Urgências em Dermatologia

Propaganda
Dermatologia
Urgências em
Dermatologia
Profa. Dra. Valéria Petri1 • Dra. Luciana Matayoshi2 • Dra. Patricia Maluly2
Dra. Giselle Guedes Pereira2 • Profa. Dra. Olenia Pesant Hernández3
INTRODUÇÃO
U
Dra. Luciana Matayoshi
(à esq.), Profa. Dra. Valéria
Petri, Dra. Patricia Maluly e
Dra. Giselle Guedes Pereira.
rgências dermatológicas são estados patológicos
que requerem atenção
médica imediata por risco
de fatalidade, transmissibilidade, objetivo desconforto,
expressivo sofrimento ou
danos de notáveis extensão e intensidade. São
situações de emergência cerca de 15% a 20%
do total de casos de comprometimento cutâneomucoso. Em essência, pele, mucosas e anexos
requerem imediata atenção quando estão significativamente comprometidos ou sob risco iminente as
funções de barreira e outros sistemas vitais.
A barreira cutânea é responsável pela regulação da homeostase, capacidade de síntese de
moléculas com atividade pró-inflamatória e imunorreguladora, atividades hormonais e imunológicas.
A função de barreira mecânica é encarregada de
evitar perda de líquidos biológicos e proteger o
organismo contra os diversos tipos de agressão
ambiental, inclusive infecções. As infecções por
perda da função de barreira são as principais causas de morte nas queimaduras extensas, síndrome
1 - Professora Titular Livre-Docente do Departamento de Dermatologia da Escola Paulista
de Medicina - Universidade Federal de São Paulo - EPM/Unifesp. Chefe do Serviço de
Dermatologia do Hospital Ipiranga da Secretaria de Estado da Saúde - São Paulo - SP.
2 - Médica Estagiária do Serviço de Dermatologia do Hospital Ipiranga da Secretaria de Estado
da Saúde - São Paulo - SP.
3 - Médica. Professora Assistente. Master em Enfermidades Infecciosas - Departamento de
Dermatologia - Hospital Hermanos Almeijeiras - Ciudad La Habana - Cuba.
128 Prática Hospitalar • Ano IX • Nº 54 • Nov-Dez/2007
de Lyell (necrólise epidérmica tóxica), eritrodermia e
doenças auto-imunes. Os agentes implicados são,
em geral, Staphylococcus aureus e Streptococcus
epidermidis, além dos bacilos Gram-negativos
multirresistentes cuja agressividade é facilitada
pela corticoterapia.
Pacientes idosos, neutropênicos ou com nefropatias têm maior risco de complicação por desequilíbrio da função de barreira cutânea. Nesses casos
ocorrem perdas hidroeletrolíticas (3 a 4 litros por
dia) com perda protéica (até 40 g/L), que acarretam
sérias conseqüências hemodinâmicas, hipercatabolismo e transtornos da termorregulação.
A obstrução das vias aéreas por edema
abrupto e secreção abundante no trajeto da
mucosa por liberação maciça de aminas vasoativas costuma ser desencadeada por fármacos e
produtos químicos inalados, ingeridos, injetados,
contactantes e alimentos com alérgenos. À inflamação do tegumento somam-se as disfunções
secretora e imunológica com liberação maciça
de mediadores, principalmente interleucina-1 e
hipercatabolismo, que agrava as perdas protéicas
e produz insulino-resistência tissular e periférica
com tendência à acidose metabólica e depressão
imunitária.
SÃO URGÊNCIAS DERMATOLÓGICAS
1. Síndrome estafilocócica da pele escaldada. Condição grave, mais comum na infância,
causada pela exotoxina esfoliativa A e B do
Staphylococcus aureus (fagotipos 71 e 55). Ocorrem febre e eritema descamativo difuso, com bolhas grandes que se rompem, deixando extensas
áreas erosivas circundadas por retalhos de
pele. Associa-se a alta mortalidade, requer
cuidado intensivo - hidratação e antibioticoterapia (oxacilina intravenosa na dose total
de 50-100 mg/kg/dia em recém-nascido
e 100-200 mg/kg/dia em adultos, a cada
quatro a seis horas).
2. Reações anafiláticas, urticária
e angioedema. São respostas imediatas
dependentes de IgE, quadros agudos quase sempre acompanhados de hipotensão,
edema da glote e das vias respiratórias.
Ao mesmo tempo pode haver urticária* e
angioedema.
O choque anafilático ocorre com urticária, edema de glote, hipotensão, sudorese e
hipotermia, às vezes com eritema nodoso e
vasculite. As reações urticarianas e anafiláticas
são condições que associam freqüentemente
exantema macular e lesões urticadas, com
história típica de injeção ou ingestão de
contraste ou penicilina, uso de conservantes,
inalantes, infecções, doença sistêmica (lúpus
eritematoso, artrite, hipertireoidismo, carcinomas, linfomas, policitemia vera), contato com
plantas (dermatite venenata) e cosméticos.
O angioedema agudo é o aumento de
volume localizado e tenso, semelhante à
urticária, porém mais profundo e difuso,
sem prurido, causado por aumento da
permeabilidade vascular no subcutâneo e
nas submucosas. Atinge principalmente os
lábios, genitais, trato gastrintestinal (disfagia,
dores abdominais, vômitos, diarréia) e respiratório (dispnéia), palmas e plantas. Pode ser
induzido por drogas, alimentos, venenos de
insetos, material de contraste, doença do
soro e contato com superfície fria.
Figura 1. Necrólise epidérmica tóxica.
O tratamento dos estados agudos de
urticária e anafilaxia consiste da imediata
interrupção do fármaco suspeito e da administração de epinefrina (0,3 a 0,5 mL de solução milesimal) subcutânea a cada 15 a 20
minutos. Mantidas livres as vias respiratórias,
devem ser administrados bloqueadores H1,
H2 ou ambos, glicocorticóides sistêmicos
(hidrocortisona ou metilprednisolona EV, nos
casos graves, com manutenção posterior –
prednisona, 40 a 60 mg iniciais – e redução
progressiva sob controle clínico).
3. Reações adversas a medicamentos. São lesões localizadas ou disseminadas
na pele e/ou nas mucosas, provocadas direta
ou indiretamente por fármacos, independentemente da dose ou via de administração.
Cerca de 0,1% dos pacientes hospitalizados
apresentam reações cutâneas potencialmente fatais em decorrência do uso de medicamentos (fig. 1).
As reações adversas a fármacos se
apresentam quase sempre como dermatoses
(até 95%); o comprometimento sistêmico
ocorre em pelo menos 30% dos casos, 5%
desses como reações graves (síndrome de
Stevens-Johnson e necrólise epidérmica
tóxica). Antibióticos e anticonvulsivantes são
responsáveis pela maioria das ocorrências.
Tabela 1. Fármacos que podem causar síndrome de Stevens-Johnson ou necrólise
epidérmica tóxica
Acetaminofeno
Cefalosporinas
Fembufeno
Piroxicam
Ácido tiaprofênico
Cetoprofeno
Fenilbutazona
Rifampicina
Ácido valpróico
Claritromicina
Fluoroquinolonas
Sulfadiazina
Alopurinol
Clormezanona
Flurazepam
Sulfadoxina
Aminopenicilinas
Corticosteróide
Hidantoínas
Sulfassalazina
Antiinflamatórios não-esteróides
Cotrimoxazol
Ibuprofeno
Tiabendazol
Benoxaprofeno
Diclofenaco
Isoxicam
Tenoxicam
Carbamazepina
Etambutol
Naproxeno
Vancomicina
Os pacientes com urticária aguda/angioedema/anafilaxia devem ser sistematicamente
investigados quanto aos medicamentos de
usos recente e contínuo. Na tabela 1 estão
relacionados os principais medicamentos que
podem causar reações adversas graves.
4. Síndrome de Stevens-Johnson
(SSJ) e necrólise epidérmica tóxica (NET)
São padrões de reação mucocutânea e multissistêmica de alto risco que se distinguem
entre si pela proporção de tegumento que
apresenta necrose, bolhas flácidas serohemorrágicas e desprendimento da pele. A
SSJ atinge até 10% da superfície corporal e
a NET afeta mais que 30% (entre 10% e 30%
admite-se a forma de transição SSJ - NET).
Os fármacos induzem cerca de um terço
dos casos de SSJ e 15% são atribuídos a infecções. Até 80% dos casos de NET devemse ao uso de medicação específica e menos
de 5% dos pacientes não têm histórico de
uso de medicamento.
A NET provoca destacamento laminar da
pele, expondo a derme avermelhada e úmida,
com bolhas flácidas. O sinal de Nikolsky** é
positivo. Pode haver lesões nas mucosas
conjuntivais, orodigestiva e do trato respiratório. Daí os distúrbios oculares, disfagia,
dor abdominal, melena e até perfuração do
cólon. A taxa de mortalidade gira em torno
de 30% a 40%.
A NET e o SSJ devem ser distinguidos do
eritema multiforme major. Este é tradicionalmente descrito como sinônimo de SSJ, tem
sido considerado entidade distinta, ainda
que grave. Trata-se de erupção aguda de
lesões fixas, isoladas entre si, com as típicas
lesões “em alvo”***, predominando nas extremidades e às vezes associadas a lesões
mucosas. Não há pródromos e a evolução
é tipicamente benigna.
* Urticária é a erupção caracterizada pelo súbito aparecimento de urticas, pápulas eritematoedematosas
efêmeras, migratórias, pruriginosas, produzidas pela
liberação de mediadores vasoativos a partir dos mastócitos situados em torno dos vasos da pele.
** O sinal de Nikolsky é o descolamento da pele próxima
da lesão bolhosa à pressão friccional.
***A lesão “em alvo” consiste de duas zonas distintas:
uma externa eritematoedematosa e outra interna com
necrose, vesículas ou bolhas, com base de tonalidade
purpúrica ou violácea. Lesões em alvo são típicas do
eritema multiforme, são também simétricas e situamse, principalmente, nos dorsos das mãos e pés e na face
extensora dos antebraços.
Prática Hospitalar • Ano IX • Nº 54 • Nov-Dez/2007 129
O tratamento da SSJ/NET consiste do
suporte clínico em unidade de terapia intensiva ou centros de referência para grandes
queimados (o tratamento de emergência
para NET é semelhante ao tratamento dos
grandes queimados), com administração de
fluidos e nutrição parenteral. A antibioticoterapia profilática é controversa; parece mais
coerente empregar tratamento específico
com cultura de bactérias positiva.
As medidas gerais incluem conforto térmico para reduzir a perda calórica, heparinização
contra o risco de trombose venosa profunda
e tromboembolismo pulmonar em pacientes
acamados, proteção contra sangramento
gastrintestinal, aspiração, debridamento de
tecido inviável, curativos biológicos e eventual
enxertia. O comprometimento ocular da fase
aguda requer lubrificantes, colírio de corticosteróides, correção regular de simbléfaro,
prevenção de úlceras de córnea e outras
infecções.
5. Eritrodermia esfoliativa. Quadro
sindrômico particularmente grave cuja causa
é difícil estabelecer. Surge rapidamente e
progride de modo subagudo ou crônico,
com febre, calafrios, linfadenopatia, eritema
e descamação furfurácea generalizados
com prurido de intensidade variável. Essa
síndrome pode ser devida ao agravamento
de doenças subjacentes: eczemas (atópico,
seborréico, de contato), psoríase, farmacodermia/toxidermia (sais de ouro, anestésicos,
sulfamidas, arsenicais, cloroquina, nitrofuronas, ácido paraminosalicílico, fenilbutazona,
barbitúricos, antibióticos, anticonvulsivantes),
linfoma cutâneo, eritrodermia ictiosiforme
congênita, líquen plano, pitiríase rubra pilar.
Porque toda a superfície cutânea é atingida,
o aumento da perfusão cutânea resulta em
hipotermia, hipercatabolismo com perda
protéica e hipermetabolismo compensatórios. As fases exsudativas e de desequilíbrio
hidrossalino têm conseqüências variáveis e
risco de septicemia e outras complicações letais. A hospitalização é essencial ao suporte e
investigação da origem do processo – a hipótese de reação adversa a fármaco(s) somente
deve ser abandonada se houver evidência
consistente direcionada a outra etiologia. São
indicados banhos com água turva de amido,
Figura 2. Herpes-zóster necrotizante.
equilíbrio hidroeletrolítico, anti-histamínicos,
antibióticos e corticosteróides sistêmicos
para controlar as fases críticas.
6. Erisipela e celulite. São infecções
agudas da derme e subcutâneo em conseqüência da penetração de bactérias
patogênicas em paciente suscetível (estreptococo beta-hemolítico do grupo A,
Staphylococcus aureus, Streptococcus
pyogenes, Haemophylus influenzae). Os
agentes se inserem nos tecidos por meio
das portas de entrada (xerodermia intensa,
fissuras, traumas, dermatomicoses e outros
tipos de solução de continuidade). A erisipela é a forma superficial da celulite. Pode
instalar-se em qualquer local, mas costuma atingir as pernas ou a face, preferindo
terreno edematoso, com estase venosa e
linfangite, em pacientes com diabetes e/ou
neoplasias, desnutridos, imunodeprimidos,
sob cortico ou quimioterapia, com doenças
cardiorrespiratórias e hematológicas ou com
dependência química de álcool.
A evolução da erisipela é rápida, com
febre, prostração, náuseas, vômitos e linfonodomegalia local. A área comprometida é
eritematosa, edemaciada, quente e dolorosa,
às vezes bolhosa.
O tratamento consiste em repouso
absoluto, no leito e com os pés elevados,
se atinge membro inferior. Administra-se
penicilina cristalina nas doses de acordo
com a intensidade do quadro clínico e idade.
Pacientes alérgicos à penicilina ou à sulfa
podem ser tratados com azitromicina, eritromicina ou cefalosporina. O uso de heparina
como terapia adjuvante está indicado em
casos suspeitos de tromboflebite e trombose
venosa profunda.
7. Eczema herpético. É a infecção cutâ-
130 Prática Hospitalar • Ano IX • Nº 54 • Nov-Dez/2007
nea disseminada pelo vírus do herpes simples
sobre dermatoses ou doenças preexistentes:
atopia, linfomas, doença de Darier, hiperceratose epidermolítica e pênfigo foliáceo. Febre,
toxemia e vesículas (por vezes umbilicadas)
disseminadas sofrem erosão, formam crostas
e podem infectar-se com bactérias patogênicas. O tratamento é sintomático e de suporte, com cobertura antibacteriana e antiviral
(aciclovir, penciclovir, valaciclovir), nas doses
correspondentes à gravidade do quadro.
8. Herpes-zóster (“cobreiro”). É a
infecção aguda que geralmente envolve a
pele e os nervos de um dermátomo e está
associada à reativação do vírus varicelazóster. Pode atingir indivíduos de quaisquer
idades, mas a incidência aumenta com a
idade, à medida que diminui a imunidade
celular. Caracteriza-se por dor unilateral do
tipo nevrálgica com subseqüente erupção
com agrupamento de vesículas sobre base
eritematosa, cuja extensão limita-se a um ou
dois dermátomos. A dor durante o surto pode
ser intensa e angustiante em indivíduos com
mais de 45 anos. A neuralgia pós-herpética
pode ser resistente entre idosos, condicionando a situação de necessidade crônica de
analgesia, pelo menos durante alguns meses.
O zóster necrotizante também representa
situação de urgência entre imunodeprimidos
e desnutridos, idosos ou não, especialmente
quando atinge o ramo oftálmico (fig. 2 ).
Assim, caracteriza-se no zóster a urgência dermatológica, neurológica e oftalmológica. A evolução pode ser atípica e a cicatrização aberrante. A angústia por conseguir
algumas horas de sono e os paroxismos de
dor lancinante obrigam o paciente a permanecer insone e ansioso. O desespero e o
suicídio não são raros.
O tratamento com antiviral específico
sistêmico (aciclovir, penciclovir, valaciclovir,
fanciclovir) deve ser precoce e associado a
corticoterapia oral visando conter o processo
inflamatório que leva à neuropatia periférica.
Na vigência da dor lancinante e incoercível
com analgésicos comuns, recorre-se à
analgesia proporcional à sintomatologia - o
anestesista tem condições de avaliar e controlar a dor intolerável por meio de bloqueio
nervoso e sedação.
Dermatologia
9. Reações hansênicas. A hanseníase
é infecção bacteriana granulomatosa crônica causada pelo Mycobacterium leprae,
transmitida por contato inter-humano direto,
estreito e freqüente, especialmente atingindo
crianças e adultos jovens. Compromete a
pele, o sistema nervoso periférico, o trato
respiratório superior, os olhos e testículos.
As manifestações clínicas, evolução natural
e o prognóstico da hanseníase dependem
da resposta do hospedeiro.
São consideradas quatro formas clínicas
da hanseníase: tuberculóide (comprometimento localizado da pele e dos nervos
periféricos com poucos BAAR na biópsia
cutânea); virchowiana (comprometimento
generalizado, especialmente pele, mucosas
das vias respiratórias superiores, sistema
reticuloendotelial, glândulas supra-renais e
testículos, com numerosos BAAR nos testículos); limítrofe, dimorfa ou borderline
(apresenta características das duas formas
anteriores, com muitos BAAR presentes e
lesões cutâneas de aspecto variável) progride para o pólo tuberculóide ou lepromatoso.
As formas indeterminadas se apresentam
como máculas hipocrômicas com alterações
de sensibilidade e são as mais importantes
do ponto de vista do controle da hansenía­
se; podem curar-se espontaneamente ou
evoluir para as demais formas da doença.
Requerem acompanhamento, investigação
de foco entre os conviventes e tratamento
específico.
As reações hansênicas são fenômenos
imunológicos agudos ou subagudos, podem
interromper a evolução lenta da doença e
constituem urgência porque podem resultar
em lesões neurológicas incapacitantes. Podem ocorrer espontaneamente, ou com início
após a terapêutica específica.
Há dois tipos de reações:
a. reação de tipo 1 ou reação reversa:
ocorre entre dimorfos tendendo ao pólo
tuberculóide: febrícula, lesões cutâneas
inflamatórias e muito dolorosas. As
neurites agudas requerem tratamento
urgente, pois é alto o risco de seqüelas
permanentes;
b. reação do tipo 2 ou eritema nodoso
hansênico: ocorre nos virchowianos e
Figura 3. Úlcera aguda em eczema de
contato extenso e estase.
dimorfos antes, durante e após o início
da terapêutica, quando os bacilos se
fragmentam. Os doentes têm febre,
mal-estar, dores no corpo, linfonodos aumentados e dolorosos, artralgia, placas e
nódulos eritematosos que podem sofrer
ulceração, irites e iridociclites, orquites e
orquiepididimites, hepatoesplenomegalia
dolorosa, icterícia e até trombose.
Em nenhum dos estados reaccionais
deve ser suspensa a medicação específica.
O tratamento da reação reversa leve
pode ser controlado com repouso, analgésicos e corticosteróides, conforme a
intensidade do surto reacional. A talidomida
é empregada nos casos em que não ocorre
neuropatia (100 mg três vezes ao dia, com
redução conforme haja melhora), respeitada
a proibição de administrar em mulheres
em idade fértil. Quando a talidomida está
contra-indicada pode ser usada pentoxifilina
na dose de 400 mg três vezes ao dia durante dois a três meses. O eritema nodoso
hansênico requer repouso, analgésicos,
prednisona (40 mg/dia iniciais, com doses
decrescentes conforme melhora) e clofazimina (300 mg iniciais, reduzindo de acordo
com a evolução).
10. Dermatoses bolhosas. São estados de eclosão abrupta de bolhas e erosões,
com descompensação geral: pênfigo vulgar,
penfigóide bolhoso, epidermólise bolhosa
adquirida, eritema polimorfo bolhoso, pênfigo
paraneoplásico, herpes gestacional, dermatite herpetiforme. Dependendo da extensão do
processo, os pacientes devem ser internados
e receber suporte enquanto se necessita
esclarecimento diagnóstico.
11. Dermatite de contato generalizada. Caracterizada pelo surgimento
progressivo de eritema, vesículas, bolhas
e exsudação com prurido intenso e posteriores descamação e crostas (fases aguda
e subaguda). Quando compromete grande
parte da superfície cutânea surgem as
complicações sistêmicas: hipovolemia, hipoproteinemia e sepse. Na fase exsudativa
estão indicadas as soluções anti-sépticas
e adstringentes (água sulfatada, solução
de Burow), anti-histamínicos orais, corticosteróides orais ou injetáveis (de liberação
lenta). Na fase subaguda está indicada
corticoterapia oral, anti-histamínico oral e
cremes emolientes. Deverão ser investigados pelo dermatologista o agente etiológico
e o alérgeno específico (fig. 3).
A dermatite venenata é associada ao
contato com plantas (fitodermatite alérgica) e ocorre em indivíduos sensibilizados
a uma variedade de alérgenos vegetais.
Caracteriza-se por dermatite eczematosa
aguda, com bolhas, muito pruriginosa,
freqüentemente em arranjo linear. A fitofotodermatite, por outro lado, é reação
de fotossensibilidade que ocorre em indivíduos que tiveram contato com substância
química fotossensibilizadora derivada de
planta sobre a pele, com subseqüente exposição solar. Podem ser quadros graves,
como queimaduras que se assemelham a
celulite ou doença bolhosa. O tratamento
local consiste na aplicação de compressas
úmidas frias durante 30 minutos, três vezes
ao dia. Cremes de barreira (argila, loção
de bentonita a 18%), cremes de silicone
ou vaselina podem ser úteis nos primeiros
dias. Ocasionalmente administra-se creme
de corticosteróide por tempo limitado (sete
a dez dias, uma ou duas aplicações diárias)
e anti-histamínico.
12. Púrpura fulminans. Ocorre no decurso de septicemias com distúrbio generalizado da coagulação sangüínea. Os pacientes
Prática Hospitalar • Ano IX • Nº 54 • Nov-Dez/2007 131
Dermatologia
apresentam prostração, equimoses e choque
por sepse bacteriana (por meningococo,
pneumococo, Escherichia coli, Pseudomonas), complicações obstétricas, neoplasia
maligna disseminada ou traumatismo maciço, com sangramento em vários focos. Há
liberação de endotoxinas com formação de
microtrombos na pele e em outros órgãos,
particularmente adrenais. Petéquias, equimoses, hematomas, sangramento e choque
podem ocasionar a morte em até 24 horas.
A internação visa ao tratamento do choque e
da infecção, com administração de heparina
e corticóide. As lesões apresentam-se com
coloração purpúrica e bordas eritematosas
bem demarcadas, como bolhas hemorrágicas e necrose extensa, especialmente nas
extremidades distais e áreas de pressão, até
com auto-amputação.
13. Vasculite necrotizante. É estado de
hipersensibilidade vascular de pequenos vasos que se expressa, clinicamente, por febre,
mal-estar, mialgia, dor articular e lesões que
caracterizam a chamada “púrpura palpável”,
com lesões urticariformes, bolhas hemorrágicas, nódulos e até necrose, principalmente
no dorso e extremidades. Pode ter como
causa medicamentos (penicilina, sulfamida
e soros), infecções (hepatite C, estreptococo
beta-hemolítico A, Staphylococcus aureus,
M. leprae). Pode também estar associada
a neoplasias (doenças linfoproliferativas e
carcinoma renal), colagenopatias (lúpus
eritematoso, artrite reumatóide, síndrome de
Sjögren, disproteinemia, hipergamaglobulinemia). Ocorre comprometimento sistêmico
de vários níveis: renal, muscular, articular,
digestivo e dos nervos periféricos. A púrpura
de Schonlein-Henoch é um tipo de vasculite
por hipersensibilidade associada a IgA.
14. Fasciite necrotizante. É infecção
profunda, potencialmente fatal, causada por
múltiplos agentes microbianos, que acomete
a fáscia de um braço ou perna e progride
rapidamente com necrose do tecido subcutâneo. São implicados os microrganismos
anaeróbios Peptostreptoccocus, Enterobacter e Proteus, que penetram na pele por meio
de ferimentos, queimaduras, procedimentos
cirúrgicos ou traumas, especialmente em
pacientes com diabetes mellitus, doença
vascular periférica e imunossupressão, insuficiência renal, neoplasia maligna, alcoolismo,
arteriosclerose.
O paciente apresenta dor lancinante e
incoercível, lesão edematosa difusa igual a
uma celulite de menor gravidade, o que pode confundir o examinador, que o dispensa
com diagnóstico de celulite. Sucede que em
poucos dias o paciente piora da dor, tem
febre alta, leucocitose, edema localizado
com mancha central de tonalidade azulacinzentada e bolhas.
O tratamento consiste em antibioticoterapia intensiva específica (conforme antibiograma), debridamento cirúrgico e remoção
da fáscia e do subcutâneo.
15. Psoríase pustulosa generalizada.
É forma grave de psoríase que pode ser
desencadeada por infecções, hipocalcemia
ou tratamento intempestivo com esteróides.
Na gravidez assume o aspecto de impetigo
herpetiforme e pode derivar para mortalidade
materna e fetal. Lesões pustulosas podem
resultar em desidratação, hipocalcemia,
hipoalbuminemia e septicemia, além dos
sintomas constitucionais. O tratamento é
delicado, pois depende da resposta favorável ao uso de metotrexato, retinóide oral ou
ciclosporina.
16. Doenças sexualmente transmissíveis. As doenças sexualmente transmissíveis
são urgência indiscutível porque representam
risco a terceiros. A identificação e o tratamento precoce da sífilis, do cancro mole e da
gonorréia são urgentes porque são imediatamente controláveis, o que não acontece com
o condiloma acuminado e o herpes genital.
Porém, a associação dessas doenças (sífilis +
HPV + herpes simples) favorece a instalação
de outros agentes, incluindo o HIV. t
REFERÊNCIAS
1. Freiman A, Borsuk D, Sasseville D. Dermatologic emergencies. Canadian Med A J.
2007;173(11):1317-19.
2. Bowen T, Cicardi M, Farkas H et al. Canadian
2003 international consensus algorithm for
the diagnosis, therapy, and management
of hereditary angioedema. J Allergy Clin
Immunol. 2004;114(3):629-37.
3. Sigurdsson V, Toonstra J, HezemansBoer M, et al. Erythroderma. A clinical and
132 Prática Hospitalar • Ano IX • Nº 54 • Nov-Dez/2007
follow-up study of 102 patients, with special
emphasis on survival. J Am Acad Dermatol.
1996;35(1):53-7.
4. Cavero FV, Blanch FB, Gonzalez JDI. Urgencias en dermatología. Actualizaciones.
2001;07:520-28.
5. Gruchalla RS. Drug allergy. J Allergy Clin
Immunol. 2003;111:S548-9.
6. Bernd LAG. Alergia a medicamentos. Revista Brasileira de Alergia e Imunopatologia.
2005;28(3):125-32.
7. Wolff K, Johson RA, Suurmond D. Fitzpatrick
Dermatologia Atlas e Texto. 5ª. Ed. McGraw
Hill, 2006.
8. Braun-Falco, Plewig G, Wolff HH, Burgdorf
WHC. Dermatology. 2nd. ed. Springer,
2000.
9. Gomes ER, Demoly P. Epidemiology of
hypersensitivity drug reactions. Current
Opinion in Allergy and Clinical Immunology.
2005;5:309-16.
10. Sampaio SAP, Rivitti EA. Dermatologia. 3ª
ed., Artes Médicas, 2007.
11. Khalili B, Bahna SL. Pathogenesis and recent therapeutic trends in Stevens-Johnson
syndrome and toxic epidermal necrolysis.
Annals of Allergy, Asthma & Immunology.
2006;97:272-81.
12. Azulay & Azulay. Dermatologia. 3ª ed.
Guanabara-Koogan, Rio de Janeiro: 2004.
13. Habif TP. Dermatologia clínica. 4ª ed., Artmed, 2007.
14. Letko E, Papaliodis DN, Papaliodis GN,
Daoud YJ, Ahmed AR, Foster CS. StevensJohnson syndrome and toxic epidermal
necrolysis: a review of the literature. Ann
Allergy Asthma Immunol. 2005;94:419-36.
15. Paquet P, Piérard GE, Quatresooz P. Novel
treatments for drug-induced toxic epidermal
necrolysis (Lyell’s syndrome). Int Arch Allergy
Immunol. 2005;136:205-16.
16. Loncar C, Franic T, Bilusic M. Toxic epidermal
necrolysis caused by flurazepan. Psichiatria
Danubina. 2005;17(3-4):236-9.
17. Palmieri TL, Greenhalg DG, Saffle JR et al. A
multicenter review of toxic epidermal necrolysis treated in U.S. burn centers at the end of
the twentieth century. J Burn Care Rehab.
2002;23:87-96
18. Paquet P, Pierard GE. Erythema multiforme and toxic epidermal necrolysis: a
comparative study. Am J Dermatopathol.
1997;19(2):127-32.
19. Paquet P, Jacob E, Damas P, Pirson J,
Piérard G. Analytical quantification of the
inflammatory cell infiltrate and CD95R expression during treatment of drug-induced
toxic epidermal necrolysis. Arch Dermatol
Res. 2005;297:266-73.
Endereço para correspondência:
Universidade Federal de São Paulo - Depto.
Dermatologia - R. Borges Lagoa, 783 - cj 92.
Vila Clementino - São Paulo - SP.
Download