Prefácio

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Prefácio
Rochester é um mestre consumado na arte de
escrever histórias. Ele sabe armar situações, criar e
movimentar personagens, reproduzir com incrível
perícia diálogos de impressionante realismo e naturalidade. Sabe, enfim, fascinar, manipular e arrastar
o leitor até o último suspiro da última personagem.
Herminio C. Miranda
Hatasu não foi uma simples rainha. Além de ter sido a
“grande esposa real” de Tutmés I, a quinta governante egípcia
da XVIIIª dinastia foi a primeira e mais importante mulher a
governar o Antigo Egito, sendo considerada muito mais poderosa que Nefertiti ou Cleópatra.
Nascida em Tebas, era a filha mais velha do faraó Tutmés I
e da rainha Aahmés. Herdou a coroa quando seu pai “descansou da vida”, segundo o eufemismo egípcio, e foi obrigada, segundo o costume real, a casar-se com seu meio-irmão Tutmés II.
Com a morte deste, Hatasu, ou Hatshepsut, assumiu o trono sozinha, proclamou-se faraó e reinou por vinte e um anos.
Depois de sua morte, Tutmés III, outro meio-irmão, a substituiu,
cumprindo o destino de ser um dos grandes faraós da história
egípcia.
Assim que se tornou faraó, Tutmés III, considerado hoje
o “Napoleão do Egito”, ordenou a destruição de estátuas de
Hatasu e mandou apagar as inscrições de seu nome nos monumentos. Textos nos obeliscos da rainha em Karnak foram
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emparedados em pedra, o que não deve ter sido uma boa idéia
de Tutmés, já que teve o efeito inesperado de preservá-los em
perfeitas condições...
O nome de Hatasu foi suprimido das principais listas de
reis do Antigo Egito e ficou durante muito tempo desconhecido, mas a sua “redescoberta” foi empreendida por egiptólogos
nos anos 1920, quando descobriram uma série de estátuas da
rainha em Deir-el-Bahari, onde ela construiu o templo que a
imortalizou, contrariando pela única vez na história os cânones
da arquitetura egípcia, e que até hoje perdura como um enigma
a desafiar os egiptólogos.
Recentemente comprovou-se que uma múmia localizada
há mais de um século era a múmia dessa rainha do Egito, finalmente identificada.
A ilustre mulher-faraó encontra-se hoje em uma das duas
salas das múmias reais do Museu Egípcio do Cairo. E Hatasu
pôde, finalmente, ver satisfeito o seu empenho de ser lembrada,
como se percebe nas inscrições de um de seus obeliscos, em
Karnak: “Meu coração palpita de preocupação só de pensar no
que dirão as futuras gerações, aquelas que hão de ver meus monumentos nos anos vindouros e tecer comentários sobre meus
feitos”.
Em entrevista à revista Universo Espírita, o autor e pesquisador espírita Herminio C. Miranda contou sobre sua visita ao Museu Egípcio do Cairo: “Eu queria muito ver uma estátua da Hatshepsut, aquela mulher-faraó que figura no livro Romance de uma
Rainha, de Rochester. Estava um pouco perdido, quando surgiu
um guarda do museu e falou:“Você quer ver a estátua de Hatshepsut? Eu vou lhe mostrar”. Surpresos, Herminio e sua esposa seguiram o guarda e puderam ver uma estátua de Hatasu ajoelhada. E
ele termina: “É uma estátua pouco conhecida. Hatshepsut foi da
geração dos Tutmés, uma geração de gênios. É impressionante a
capacidade administrativa, a força daquela mulher!”
Nesta mesma linha, Catharine Roehrig, curadora de arte
egípcia do Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque, afirmou à National Geographic que “Hatshepsut governou durante duas décadas por ser capaz de fazer as coisas andarem. Acho
que ela era muito astuta e sabia como jogar uma pessoa contra
a outra para tirá-las de seu caminho sem assassiná-las ou ser
por elas assassinada”.
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J. W. Rochester
Talvez Catharine tenha tido acesso a algum exemplar de La
Reine Hatasou, título em francês do livro que você, leitor, tem
em mãos.
Publicado pela primeira vez em 1891, conhecem-se traduções de La Reine Hatasou para diversas línguas, além do português. Esta que você está lendo, feita por Mariléa de Castro e
publicada pela Editora do Conhecimento, é a mais atual e mantém o vínculo com o título da edição original, ao apresentar o
nome da rainha Hatasu.
O autor é notadamente um dos mais conhecidos da literatura espírita, apesar de muitos não o aceitarem como “autor
espírita”. A verdade é que J. W. Rochester – nome assumido
pelo espírito que viveu como John Wilmot, conde de Rochester,
poeta inglês do século XVII – divulga e esclarece em seus livros
um série de conceitos da doutrina espírita, trazendo ao público
revelações sobre o mundo espiritual e os “mistérios” da história
e da ciência.
Suas tramas instigam os leitores a saber mais sobre os assuntos tratados, aprofundando-se no estudo da doutrina. Quando analisa as questões morais de seus personagens, remete o
leitor aos ensinamentos evangélicos de Jesus. Um excelente trabalho de divulgação do espiritismo!
Segundo se tem informação, Rochester asumiu a missão de
velar por um grupo de espíritos afins que o acompanharam em
diversas jornadas físicas, algumas relatadas em suas obras, e
de auxiliar seu antigo amigo e mestre Allan Kardec, com quem
teve a oportunidade de conviver em algumas de suas existências, a difundir a recém-codificada doutrina.
Para esta importante tarefa, preparou desde cedo a jovem
russa Vera Ivanovna Kryzhanovskaia, possuidora de excelentes qualidades mediúnicas. Juntos trabalharam em dezenas de
obras – contos místicos e romances históricos de formação moral, publicados no fim do século XIX e início do século XX.
Ao falar das antigas civilizações, Rochester sempre deu
grande ênfase ao Antigo Egito. E ali está ambientado Hatasu,
onde o autor revela os bastidores da história dessa mulher incomum e das pessoas com quem ela conviveu, narrando as intrigas e disputas pelo poder real.
O crítico V. P. Burenin, elogiando o romance no jornal russo
Novoe Vremia de 13 de janeiro de 1895, observou que o autor
Hatasu – A rainha do Egito
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conhecia o quotidiano dos antigos egípcios “talvez melhor do
que o famoso (egiptólogo e) romancista histórico Ebers”.
Rochester levanta o “véu de Ísis”, como ele gosta de dizer, e
mostra o porquê do ódio de Tutmés III por Hatasu, bem como o
mistério que envolve a construção do templo de Deir-el-Bahari
e as maquinações dos sacerdotes.
Durante a narrativa, mostra como o mundo espiritual era
conhecido pelos egípcios, a interação com o mundo material,
tratando claramente da reencarnação dos personagens e mostrando como agem as leis de Deus.
Aborda ainda assuntos como perispírito, fluidos, cura, visões, obsessão, sonambulismo e vampirismo, fazendo uma verdadeira dissertação sobre este último, onde apresenta um alerta
quanto à necessidade de a ciência “se dedicar sinceramente ao
estudo das energias misteriosas da alma, das quais o magnetismo, a mediunidade e o hipnotismo constituem apenas uma
pequena parte”. É importante notar que Rochester cita técnicas
praticamente desconhecidas nos dias de hoje, entre os próprios
espíritas, mas largamente utilizadas e estudadas por Kardec,
que considerava o magnetismo animal, por exemplo, uma ciência irmã do espiritismo.
No romance encontramos também a figura do príncipe Horemseb, conhecido como “o feiticeiro de Mênfis”, que era da família real de Hatasu, e que, aliando-se ao mago hitita Thaadar, protagoniza singulares episódios envolvendo indiretamente a rainha,
sua relação com Tutmés III e o futuro da própria dinastia.
“Para o autor, o mago Thaadar voltaria mais tarde como
Richard Wagner, o mago da ópera mística, lendária e misteriosa.
O príncipe Horemseb teria sido o infeliz rei Ludwig II da Baviera, admirador incondicional do grande compositor e até seu
mecenas. Isso faz sentido e nos leva a perceber melhor certos
enigmas não solucionados da historiografia”, afirmou Herminio
em entrevista recente ao jornal Correio Fraterno.
Como sempre, Rochester consegue descrever os seus personagens com extrema destreza, tendo sempre o cuidado de mostrar a importância dos valores morais na vida e no destino de
cada um.
Quanto aos espíritos que participam de outros romances
históricos de Rochester, pode ser encontrado nesta trama pelo
menos um dos vilões. Mena é o mesmo espírito que encarnou
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J. W. Rochester
como Rhadamés em O Faraó Mernephtah, Daphne em Herculanum e Kurt de Rabenau em A Abadia dos Beneditinos.
E é bastante provável que possamos conhecer também,
nesta obra, uma das encarnações do próprio Rochester e da
médium Vera. Em O Faraó Mernephtah, ele é o próprio faraó e
ela é Smaragda. No Episódio da Vida de Tibério, ele é Astartos
e ela é Lélia. Herculanum traz Vera encarnada como Virgília e
Rochester como Caius Lucilius. E em A Abadia dos Beneditinos, ela é Rosalinda e ele é Lotário de Rabenau.
Cabe a você, leitor, identificá-los!
Cristian Fernandes
Outono de 2009
Hatasu – A rainha do Egito
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