ESCOLA DE COMANDO E ESTADO MAIOR DO EXÉRCITO ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO Maj Cav GIOVANI DALAROSA AMARAL AS COMUNIDADES ISLÂMICAS NO BRASIL E SEUS REFLEXOS PARA A SEGURANÇA NACIONAL Rio de Janeiro 2014 Maj Cav GIOVANI DALAROSA AMARAL As Comunidades Islâmicas no Brasil e seus reflexos para a Segurança Nacional Tr a b a l h o d e C o n c l u s ã o d e C u r s o apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ciências Militares. Orientador: Ten Cel Mario Eduardo Moura Sassone Rio de Janeiro 2014 A485c AMARAL, Giovani Dalarosa. As comunidades islâmicas no Brasil e seus reflexos para a Segurança Nacional. / Giovani Dalarosa Amaral. 2014. 47 f. ; 30cm. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização). Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, Rio de Janeiro, 2014. Bibliografia: f. 44-47. 1. Comunidades Islâmicas. 2. Segurança Nacional. 3. Islã. 4. jihad. I. Título. Maj Cav GIOVANI DALAROSA AMARAL As Comunidades Islâmicas no Brasil e seus reflexos para a Segurança Nacional Tr a b a l h o d e C o n c l u s ã o d e C u r s o apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ciências Militares. Aprovado em COMISSÃO AVALIADORA _________________________________ Mario Eduardo Moura Sassone - Ten Cel [email protected]; Idt 019476443-7; CPF 011.949.447-79 Escola de Comando e Estado-Maior do Exército _________________ Renato Vaz - Ten Cel [email protected]; Idt 011533643-0; CPF 021.331.867-94 Escola de Comando e Estado-Maior do Exército _______________________________ Temístocles da Rocha Torres - Ten Cel [email protected]; Idt 020370694-0; CPF 120.688.148-89 Escola de Comando e Estado-Maior do Exército À minha esposa Juliana e meus filhos João Pedro e Rafaela. Minha sincera homenagem pelo amor e sorriso diário demonstrados durante a realização deste trabalho. AGRADECIMENTOS Ao Tenente-Coronel Mário Eduardo Moura Sassone, pela orientação firme e segura, e também pelo incentivo e pela confiança evidenciados em várias oportunidades. Sua dedicação se revestiu de capital importância para que eu pudesse realizar o trabalho com tranquilidade e eficiência. Ao Major Pedro Luz Gabriel pela inestimável colaboração prestada por ocasião da confecção deste trabalho. Aos meus pais, José Antunes Cardoso Amaral e Sandra Maria Dalarosa Amaral pela educação que me proporcionaram durante toda a minha vida e que permitiu a realização deste trabalho. “Lutai contra o conservantismo, tornando-vos permeáveis às idéias novas, a fim de que possais escapar à cristalização, ao formalismo e à rotina.” (Marechal Castello Branco) RESUMO A atual presença muçulmana no Brasil foi iniciada na segunda metade do século XIX, com a imigração de sírios, libaneses e turcos portadores de documentos de identidade emitidos pela administração do Império Otomano. As regiões com maiores concentrações de muçulmanos coincidem com as que têm grandes comunidades de origem árabe. Verifica-se que, nas comunidades muçulmanas organizadas pelo Brasil, é comum que os convertidos ao islamismo sigam o líder espiritual que os converteu, abrindo espaço para interferências culturais, personalismo e em última análise ao radicalismo. Este trabalho procurou traçar pontos afins e diferentes em relação às implicações da presença das comunidades islâmicas em território nacional, buscando corresponder a conjuntura brasileira às conjunturas internas e externas de países que têm sofrido ações de grupos radicais islâmicos. Com isso, pode-se questionar os possíveis reflexos da existência de comunidades islâmicas no Brasil para a Segurança Nacional. Como resultado, devese ter atenção à entrada de militantes dos grupos radicais islâmicos que podem procurar no Brasil, um lugar neutro, o apoio financeiro e o “esfriamento” de combatentes e lideranças. A vigilância constante e incansável das instituições federais de controle de fronteira e de inteligência deve buscar minimizar o risco de recrutamento ou instalação de centros de treinamento da jihad islâmica em território nacional, além do combate dos crimes transfronteiriços, incluindo tráfico de armas e drogas, falsificação de documentos e lavagem de dinheiro, que são crimes correlatos. A tradição do envio de tropa para a manutenção da paz contribui para o Brasil ficar fora dos alvos dos grupos radicais islâmicos. No entanto, deve-se manter e aumentar a capacidade operativa dos meios de defesa para garantir a integridade nacional e os interesses do Brasil no exterior. Por fim, o conhecimento e a tolerância mútua devem pautar as relações entre a sociedade brasileira e as comunidades islâmicas residentes no Brasil, construindo laços de amizade e harmonia. PALAVRAS-CHAVE: Comunidades muçulmanas, Segurança Nacional, Islã, Jihad e Terrorismo. ABSTRACT The current Muslim presence in Brazil began in the second half of the XIX Century, with the immigration of Syrian, Lebanese and Turkish carriers of identity documents issued by the administration of the Ottoman Empire. The regions with the highest concentrations of Muslims coincide with those that have large communities of Arab origin. It is found that, in Muslim communities organized by Brazil, it is common for converts to Islam follow the spiritual leader who converted them, making room for cultural, personalism and ultimately radicalism interference. This study sought to trace similar and different points on the implications of the presence of Islamic communities in the country, seeking to match the Brazilian situation to internal and external situations of countries that have undergone radical Islamic groups actions. With this, one can question the possible consequences of the existence of Muslim communities in Brazil for National Security. As a result, one should pay attention to the entry of militants from Islamic radical groups that might seek in Brazil, a neutral place, financial support and the "cooling" of fighters and leaders. The tireless and constant surveillance of federal institutions in border control and intelligence should seek to minimize the risk of recruitment or installation training centers of Islamic jihad in nacional territory beyond combating cross-border crimes, including trafficking in arms and drugs, forgery documents and money laundering, crimes that are related. The tradition of sending troops to the peacekeeping contributes to Brazil to stay out of the targets of radical Islamic groups. However, one should maintain and increase operational capacity of the means of defense to ensure national integrity and interests of Brazil abroad. Finally, knowledge and mutual tolerance should guide relations between the Brazilian society and Muslim communities residing in Brazil, building bonds of friendship and harmony. KEYWORDS: Muslim Communities, National Security, Islam, Jihad, and Terrorism LISTA DE TABELAS TABELA 1 - Concentração de instituições islâmicas TABELA 2 - Repartição da população total por Estados que tem mais de 1.000 muçulmanos TABELA 3 - População muçulmana por região 3 5 18 LISTA DE GRÁFICO GRÁFICO 1 - Projeção do percentual de muçulmanos por país europeu 3 LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 - Distribuição dos muçulmanos no Brasil FIGURA 2 - Símbolos da Cooperativa Halal e do Partido Islâmico do Brasil FIGURA 3 - Distribuição regional de muçulmanos pelo mundo FIGURA 4 - Folheto da campanha de islamização da Grã-Bretanha 3 5 12 25 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 14 2 METODOLOGIA 20 2.1 TIPO DE PESQUISA 20 2.2 UNIVERSO E AMOSTRA 20 2.3 COLETA DE DADOS 20 2.4 TRATAMENTO DOS DADOS 21 2.5 LIMITAÇÕES DO MÉTODO 21 3 ISLAMISMO NO BRASIL: DA ORIGEM AOS DIAS ATUAIS 22 4 AÇÕES DOS RADICAIS ISLÂMICOS NO MUNDO OCIDENTAL 30 5 CONCLUSÃO 41 REFERÊNCIAS 44 !14 1 INTRODUÇÃO A presença islâmica1 no Brasil remonta ao descobrimento. Pedro Álvares Cabral contou com a ajuda de dois árabes muçulmanos, Chuhabidin Bin Májid e o navegador Mussa Bin Sáte, que acompanhavam as embarcações que cruzaram o Atlântico (JERRAHI, 2003). Além disso, o Brasil recebeu diversas ondas migratórias motivadas por incentivos internos ou externos de acordo com acontecimentos da história mundial. Alguns imigrantes formaram grupos por afinidade, por características de língua, religião ou étnicas, os quais podem ser chamados de comunidades. Sob a ótica da sociologia, comunidade pode ser definida como um agrupamento de pessoas que se organizam sob o mesmo conjunto de normas, geralmente vivem no mesmo local, sob o mesmo governo ou compartilham do mesmo legado cultural e histórico (PORTO, 2014). No entanto, a atual presença muçulmana no Brasil foi iniciada na segunda metade do século XIX, com a imigração de sírios, libaneses e turcos portadores de documentos de identidade emitidos pela administração do Império Otomano, o que explica a denominação genérica de “turco” (JERRAHI, 2003). Os imigrantes islâmicos, que chegaram ao país no início do século XX, embora tenham sido recebidos com hospitalidade e plena liberdade pelos brasileiros, encontraram situações adversas para a prática de sua religião. O Brasil, que possui historicamente população de maioria cristã, desconhecia a cultura e a religião muçulmana, não havia mesquitas e os imigrantes estavam dispersos pelo país (JERRAHI, 2003). Em um esforço de reação à perda de identidade religiosa e cultural, a comunidade muçulmana iniciou a fundação de centros religiosos, associações beneficentes e a construção de mesquitas e escolas. O pólo inicial deste processo foi a cidade de São Paulo (JERRAHI, 2003). Para que se possa compreender a discussão feita nos próximos capítulos é interessante que se esclareça, ainda na introdução, conceitos importantes sobre a religião islâmica e suas vertentes, bem como os costumes árabes arraigados e muitas vezes confundidos com a religião. 1 O termo islâmico(a) e muçulmano(a) são sinônimos: aqueles que seguem a religião do Islã. !15 As bases das tradições islâmicas estão contidas no Alcorão2, nos costumes árabes e nas interpretações dessas fontes pelos teólogos islâmicos. A palavra Islã3 (cuja transliteração correta a partir do idioma árabe é Islam) significa “submissão". Para o islamismo, a submissão sem reservas à vontade de Deus Altíssimo é a verdadeira fonte de paz. A fonte escrita da religião é o Alcorão que é a escritura sagrada dos muçulmanos. Composto por 114 Suratas (ou capítulos), registra “a palavra literal de Deus Altíssimo, transmitida aos seres humanos no idioma árabe e revelada ao Profeta Muhammad durante 23 anos” (IBEI, 2014). A Sociedade Beneficente Muçulmana do Rio de Janeiro (SBMRJ) afirma que o Islam não é só uma religião, mas um sistema de vida completo. O islamismo fornece diretrizes escritas sobre todos os assuntos relevantes para o ser humano, tendo o seu próprio sistema político, econômico, jurídico, penal, social e moral. A religião está alicerçada em 6 Pilares da Crença (ou Pilares da Fé), que são: a crença em Deus Único; a crença nos anjos; a crença nos livros; a crença nos mensageiros; a crença no Dia do Juízo Final e a crença no Decreto Divino, seja ele bom ou mal. Eles representam a base da fé islâmica, ou seja, aquilo em que os muçulmanos acreditam (SBMRJ, 2014). O termo islamismo ou islamista, utilizado em português como sinônimo daquele que segue o islã (LELLO, 2014), é um termo surgido no século XX que hoje em dia é usado em alguns países para definir, não só a sua visão religiosa, mas principalmente uma visão mais política dessa mesma doutrina. Assim, em francês o islamismo tanto pode-se referir a uma escolha consciente da doutrina do islã, como guia para a ação política como de uma ideologia de manipulação do islão com vistas de projetos políticos. Nesta última acepção, fala-se também do radicalismo islâmico4 ou fundamentalismo islâmico5, como forma de combater a agressão, que 2 Alcorão: em árabe Al'Qur'an, que significa "A Recitação” (IBEI,2014). 3Serão preservadas as formas islã, islão ou islam respeitando a forma apresentada na fonte. 4 Radicalismo islâmico: movimento nascido em 1929, no Egito com o grupo Irmandade Muçulmana. Inicialmente voltado para problemas de ordem social e religiosa. Atualmente prega a destruição da cultura ocidental como forma de impedir sua dominação e a influência sobre a cultura muçulmana e também para purificar o Islã (WHITTAKER, 2005). 5 Fundamentalismo islâmico: Surgiu após a 1ª Guerra Mundial da necessidade de proteger o Islã da influência ocidental, como resultado da dominação militar e econômica. Só admitem uma interpretação literal das Escrituras como fundamental ou original (WHITTAKER, 2005). !16 supostamente seria feita pelos ocidentais à identidade árabo-muçulmana, e com o fim de transformar um sistema político e social de um Estado usando a sharia6, ou seja, a interpretação unívoca é imposta à sociedade (ÉTIENNE, 2003). Um exemplo significativo de Estado que adota as leis islâmicas é o Irã após sua revolução em 1979. O País tem buscado o Islã puro e de certa forma menos flexível, por ser extremamente rígido nas interpretação do Alcorão e da tradição Xiita. Há diferenças entre os muçulmanos Xiitas, Sunitas e Alauitas devido as diversas interpretações do Alcorão e dos profetas islâmicos. Além disso, existe forte influência das respectivas culturas de origem árabe, africana e persa e que tendem a prevalecer sobre os preceitos da religião em si (MARQUES, 2011). As duas correntes mais influentes são a Sunita e a Xiita. Elas se separaram motivadas pela batalha de Karbala (local que fica no atual Iraque). No episódio ocorrido em 680 D.C., Hussein, neto do profeta Muhammad (Maomé, para o costume brasileiro), e seus aliados foram cercados pelas tropas do Califa Yazid. Após 10 dias de cerco, Hussein e os que estavam com ele foram mortos. Os Xiitas rememoram o martírio de Hussein com muita intensidade nos primeiros dias do ano em solenidade chamada de Ashura7. Segundo relato de um pesquisador, quando o líder descreveu com eloquência o sofrimento e a morte de Hussein durante a solenidade, a audiência emitiu gritos de lamento e choros emocionados, enquanto outros seguidores com maior hierarquia religiosa e administrativa da mesquita formaram um círculo e davam golpes ritmados no peito com as duas mãos, guiando a performance do ritual, “uma espécie de transe coletivo onde pessoas chegavam a desmaiar” (PINTO, 2005). A separação definitiva entre Xiitas e Sunitas, dentre outras diferenças está na defesa do islã mais puro dos Xiitas que só admitem os descendentes do profeta Muhammad como líder religioso, diferente dos Sunitas. Irã e Arábia Saudita, a partir da década de 1980, passaram a disputar o financiamento e o controle do Islã Internacional. A mesquita da comunidade islâmica em Curitiba, por exemplo, a partir de 1986, passou a receber recursos doados pela 6Sharia: S̲ h̲ arīʿa (a.) derivado da raiz shara´a, tendo primeiro significado principal a relação entre religião e lei religiosa. Há outros sinônimos: é designada pelos árabes como a profética religião em sua totalidade (a lei/religião de Moisés). Tradução do autor (BERAMAN, 2014). 7‘Ashura: Celebração do martírio de Hussein, neto de Muhammad ou Maomé (PINTO, 2005) !17 República Islâmica do Irã e logo os xiitas tiveram o direito de escolher o Shaykh8, líder da comunidade e notadamente mais conhecedor das escrituras sagradas para os muçulmanos (PINTO, 2005). Segundo fontes islâmicas, vocábulo jihad9 significa, “esforço ou empenho”. De acordo com a crença, existem dois tipos: o jihad maior e o jihad menor. O primeiro, e mais difícil, se refere à luta que o ser humano trava consigo mesmo no seu cotidiano, ao tentar se manter na senda reta, resistir às tentações de pecados, evitar cometer faltas. O segundo caso, é mais abrangente, pois se refere ao nosso comportamento perante os nossos semelhantes. Esclarecer o Islã, ajudar um necessitado, visitar um doente e tirar um obstáculo do caminho de alguém são exemplos do segundo tipo (SBMRJ, 2014). Outro aspecto do jihad menor é a autodefesa pelo confronto armado, que segundo uma interpretação de crença islâmica, Deus permitiu ao homem. A tradução do Alcorão diz que: “Combatei, pela causa de Deus, aqueles que vos combatem; porém, não pratiqueis agressão, porque Deus não estima os agressores” - Alcorão 2:190 - (SBMRJ, 2014). A teoria do discurso não reflete a realidade apresentada pelos fatos. Ao longo das últimas décadas, observa-se uma tendência para o conservadorismoradicalismo, por meio da jihad (guerra santa), com interpretações tidas como nocivas ao mundo ocidental. Os militantes da jihad acreditam estar travando a batalha final pela sobrevivência de sua sociedade, cultura, religião e modo de vida. Uma verdadeira guerra de autodefesa (WOLOSZYN, 2010). No século XXI, vários países do mundo que têm grandes comunidades islâmicas em seu território tiveram sua segurança nacional abalada por atentados oriundos de grupos fundamentalistas radicais. Dentre eles, os EUA que sofreram os ataques às torres gêmeas do centro financeiro do World Trade Centrer, em 11 de Setembro de 2001; a Espanha que sofreu a explosão de bombas em seu sistema 8 Shaykh, Sheik: em árabe significa chefe de família. Aquele que estudou a sharia em uma universidade islâmica das Comunidades islâmicas espalhadas pelo mundo. 9Jihad: significa “esforço; empenho”. De acordo com a crença islâmica, existem dois tipos de jihad: o jihad maior e o jihad menor (SBMRJ, 2014). Na visão Ocidental, “Guerra Santa” a que todo muçulmano deve dar cumprimento, a fim de defender o Islã caso seja ameaçado. Inicialmente, foi empregado para recrutar combatentes muçulmanos na guerra contra os soviéticos no Afeganistão e depois passou a pregar a luta entre o “Oriente islâmico” e o “Ocidente satânico” (WOLOSZYN, 2010). !18 ferroviário da capital em 2004; e a França que teve na cidade de Toulouse, soldados e outros cidadãos mortos em 2012 e vive em alerta contra-terror. Os crescentes eventos pertubadores nos países do Oriente Médio e Norte da África (levantes contra os governos ditatoriais ou os que impõe as leis islâmicas), como os levantes da Primavera Árabe, e partindo destes, como os atentados suicidas nos países do Ocidente, merecem atenção do Estado brasileiro devido ao expressivo número de comunidades islâmicas erradicadas em território nacional. A mudança da modalidade de terrorismo internacional, que passou de sequestros para atentados por explosivos, torna a população civil cada vez mais vulnerável. Percebe-se que os grandes eventos multinacionais, como os jogos desportivos, chamam a atenção da mídia internacional (SIMIONI, 2012). Segundo Cortês (2008), segurança é o estado de garantia contra ameaças de que a coletividade nacional e o indivíduo isoladamente necessitam para que possam usufruir do bem comum, do bem estar, fruto do desenvolvimento e da conquista dos objetivos nacionais. Também pode-se definir Segurança Nacional como a condição em que o Estado, a sociedade e os indivíduos se sentem livres de riscos, pressões ou ameaças (BRASIL, 2005). A insegurança é gerada pelo desconhecimento, preconceito e pela ação dos extremistas, que são a minoria dos muçulmanos, porém com grande visibilidade por conta da repercussão midiática dos atentados (SIMIONI, 2012). Os atos terroristas influem no psicológico da população pela sensação de insegurança, recaindo sobre o Estado a responsabilidade de retomar o ambiente seguro. Os grandes eventos multinacionais, como os jogos desportivos, chamam a atenção da mídia internacional, principal divulgador das ações terroristas. O primeiro e emblemático exemplo ocorreu nas Olimpíadas de Munique, em 1972. Na ocasião, oito membros da organização terrorista Setembro Negro10, vestidos com abrigos de atletas invadiram apartamentos da delegação israelense e fizeram nove reféns. Exigiram a libertação de 234 prisioneiros da Organização de Libertação da Palestina (OLP). A primeira ação policial de resgate foi frustrada, pelo fato de os terroristas estarem acompanhando a movimentação dos policiais, em tempo real, pela 10 Setembro Negro: Grupo militante palestino, fundado em 1970. Inicialmente foi o braço armado da Organização para Libertação da Palestina (OLP) de Yasser Arafat. Mais tarde executou alguns dirigentes da OLP que negociavam com Israel (WOLOSZYN, 2010). !19 televisão. Após graves erros de planejamento e execução da ação de retomada de reféns, os terroristas atiraram nos reféns e detonaram uma granada, matando todos os nove sequestrados (SIMIONI, 2012). Apesar do histórico pacífico da política interna e externa brasileira, a proximidade das Olimpíadas de 2016, a ascensão do Brasil como ator global e as portas de entrada à possível presença de extremistas entremeados nas comunidades islâmicas chamam a atenção para a Segurança Nacional. Ratificando a relevância deste estudo, as Forças Armadas brasileiras têm papel importante no combate ao terrorismo, ainda que isso venha a se configurar em ações episódicas quando os Órgãos de Segurança Pública se revelarem insuficientes diante das dificuldades materiais e estruturais desses órgãos. E nesse certame, o Exército Brasileiro tem maior envolvimento na segurança interna, por meio das Operações da Garantia da Lei e da Ordem e também por possuir tropa especializada em contraterrorismo (BRASIL, 2008). Este trabalho procurou traçar pontos afins e diferentes em relação às implicações da presença das comunidades islâmicas em território nacional, buscando corresponder a conjuntura brasileira às conjunturas internas e externas de países que têm sofrido ações de grupos radicais islâmicos. Com isso, a existência de comunidades islâmicas no Brasil pode produzir impactos em diversos campos do poder. Assim, surge o seguinte problema que orientou a pesquisa: quais os possíveis reflexos da existência de comunidades islâmicas no Brasil para a Segurança Nacional? !20 2 METODOLOGIA 2.1 TIPO DE PESQUISA Essa pesquisa foi qualitativa, pois contemplou a subjetividade por meio da análise de fenômenos da história recente e projetará uma visão prospectiva sobre a Segurança Nacional. Seguindo a taxionomia de Vergara (2008), essa pesquisa foi descritiva, explicativa e bibliográfica. Descritiva porque pretende descrever as características e influências das comunidades islâmicas no Brasil e em países selecionados para a comparação. Explicativa porque visa explicar os fenômenos da cultura árabe e religião muçulmana que se transformam em risco ou ameaça à Segurança Nacional. Bibliográfica porque teve sua fundamentação teóricometodológica na investigação sobre a influência das comunidades islâmicas no mundo disponíveis em livros, artigos e revistas e acesso livre ao público em geral. 2.2 UNIVERSO E AMOSTRA O universo foi considerado por critério de inclusão ou exclusão, tendo a base empírica para a seleção: fatos em países do Ocidente que possuem considerável população muçulmana em seu território e que sofreram ações ou ameaças terroristas fundamentalistas. A amostra foi a não probabilística por acessibilidade, pois privilegiará as pesquisas que versam sobre comunidades islâmicas e suas relações com as ações terroristas e que, de alguma forma, já formam ou estão sendo estudados pela comunidade científica social e de defesa e os fatos veiculados na mídia internacional. 2.3 COLETA DE DADOS A coleta de dados foi feita na literatura (livros, revistas especializadas, artigos, jornais, teses e dissertações) com dados pertinentes ao assunto deste trabalho. Nessa oportunidade, serão levantados a possível utilização das comunidades islâmicas por grupos terroristas em países do Ocidente e seus problemas com a segurança (tensões mundiais e imigração), assim como sua correlação com o Brasil. As conclusões decorrentes dos dados levantados permitiram a descrição dos possíveis riscos ou ameaças à Segurança Nacional no Brasil. !21 2.4 TRATAMENTO DOS DADOS Inicialmente, foi empregada a análise do conteúdo da coleta feita, identificando e descrevendo a possível relação das comunidades islâmicas com atos terroristas em países ocidentais, com foco na segurança nacional destes. A seguir, foi feita a descrição dos possíveis riscos ou ameaças, para que se possa identificar seus reflexos para a segurança nacional do Brasil. O instrumento de pesquisa foi o fichamento das fontes coletadas, de forma a facilitar o acesso e tornar a pesquisa organizada. 2.5 LIMITAÇÕES DO MÉTODO O estudo foi limitado pelas fontes abertas disponíveis para investigação, não sendo objeto a busca de dados reservados aos Estados. Outra limitação deste trabalho foi o viés ocidental das fontes e a forma de abordagem, em que pese o contrapeso da utilização de fontes de autores e instituições islâmicas. !22 3 ISLAMISMO NO BRASIL: DA ORIGEM AOS DIAS ATUAIS A primeira onda migratória foi durante o Período Colonial. A escravidão no Brasil atraiu forçosamente grandes contingentes de africanos que serviram de mão de obra para abastecer os ciclos econômicos coloniais brasileiros. Dentre esses milhares que cruzaram o Atlântico Sul, os negros do norte da África, principalmente os sudaneses, não se misturavam com os escravos de outras regiões. Praticavam secretamente o Islã, pela alfabetização e memorização dos textos sagrados e por meio da recitação dos textos ensinados pelos Malês, que significa educador, professor em árabe (JERRAHI, 2003). Na Bahia, os muçulmanos fugidos da escravidão promoveram uma revolta em 1835, que gerou perturbação da ordem local. Percorrendo as ruas de Salvador, atacaram o palácio do presidente da província, invadiram quartéis, enfrentaram tropas e fragatas ancoradas no porto. A intenção da revolta era a independência e a imposição da Sharia (governo baseado nas leis islâmicas). A revolta foi totalmente subjugada pelas forças do governo. A partir desse evento, conhecido como a Revolva do Malês, a religião islâmica passou a sofrer severa repressão, sendo taxada como religião selvagem e que incitava a revolta os escravos (JERRAHI, 2003). O Império brasileiro, como reflexo à época, mudou a atitude em relação entrada de escravos muçulmanos. Um novo contingente de muçulmanos, os de origem árabe, começaram a chegar ao Brasil entre o final do século XIX e o início do século XX. Após a abolição da escravidão, o Brasil adotou uma política de imigração para suprir a mão de obra escrava e a produção cafeeira de São Paulo atraiu sírios, libaneses e palestinos que vieram ao Brasil no intuito de fazer fortuna e retornar aos seus países de origem. No entanto, passaram a trabalhar como vendedores itinerantes, conhecidos como mascates, e não diretamente nas lavouras. Esses árabes chegaram a representar 90% dos vendedores itinerantes em São Paulo (KARAM, 2009). A prosperidade adquirida atraiu novos imigrantes árabes em sua maioria muçulmana, que encontraram os primeiros já fixados e com grandes negócios, o que facilitou sua integração, não só em termos comerciais mas também no aprendizado do idioma português. A prosperidade e o progresso das atividades de manufatura no Brasil fez com que passassem a dedicar-se ao comércio de maior porte e à !23 indústria, fundando novas empresas e especializando-se em determinados produtos (JERRAHI, 2003). O acúmulo de capital da venda itinerante contribuiu, no início do século XX, para o aparecimento das indústrias têxteis em São Paulo. As fábricas de fiação e tecelagem de algodão, linho, lã e seda vendiam seus produtos aos atacadistas, em sua maioria árabes que revendiam aos donos de confecção. A concentração das lojas de venda e armazéns deu origem à rua 25 de Março da capital paulista (KARAM, 2009), servindo para concentrar os estrangeiros conterrâneos em comunidades. No Rio de Janeiro, sírios e libaneses fundaram na década de 1960, a associação conhecida como SAARA (Sociedade dos Amigos e Adjacências da Rua da Alfândega), na rua da Alfândega, fundada com o intuito inicial de proteger a região contra o plano de urbanização do estado da Guanabara, e que depois passou a concentrar lojas de revenda no varejo (KARAM, 2009). Na região amazônica, os árabes comercializavam, no século XIX, como mascates. Ao declínio do Ciclo da Borracha, estabeleceram lojas de comércio popular em Belém. A criação da Zona Franca de Manaus, em meados do século XX, facilitou o incremento dos negócios na região. Em Guajará-mirim - RO, fronteira com a Bolívia, os árabes muçulmanos se estabeleceram na região após descer o rio Madeira, partindo de Porto Velho com suas mercadorias para revenda no interior (KARAM, 2009). No Oeste do Paraná, na região da tríplice fronteira, a partir de 1951, o incentivo à exportação fez crescer o comércio de miudezas, artigos de confecções e manufaturados nacionais. Nos anos 1980, os árabes, em sua maioria muçulmanos, dominavam cerca de 80% das 600 empresas exportadoras de Foz do Iguaçu (KARAM, 2009). A migração recente foi intensificada devido aos conflitos e instabilidade política no Oriente Médio, como a Guerra Civil Libanesa (1975-1990), o Conflito Palestino-Israelense (desde 1948) e a violência decorrente da invasão AngloAmericana do Iraque em 2003. Novas levas de muçulmanos passaram a chegar ao Brasil nos anos que se seguiram em ondas migratórias que continuaram trazendo novos contingentes de libaneses e palestinos, além de, em menor número, sírios, !24 egípcios, marroquinos, sudaneses e nigerianos que juntaram-se às comunidades que professavam a mesma religião e costumes (PINTO. MONTENEGRO, 2008). Além da migração, verifica-se outra forma de expansão da religião islâmica no Brasil, os convertidos por intermédio do matrimônio. Em uma rápida busca na rede mundial de computadores, observa-se diversos sítios eletrônicos11 que promovem casamentos entre mulheres brasileiras e homens muçulmanos estrangeiros. Nesse caso, uma das condicionantes, para a mulher que contrai matrimônio com um muçulmano, é que ela deva converter-se ao islamismo e seguir rigorosamente, juntamente com seus descendentes, as leis e os costumes muçulmanos. Nesse contexto, pode-se afirmar que os casamentos por agências podem ser usados como forma de disseminar a religião islâmica. Entre os seguidores do Islã, a forma de vestir acompanha a cultura regional e depende da interpretação do Alcorão adotada. Em muitas regiões brasileiras, o Hijab12 para as mulheres convertidas é usado somente durante as orações, evitando discriminação e deixando seu uso como opção de acordo com o amadurecimento religioso, mostrando a flexibilidade em algumas comunidades com as recémconvertidas (MARQUES, 2011). De maneira geral, verifica-se que, em todas as comunidades organizadas pelo Brasil, é comum que os convertidos ao islamismo sigam o líder espiritual que os converteu. Dessa forma, essas pessoas acreditam que a melhor interpretação do Alcorão é aquela ministrada por intermédio de seu líder, abrindo espaço para interferências culturais, personalismo e em última análise ao radicalismo (MARQUES, 2011). Em comunidades com liderança Xiita, por exemplo, a comemoração da Ashura, que marca o drama de Karbala e a rememoração do martírio de Hussein, mostra um mais fraco e supostamente inocente sendo oprimido e exterminado por um mais forte. No ápice do ritual, repete-se a frase do Ayatollah13 Khomeini: “Kul 11 São exemplos: http://www.singlemuslim.com/about/brazil-muslim-marriage.html; http:// www.shaadi.com/matrimony/muslim-brazil-matrimony; http://www.muzmatch.com/single-muslimmarriage.aspx/Brazil-Muslim-Women; http://www.lovehabibi.com/muslims/brazilian-muslims 12 Hijab: véu islâmico. É a cobertura de todo o corpo da mulher com exceção do rosto e das mãos. Existem duas correntes básicas sobre a interpretação do versículo corânico referente ao uso do hijab. "Ó Profeta, dize a tuas esposas, a tuas filhas e às mulheres dos crentes que (quando saírem) se cubram com suas "jalabib", …"(Alcorão, surata 33:59) (WARASAT, 2014). 13 Ayatollah, Aiatolá: é considerado sob as leis do Islã xiita o mais alto dignitário na hierarquia religiosa, escolhido pela descendência ou aclamado pela comunidade. !25 yum Ashura wa kul ard Karbala” - “Todo dia é Ashura e todo lugar é Karbala”, como uma mensagem social e política consagrada na Revolução Iraniana (PINTO, 2005). Nesse contexto, observa-se que reascende a chama do ressentimento entre os povos de gerações que não viveram esse sofrimento e estão distantes. Gera, também, a intolerância e negação ao perdão, contrariando ao que prescreve o Alcorão. O islamismo no Brasil, de maneira geral, sofre forte influência da cultura árabe ou persa, que impõe costumes e práticas não previstas no Alcorão, por não haver uma fronteira distinta entre cultura e religião. Existe uma problemática questão de distinguir o que é cultural na religiosidade dos muçulmanos (MARQUES, 2011). Para se aprender o Alcorão é imperioso aprender o árabe, pois os escritos e as orações recitadas sempre são feitas nesse idioma. Os convertidos não árabes se esforçam para aprender, pois é fator determinante nas posições a serem ocupadas durante as orações dentro das mesquitas. Os nativos da língua árabe, pelo domínio do idioma, têm mais acesso aos textos sagrados que os demais e na maioria das vezes conversam entre eles em árabe, excluindo os novos na religião do parlamento. Assim, os convertidos têm dificuldades de relacionamento com muçulmanos de procedência árabe, em função das diferenças culturais. Existe a tendência dos costumes árabes se sobreporem aos da religião islâmica (MARQUES, 2011). Porém, atualmente, a comunidade islâmica no Rio de Janeiro é uma das poucas comunidades no Brasil que a maioria de seus membros não são árabes. Os árabes constituem cerca de 40% o restante são de brasileiros de diversas origens convertidos ao Islã, quase todos são pequenos comerciantes da rua da Alfândega. Outra característica que a distingue é a adaptação dos ritos aos que não falam árabe. Mesmo os versos do Alcorão citados durante o sermão de 6ª feira são imediatamente traduzidos para o português, mostrando a construção de um espaço religioso universal (PINTO, 2005). Dessa forma, o caráter multicultural da comunidade do Rio de Janeiro criou uma consciência das diferenças doutrinais e práticas entre as diversas tradições islâmicas, o Islã “objetivado” facilita a integração com os convertidos, uma vez que relega as diferenças culturais a segundo plano, centrando-se na tradição textual islâmica. !26 Existem cerca de 80 associações islâmicas, mesquitas e salas de oração espalhadas no Brasil. A grande maioria é denominada Sociedade Beneficente Muçulmana, mostrando sua intenção pacífica de viver e cultivar a religião do Islã. Porém, o esforço em preservar a identidade e a herança religiosa da comunidade islâmica trouxe um efeito negativo, tornando-a fechada e pouco conhecida no País (JERRAHI, 2003). O sítio eletrônico do Centro Islâmico no Brasil14 lista as instituições islâmicas presentes e ativas nas diversas cidades do país, podendo-se verificar a concentração regionalizada dessas comunidades, conforme o quadro abaixo: ESTADOS QUANTIDADE INSTITUIÇÕES SÃO PAULO 25 PARANÁ (a maior parte na cidade de Curitiba e Foz do Iguaçu) 12 RIO GRANDE DO SUL e SANTA CATARINA 6 MATO GROSSO DO SUL (na Capital e em cidades na fronteira) 4 MINAS GERAIS, GOIÁS, DISTRITO FEDERAL E MATO GROSSO 12 RIO DE JANEIRO 1 ESTADOS DO NORTE E NORDESTE 8 Tabela 1 - concentração de instituições islâmicas Fonte: ARRESALA, 2014. Percebe-se que o número de muçulmanos no Brasil cresceu 29,1% de 2000 a 2010, segundo o último Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A comunidade passou de 27.239 pessoas para 35.167. Ressaltase que no mesmo período, a população brasileira aumentou em 12,3% (IBGE, 2014). As regiões com maiores concentrações de muçulmanos coincidem com as que têm grandes comunidades de origem árabe: o estado de São Paulo em primeiro lugar, seguido do Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Mas todas as unidades da federação têm pessoas que se declararam seguidoras da religião islâmica (IBGE, 2014). 14 www.arresala.org.br !27 Estado Muçulmanos População Porção por um milhão de habitantes São Paulo 9.884 31.546.473 313 Paraná 4.360 8.443.299 516 Rio Grande do Sul 2.734 9.135.479 299 Rio de Janeiro 1.207 12.783.761 94 Tabela 2 - repartição da população total por Estados que tem mais de 1.000 muçulmanos Fonte: WANIEZ. BRUSTLEIN, 2001. Os muçulmanos encontram-se em maior número absoluto na cidade de São Paulo e região metropolitana, principal área de migração árabe no final do século XIX e começo do XX. Figura 1: Distribuição dos muçulmanos no Brasil Fonte: IBGE O Rio Grande do Sul é um dos estados com grande proporção, obtendo 299 muçulmanos por milhão de habitantes. Nesse caso, o maior número de muçulmanos estão localizados na região de fronteira nas cidades de Uruguaiana (fronteira com a Argentina) e do Chuí (fronteira com o Uruguai). Essas cidades, juntamente com Foz 179 !28 do Iguaçu, fazem parte das rotas de comunicação do Mercado Comum do Sul (Mercosul). Verifica-se que a maior proporção é a do estado do Paraná com 516 muçulmanos por milhão de habitantes. A justificativa para isso está na cidade de Foz do Iguaçu, cidade de médio porte na fronteira do Brasil com o Paraguai e Argentina. Essa região altamente permeável, chamada de Tríplice Fronteira, é favorável ao comércio legal e ou ilegal. A criação do Mercosul garantiu livre circulação de bens, pessoas, capitais e serviços entre os países do Cone Sul, o que facilita, além do comércio, a migração legal ou clandestina. O perfil recente da comunidade islâmica no Brasil apresenta a população muçulmana quase totalmente urbana, cerca de 99,4% e masculina aproximadamente 60%. Quanto à nacionalidade, a preponderância é do Líbano e Síria com 60% e 5%, respectivamente. O nível de educação dos muçulmanos é muito mais elevado do que o do conjunto da população urbana brasileira. O índice de alfabetização é maior que 90%, dentre esses, cerca de 13% possuem nível superior (WANIEZ. BRUSTLEIN, 2001). Em relação às atividades econômicas, a ocupação da população islâmica no Brasil está concentrada no setor comercial e no setor de prestação de serviços, respectivamente, com cerca de 60% e 10%. Dentro desse universo, 40% são empregadores e outros 30% ocupam-se do trabalho autônomo. Nota-se, também, que cerca de 28% trabalham em empresas com mais de 10 empregados e 62,8% em empresas menores ou sozinhos. Infere-se que o perfil do muçulmano ativo no Brasil é o de comerciante independente ou de patão de uma empresa que emprega menos de 10 pessoas (WANIEZ. BRUSTLEIN, 2001). As comunidades muçulmanas vivendo no Brasil já possuem certo grau de organização. Além das diversas Sociedades Beneficentes espalhadas pelo território nacional, passaram a fundar partidos políticos com a finalidade catalisar eleitores muçulmanos ou simpatizantes e pressionar o Poder Legislativo Local (Câmaras Municipais) a aprovar leis que amparem a exigência de tratamento especial dado aos seguidores do Islã. Dentre as exigências, as principais são quanto o uso do Hijab e a obrigatoriedade da disponibilidade de comida Halal15 nos mercados. 15 Halal: significa “permitido” para os seguidores do Islã (KERN, 2011) !29 Figura 2: Símbolos da Cooperativa Halal e do Partido Islâmico do Brasil Fonte: http://islam-maranhao.blogspot.ca/2011/05/pib-partido-islamico-brasileiro.html Em relação a segurança na região do Cone Sul, Arthur Victória, do Centro de Estudos de Política e Estratégias Nacionais (CEPEN), afirma que as agências internacionais de segurança tem relatado que a atividade islâmica radical na América do Sul está intimamente ligada ao tráfico de drogas e tráfico de armas na região, particularmente na região da Tríplice Fronteira (Brasil, Paraguai e Argentina). Organizações fundamentalistas islâmicos como o Hamas16 , Hezbollah17 e Al Gama'at Al Islamayya18 usam ativamente a Região da Tríplice Fronteira como uma base de apoio. Além disso, existe outro problema, o Hezbollah e membros de outros violentos grupos islâmicos começaram a colocar na América do Sul agentes e simpatizantes para recrutamento entre árabes e muçulmanos imigrantes na região (VICTÓRIA, 2014). 16 Hamas: Tem origem da Irmandade Muçulmana, em 1988. Seu objetivo é estabelecer o Estado Palestino e eliminar o Estado de Israel. Atualmente domina a Faixa de Gaza (WOLOSZYN, 2010) 17 Hezbollah: significa “Partido de Deus” em árabe. É um movimento político, religioso e militar criado em 1982 pela ala militante de um grupo religioso xiita. Seu objetivo expresso era o alijamento das influências externas (expulsão do Exército israelense do Sul do Líbano) e a criação de um Estado islâmico (WHITTAKER, 2005). 18Al Gama'at Al Islamayya: organização criada na década de 1960, no Egito formada por estudantes da Irmandade Muçulmana. Na década de 1980, passou a atuar com ações terroristas para derrubar o governo pró-ocidental do presidente Osni Mubarak (WHITTAKER, 2005). !30 4 AÇÕES DOS RADICAIS ISLÂMICOS NO MUNDO OCIDENTAL As ações radicais no mundo de hoje podem ser explicadas se forem retomadas as origens dos conflitos entre Oriente e Ocidente. Em 711 D.C. os árabes muçulmanos, chamados de Mouros, invadiram a Europa pelo estrito de Gibraltar. A partir daí fundaram califados que dominaram quase toda Península Ibérica por mais de seis séculos. Durante a expansão muçulmana, os turcos otomanos conquistaram Jerusalém, cidade considerada santa para judeus, cristãos e muçulmanos, a qual recebia peregrinações desses povos. Os muçulmanos proibiram aos cristãos as peregrinações aos lugares sagrados no Oriente Médio. Por essa razão e pela crise do feudalismo europeu, em 1095, o papa Urbano II conclamou a população a defender o cristianismo contra os “infiéis” árabes muçulmanos, afirmando ser esta a vontade de Deus (WOLOSZYN, 2010). A primeira cruzada, conhecida como a Cruzada dos Nobres, partiu no ano 1097, que derrotou os turcos. Dois anos mais tarde, dominaram Jerusalém, massacrando judeus e muçulmanos impiedosamente. Seguiram-se outras cruzadas com objetivos religiosos, políticos e militares. Assim, pode-se fazer um paralelo entre o movimento criado pelo papa Urbano II, quando conclama os cristão para lutar contra os muçulmanos, afirmando ser a vontade de Deus e a jihad islâmica dos dias atuais (WOLOSZYN, 2010). Figura 3: Distribuição regional de muçulmanos pelo mundo FONTE: PEW Center, 2012. !31 A Europa, por exemplo, está se tornando cada vez mais islâmica. O processo de islamização consiste, além do aumento significativo da concentração de muçulmanos, na substituição de uma cultura nativa pelos preceitos islâmicos estabelecidos pela lei islâmica (Sharia). Para medir a islamização, é necessário estudar o crescimento demográfico e as consequências deste crescimento (ATENTO, 2013) Quanto ao crescimento demográfico, a corrente migratória recente começou nos anos 1960 e se acelerou nos anos 1990. A maior fonte de imigrantes é do Norte da África e Oriente Médio. Os percentuais populacionais em 1990, 2010 e projeção para 2030 foram feitos a partir de estudos do Pew Center para os países da Europa Ocidental, onde ocorre a islamização mais acelerada. Isto se dá por dois motivos: imigração contínua e maior taxa de natalidade (PEW, 2011). Tabela 3: População muçulmana por região FONTE: PEW Center, 2011. A imigração contínua e acelerada acontece por diversos motivos, neles incluindo-se novos imigrantes, reunificação familiar, casamentos com parentes que moram em países islâmicos, estudantes recrutados e financiados pelas universidades européias, e refugiados. A questão da taxa de natalidade é simples: os nativos europeus em média têm menos filhos que os muçulmanos. Além disso, existe a prática da poligamia islâmica (PEW, 2011). !32 Gráfico 1: Projeção do percentual de muçulmanos por país europeu. Fonte: ATENTO, 2013. Os percentuais totais por país podem parecer pequenos. Porém, os números de muçulmanos já é o bastante para que eles exijam que a sociedade européia aceite ou mesmo adapte o estilo de vida nativo ao estilo de vida dos muçulmanos. Como consequência, criam-se sociedades paralelas, e, cada vez mais, antagônicas. E para piorar, existe a complacência ou mesmo a cooperação por parte das autoridades européias que geram mecanismos legais que protejam e incentivem as práticas islâmicas antagônicas aos costumes Ocidentais. Em alguns países, como na França, o número de muçulmanos já é suficiente para decidir uma eleição (ATENTO, 2013). Nesse contexto, nem todos os muçulmanos desejam a Sharia, embora a maioria aparentemente deseje a Sharia. O crescimento demográfico por sí só não justifica a islamização. Ele, porém, oferece uma maior massa muçulmana que deseja a sharia. Além disso, a distribuição da população muçulmana não é uniforme. Ao contrário, ela acaba se agrupando em “guetos islâmicos” (as “zonas proibidas”) onde os muçulmanos se tornam uma maioria crescente e onde a sharia é implementada passo-a-passo (TAPSON, 2011) !33 Na Grã-Bretanha, onde já existem 85 tribunais da Sharia em operação, um grupo islâmico chamado “Muçulmanos contra os Cruzados” lançou uma ambiciosa campanha para transformar 12 cidades britânicas em estados independentes islâmicos, incluindo Birmingham, Leeds, Liverpool, Manchester, e, o que o grupo chama de "Londonistão." O bairro tem sido inundado de folhetos anunciando: "Você está entrando em uma zona controlada pela Sharia. Regras islâmicas são aplicadas.” (KERN, 2011) Figura 4: Folheto da campanha de islamização da Grã-Bretanha. Fonte: (KERN, 2011) A Comunidade Europeia aceitou a pressão de grupos islâmicos e retirou legislação que obriga a identificação da origem do abate do gado, levando ao crescimento do mercado de carne halal, abatida segundo os preceitos islâmicos. Como é mais econômico para os grandes abatedouros promoverem apenas um tipo de abate, a carne halal está se tornando o principal tipo de carne (nos supermercados, restaurantes e escolas) sem existirem alternativas ou até mesmo indicação do tipo de abate, impedindo que os europeus escolham a origem da sua carne (KERN, 2011). Na França, os professores são aconselhados a evitar autores considerados ofensivos aos muçulmanos, incluindo Voltaire. A história do Holocausto pode, em muitos casos, não ser ensinada para não ferir a sensibilidade muçulmana (CLARK, 2007). As leis, os valores e princípios da civilização ocidental estão dando lugar lentamente a pressão islâmica incessante, que tende à “aniquilação” como foi feito na Turquia, Bangladesh, Líbano e Kosovo. Cada concessão resulta no !34 estabelecimento de um novo aspecto da lei islâmica (WARNER, 2011) e a perda da identidade nacional. De acordo com autores que chamam atenção para o avanço muçulmano pelo Ocidente, a Lei dos Números do Islão estabelece: Quando em minoria eles dizem: "Nós somos da Religião da Paz”. Quando em minoria significante, eles exigem tratamento especial. Quando em maioria, eles exigem e impõem a Sharia (ATENTO, 2013) Nos dias de hoje, o maior risco à Segurança Nacional nos países europeus são as ações dos radicais islâmicos contra o mundo Ocidental, que podem se traduzir em atentados terroristas cada vez mais violentos. O terrorismo contemporâneo distingue-se das outras formas de violência organizada por sua amoralidade e desrespeito às legislações internacionais vigentes e por seu maior potencial de letalidade, sincronização e seleção programada dos alvos (SIMIONI, 2012). O terrorista utiliza a mídia como forma de divulgar seus feitos e assim espalha-se mais rapidamente a notícia, obtendo o efeito desejado. A transmissão via satélite, a internet e a presença da televisão em praticamente todas as camadas da sociedade no mundo contribuem para o aumento do potencial publicitário do terrorismo. No caso de uma olimpíada, estima-se que mais de 2 bilhões de espectadores assistam ao vivo os eventos esportivos (SIMIONI, 2012). Nos Estados Unidos, os ataques ao World Trade Center e ao Pentágono foram recebidos com surpresa e revolta pelo Governo e pelo povo norte-americanos. Washington fora atacada pela última vez em 1812, quando, na guerra angloamericana, os ingleses incendiaram a Casa Branca. O 11 de setembro é fato de outra natureza, com a distinção fundamental de que se apresenta como uma reação direta a aspectos "profanos" da política externa dos EUA no Oriente Médio, como a ocupação da "terra sagrada" (Arábia Saudita) ou o apoio aos inimigos do Islã (Israel), conforme pronunciamento de Bin Laden (BARBOSA, 2002). Os ataques ou atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 foram uma série de ações suicidas contra os Estados Unidos coordenados pela organização fundamentalista islâmica Al-Qaeda em 11 de setembro de 2001. Sequestradores colidiram intencionalmente dois dos aviões contra as Torres Gêmeas do complexo empresarial do World Trade Center, na cidade de Nova Iorque, matando quase três !35 mil pessoas. O terceiro avião de passageiros colidiu contra o Pentágono, a sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, nos arredores de Washington. A esmagadora maioria das vítimas eram civis, incluindo cidadãos de mais de 70 países. Os Estados Unidos responderam aos ataques com o lançamento da Guerra ao Terror: o país invadiu o Afeganistão para derrubar o regime do Taliban19, que abrigava os terroristas da Al-Qaeda. Os Estados Unidos também aprovaram legislação referente ao combate ao terror. A repetição dos atentados pela mídia, serviu tanto para aumentar o medo e a sensação de insegurança na população, como para propaganda e recrutamento de novos militantes muçulmanos adeptos a esta modalidade de protesto (SIMIONI, 2012). Na Europa, os reflexos da Primavera Árabe são percebidos pelo acirramento das tensões entre os europeus não islâmicos e imigrantes muçulmanos. Uma das causas é o recrutamento de jovens para lutar junto a grupos extremistas. Estima-se que desde o início do conflito sírio, cerca de 600 europeus, a maioria de origem muçulmana, aderiram aos rebeldes. Segundo um jornal francês, as autoridades não têm como impedir a ida de alguém para lutar na Síria, mas podem prender os recrutadores, uma vez que a prática é ilegal naquele país. Acredita-se que a crise econômica que assola a Europa desde 2008 tem um papel fundamental para o aumento do número de jovens que são recrutados por grupos extremistas. Jovens que não encontram seu lugar na sociedade e procuram outra coisa que os entusiasme, e essa outra coisa pode ser uma aventura em algum lugar como o Afeganistão ou a Síria. A grande preocupação dos países ocidentais é quanto ao destino desses jovens após o fim dos conflitos. Caso voltem para a Europa, poderão combater as autoridades ocidentais para instalar Estados islâmicos (RFI, 2013). Os atentados em Madri foram o pior ataque terrorista na história da Espanha e os que mataram mais gente na Europa desde a explosão do avião em Lockerbie, na Escócia, em 1988. Dez explosões quase simultâneas em quatro comboios na hora de maior movimento pela manhã. Uma das bombas foi desativada que permitiu 19 Taliban ou talibã: significa estudantes. Inicialmente foi uma corrente de pensamento políticoreligioso radical disseminado pelo Golfo Pérsico desde 1879 na escolas islâmicas chamadas de madraçais. Na década de1980, recrutou milhares de jovens afegãos refugiados com recursos financeiros, principalmente da Arábia Saudita, como estratégia de difusão e fortalecimento do Islã na sua interpretação mais radical (WHITTAKER, 2005). !36 identificar os responsáveis. Morreram 191 pessoas e mais de 1.700 ficaram feridas (BBC, 2004). Os atentados de 11 de março de 2004 em Madri (11-M) foram idealizados em Karachi no final de 2001 como retaliação pelo desmantelamento da célula que a Al Qaeda tinha estabelecido sete anos antes na Espanha, um grupo batizado de Abu Dahdah em alusão ao que foi seu líder desde 1995. Analistas afirmam que o início da mobilização foi a partir de março de 2002 e a motivação foi por vingança (REINARES, 2014). Além da motivação, as condições para a execução foram favoráveis. Dentre estas condições pode-se afirmar que os desajustes judiciais, o limitado conhecimento sobre o novo terrorismo internacional por parte do ministério público durante muito tempo e a inexistência de uma legislação adequada para abordar os desafios desse fenômeno global tornaram possível. Distintos indivíduos vinculados a células e grupos jihadistas na Espanha, como a de Abu Dahdah, esquivaram-se da detenção ou condenação para acabar se envolvendo na preparação e execução dos atentados de Madri, derivada da capacitação que alguns deles tinham obtido em campos de treinamento da Al Qaeda no Afeganistão (REINARES, 2014). Na visão de especialistas espanhóis, não se pode ignorar o fato de muitos daqueles que, no seio dessa comunidade muçulmana, compareceram regularmente a lugares de culto islâmico e em contato com seus responsáveis, tiveram em algum momento razões para pensar que entre seus conhecidos ou amigos havia quem estava se preparando para cometer atentados, dentro ou fora da Espanha. Mesmo dois anos depois da tragédia nos trens de Cercanías, 16% dos muçulmanos residentes na Espanha manifestassem simpatia em relação aos atentados contra civis em suposta defesa do Islã ou ao então líder da Al Qaeda, Osama bin Laden (REINARES, 2014). Na Espanha, em Março de 2004 não foi somente a data dos piores atentados terroristas de toda a história espanhola, mas o dia marcou também uma mudança fundamental na política de segurança antiterrorista do País. Desde então, foram detidas no país mais de 370 pessoas acusadas de envolvimento com o terrorismo internacional. O Centro Nacional para Coordenação de Medidas Antiterroristas monitora atividades suspeitas para tentar descobrir a tempo os planos de possíveis atentados no País. A Espanha não é, contudo, somente alvo de terroristas, mas !37 também uma estação de logística para a preparação de atentados em todo o mundo, onde os combatentes islâmicos são recrutados e passam por um treinamento ideológico (KOCH, 2009). Da mesma forma, a França vive em alerta contra ataques terroristas após a participação do país da guerra ao terror e a restrição da prática de costumes islâmicos, em 2010. O tipo de atentado seria suicida e o alvo mais provável seriam os transportes públicos da zona de Paris. Fontes policiais indicaram que duas células terroristas adormecidas foram ativadas depois da chegada de vários radicais islâmicos vindos da conturbada zona de fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão. O governo francês participou com tropas no conflito afegão e desenvolveu operações contra membros da Al-Qaeda no Magrebe Islâmico. Além disso, foi definitivamente aprovada em Agosto de 2010 a proibição do uso do véu integral em espaços públicos (VIEGAS, 2010). Assim como aconteceu nos EUA, em que terroristas da Al-Qaeda estavam vivendo legalmente entre os cidadãos americanos, um cidadão francês de ascendência argelina, preparou-se fora do país e praticou uma ação terrorista na sua origem. Mohamed Merah, um terrorista criado na própria França, foi responsável pelos ataques mais violentos em solo francês em quase duas décadas. Ele disse a um negociador da polícia que havia treinado com a Al Qaeda no Afeganistão e também no Paquistão. A motivação do terrorista que agiu individualmente indica seguir a causa que consta dos princípios fundadores da Al Qaeda: matar "os judeus e os cruzados". Ele é suspeito de ter matado três soldados de regimentos que haviam enviado tropas para o Afeganistão, e de ter aberto fogo contra uma escola judaica de Toulouse, deixando quatro mortos, incluindo três crianças. Merah viajou ao Afeganistão, em 2010, e ao Paquistão, em 2011, o que as autoridades francesas chamaram de viagens de politização (VILLARS, 2012). Ainda na França, há outro problema que é sua influência no Norte da África, que é de maioria islâmica. A França e o Níger são aliados na intervenção militar para expulsar extremistas islâmicos do norte do Mali e receberam novas ameaças em Maio de 2013, um dia após a morte de pelo menos 20 pessoas, em sua maioria militares, em ataques a bomba ocorridos nas cidades de Agadez e Arlit, no Níger. As forças especiais francesas fizeram uma intervenção em Agadez, no norte do Níger, para libertar os reféns sequestrados após o citado atentado suicida. Segundo o !38 Ministério da Defesa francês, o ataque deixou ao menos dois terroristas mortos (RFI, 2013). A tradição islâmica reserva o mês de Agosto, período em que se encerra o Ramadã, mês sagrado para os muçulmanos, para a rememoração do sacrifício de seus antepassados mártires, aguçando a motivação de extremistas. A França, por meio do seu Ministério das Relações Exteriores, anunciou o fechamento de sua embaixada em Sanaa, capital do Iêmen, devido aos riscos de atentado terrorista. Após uma série de fugas em prisões de nove países muçulmanos, entre eles Iraque, Líbia e Paquistão, a Interpol, Organização Internacional de Polícia Criminal, lançou um alerta pedindo vigilância redobrada no Oriente Médio, na Península Arábica e norte da África. A instituição, sediada em Lyon, na França, acusou a Al Qaeda de estar envolvida na evasão de terroristas. (RFI, 2013). Na Rússia, a província da Chechênia tornou-se Estado islâmico quando as forças russas foram expulsas temporariamente e elementos das leis islâmicas (sharia) foram incorporaram às leis do Estado. Os comandantes separatistas chechenos mais radicais dizem que sua luta é uma Jihad. Os rebeldes são financiados com recursos estrangeiros, especialmente por organizações militantes islâmicas na Arábia Saudita. Alguns dos líderes e combatentes rebeldes são de origem árabe. O governo russo qualificou a luta contra os rebeldes como parte da guerra contra o terrorismo dos EUA, responsabilizando-os por atentados a bomba contra alvos civis e pelo cerco a um teatro em Moscou em outubro de 2002 (BBC, 2014). Recentemente, os terroristas islâmicos se aproveitaram da concentração da mídia e repercussão dos grandes eventos desportivos para conseguirem visibilidade. Dois atentados a bomba em ônibus do transporte coletivo com menos de 24 horas de intervalo na cidade russa de Volgogrado colocaram em risco a segurança dos Jogos de Inverno em Sochi 2013. Os atentados ocorreram apenas poucas semanas antes do início dos Jogos e mostraram que as autoridades poderiam enfrentar sérios problemas com o terrorismo durante o evento, atraindo a atenção internacional para a Rússia. Volgogrado fica a cerca de 650 quilômetros de Sochi e é um importante ponto de conexão para quem se dirige às províncias do Cáucaso do Norte, no sul da Rússia. As primeiras suspeitas dos investigadores recaem sobre os grupos !39 separatistas da Chechênia, região localizada no Cáucaso do Norte (CRESCENTI, 2013). Os possíveis reflexos do terrorismo nas expressões do Poder Nacional podem ser visualizados a partir dos cenários prospectivos. Na expressão política, existem dois blocos de países: os que combatem frontalmente e aqueles que permanecem neutros. Notadamente os neutros podem receber alguma intervenção, caso não estejam adotando ações concretas para combater o terrorismo (WOLOSZYN, 2010). Na expressão econômica, o terrorismo ameaça o capital público e privado, levando à instabilidade econômica do país. Além disso, a existência de células ilegais que dão suporte financeiro e logístico aos grupos terroristas utilizam notadamente as organizações criminosas para lavagem de dinheiro, contrabando de armas e narcotráfico, para prover fundos para o terrorismo internacional (WOLOSZYN, 2010). O terrorismo afeta violentamente a expressão psicossocial, tanto em alvos coletivos como individuais, causando pânico generalizado pelo receio da ocorrência de ataques inesperados afetando todos os segmentos sociais. Grande parte da eficácia do terrorismo nesta expressão deve-se à mídia que eleva o grau de publicidade dos atentados e multiplica a sensação de insegurança. As consequências são a perda de credibilidade no poder público de manter a segurança, a discriminação racial e religiosa e a suspensão de direitos e garantias individuais pelas ações restritivas e de vigilância do Estado (WOLOSZYN, 2010). A expressão militar ganha muita evidência, forçando o desenvolvimento de novas doutrinas de ação preventiva (como ocorreu nos EUA) e técnicas operacionais, além da substituição do arsenal militar por outro mais moderno e eficaz. Estimula os acordos bilaterais de cooperação militar e compartilhamento de dados de inteligência entre países. Avulta de importância a atuação preventiva no levantamento de possíveis alvos e análise de probabilidades para antecipar as ações terroristas (WOLOSZYN, 2010). O desenvolvimento da expressão científica e tecnológica proporciona a troca de informações entre as células terroristas, facilitando o conhecimento sobre explosivos e componentes químicos de destruição em massa. Outra modalidade de terrorismo é o cibernético, sob o risco de danificar áreas sensíveis como mercado financeiro e serviços públicos essenciais controlados virtualmente. Sem dúvida o !40 mais danoso e temido tipo de terror é ocasionado pelo acesso à tecnologia nuclear por parte de grupos extremistas, representando o maior risco de um desastre nuclear de danos em proporções imensuráveis (WOLOSZYN, 2010). Finalmente, observa-se que os atentados terroristas da atualidade tem relação com as intervenções militares nas áreas de maioria muçulmana, são deflagrados contra órgãos militares ou policiais e contam com a mídia internacional para a divulgação dos seus resultados. !41 5 CONCLUSÃO Os países ocidentais têm enfrentado problemas com sua Segurança Nacional. A fonte dessas ameaças está entremeada nas comunidades muçulmanas estabelecidas nesses países. Esses governos buscam manter sua Segurança Nacional por meio do controle dos fatores que geram insegurança, visando estabelecer a condição em que o Estado, a sociedade e os indivíduos se sintam livres de riscos, pressões ou ameaças. A atual presença muçulmana no Brasil concentra-se nos grandes núcleos urbanos e em regiões de fronteira. A mais evidente contribuição dessas comunidades é no fomento ao comércio varejista e na gastronomia por trazer intrínseco à religião o costume árabe. As comunidades muçulmanas no Brasil têm convivido pacificamente com a população brasileira e com outras comunidades estrangeiras residentes no País. Porém, devido aos acontecimentos no cenário internacional pode-se elencar possíveis fatores que geram insegurança e seus reflexos para a Segurança Nacional. Quanto os fatores que geram insegurança, pode-se afirmar que o desconhecimento pela maior parte da população brasileira sobre a essência da religião muçulmana, que prega fazer o bem ao semelhante e resistir às tentações, por meio da submissão ao Deus em busca da paz. Excluem-se, neste caso, as interpretações radicais e as influências regionais dos costumes árabes, persas e outros. Esse desconhecimento pode ter sido gerado pela falta de divulgação e pelo “fechamento” das comunidades islâmicas preocupadas com sua auto-preservação. O preconceito é outro fator de insegurança. A recorrente “demonização” do islã tratado pela mídia ocidental contribui para o terror na sociedade. Os grupos terroristas islâmicos que se utilizam das interpretações fundamentalistas radicais da religião para justificar seus ataques ganham força por meio da propaganda e espaço dado pela mídia internacional. A mídia cria uma caixa de ressonância social ao divulgar repetidas vezes esses atentados. Muitas ocasiões após atentados, muçulmanos em diversas partes do mundo são hostilizados sem ter vínculo nenhum com grupos terroristas, simplesmente por praticar o Islã. Também gera insegurança uma característica marcante das comunidades muçulmanas é que enquanto são minoria local, integram-se ao país hospedeiro sem !42 exigências para mudar as leis, a sociedade e o costume. Quando obtém maioria local, passam reivindicar garantias e direitos exclusivos aos praticantes do Islã, gerando segregação e atritos com aqueles que não seguem sua religião. O respeito mútuo à liberdade de credo assegurado pela Constituição Federal brasileira deve pautar as relações entre brasileiros e as comunidades muçulmanas, evitando a imposição dos costumes islâmicos aos que praticam outras religiões. A Jihad pregada como autodefesa contra o Ocidente também gera insegurança. Os países que possuem grandes comunidades islâmicas em seu território e que vêm combatendo o terrorismo internacional ou que apoiam Israel, especialmente os EUA e os países da OTAN, têm sofrido ações terroristas em seus territórios e em suas bases militares como retaliação contra as interferências e ações desses países no Oriente. Quanto aos reflexos para a Segurança Nacional, deve-se ter atenção à entrada de militantes dos grupos radicais islâmicos que podem procurar no Brasil, um lugar neutro, o apoio financeiro e o “esfriamento” de combatentes e lideranças. Além disso, existe o risco de recrutamento de jovens, principalmente nas periferias pobres, para lutar a favor das ideias islâmicas intolerantes e contra a cultura Ocidental. Esses jovens quando retornarem saberão as técnicas e táticas de guerra e terão em seu sangue a marca da intolerância e do ódio aos costumes Ocidentais. Certamente, vão passar a combater os princípios da cultura universalista e multicultural que caracteriza o Brasil. A vigilância constante e incansável das instituições federais de controle de fronteira e de inteligência deve buscar minimizar o risco de recrutamento ou instalação de centros de treinamento da jihad islâmica em território nacional, além do combate aos crimes transfronteiriços, incluindo tráfico de armas e drogas, falsificação de documentos e lavagem de dinheiro. Essas medidas podem prevenir que sejam tomadas, por parte do governo federal, ações restritivas à liberdade e, consequente, combate ao terrorismo em solo nacional, gerando medo generalizado e diversos danos colaterais à população brasileira. Além disso, o Brasil está geograficamente distante dos focos de tensão internacional. Assim, deve preservar a não participação em missões de imposição da paz, principalmente em países de maioria muçulmana. A tradição do envio de tropa para a manutenção da paz contribui para o Brasil ficar fora dos alvos dos grupos !43 radicais islâmicos. No entanto, deve-se manter e aumentar a capacidade operativa dos meios de defesa para garantir a integridade nacional e os interesses do Brasil no exterior. Por fim, a tradição do Estado brasileiro de respeito a outras culturas e a não intervenção nos assuntos internos de outros Estados contribui para a manutenção da paz e da ordem interna, afastando o risco iminente de ações terroristas. O conhecimento e a tolerância mútua devem pautar as relações entre a sociedade brasileira e as comunidades islâmicas residentes no Brasil, construindo laços de amizade e harmonia. ________________________ Giovani Dalarosa Amaral - Maj !44 REFERÊNCIAS ARRESALA, Centro Islâmico no Brasil. Instituições Islâmicas no Brasil. Disponível em: < http://www.arresala.org.br/text.php?op=55>. Acesso em: 10 mar 14. ATENTO, José. Islamização da Europa. 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