EDITORIAL - Centro Espírita Amor e Paz

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ANO 1, REVISTA Nº 12, FEVEREIRO/2015
EDITORIAL
Nosso convidado deste mês é um médico espírita, que vem nos agraciar com uma
aula de uso das células embrionárias, tanto do ponto de vista médico como
espírita.
Plinio J. Marafon
Diretor do Centro Espirita Amor e Paz
www.ceamorepaz.org.br
1
ENTREVISTA
Waldec Jorge David Filho
Mestre em Medicina na área de Oncologia pela
USP, e estudante do Espiritismo
[email protected]
2
TRATAMENTO MÉDICO POR INFUSÃO
DE CÉLULAS EMBRIONÁRIAS?
INTRODUÇÃO
próprio doador, vários outros tecidos
podem ser reparados pelas células
tronco do adulto, como a musculatura
estriada, o coração, e etc.
As transfusões sanguíneas foram o
primeiro tratamento utilizado pela
Medicina envolvendo o transplante de
células. Os relatos iniciais datam do
início da Idade Moderna, porém o
procedimento somente passou a ser
realizado em larga escala a partir da
Primeira Guerra Mundial. (Fazia-se
necessário a reparação da perda
volêmica devido aos ferimentos sofridos
pelos soldados). Iniciava-se assim a era
do tratamento de enfermidades com a
utilização de células transplantadas.
Enfim, admite-se que o progresso trazido
pela utilização das células-tronco em
Medicina é incomensurável. Em relação
aos procedimentos supracitados a
grande maioria das comunidades
científicas ou religiosas não manifestou
desagrado algum. O benefício é
inconteste e não fere qualquer princípio
ético ou moral. Raciocínio semelhante
poderia ser feito envolvendo os
transplantes de órgãos. Os transplantes
de rim e fígado, por exemplo, são
realizados corriqueiramente em todo o
mundo, e similarmente, sem nenhum
questionamento. No entanto, algumas
situações exigem, para a sua reparação,
células ainda mais indiferenciadas, com o
são aquelas oriundas de embriões.
Mais recentemente descobriu-se que
células-tronco
(também
chamadas
células progenitoras), em função de sua
intensa capacidade proliferativa e
formadora de tecidos, podem se prestar
a reparar inúmeros tecidos lesados do
corpo humano. O principal emprego
destas células é no denominado
transplante de medula óssea. A medula
óssea é muito rica em células-tronco e
pode ser danificada, por exemplo, na
quimioterapia
antineoplásica
direcionada contra alguns tipos de
câncer. Neste caso, antes de se
administrar o tratamento, procede-se a
coleta dessas células, as quais são
devolvidas ao paciente logo após a
terapêutica mieloablativa – aqui o
paciente é seu próprio doador
(transplante autólogo). Há situações,
porém, onde a medula óssea é o órgão
doente, como no caso de uma leucemia
ou aplasia. Neste outro exemplo é
preciso contar com a colaboração de um
terceiro para a doação das células
progenitoras (transplante alogênico).
Atualmente, quando o paciente é seu
CÉLULAS EMBRIONÁRIAS
A principal controvérsia a respeito da
utilização das células embrionárias pelas
ciências médicas reside no fato de
eventualmente estar cometendo-se
algum crime perante aos olhos dos
homens e/ou aos olhos de Deus. Para
que tais células possam ser utilizadas
com fins terapêuticos, é necessário
sacrificar os embriões. Alguns condenam
tais práticas e chegam a fazer
comparações com o aborto, baseado na
premissa que em ambos os casos, “vidas
humanas” estariam sendo sacrificadas.
Outros defendem esses procedimentos
apenas
em
situações
extremas.
Enquanto médico e espiritualista, não
compartilho desses pontos de vista,
3
embora sejam opiniões merecedoras de
todo o nosso respeito.
De acordo com a legislação brasileira o
assunto parece estar resolvido, uma vez
que em 2004 foi aprovado o projeto de
lei de Biossegurança, segundo o qual é
permitido “para fins de pesquisa e
terapia, a utilização de células-tronco
embrionárias obtidas de embriões
produzidos por fertilização in vitro e não
transferidos para o útero, desde que os
embriões sejam inviáveis ou estejam
congelados há mais de três anos”.
Assim vamos abordar o assunto tecendo
comentários sobre uma eventual
transgressão aos “princípios da vida”, de
acordo com a doutrina espírita, e na
medida do possível, em conformidade
com a Ciência.
“Em contrapartida, para
que as células
embrionárias se prestem
a fins terapêuticos é
fundamental que a
fertilização tenha sido “in
vitro” e que esses
embriões sejam de outra
forma descartados,
quando não destinados a
fins científicos”
Naturalmente não está em consideração
o emprego de células embrionárias
obtidas de embriões cuja fertilização
tenha acontecido por meios naturais, e
que estejam implantados no útero
materno. Isto seria abominável sob
todos os aspectos. Em contrapartida,
para que as células embrionárias se
prestem a fins terapêuticos é
fundamental que a fertilização tenha
sido “in vitro” e que esses embriões
sejam de outra forma descartados,
quando não destinados a fins científicos.
A propósito da fertilização “in vitro”,
trata-se de um procedimento hoje
amplamente utilizado por casais
inférteis. O momento da união do óvulo
com o espermatozoide dá-se em
laboratório e após alguns dias de vida, o
embrião é transferido para o sagrado
feminino. Inúmeras almas-viventes têm
sido concebidas desta maneira, e
certamente, é um método aprovado por
todos, incluindo a Espiritualidade, pois
há a perpetuação da Vida e a
oportunidade para novas encarnações.
O Espiritismo foi codificado em meados
do século XIX, como amplamente sabido
de todos. Naquela época não se cogitava
a fertilização “in vitro” e muito menos a
utilização terapêutica de células tronco
ou embrionárias. Consequentemente, o
“Espírito da Verdade” não nos trouxe
esclarecimentos sobre o tema, de modo
que somos obrigados a interpretar as
informações codificadas por Allan Kardec
à luz do conhecimento atual, na
tentativa de se chegar a alguma
conclusão sobre a legitimidade do
procedimento. Aliás, o próprio Kardec
postulava que “ciência e religião
deveriam caminhar lado a lado”1.
CRIME AOS OLHOS DE DEUS?
E aos olhos de Deus, como ficaria essa
questão?
Qualquer
tentativa
de
definição de “crime aos olhos de Deus”
iria além do escopo do presente artigo.
O cerne da polêmica envolvendo o
emprego das células embrionárias para
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fins de pesquisa e terapia, sob o ponto
de
vista
religioso/doutrinário
(Espiritismo) reside no fato de estar esse
embrião eventualmente comprometido
com algum Espírito, e ter sua trajetória
precocemente
interrompida
pelas
circunstâncias.
um espírito vinculado, todo o
desenvolvimento
intrauterino
é
completado, ainda que não seja possível
ter aquele neonato prosseguimento. A
questão 136 complementa: “A vida
orgânica pode animar um corpo sem
alma, mas a alma não pode habitar um
corpo privado de vida orgânica”.
A
questão 345 nos traz outro importante
esclarecimento a respeito da união inicial
do espírito com o corpo físico: “É
definitiva a união no sentido de que
outro Espírito não poderia substituir o
que foi designado para aquele corpo;
mas, como os laços que o prendem são
muito frágeis, fáceis de romper, podem
ser facilmente rompidos pela vontade do
Espírito que recua ante a prova
escolhida. Nesse caso a criança não
vinga”.
“O Espiritismo foi
codificado em meados do
século XIX, como
amplamente sabido de
todos. Naquela época não
se cogitava a fertilização
“in vitro” e muito menos
a utilização terapêutica
de células tronco ou
embrionárias”
Ora, não havendo a obrigatoriedade de
vinculação de um Espírito ao embrião em
formação,
e
considerando-se
a
fragilidade dos laços fluídicos iniciais,
creio que a utilização das células
embrionárias
oriundas
de
uma
fertilização “in vitro” para fins de
pesquisa e terapia não fere nenhum
princípio divino. Como mencionado
anteriormente, o benefício para as
ciências médicas é incomensurável,
sempre no sentido de perpetuação e
melhoria das condições da Vida, razões
de nossas existências terrenas, ainda que
tenhamos inúmeras provas a superar.
De acordo com o “Livro dos Espíritos2” a
união da alma com o corpo físico começa
na concepção, mas só se completa por
ocasião do nascimento (questão 344).
Naturalmente que o esclarecimento foi
dado levando-se em conta apenas a
fecundação por meios naturais, e não a
fertilização “in vitro”. Quando realizada
artificialmente, parece não haver a
obrigatoriedade de vinculação de um
Espírito ao embrião, à semelhança do
que se observa ocasionalmente. Tal
inferência pode ser feita a partir das
questões 356 e 136; segundo a primeira
(356)
“alguns
há
(natimortos),
efetivamente, a cujos corpos nenhum
Espírito esteve destinado; nada devia
cumprir-se neles”. “É somente pelos seus
pais que essas crianças nascem”. Neste
caso, mesmo o feto não possuindo a ele
Ao analisarmos a polêmica sob outro
ângulo, o que dizer dos embriões que
terminam seu desenvolvimento anos
após o congelamento? A literatura
médica menciona um caso de
nascimento de infantes originários de
embriões
congelados
por
aproximadamente 12 anos. Sobre esse
tema o periódico “Visão Espírita”
publicou um artigo muito interessante,
5
onde os autores (um dos quais um
renomado físico e escritor espírita)
condena tal prática3. Segundo este autor
seria impossível saber quais embriões
teriam espíritos ligados a eles a partir da
fertilização; além disso, como uma
parcela significativa de embriões morre
durante o processo de congelamento e
descongelamento,
futuros
seres
humanos estariam fadados a sucumbir
precocemente. Uma vez mais nos
permitirmos discordar, em que pese
todo nosso respeito pelo autor e o citado
periódico. E porquê da discordância?
Inicialmente, a mensuração do tempo se
processa algo diversa de como a
entendemos, de modo que os supostos
12 anos de vinculação do Espírito ao
embrião podem ter sidos necessários
para
o
cumprimento
daquela
programação de vida. Mas, talvez o mais
importante, de acordo com nossa visão,
seja o fato de que não necessariamente
a vinculação se faz a partir do óvulo
fertilizado em laboratório. Pelo exposto
acima (questões do “Livro dos
Espíritos”), é possível que o início da
união do Espírito ao futuro ser possa darse a partir do momento da implantação
do embrião no útero materno. Embora
seja uma inferência, não cremos que
haja incongruência nessa possibilidade.
Há inclusive embriões para os quais
nunca seria direcionado Espírito algum,
como previamente mencionado. Em
sendo assim, qual o problema em se
iniciar os laços de união a partir da
implantação do embrião no útero
materno? O novo ser em formação teria
praticamente o mesmo período de
tempo (nove meses) para a adaptação
que a transição exige. Acreditamos ainda
que mesmo para os embriões
possuidores de um Espírito e que não
puderam prosseguir sua jornada por
qualquer motivo, similar experiência não
teria sido em vão. Além do mais, um
“estágio” num embrião congelado pode
ser uma experiência salutar para
determinados espíritos como também
comenta Joanna de Ângelis em seu livro
“Dias Gloriosos”4,5.
“Ora, não havendo a
obrigatoriedade de
vinculação de um Espírito
ao embrião em formação,
e considerando-se a
fragilidade dos laços
fluídicos iniciais, creio
que a utilização das
células embrionárias
oriundas de uma
fertilização “in vitro”
para fins de pesquisa e
terapia não fere nenhum
princípio divino”
É preciso termos em mente que existe o
Ministério da Reencarnação dando o
devido suporte a todos aqueles
desejosos de novas experiências
terrenas, e seguramente, uma atenção
diferenciada está sendo destinada aos
casos advindos da evolução da Ciência.
Nossa intenção é fomentar a discussão
em torno de tão relevante tema, antes
que se possa proclamar uma opinião em
nome da doutrina espírita. Todos nós
ansiamos por dias em que a grande
maioria das enfermidades que nos
afligem esteja eficazmente combatida, e
para isso a contribuição das células
embrionárias terá sido fundamental.
6
Bibliografia
1. Eduardo Augusto Lourenço. “A religião e a
Ciência: lado a lado na evolução” em “O
Consolador” n 68, 2008.
2. Allan Kardec. “O Livro dos Espíritos” tradução de J Herculano Pire. Lake – Livraria
Allan Kardec Editora. 66ª Edição, 2006.
3. Alexandre Fontes da Fonseca e Álvaro
Vannucci. “Embriões Congelados: Espíritos
Ligados por até 12 anos”. Revista
Internacional de Espiritismo, 2005.
4. Divaldo P Franco por Joana de Ângelis. “Dias
Gloriosos”
5. Reinaldo Macedo. “Há espírito ligado ao
embrião
congelado”?
www.espiritismo.net/content.0.0.538.
DINÂMICA ESPÍRITA
Editor:
Plinio J. Marafon
Jornalista – MTb nº 9.727/72
Diagramação:
Denise e Fabiano Soares da Silva
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