado pelos
problemas econômicos oriundos dos gastos
militares. Além do mais, a estrutura
econômica soviética sofria pela desaceleração
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do crescimento da PIB do país. A derrocada
do sistema deveu-se ao modelo de
industrialização da década de 1930 e 1940,
em que se explorava o máximo dos recursos
naturais e sociais (trabalhadores), como modo
de aumentar a produção ao máximo para
enfrentar a concorrência ocidental. Esse
modelo
de
produção
logo
perdeu
competitividade quando o aparato industrial
tornou-se insuportavelmente custoso, devido
ao emprego de um número crescente de
trabalhadores/ instalações e outros recursos,
combinados a uma indústria pouco
tecnológica e pouco eficiente, que previa
quantidade em detrimento da qualidade. Os
sinais de debilidade no campo socialista eram
aparentes. A perspectiva socialista, em países
capitalistas, havia sido dissipada através da
Social Democracia, que não mais lutava pelo
fim do sistema político baseado no capital;
sua defesa, agora, passava pela “socialização”
dos frutos desse capitalismo através da
distribuição de renda, expansão do emprego
em todos os níveis da sociedade e políticas
econômicas capazes de reestabelecer o
equilíbrio no sistema. Por outro lado, as taxas
de crescimento começavam a desacelerar. O
impacto das crises do petróleo “dramatizaram
o fim do campo socialista como uma
economia
regional
praticamente
autossuficiente, protegida dos caprichos da
economia mundial” (HOBSBAWM,x2000,
p.408).
Com a crise já instalada, o sistema
econômico
mundial
estava
mais
interdependente do que nunca. Os Estados
estavam à mercê do mercado mundial –devido
à globalização - e as políticas internas de cada
país não conseguiam proteger, como antes,
suas estruturas produtivas e sociais - os
salários internos estavam expostos à
competição estrangeira. A organização
política nos países socialistas e capitalistas
desabou. Para o sistema socialista soviético, a
crise global significou uma ruptura no seu
crescimento e desenvolvimento acabando por
se tratar não mais de uma questão de
competição, mas de uma questão de
sobrevivência. Para as economias capitalistas,
sua sobrevivência não esteve em ameaça
embora seus sistemas políticos tenham se
desestabilizado.
A Era de Ouro significou maiores
investimentos, aumento do consumo da classe
média, automatização da produção e a
“democratização” do mercado, o que foi
conseguido através de medidas que
produziram a chamada “economia mista”, em
que houve a gestão combinada entre
modernização da economia e aumento da
demanda/ consumo, garantida através do
compromisso dos Estados em preservar ou
criar possibilidades para o pleno emprego e
seguridade social, assim como previa Keynes.
Entretanto, esse modelo de gestão política/
econômica criou possibilidades para que o
sistema financeiro se desenvolvesse a ponto
de submeter os Estados Nacionais e os
organismos
internacionais
às
suas
necessidades de crescimento.
Assim,
da
economia
mundial
devastada - na segunda metade da década de
1970 - sobrou a especulação financeira, agora
muito
mais
forte,
organizada,
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internacionalizada e com poder de destruição
com vasta capacidade disseminação. “A Era
de Ouro acabou como os booms anteriores,
num colapso de imóveis e bancos”
(HOBSBAWM, 2000,p.257).
O impacto da substituição de um
capitalismo produtivo por um capitalismo
financeiro, durante os anos dourados, foi a
não recuperação econômica mundial, por
completo, até os dias atuais. Fato que
comprova a correlação entre a crise da década
70 e 80 e a crise americana de 2008; e porque
não falar na atual crise europeia, a semelhança
não é mera coincidência. A possibilidade de
expansão dada ao mercado financeiro,
naquele período, tornou-o muito mais
influente e com alto poder de destruição
econômico
e
social,
garantindo
o
desabamento da estrutura econômica mundial.
Para reverter essa situação cada vez mais
degradante da economia, os Estados
Nacionais e organizações supranacionais se
empenharam, e ainda se empenham, na
salvação de bancos e instituições financeiras,
dando menor relevância aos meios
produtivos.
O que mudou do período de grande
crescimento econômica pós Segunda Guerra
para a década de 70, para crise americana e
para a crise europeia foram as prioridades.
Nos anos iniciais da Era de Ouro deu-se
importância ao incremento da produção com o
intuito de expandir o emprego e,
consequentemente, melhorar a vida das
pessoas - segundo os preceitos keynesianos de
desenvolvimento - e exatamente por isso
viveu-se anos de maior estabilidade e
crescimento. A partir da década de 1970, o
sinônimo de saúde econômica passou a ser a
manutenção do sistema financeiro à custa da
falta de regulação do capital e de proteção dos
mercados internos.
Isso posto, a origem das crises
modernas, século 20 e 21, começa a ficar mais
clara: a primazia da acumulação desmedida,
além das necessidades humanas nas mãos de
poucos, os quais são influenciados e buscam
um capitalismo excludente, em detrimento da
produção, do emprego e do bem estar social e
coletivo.
Marília Chiomento é Bacharel em Relações
Internacionais pela FASM.
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