os resquícios da doutrina de segurança nacional na - cress-mg

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OS RESQUÍCIOS DA DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL
EM SERVIÇO SOCIAL
Flávia Gonçalves Canesqui1
Monícia Paula Lemos2
Palloma Sthéfanie Ramos3
RESUMO
A ditadura civil-militar (1964-85) impregnou no conjunto do tecido social a Doutrina de
Segurança Nacional (DSN), que previa, dentre outras coisas, uma guerra contra o
comunismo. A DSN influenciou a formação cultural dos brasileiros por diversos vetores,
sendo um deles a formatação de estruturas curriculares de cursos de Graduação, como as do
Serviço Social. O presente trabalho busca identificar, por meio da análise das estruturas
curriculares do período em questão, influências da DSN na formação acadêmica de
assistentes sociais.
Palavras-chave: Ditadura civil-militar, Doutrina de Segurança Nacional, Formação
Profissional, Serviço Social
1
Assistente Social e mestre em Serviço Social pela UNESP-Franca, Coordenadora e professora do
Curso de Serviço Social do Centro Universitário de Formiga – UNIFOR-MG
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3
Graduanda em Serviço Social pelo Centro Universitário de Formiga – UNIFOR-MG
Graduanda em Serviço Social pelo Centro Universitário de Formiga – UNIFOR-MG, bolsista de
Iniciação Científica - FAPEMIG
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INTRODUÇÃO
O presente artigo é parte das reflexões advindas do desenvolvimento do projeto de
pesquisa “A influência da Doutrina de Segurança Nacional na formação de Assistentes Sociais”
desenvolvido ao longo do ano de 2012 com o apoio financeiro da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).
O projeto intenta, em grandes linhas, entender como aconteceu o processo de
formação de assistentes sociais em Minas Gerais durante o período da ditadura civil militar por
meio da análise das matrizes curriculares dos cursos de graduação em Serviço Social existentes
no estado mineiro naquele tempo histórico.
Importa esclarecer que tal proposta encontra-se em andamento e, agora, sem
financiamento, mas, inscrito em proposta de estudo para o Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC) que inicia-se neste ano letivo. Sendo assim, resultados que construam mediações para
contribuir no alcance dos objetivos propostos estão em gestação e, portanto, sem condições
de apresentações concretas para este momento, o que, não obstante, inabilita as observações
urdidas para este trabalho, as quais passaremos a apresentar a seguir.
O GOLPE MILITAR DE 1964 E A DOUTRINA DE SEGURANÇA NACIONAL
Primeiramente, é preciso salientar que vivemos um tempo bastante distinto daquele da
ditadura civil militar iniciado em 1964 e prolongado até o ano de 1985. Nestes anos sombrios,
a sociedade, sob vários ângulos, foi acometida pela Doutrina de Segurança Nacional, que se
pautava, sobremaneira, pelo autoritarismo e pelo combate ao comunismo. Áreas profissionais
de vários matizes, incluindo-se aí o Serviço Social, foram especialmente selecionadas para
absorver mais profundamente os fundamentos da referida Doutrina. Isto porque ao regime
não interessava apenas controlar a dinâmica social e o fazer político das classes populares, mas
também, principalmente, impedir a proliferação de ideias contrárias ao ideário burguês do
regime.
Posta a necessidade de controle ideológico, não é difícil imaginar os esforços
empreendidos pela autocracia burguesa para influenciar ou controlar o processo de formação
de profissionais, como a dos Assistentes Sociais.
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A importância econômica, demográfica e geográfica brasileira tornou, na América
Latina, o golpe civil militar decisivo.
O quadro apresentado pelos setores sindicais e camponeses apontava para
permanentes conflitos que fugiam ao controle do presidente João Goulart.
Duas grandes manifestações, ocorridas em março, têm sido apontadas como o estopim
para o golpe deferido em abril de 1964 contra o governo João Goulart. A primeira retrata um
comício realizado pelo então presidente, no Rio de Janeiro. Tal acontecimento acabou por
alarmar as classes conservadoras. Cada vez mais, Goulart demonstrava que seu projeto de
sociedade era completamente contrário ao que sempre foi vigente. Suas atitudes se
mostravam ainda mais radicais e presumiam não só a fala, mas a publicação de decretos que
tinham por compromisso alterar completamente a conjuntura brasileira. Os setores
conservadores e militares viram-se com apenas uma possibilidade para manter seus interesses:
abortar o processo que estava em curso. Desde a posse de Jango, arquitetavam uma maneira
de retirá-lo da presidência, pois não admitiam que o poder estivesse nas mãos de um político
ligado às classes populares.
A outra manifestação popular, por sua vez, demonstrou o interesse dos militares em
alterar a ordem social que estava se formando. Trata-se da “Marcha da Família com Deus pela
Liberdade”, realizada em São Paulo, que reuniu cerca de 400 mil pessoas. Incentivada pelos
conspiradores militares, a Marcha foi organizada por diversos movimentos, alguns ligados a
setores da Igreja Católica. Embora muitas vezes essa manifestação seja apontada como uma
resposta ao comício realizado pelo Presidente, não se pode estabelecer essa relação. O apoio
da Igreja foi de extrema importância, pois através de um controle ideológico, essa dissipou
entre os fiéis a ideia da existência de uma grande ameaça internacional: o comunismo. A
participação de outros setores como, por exemplo, o IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos
Sociais – contribuiu significativamente na formulação de uma grande cruzada em nome da fé.
Tudo isto deu origem a um antagonismo: de um lado, o projeto defendido por João
Goulart, de um capitalismo nacional-popular, que contava com o apoio das forças de esquerda.
De outro, os militares juntamente com os setores conservadores, articulavam um projeto que
previa a expansão capitalista internacional e dependente.
Em resumo, é um conjunto de forças e acontecimentos que acabam por contribuir para
a efetivação do golpe.
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O apoio norte-americano foi incontestável para o golpe acontecer. As elites brasileiras
foram generosamente contempladas com uma série de recursos financeiros por parte do
governo americano para derrubar o Poder Executivo federal.
“[...] liberação de verbas da Aliança para o Progresso, sistema de ‘ajuda’ econômica
continental montada pelos Estados Unidos, apenas para aqueles estados cujos governadores
eram hostis ao governo federal. Dessa forma foram beneficiados, entre outros, os estados da
Guanabara, São Paulo e Minas Gerais”. (COAGGIOLA, 2001:13).
O objetivo de todo esse apoio financeiro era fornecer as condições ideais nas esferas
material e logística para os militares golpistas.
“O Estado militar se credenciaria como principal guardião do capital internacional e
defensor da ‘restauração da economia’ – cambaleante e anarquizada pelas constantes greves –
por meio de um ‘programa de desenvolvimento’ baseado na ‘livre iniciativa’ (COAGGIOLA,
2001:16).
Dessa forma, uma série de dispositivos legais passou a reger toda a vida política e social
do país.
“Se a conspiração civil-militar de 31 de março de 1964 significou o fim do governo
constitucional de João Goulart, o Ato Institucional decretou a morte do regime baseado na
Constituição de 1946, na harmonia e independência dos Poderes, na inviolabilidade do
mandato parlamentar” (COAGGIOLA, 2001: 17).
É neste contexto, do golpe civil militar de 1964, que abre-se um cenário favorável às
operações de mudançcas no Serviço Social. Primeiro, devido à necessidade de manter, tal
como em outros períodos históricos da sociedade brasileira, por meio de agentes qualificados,
a reprodução das relações sociais próprias daquela conjuntura e, desta maneira, conservar a
acumulação de capital.
No período em tela, o Serviço Social vivenciou três alterações.
A primeira delas, se relacionou às condições de exercício profissional. Um aumento
significativo de novos campos de trabalho, devido ao desenvolvimento de políticas sociais,
ingressou os assistentes socais nas fileiras do trabalho assalariado.
A segunda, ligada à primeira, referiu-se à auto representação profissional. As condições
do trabalho assalariado ofuscou (e não eliminou) os traços históricos caritativos que
conformavam o perfil profissional.
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E, por fim, a terceira modificação foram as relacionadas às demandas práticas colocadas
ao assistentes sociais, notadamente as da indústria urbana.
As três alterações contribuiram decisivamente para a renovação profissional.
Do estrito ponto de vista profissional, o fenômeno mais característico desta quadra
relaciona-se à renovação do Serviço Social. No âmbito das suas natureza e
funcionalidade constitutivas, alteraram-se muitas demandas práticas a ele
colocadas e sua inserção nas estruturas organizacional-institucionais (donde, pois,
a alteração das condições de seu exercício profissional); a reprodução da categoria
profissional – a formação dos seus quadros técnicos – viu-se profundamente
redimensionada (bem como os padrões da sua organização como categoria); e seus
referenciais teóricos-culturais e ideológicos sofreram giros sensíveis (assim como
suas auto representações). Este rearranjo global indica que os movimentos
ocorridos neste marco configuram bem mais que a resultante do acúmulo que a
profissão vinha operando desde antes. Articulam especialmente uma diferenciação
e redefinição profissionais sem precedentes, desenhando mais particularmente a
renovação. (NETTO, 2004: 119)
Essas mudanças significativas, como já apontado, deram-se no duro e obscuro contexto
de militarização da vida política, social e cultural brasileira, açambarcado pela agudização da
Guerra Fria, que desde o final da Segunda Mundial, opunha União Soviética e Estados Unidos
como representantes dos sistemas socialista e capitalista.
Os Estados Unidos, diante da possibilidade de uma vitória comunista, se inseriram em
uma permanente estratégia para bloquear o fortalecimento das ideias comunistas. Tratava-se
de um conjunto de ações militares, políticas, econômicas, psicológicas para neutralizar a
influência da União Soviética. Desenvolve-se, desta maneira, a Doutrina de Segurança
Nacional.
A Doutrina de Segurança Nacional era a nova arma contra o comunismo
internacional. Daí decorria um segundo princípio segundo o qual o comunismo
estaria por trás de todos os fenômenos revolucionários do Terceiro Mundo, não
sendo, portanto, necessário fazer distinção entre guerra revolucionária e guerra de
libertação nacional, assim como não teria diferença entre subversão, crítica,
oposição, política, guerrilha, terrorismo, guerra, já que tudo isso era manifestação
de um único fenômeno: a ‘guerra revolucionária’. [...] Trata-se, portanto, da força
do Estado, capaz de derrotar todas as forças adversas e fazer triunfar os Objetivos
Nacionais. [...] é a força do Estado presente em todos os lugares em que haja
suspeita do fantasma do comunismo. Às vezes atacam um objetivo, às vezes outro:
à onipresença do comunismo responde-se com a onipresença da Segurança
Nacional. (COMBLIN, 1978: 47).
A ideologia de Segurança Nacional não era secreta, entretanto, os militares reservavam
sua explicação e conhecimento aos mais altos responsáveis pelos grandes setores da vida
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nacional. O objetivo maior era manter as massas populares isoladas do processo de condução
do Estado. Para tanto, a definição de segurança, mesmo sendo o centro de toda a doutrina,
não foi explicitada, de maneira a fazer da guerra a resposta a todas as questões.
A ideia de guerra envolvia três conceitos fundamentais: guerra generalizada, guerra fria
e guerra revolucionária.
A primeira dizia respeito ao conflito armado entre grandes potências. A guerra fria era
tida como uma guerra permanente e atual e, tratada em todos os planos – psicológico, militar,
político e econômico – porém, sem confronto armado, a guerra revolucionária era combatida
em prol da segurança nacional.
Mais exatamente, guerra revolucionária era entendida como “a nova estratégia do
comunismo internacional: em qualquer lugar que haja uma guerra revolucionária, é preciso
ver, daí por diante, a presença do comunismo” (COMBLIN, 1978: 44).
Derivados desta concepção de guerra e de segurança foram criados os ‘objetivos
nacionais’ com o intuito de respaldar a Ideologia de Segurança Nacional.
“Os Objetivos Nacionais são ao mesmo tempo a meta da guerra e a meta da política.
Como a Doutrina de Segurança Nacional assimila permanentemente a política e a guerra, isso
não é de surpreender. A meta da guerra é a meta da política e vice-versa, já que toda nação
esta engajada numa guerra para sua sobrevivência”. (COMBLIN, 1978: 50).
A segurança do Estado era o valor de alta grandeza. Partia-se do pressuposto de que
cidadãos subversivos, o inimigo interno, estavam inseridos na sociedade, justificando, desta
maneira, o controle e a vigilância, como também o uso de armas contra aqueles que
supostamente teriam cometido crimes contra o Estado e a ordem política, criando uma
atmosfera de desconfiança e medo.
Os princípios da Doutrina de Segurança Nacional foram formulados pela Escola Superior
de Guerra (ESG) e contaram com um amplo aparato institucional, como o Serviço Nacional de
Informações (SNI) para levar a cabo seus princípios.
Esta conjuntura marcada pelos elementos mencionados interferiu profundamente na
formação dos assistentes sociais. Como se sabe, os assistentes sociais exercem na divisão sócia
técnica do trabalho, em sua maioria, a função de ‘executores terminais das políticas sociais’
(NETTO, 2006) e, desta maneira, relacionam-se diretamente com o povo. Por essa
característica, a necessidade, naquele contexto, de controle da formação universitária fazia-se
imperativa. Para tanto, uma formação acadêmica tecnicista, instrumentalista e burocrática era
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essencial para sintonizar profissão aos ditames da autocracia burguesa, especialmente na
gestão e execução de políticas sociais.
DITADURA CIVIL MILITAR E SERVIÇO SOCIAL
De acordo com NETTO (2004, p. 118), a reorganização do Estado e as modificações
profundas na sociedade feriram o Serviço Social, não exclusivo, mas especialmente, em dois
níveis: o da sua prática e o da sua formação profissionais. Novas exigências foram
apresentadas aos assistentes sociais. Era necessário, a partir de então, um profissional
moderno, laicizado e descolado do confessionalismo. Neste contexto, a efetiva inserção do
Serviço Social no âmbito universitário corroborou para subverter a formação acadêmica e o
recebimento de influxos de outras áreas das ciências humanas, como a sociologia, a
antropologia e a psicologia social, também contribuíram para a formatação de um novo
velho profissional. Dizemos novo velho profissional em razão do próprio processo de
renovação do Serviço Social, onde o novo apareceu mesclado ao velho de maneira muito
complexa, em que rompimentos se entrecruzaram a continuidades, em uma tensão entre
elementos de transformação e permanência, elementos típicos da modernização da
conservadora.
Uma nova onda expansiva atinge a oferta de Cursos de Serviço Social no Brasil, pois
segundo NETTO (2004, p.124):
Em pouco mais de uma dezena de anos, o sistema de ensino superior (público e
privado) passou a oferecer, em todo o país cursos de Serviço Social numa escala
impensável uma década antes - se, em 1960, havia 1289 estudantes de Serviço
Social, em 1971 o seu número chegava a 6.352.
Os 28 cursos existentes em 1959 [...] passaram a 57 em 1976 (23 públicos e 34
privados) e 61 em 1982 (26 públicos e 35 privados); os dados mais recentes, de
1988, apontam a existência de 66 cursos (26 públicos e 40 privados) [...]. Vale
observar que, em 1988, o Brasil reunia mais de 20% do total das escolas superiores
de Serviço Social então existentes na América Latina, que ascendia a 307 unidades
universitárias.
Pode-se afirmar que fora neste contexto que a profissão experimentou significativas
modificações teóricas e metodológicas desde que surgiu no País. O Serviço Social passou a
pautar-se por três matrizes teóricas distintas, entrecruzadas em seu desenvolvimento
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histórico, e que contribuíram sobejamente para a emergência de debates e polêmicas
epistemológicas no interior da profissão.
O processo de renovação do Serviço Social, em certa medida e principalmente por
meio das duas primeiras perspectivas teóricas desenvolvidas - modernizadora e
reatualização do conservadorismo, nos dizeres de NETTO (2004)-, resgatou suas raízes
conservadoras. Nas palavras de IAMAMOTO (2002, p.22), “a fonte de inspiração do
pensamento conservador provém de um modo de vida do passado, resgatado e proposto
para interpretar o presente”.
Diante do clima repressivo que se instalou no país durante o período da ditadura civil
militar, os assistentes sociais iniciaram discussões acerca do objeto, objetivos, métodos e
procedimentos de intervenção, enfatizando a metodologia profissional, pois à medida que
se fechava o caminho para efetivar a crítica à vida social da lógica do capital, o Serviço Social
brasileiro iniciava, então, uma revisão de sua própria modalidade de intervenção.
Impossibilitado de questionar-se socialmente, o Serviço Social brasileiro se
questionou metodologicamente. As preocupações sobre a função social do Serviço Social, a
análise de seus valores ideológicos, o tratamento de suas implicações sociopolíticas, tudo
isso foi substituído pelo debate exclusivo do exercício profissional. A teoria metodológica
invadiu os círculos institucionalizados.
Essa atualização se manifesta em mudanças no discurso, nos métodos de ação e no
projeto de prática profissional diante das novas estratégias de controle e repressão
da classe trabalhadora, efetivadas pelo Estado e pelo grande capital, para atender
às exigências da política de desenvolvimento com segurança. Traduz-se numa
modernização da instituição do Serviço Social. De um lado, é preciso aperfeiçoar o
instrumental operativo, com as metodologias de ação, com a busca de padrões de
eficiência, a sofisticação de modelos de análise, diagnóstico e planejamento; enfim
é preciso dar suporte técnico à ação profissional. (IAMAMOTO, 2002:32)
No entanto, e por outro lado, o processo de renovação também comportou setores
que contribuíram de uma certa forma para a ruptura com o conservadorismo.
A ruptura com a herança conservadora expressa-se como uma procura, uma luta
por alcançar novas bases de legitimidade da ação profissional do assistente social,
que, reconhecendo as contradições sociais presentes nas condições do exercício
profissional, busca colocar-se objetivamente a serviço dos interesses dos usuários,
isto é, dos setores dominados da sociedade. Não se reduz a um movimento
“interno” da profissão. Faz parte de um movimento social mais geral, determinado
pelo confronto e a correlação de forças entre as classes fundamentais da
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sociedade, o que não exclui a responsabilidade da categoria pelo rumo dado às
suas atividades e pela forma de conduzi-las. (IAMAMOTO, 2002:37)
A conjuntura econômica do final dos anos de ditatoriais aliada às manifestações
populares influenciou o Serviço Social no sentido da reorganização de sua prática
profissional, perpassando, preponderantemente, pela análise política do papel a ser
desempenhado por este profissional em sua atuação, daí a necessidade de requalificar os
instrumentais e buscar novos fundamentos científicos para orientar as intervenções.
Nesta nova perspectiva, batizada por NETTO (2004) de ‘intenção de ruptura’, os
assistentes sociais recusavam em conceber o exercício profissional reduzido à mera
execução de políticas sociais. Para tanto, a inserção dos profissionais no universo da
pesquisa acadêmica foi fundamental para romper com a “divisão consagrada de trabalho
entre cientistas sociais (os teóricos) e assistentes sociais (os profissionais da prática)”
(NETTO apud IAMAMOTO, 2002 p. 11-12).
Paradoxalmente, a ditadura civil militar no Brasil propiciou no Serviço Social, por um
lado, o fortalecimento do conservadorismo e, por outro, a ruptura com mesmo, inaugurando
um debate crítico e de vinculação marxista, mesmo que frágil.
Não obstante o marco negativo das fragilidades e lacunas deste momento, muito em
função de um ecletismo pouco produtivo e até incoerente, o processo de renovação
profissional do Serviço Social serviu para chancelar a ruptura, por um setor expressivo da
categoria profissional, com o conservadorismo.
O exposto até agora permite-nos afirmar que o Serviço Social acompanhou, em maior
ou menor grau, o movimento do Estado na direção do obscurecimento das contradições
sociais e na contenção do avanço e amadurecimento da luta de classes.
Depreende-se daí o centro de nossas indagações: considerando que os cursos
de graduação em Serviço Social tiveram aumento significativo no período da ditadura civil
militar no Brasil, cabe-nos indagar, em um primeiro momento, qual foi o grau de
consonância e submissão destes cursos à ordem social estabelecida naquele momento?
Esta questão leva-nos à refletir sobre o papel que o Estado brasileiro desempenhou
(e desempenha?) na conformação do conservadorismo no Serviço Social, especialmente em
seus meios de formação acadêmica, pois o Estado, no período retratado (como nos últimos
anos?) desenvolveu políticas sociais e requereu (e requer?), por conseguinte, assistentes
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sociais para executá-las. Desta forma, acabou, intencionalmente ou não (?), moldando a
formação dos assistentes sociais que ingressaram no mundo trabalho.
Por sua vez, os cursos de graduação em Serviço Social, por meio de seus projetos
pedagógicos e estruturas curriculares, acabaram, desta maneira, submetendo suas
propostas formativas à lógica dominante.
São esses questionamentos que instigam nossa vontade de continuar a perquirir o
Serviço Social no contexto histórico brasileiro a fim de encontrar pistas que contribuam
também no entendimento da conjuntura atual da formação acadêmica em Serviço Social
marcada essencialmente pela privatização e precarização, em um contexto de ampliação
(precária) de vagas no mercado de trabalho, especialmente no campo das políticas
assistenciais estatais.
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REFERÊNCIAS
COAGGIOLA Osvaldo. Governos Militares na América Latina: A era das ditaduras Chile,
Argentina e Brasil Luta armada e repressão. São Paulo: Editora Contexto, 2001.
COMBLIN Joseph. A ideologia da Segurança Nacional: O poder militar na América Latina.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
NETTO José Paulo. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Social no Brasil pós-64.
7 ed. São Paulo: Cortez, 2004.
_____. Capitalismo monopolista e Serviço Social. 5ed. São Paulo: Cortez, 2006.
IAMAMOTO, Marilda Villela. Renovação e Conservadorismo no Serviço Social: ensaios
críticos. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2002.
_____. Serviço Social em tempo de capital fetiche: capital financeiro, trabalho e questão
social. 4ed. São Paulo: Cortez, 2010.
RÉMOND, René. “Uma história presente” In: RÉMOND, René. Por uma História Política. RJ:
Ed. da UFRJ, FGV, 1996.
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