trabalho

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IDENTIFICAÇÃO DE NECESSIDADES: INDÍCIOS EM UM PROGRAMA DE
FORMAÇÃO DE EDUCADORES PARA UMA PRÁTICA INCLUSIVA
Deigles Giacomelli
Leny Magalhães Mrech
Universidade de São Paulo
INTRODUÇÃO
Pensar sobre formação de educadores traz a necessidade de considerarmos vários aspectos
relacionados a este tema: o que entendemos por formação profissional, por profissão, por
profissionalização, por profissionalidade, por desenvolvimento profissional; quais são os
contextos históricos, ideológicos, sócio-políticos que subjazem as concepções e práticas de
formação; quais são as propostas teóricas e metodológicas possíveis de serem utilizadas em
processos de formação – e sua relação com o que se entende por educação, aprendizagem e
conhecimento; qual é a função daqueles que estão no papel de “formar” o educador; quais
os objetivos em um trabalho de formação; quais são os indicadores utilizados para se
planejar e propor objetivos num trabalho de formação; em função de quais necessidades ele
é proposto; o que se entende por necessidades, entre outros.
Na disciplina “Formação de Professores: tendências investigativas contemporâneas” do
programa de pós-graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo FEUSP, tivemos a oportunidade de entrar em contato com autores que nos possibilitaram
tecer novos elementos para esta discussão, a partir daqueles que elencamos acima1.
Cada um deles traz uma demanda para aprofundamento de uma reflexão teórica articulada às
praticas profissionais as quais estamos envolvidos. Neste texto, focaremos as discussões
relacionadas à identificação de necessidade nos processos de formação de educadores.
Esta escolha justifica-se por três razões iniciais. A primeira refere-se à importância do tema
para o desenvolvimento de processos de formação contínua: pela sua polêmica em
decorrência de indefinições de aspectos conceituais e metodológicos (ESTRELA, LEITE,
MADUREIRA, 1999); pela sua complexidade e articulação com os objetivos de formação
(RODRIGUES, ESTEVES, 1999); por ter-se a convicção generalizada de que o
envolvimento dos participantes para quem o trabalho é proposto está associada com a
eficácia das ações de formação contínua (RODRIGUES, ESTEVES, 1999). A segunda diz
respeito ao fato de estarmos estudando no programa de doutorado em Didática, Teorias de
Ensino e Práticas Escolares da FEUSP um programa de formação de educadores em serviço
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para uma prática inclusiva. Nesta pesquisa consideramos relevante pensar como as
necessidades de formação estão sendo identificadas para verificar a relação delas com a
contribuição que o programa pode, ou não, estar oferecendo aos educadores. Por fazer parte
deste trabalho de formação, temos a preocupação constante de oferecer o trabalho de
formação - como uma das ações de apoio para a construção de uma prática educacional e
social inclusiva no município de Mauá – tendo como eixo norteador as necessidades
colocadas perante os princípios legais, educacionais, político-sociais em favor de uma
educação inclusiva, as diretrizes política-pedagógicas do município e, sobretudo, o que os
profissionais da educação nos dizem sobre suas necessidades em diferentes contextos. Por
último, consideramos que temos pouco tempo de estudo e poucas pesquisas sobre práticas
que pretendem oferecer formação para a inclusão de alunos com deficiência ou outras
necessidades educacionais especiais num contexto regular de educação. Estrela, Leite e
Madureira (1999) justificam a pesquisa em que realizaram sobre identificação de
necessidades na formação contínua de professores para a integração de alunos com
necessidades educacionais especiais, pela pertinência do tema e a pouca exploração no meio
acadêmico.
CONTEXTO PESQUISADO
No município de Mauá, região do grande ABC de São Paulo, a Secretaria de Educação do
Município, a partir de 1997 firmou os princípios de democratização do acesso, condições
para a permanência, gestão democrática, qualidade de ensino, valorização do profissional
da educação como diretrizes gerais para as ações educacionais realizadas no município.
Estes princípios desencadearam uma série de reflexões e mudanças nas práticas relacionadas
à Educação Especial neste município. Estas reflexões foram sustentadas pelo movimento
mundial em favor de uma Educação e Sociedade Inclusiva (AINSCOW, PORTER, WANG,
1997; BUENO, 2002; MRECH, 1999; MENDES, 2002; MITTLER, 2003; MRECH, 2001;
SASSAKI, 1997, STAINBACK, STAINBACK,1999; UNESCO, 1994).
Até este momento, tínhamos experiências isoladas de alguns alunos com deficiência
freqüentando o ensino regular. Entretanto, a maioria estudava na Escola de Educação
Especial do Município, do Departamento de Educação Especial2. Ele foi inaugurado em
1986 a partir de um movimento de pais que reinvidicou, perante a administração pública, um
local para seus filhos estudarem e realizarem tratamentos. A população atendida por esta
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escola era basicamente composta por alunos considerados deficientes mentais leves ou
moderados, segundo a nomenclatura utilizada na época.
O ano de 1997 trouxe uma ampla discussão de como a instituição estava organizada, sob
quais princípios e concepções de estudo a respeito das tendências mundiais em favor do
processo de escolarização de qualidade para as pessoas com deficiência. Terminamos o ano
identificando a necessidade de reorganização da nossa estrutura de instituição e ações
oferecidas. A partir de 1998 assumimos como objetivo geral do Departamento de Educação
Especial do Município oferecer apoio para os alunos com deficiência, suas famílias, escola e
demais setores da sociedade para que as pessoas com deficiência possam estar incluídas no
contexto educacional e social na qual vivem com concretas possibilidades de
desenvolvimento, de aprendizagem e de participação social. Entendíamos a Educação
Inclusiva como um processo precisava envolver a todos para que ela fosse construída
efetivamente nas ações cotidianas.
De 1998 até os dias atuais pensamos, planejamos e mudamos nossas ações de apoio em
função da avaliação realizada. Neste processo é constante a tentativa de identificar, com a
maior precisão possível, às necessidades daqueles a quem prestamos apoio.
OBJETIVO
Neste texto destacamos momentos deste processo que expressam a forma como a
identificação de necessidades está sendo realizada em um trabalho de formação em serviço
em um contexto público de educação. Optamos por focar os aspectos relacionados à
metodologia de identificação de necessidades e alguns aspectos do conteúdo tido como
necessidade, na medida em que ele desencadeou mudanças no processo de formação.
Dada à extensão do material registrado ao longo destes anos e a riqueza da análise que este
trabalho possibilita, acreditamos que ele não possa ser realizado com o rigor necessário que
as estreitas bases deste trabalho possibilita.
Por isso nós nos propomos aqui a delinear apenas alguns recortes daquele trabalho visando
apresentar as linhas mestras que o trabalho de formação propõem. Um recorte de pesquisa
estabelecido a partir de uma discussão teórico-prática entre a pesquisadora e sua orientadora.
O objetivo geral desta apresentação será analisar alguns dos recortes, a respeito da
identificação de necessidades no trabalho de formação de professores, na proposta para uma
prática inclusiva no município de Mauá.
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METODOLOGIA
Como dito acima, temos registrado muitos momentos do trabalho de apoio à Educação
Inclusiva oferecido no município de Mauá. Quando começamos a sistematizar estas
discussões e propostas de ações, não tínhamos, inicialmente, a intenção de realizar uma
pesquisa sobre o desenvolvimento e a implementação das ações de apoio ao município. Mas
tínhamos a convicção da importância do registro dos momentos deste processo para uma
compreensão histórica do movimento que realizávamos; uma marcação política-educacional
do que estava sendo realizado; ser um referencial para o planejamento e avaliação do
trabalho; ser um instrumento constante para nossas reflexões e mudanças de percurso.
As passagens dos registros apresentados referem-se à: textos elaborados com vistas a
apresentações em encontros, seminários, congressos e publicações; planos e projetos de
trabalho da Equipe de Apoio Multiprofissional de 1998 à 2005; atas de reuniões realizadas
com a equipe de coordenação, supervisão e direção da Secretaria Municipal de Educação do
Município; registros escritos realizados durante as atividades de apoio; registros de
avaliações realizados pelos participantes do processo.
Compreendemos que em todo material encontramos pequenos indícios que expressam como
foram identificadas as necessidades e como elas acabaram desencadeando as ações
propostas.
Este material será apresentado através de uma narrativa onde descreveremos parte deste
processo de formação, articulando-o com referenciais teóricos que contribuem para a
discussão do tema.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Quando iniciamos em 1998 as ações sistematizadas de apoio à educação inclusiva no
município entendíamos que “a inclusão social é um processo em que todos os setores da
sociedade devem estar envolvidos e comprometidos. Nós profissionais da Educação
Especial, temos o papel de não só estimular o desenvolvimento global do portador de
deficiência, mas também, provocar e estimular o envolvimento de todos neste processo para
que ele ocorra” (MAUÁ, 2001a).
A partir destes princípios, iniciamos a discussão sobre a ida de alguns adolescentes e adultos
do nosso serviço para uma escola de suplência (para jovens e adultos no nosso município).
Para esta discussão, realizamos “reuniões entre professores, técnicos e coordenação da
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educação especial e professores e coordenação do Clarice com o objetivo de trocarmos
algumas informações e conhecimentos para que todos se preparem para incluir o portador
de deficiência” (MAUÁ, 2001a).
Além dessas reuniões, foram realizados grupos com os alunos e suas famílias visando a
proposta, identificar quais eram os aspectos que necessitavam ser trabalhados com os
mesmos para que eles tivessem segurança que a ida para um contexto regular de educação
poderia ser favorável ao desenvolvimento e ao aprendizado deles.
Os alunos e suas famílias, também nos falavam que uma de suas inseguranças era o fato de
acharem que os professores não estavam preparados para receber pessoas com deficiência.
Após a ida desses alunos – que foram progressivamente aumentando ao longo dos anos –
continuamos a realizar reuniões periódicas não só com os professores que receberam os
alunos com deficiência, mas com toda a equipe docente da escola até o ano de 1999.
Relatamos este início de experiência de trabalho de apoio porque ela nos trouxe algumas
importantes questões e percepções sobre o processo. Nós, da equipe que oferecíamos este
trabalho de apoio achávamos que uma das necessidades dos professores era entender os
princípios gerais de uma educação e prática inclusiva – tal como estudamos e discutimos no
processo interno vivido pela equipe, principalmente nos anos de 1998 e 1999.
Porém, na interação com os professores, está necessidade acabou não se confirmando, pelo
menos enquanto reivindicação inicial. Tentávamos ouvir o que os profissionais tinham a
dizer e questionar sobre as situações relacionadas à inclusão e compreendê-las. Constatamos
que as nossas necessidades de “formadores” não eram, necessariamente às mesmas
apresentadas pelas pessoas a quem pretendíamos prestar apoio. Porém, nossas necessidades
pareciam coerentes e as deles eram, na maioria das vezes, vistas por nós como movimentos
de resistência. Assim sendo, como lidar com estes impasses?
Sem respostas pré-concebidas, percebíamos que a aproximação mais constante e o diálogo
com entre equipe da educação especial, profissionais das escolas, equipe de coordenação das
escolas e Secretaria de Educação eram o que nos daria a possibilidade de realizar
coletivamente a identificação das necessidades e propor formas de abordá-las ao longo do
processo de apoio que para nós, diz respeito a um processo de formação continua em
serviço.
Aqui é necessário dizer que a idéia de indícios é, para nós, fundamental neste processo de
identificação de necessidades. Segundo Ginzburg (1989) ela diz respeito a sinais que
podemos encontrar nos pormenores da realidade e não nas características mais visíveis
desta. Entendendo como Ferry (citado em RODRIGUES, ESTEVES, 1999) que as
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necessidades não são claras, que os pedidos de formação exprimem parcialmente estas
necessidades e, como proposto por Luft (citado em RODRIGUES, ESTEVES, 1999), que
além do pedido manifesto temos o pedido latente, consideramos que são os pormenores
manifestados nos momentos de construção coletiva destas ações de formação que vão nos
aproximando das necessidades de formação e dos meios mais favoráveis para trabalhá-las.
De 1998 até os dias atuais, percebemos um constante movimento de identificação coletiva
das necessidades, expressas nos registros e formas de atuação. Neste texto é impossível
explicitarmos a variedade de indícios favoráveis à afirmação feita. Porém, vamos continuar
pontuando alguns momentos do processo que a confirmam.
Em 1998 tivemos algumas reuniões com a assessoria, coordenação, supervisão da SMECE
(Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Esportes) e diretores das escolas municipais
em que decidimos juntos que a porta de entrada para a escolarização de todas as crianças, de
0 a 7 anos, com deficiência no município seria feita pela educação infantil e não mais pela
educação especial. Nestas reuniões também firmamos que necessitaríamos realizar visitas e
estar à disposição dos professores destes alunos para apoiá-los nas suas necessidades.
Em 1999 e 2000, tínhamos um calendário de visitas às escolas de alunos com deficiência
para conversar com os professores e dirigentes sobre o tema que eles manifestavam como
necessidade. Considerando que “a Inclusão tem e pode ser um assunto que permeie todas as
discussões e práticas ligadas à educação e que a tendência mundial é investimento na
educação inclusiva, pelo fato desta ser a proposta de ensino que valida o direito de
cidadania das pessoas e investe no melhor desenvolvimento e aprendizado das pessoas com
ou sem deficiência” (MAUÁ, 2001b) também participamos nos anos de 1999 e 2000 das
reuniões setoriais de dirigentes e supervisores das escolas de educação infantil do município
para que a equipe administrativa da escola pudesse se apropriar e lidar no cotidiano com os
princípios para uma educação inclusiva.
A partir das reuniões setoriais, identificamos a necessidade da equipe de educação especial
participar mensalmente das reuniões de HTPC (horário de trabalho pedagógico coletivo) de
todas as unidades escolares. A participação de membros da equipe de apoio da educação
especial nos HTPCs aconteceu nos anos de 2000 e 2001. O HTPC era considerado um
horário de formação coletiva a partir das discussões sobre o cotidiano vivido em cada escola
e, por isso, consideramos que as necessidades sobre educação especial e educação inclusiva
devia permear todas as discussões realizadas neste espaço. Os dirigentes das unidades
educacionais nos colocavam que sentiam que os professores precisavam da nossa presença
física na escola.
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Eles achavam que era diferente eles levarem a discussão sobre inclusão e que nós tínhamos
mais experiência sobre o assunto. Achamos que esta solicitação expressava uma dificuldade
da equipe administrativa da escola assumirem que a responsabilidade da discussão sobre
necessidades advindas da participação de alunos com deficiência na unidade escolar também
era deles uma vez que estes alunos e as problemáticas trazidas pelos professores diziam
respeito à administração geral das atividades pedagógicas da escola. Porém, neste momento,
consideramos que implícitos nesta solicitação estava à necessidade de compartilharmos esta
responsabilidade com os profissionais da escola, não porque tínhamos mais competência
sobre o tema, mas porque poderíamos trabalhar em discussões de caráter mais
interdisciplinar, ouvir mais as necessidades diretas dos professores, conhecer mais de perto o
cotidiano das escolas3.
A avaliação – sempre realizada com todos os envolvidos nas propostas de ação – indicou a
necessidade das discussões sobre educação inclusiva serem mais focadas e não somente
permeadas nos HTPCs. Sentíamos que questões trazidas pelos profissionais especificamente
sobre as necessidades das pessoas com deficiência e/ou princípios de uma educação
inclusiva mereciam, naquele momento, recortes específicos para discussão.
“A partir da reflexão sobre o trabalho desenvolvido, as avaliações
realizadas pelos envolvidos no processo (equipe da educação
especial, professores, dirigentes da rede municipal, coordenação
pedagógica da Secretaria de Educação) e as necessidades percebidas
e apontadas pelos mesmos, consideramos de fundamental importância
para continuidade e efetivação da proposta de Educação Inclusiva um
apoio sistematizado e constante. Este deve atuar na perspectiva da
formação reflexiva a
articuladas
aos
partir das necessidades do cotidiano
conhecimentos
teóricos,
possibilitando
uma
construção coletiva de um plano de trabalho, responsabilizando o
grupo envolvido com o conseqüente encadeamento das ações”.
É a partir destas considerações que a Equipe de Apoio da Educação
Especial, tem como proposta para 2002 a realização de oficinas que
serão organizadas em grupos de no máximo 25 professores/dirigentes
(que realizarão inscrição conforme a disponibilidade para os
horários oferecidos). Serão realizadas mensalmente durante uma
hora e meia, em local a ser definido. As oficinas terão como objetivo:
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- Constituir-se um espaço de discussão e reflexão das necessidades
específicas para o desenvolvimento da pessoa com deficiência ou
distúrbios globais do desenvolvimento (D.G.D.s), referendadas pelo
princípio da Inclusão Social;
- Oferecer informações sobre os aspectos físicos, mentais,
psicológicos que estão presentes no desenvolvimento e influenciam no
aprendizado das pessoas com as mais diversas deficiências, tais
como: física, mental, auditiva, visual, múltiplas e transtornos globais
do desenvolvimento;
- Possibilitar a troca de conhecimentos sobre as formas de interação
com o meio que as pessoas com deficiência ou D.G.D.s podem ter, a
partir de suas características.
Entendemos que a formação de grupos de professores/dirigentes para
falar sobre os impasses e dificuldades vividas na relação professoraluno e no cotidiano da escola pode constituir-se um espaço de
revisão de valores que tem como intuito a mudança de conceitos e
atitudes discriminatórias para atitudes que valorizem a diversidade
humana.” (MAUÁ, 2002a).
Por isso, em 2002 iniciamos oficinas de trabalho divididas em grupos de profissionais
(professores e dirigentes foram convidados a participar) que escolheram – a partir de temas
inicialmente propostos pela equipe de apoio em função daquilo que era mais freqüente
aparecer como demanda para discussão4 – os temas de interesse a serem trabalhados.
“Considerando que a avaliação é um instrumento fundamental em
qualquer processo de trabalho realizado, solicitamos no decorrer dos
encontros (4º encontro) que os participantes realizassem uma
avaliação livre sobre como estavam sentindo e avaliando a proposta
realizada. A partir destas fizemos um levantamento dos dados
apontados nestas avaliações, enfocando aspectos como: contribuições
oferecidas, organização (estrutura e estratégia), envolvimento do
grupo e propostas apresentadas pelo grupo”.
(...) A partir destes dados, organizamos questões com o objetivo de
aprofundar os aspectos levantados, pois entendemos que ao explicitálos estamos identificando e refletindo simultaneamente sobre nosso
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desenvolvimento e aprendizagem. Assim, tratamos aqui da avaliação
formativa, que considera que avaliar não é apenas coletar
informações sobre o que se sabe ou não, mas sim um momento para
que se possa visualizar e estabelecer relações entre aquilo que foi
proposto durante o curso e aquilo que posso elaborar na minha
realidade cotidiana.” (MAUÁ, 2002b).
Apresentamos na integra alguns dados da proposta de apoio e formação porque
consideramos que eles expressam princípios de como ao longo do processo tentávamos
perceber e modificar as propostas de atuação em função dos indícios apontados.
Este trabalho de apoio em forma de oficinas de formação que são oferecidas prioritariamente
nos horários de HTPCs de 2002 a 2005 vem passando por modificações em função das
avaliações realizadas. Algumas delas são:
- progressiva ampliação a quem elas são destinadas. Atualmente todos os
funcionários da Prefeitura Municipal de Mauá - PMM são convidados a participar e
coordenadores de 5ª a 8ª série das Escolas Estaduais do Município5. Fomos constatando que
para respeitar e favorecer o princípio de que educação inclusiva e sociedade inclusiva é
responsabilidade de todos, temos que oferecer um trabalho de formação em espaços públicos
para todos os segmentos profissionais.
- os profissionais se inscrevem voluntariamente nos diferentes módulos oferecidos.
Cada um deles tem temas desencadeadores diferentes6 que foram eleitos pelas necessidades
manifestas diretamente ou por indícios pelos envolvidos no processo ao longo dos anos. As
avaliações (MAUÁ, 2003 e 2004) realizadas indicam que a inscrição voluntária no módulo
de interesse do participante favorece o seu envolvimento no trabalho.
- o caminho a ser seguido por cada grupo de trabalho constituído é estabelecido junto
com o grupo e sua constante avaliação ao longo dos encontros. No primeiro encontro
ouvimos de cada participante qual é sua expectativa para o trabalho, apresentamos os
objetivos iniciais pensados e na interação dos dois elaboramos uma proposta de caminho
para cada grupo específico.Entendemos que a construção coletiva é uma possibilidade para
identificação de necessidades e a formulação de conteúdos e estratégias de trabalho em
função de lidar com as mesmas.
Como dito anteriormente, este trabalho de apoio à educação inclusiva que apresentamos e
que se constitui para nós um trabalho de formação de educadores em serviço, contem uma
série de dados que poderíamos apresentar para verificar como são identificadas e quais são
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as necessidades apresentadas neste contexto. Aqui, pudemos trazer alguns poucos dados que
esperamos ter exemplificado a importância do envolvimento de todos os participantes de um
processo de formação na construção coletiva do trabalho de formação como nos indica os
trabalhos de Estrela, Leite e Madureira (1999), Rodrigues e Esteves (1999) e os autores que
os nortearam. As dimensões sociais, políticas, culturais, pedagógicas e individuais tem que,
necessariamente, se articular quando pretendemos ter um processo de identificação de
necessidades o mais próximo possível da realidade para a qual o trabalho de formação será
oferecido.
Deixamos grifadas passagens que consideramos ser indícios de formas – e, por isso, dizem
respeito aos aspectos metodológicos - que estão sendo utilizadas como meios para a
identificação de necessidades. Estrela, Leite e Madureira (1999) apontam a conveniência de
utilização de metodologias variadas e combinadas num processo de identificação de
necessidades.
Neste trabalho de formação em análise encontramos a combinação dos
seguintes aspectos deste processo que entendemos ser orientadores na identificação das
necessidades: orientação das propostas de ações a partir de princípios legais, ideológicos,
político-sociais; espaços de discussão e trocas de experiência entre os envolvidos; tomada de
consciência entre aquilo que é sentido como necessidade de quem forma e aquilo que é
sentido como necessidade de quem participa do trabalho de formação e as reflexões sobre
estes impasses; percepções dos formadores após a reflexão sobre as ações desenvolvidas;
reflexões sobre os registros das ações realizadas; compartilhar das ações de formação
cotidiana daqueles para quem o trabalho é oferecido; propor formas diferenciadas de ação;
utilização de diferentes instrumentos de avaliação ao longo do processo; modificar a ação
oferecida e refletir sobre a conseqüência desta mudança; considerar a fala dos participantes
do processo e, também, suas escolhas; planejamento da proposta das ações, seus conteúdos e
metodologias numa construção coletiva com todos os envolvidos.
Trabalhamos com a idéia de que necessidades não é algo que pode ser definido a priori.
Especificamente com relação ao trabalho de formação de professores, Mesa at al. (1990,
citado por ESTRELA, MADUREIRA e LEITE, 1999, p. 45) define o conceito de
necessidades como “o conjunto de preocupações, desejos, carências e problemas sentidos
ou percebidos pelos professores no desenvolvimento do processo pedagógico”. Porém não é
fácil nomear e explicitar nossas preocupações, desejos, carências, problemas. Por isso, a
idéia de indícios trazida por Ginzburg (1989) nos parece fértil na discussão deste tema.
Um dos aspectos mais importantes que costuma ser deixado de lado, nos trabalhos referentes
à formação de educadores e as necessidades docentes, é a dimensão inconsciente. Para a
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Psicanálise o professor tem que fazer passar as suas necessidades através da linguagem, ou
seja, ele tem de colocá-la de tal forma que ela possa fazer entendida pelo Outro. Ocorre que
o conceito de compreensão introduz algumas dificuldades.
Boa parte dos educadores entende que é possível haver uma compreensão total, ou seja,
aquilo que eles pensam, pode e deve ser entendida pelo educador formador. Ocorre que com
isso não se percebe a dificuldade que é tradução das necessidades dos professores em
demandas. Das necessidades dos educadores para a sua transformação em demandas ou
pedidos a respeito do que seria fundamental para eles.
Quando a linguagem intervém, nos revela a Psicanálise, sempre se apresenta algo da ordem
do sem sentido, do não sentido, do contra-sentido. A linguagem não só introduz a aparente
clareza, mas também a ambigüidade e a equivocação.
Com isso, não se trata mais de se discutir apenas que os educadores entendem que
necessitam, mas como estas necessidades são passadas às demais pessoas. Como elas são
entendidas pelo Outro da alteridade e da diversidade. O que pode sempre trazer a
possibilidade do surgimento dos equívocos, das equivocações.
Não como uma distorção da linguagem, mas revelando que a própria linguagem é ambígua,
que por mais que nós queiramos circunscrevê-las aos parâmetros redutores, ela sempre
extrapola, trazendo outros olhares, outras colocações.
È aqui que se evidencia a questão do inconsciente. O inconsciente é ambíguo, trazendo
sempre uma outra cena, um outro contexto, um outro processo. Algo ainda não visto que
traz sempre um outro olhar.
A linguagem desliza, ela se constrói sempre remetendo para uma outra coisa, um outro
significado, uma outra significação.
Mas, há um aspecto que nos parece essencial no contexto da formação de educadores: é que
por trás das necessidades dos professores existe uma demanda de reconhecimento, uma
demanda de afeto. Ou seja, os educadores querem ser reconhecidos como pessoas, como
sujeitos em toda a sua potencialidade.
Quando os Programas se pautam apenas por uma leitura das necessidades docentes, excluem
que esses docentes são sujeitos em toda a sua singularidade. Sujeitos que muitas vezes não
sabem ao certo o que necessitam e o que demandam, mas que constatam que algo que não
anda no seu trabalho, sem conseguir enunciar com precisão.
O trabalho de Mauá traz uma tentativa de escapar desta vertente redutora trazida pelo
mercado de saber (MRECH, 2001, 2005). Um mercado que se preocupa em atender
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aparentemente as necessidades dos educadores para enquadrá-los melhor nos sistemas de
ensino. Mas, que, de fato, muitas vezes os excluem como sujeitos não lhes dando a palavra.
Pode-se dizer que o que pauta o Projeto de Mauá é uma concepção ética, visando criar um
novo tipo de vínculo com os educadores, visando a instauração de uma investigação que
abarque tanto o plano consciente quanto inconsciente, para delinearmos cada vez melhor,
com os próprios educadores, o que eles entendem como sendo as suas necessidades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se é constatada a complexidade presente nas discussões sobre identificação de necessidades
num processo de formação, também é inevitável que estejamos nos debruçando neste campo
para que os processos de formação possam ser realizados da forma mais significativa
possível para quem dele participa. Tarefa necessária, mas nada fácil!
A apresentação de algumas partes do trabalho de formação para uma prática inclusiva aqui
realizado exemplifica a afirmação acima, tal como verificamos pela multiplicidade possível
que teríamos tido para trabalhar com os dados aqui apresentados.
O que se entende por necessidades num contexto de formação de educadores para uma
prática inclusiva? De quem é a necessidade? Como elas são identificadas? Estas são algumas
questões para as quais esperamos ter deixado “pistas” para suas compreensões.
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UNESCO - ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A
CIEÊNCIA E A CULTURA. Declaração de Salamanca: sobre princípios, política e prática
em educação especial. 10 de junho de 1994. Disponível em:
<http://www.educacaoonline.pro.br/>. Acesso em 19 de out. 2003.
TORRES, R. M. Tendência da formação docente nos anos 90. In: WARDE, M. (org.).
Novas políticas educacionais: críticas e perspectives. PUCSP, 1998, p. 173-191.
1
Entre eles destacamos: Contreras (2002); Costa (1995); Cunha (1999); Estrela, Leite e Madureira
(1999); Almeida (1999); Rodrigues, Esteves (1999); Torres (1998).
2
Em 2003, o Departamento de Educação Especial passa a se chamar Centro Municipal de Educação
Inclusiva “Cleberson da Silva”. A mudança do nome foi uma das medidas em favor do processo de nos
constituirmos um Centro de Apoio à Educação Inclusiva no Município.
3
A respeito desta experiência de trabalho AMARO e MACEDO (www.educacaoonline.pro.br)
escreveram um artigo em que refletem sobre esta experiência de apoio.
4
Foram eles: Conceitos e nomenclaturas relacionados a educação especial e educação inclusiva; lugar
social da pessoa com deficiência; educação para todos/educação inclusiva; caracterização das
deficiências; “Quem é meu aluno” e roteiro de observação do aluno. Também havia a possibilidade do
grupo sugerir outros temas que fosse do interesse deles.
5
O trabalho oferecido para a rede estadual é na sua maioria diferenciado devido à responsabilidade
administrativa do Estado e do Município.
6
No ano de 2005 os temas dos módulos oferecidos são: Análise das atividades cotidianas e confecção de
material adaptado; histórias de inclusão; grupo de estudo sobre inclusão educacional e social;
compreendendo as deficiências e suas características; desenvolvimento da sexualidade e suas
especificidades; fala, linguagem e comunicação alternativa: instrumentos de inclusão social;
desenvolvimento e aprendizagem. (MAUÁ, 2005).
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