a gestão do conhecimento na escola medieval

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A GESTÃO DO CONHECIMENTO NA
ESCOLA MEDIEVAL
BERNARDO GOYTACAZES DE ARAÚJO
MEMBRO DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGICAS “PAULINO SOARES DE SOUSA”, DA UFJF.
ALUNO DO CURSO DE FILOSOFIA DA UFJF.
[email protected]
Penso que em um primeiro momento seria proveitoso fazer uma análise sobre o
contexto medieval, levando em conta aspectos políticos, sociais, religiosos, econômicos e
culturais. Portanto, para melhor efetuar tal compreensão, resolvi delimitar o período a ser
estudando, tendo então como base o período da Escolástica a partir do século XI.
No contexto econômico, temos uma base agrícola, sendo que algumas inovações já
haviam sido implementadas, tais como o arado movido por cavalos e não mais por bois,
permitindo uma aragem mais rápida da terra a ser plantada, bem como a utilização de
algumas técnicas que possibilitaram o aumento da produção de alimentos. Este aumento da
produção, em geral, possibilitou uma maior quantidades de produtos para ser
comercializado (ou melhor, a serem trocados). O feudo era a base econômica deste período,
pois quem tinha a terra possuía o controle e um maior exercício de poder. A riqueza estava
atrelada a quantidade de terra que o Senhor Feudal possuía. Outra característica deste
período era o artesanato. Apesar de ser em pequena escala, já possibilitava um novo ramo
de ação dentro dos limites feudais1.
1
Faço uma ressalva, no que tange a questão do artesanato: para ser um artesão era necessário antes,
aprender o ofício. E com isso foi surgindo uma certa “escola de ofícios”, que possibilitava ao
aprendiz levar adiante o trabalho do mestre. E para tal, havia uma certa estrutura educacional, de
transmissão e construção de conhecimento. Muitas técnicas foram reavaliadas e novos
A sociedade era estática, com pequena mobilidade social, e hierarquizada. A
nobreza feudal era possuidora das terras e arrecadava impostos dos camponeses2. O clero
tinha um grande poder, já que era responsável pela orientação espiritual da sociedade. Era
isento de impostos e arrecadava o dízimo. Outra camada social era formada pelos servos
(camponeses) e pequenos artesãos.
Na Idade Média ocorreram as relações de vassalagem e suserania e essa foi a base
da estrutura política medieval. O suserano (Senhor Feudal) era quem dava um lote de terra
ao vassalo, sendo que este último deveria prestar fidelidade e ajuda ao seu suserano. O
vassalo oferecia ao senhor, ou suserano, fidelidade e trabalho, em troca de proteção e um
lugar no sistema de produção. As redes de vassalagem se estendiam por várias regiões,
sendo o rei o suserano mais poderoso. Assim este servo estava atrelado a terra e a ela
pertencia, bem como toda uma situação de obediência, perante este suserano.
Aliado a todo este conjunto, ocorreram as cruzadas3 que permitiram um contato
maior do Ocidente com o Oriente. Neste panorama, pode-se começar a vislumbrar os
motivos pelos quais se fez necessária uma estrutura educacional que atendesse a
determinados interesses tanto da nobreza quanto mais do clero. Esse último se mostrou
amplamente direcionado a criar um sistema educacional que pudesse prover uma melhor
formação para os seus clérigos, fomentando uma base filosófica e teológica no contexto
formativo dos presbíteros. Já existiam neste contexto, as chamadas escolas paroquiais:
“No quadro da cidade romana, cada comunidade cristã
organiza-se tendo à sua cabeça um bispo - episcopos, que quer
instrumentos, bem como novas formas de implementar o artesanato foram desenvolvidas neste
período.
2
Os servos deviam pagar várias taxas e tributos aos senhores feudais, tais como: corvéia (trabalho
de 3 a 4 dias nas terras do senhor feudal), talha (metade da produção), banalidades (taxas pagas pela
utilização do moinho e forno do senhor feudal).
3
No século XI, dentro do contexto histórico da expansão árabe, os muçulmanos conquistaram a
cidade sagrada de Jerusalém. Diante dessa situação, o papa Urbano II convocou a Primeira Cruzada
(1096), com o objetivo de expulsar os "infiéis" (árabes) da Terra Santa. Essas batalhas, entre
católicos e muçulmanos, duraram cerca de dois séculos, deixando milhares de mortos e um grande
rastro de destruição. Ao mesmo tempo em que eram guerras marcadas por diferenças religiosas,
também possuíam um forte caráter econômico. Muitos cavaleiros cruzados, ao retornarem para a
Europa, saqueavam cidades árabes e vendiam produtos nas estradas, nas chamadas feiras e rotas de
comércio. De certa forma, as Cruzadas contribuíram para o renascimento urbano e comercial a
partir do século XIII. Após as Cruzadas, o Mar Mediterrâneo foi aberto para os contatos comerciais.
dizer vigilante – eleito pelos fiéis. Com o número crescente de
igrejas, os bispos localizam-se apenas nos centros mais
importantes, enquanto se desenvolve, nas outras cidades, o papel
dos presbíteros – do grego presbyteroi, os anciãos – donde vem
a palavra francesa “prêtre”, sacerdote.Foi nestas cidades que
surgiram as Escolas Paroquiais (ou Presbitérias). As primeiras
remontam ao século II. Limitavam-se à formação de
eclesiásticos, sendo o ensino ministrado por qualquer sacerdote
encarregado de uma paróquia, que recebia em sua própria casa
os jovens rapazes. À medida que a nova religião se desenvolve,
passa-se das casas privadas às primeiras igrejas nas quais o
altar substitui a tribuna. O ensino reduz-se aos salmos, às lições
das Escrituras, seguindo uma educação estritamente cristã.”4
A Igreja já possuía um arcabouço magnífico, pois as grandes bibliotecas medievais
se encontravam dentro dos mosteiros. Umberto Eco nos faz perceber muito bem tal
estruturação, dentro de seu precioso livro “Em Nome da Rosa”. Os mosteiros já eram
centro de produção cultural e artística, já que os monges eram, em sua maioria, copistas, ou
seja, replicavam a mão, às obras que eram encomendadas pelos nobres ou até mesmo por
outros mosteiros, para que o acervo fosse aumentado ou possibilitasse uma base maior para
as fundamentações teológicas que surgiam naquela época!
“É nos mosteiros espalhados pela Europa, longe do
rebuliço das novas cidades emergentes, que surgem as Escolas
Monásticas que visam, inicialmente, apenas a formação de
futuros monges. Funcionando de início apenas em regime de
internato, estas escolas abrem mais tarde escolas externas com o
propósito da formação de leigos cultos (filhos dos Reis e os
servidores também). O programa de ensino, de início, muito
elementar - aprender a ler, escrever, conhecer a bíblia (se
possível de cor), canto e um pouco de aritmética - vai-se
enriquecendo de forma a incluir o ensino do latim, gramática,
retórica e dialética.
Paulatinamente, começam a surgir as Escolas Episcopais que
funcionaram nas dependências dos palácios episcopais. Estas
escolas visavam, em especial, a formação do clero secular (parte
do clero que tinha contacto direto com a comunidade) e também
4
www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/modelos/universidade.htm
de leigos instruídos que assim eram preparados para defender a
doutrina da Igreja na vida civil.”5
Vale ressaltar que a Idade Média foi um período de aproximadamente mil anos, e
muito deste período está intimamente ligado com o desenvolvimento de uma Teologia e um
apogeu da Igreja Católica em todos os cenários políticos, sociais e econômicos da época.
Logo, toda a Idade Média foi didaticamente dividida entre Patrística e Escolástica,
permitindo uma melhor compreensão dos contextos estudados. Na primeira parte desta, fica
evidente uma grande produção filosófica e teológica dos padres da Igreja (daí se atribuir o
nome de Patrística) em aprofundar as questão da fé, combater as heresias, e fundamentar o
pensamento cristão, dando-lhe um embasamento teórico filosófico. Platão foi o grande
referencial grego, e Santo Agostinho, por cristianizar o pensamento daquele, se torna a
grande base Filosófica e Teológica da Patrística. Já no período da Escolástica, ocorre um
fato diferente: a Igreja já havia se fundamentado e os grandes teóricos estavam por formular
grandes provas racionais da existência de Deus, e fazer uma conexão entre fé e razão, e
com isso justificar todo o sistema vigente da época. Mas um fato novo é trazido a tona: os
árabes6, que nesta época estavam em parte do continente europeu, trouxeram consigo o
pensamento de outro grego fantástico: Aristóteles! Com isso, mudam-se os paradigmas e as
formas de compreender o cosmos, a vida, a sociedade, a cultura... e a própria religião. O
grande expoente deste novo pensamento é o conhecido “boi mudo da Sicília: São Thomas
de Aquino”(1225-1274) que escreveu a magnífica Suma Teológica e vários outros tratados
que são até hoje utilizados como base do pensamento católico7. Foi professor da
universidade de Paris e desenvolveu a tese de que o progresso humano não dependia apenas
da vontade divina, mas também do esforço do homem. Assim o homem surgiria como um
se privilegiado, uma vez que dotado de razão, estava preparado para assumir seu destino.
Santo Thomas buscava conciliar fé e razão, refutando a idéia platônica-plotinianaagostiniana de predestinação. Como ser racional, o homem teria plenas condições de
5
www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/modelos/universidade.htm
Em especial na figura de dois grandes pensadores: Averróis e Avicena. Estes foram responsáveis
por trazer novamente Aristóteles ao Ocidente, e propiciar todo o encantamento de São Thomas com
as bases do Aristotelismo, de uma maneira bem específica com a sua Teoria do Conhecimento e
com sua Lógica!
7
O Concílio Vaticano II (1962-1965) iniciado pelo papa João XXIII e findado pelo Papa Paulo VI,
reafirmou como base do pensamento católico a proposição Aristotélica-Thomista.
6
encontrar o caminho da salvação, evitando o pecado por meio da livre escolha, do livre
arbítrio. Por outro lado, buscava-se fundamentar a importância do clero no segmento moral
da sociedade. Sendo assim, cabia ao clero indicar, para seus membros, o caminho certo a
seguir.
Nesta vanguarda do conhecimento, começam a surgir ordens religiosas preocupadas
com esta questão de se preservar a cultura e de promover uma educação dentro dos
mosteiros. Surgem edificações que pretendiam dar conta de um ensino mais universalizante
e que pudesse prover aos clérigos, um maior acesso ao conhecimento: surgem as
universidades, ligadas (até mesmo fisicamente) com os mosteiros e seminários da época.
Dá-se um destaque todo especial a Companhia de Jesus, fundada por Ignácio de
Loyola, e que de início se coloca para a Igreja como auxiliadora nas questões dos Santos
Tribunais Inquisitórios. Mas logo depois assumem um grande papel de vanguarda na
educação, formando até os dias de hoje uma grande estrutura que favoreça a educação e um
conjunto de pensamento e de organizações, que levaram os jesuítas ao topo do
conhecimento dentro da Igreja8.
Assim sendo, várias instituições de ensino, foram sendo construídas e a questão do
conhecimento passou a ser melhor disseminada. Supõe-se que a primeira universidade
européia9 tenha sido na cidade italiana de Salerno, cujo centro de estudos remonta ao século
XI.
“Originalmente, estas instituições eram chamadas de studium
generale, agregando mestres e discípulos dedicados ao ensino
8
Ainda hoje, os Jesuítas gozam de grande prestígio dentro da Igreja, quanto a questão do
conhecimento. No período moderno, surge também a congregação dos Salesianos, que se prestam
aos mesmos serviços de orientação educacional e construção do pensamento dentro e fora da Igreja.
(Interessante observar que quatro grandes escolas de Juiz de Fora são de cunho religioso e
pertencentes a quatro distintas congregações: Colégios dos Jesuítas – Companhia de Jesus; Colégio
Cristo Redentor – Academia de Comércio – Verbitas; Colégio Santa Catarina – Filhas de Santa
Catarina e Colégio Stella Matutina – Servas do Espírito Santo. Tanto as Servas do Espírito Santo,
quanto os Verbitas são congregações fundadas por Santo Arnaldo Janssem, um alemão que além do
caráter missionário, se preocupou com a questão educacional na própria Alemanha e na Holanda.)
9
Além desta, antes de 1250, formaram-se no Ocidente a primeira geração de universidades
medievais. São designadas de espontâneas porque nascem do desenvolvimento de escolas
preexistentes. As universidades de Bolonha e de Paris estão entre as mais antigas. Outros exemplos
são a Universidade de Oxford e a de Montpellier. Mais tarde é a vez da constituição de
universidades por iniciativa papal ou real. Exemplo desta última é a Universidade de Coimbra,
fundada em 1290. (www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/modelos/universidade.htm)
superior de algum ramo do saber (medicina, direito, teologia).
Porém, com a efervescência cultural e urbana da Baixa Idade Média,
logo se passou a fazer referência ao estudo universal do saber, ao
conjunto das ciências, sendo o nome studium generale substituído
por universitas.”10
As cidades cada vez mais se tornavam centro de cultura. E muitas das universidades
(já vindouras dos centros de Estudos do período de Carlos Magno), se tornaram centro de
estudos e de pesquisa, promovendo em grande parte o conhecimento. Estas em geral foram
vindouras dos centros de estudos monásticos ou de escolas que estavam nas catedrais, que
desenvolviam o estudo de textos religiosos. A denominação universitas, nome dado ao
coletividade urbana com suas liberdades e aos trabalhadores de um ofício, logo passou a
referir-se aos trabalhadores intelectuais (professores e alunos) em alguns centros de estudo,
sendo então chamados de universidade. Sob o predomínio dos homens da Igreja, juntaramse também à comunidade de alunos e professores membros da nobreza e dos novos grupos
sociais emergentes das cidades.
Nestas universidades, os cursos eram compostos pelo trivium (gramática, retórica e
lógica) e pelo quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música). Após estes estudos
iniciais os alunos eram encaminhados para exercer um ofício, ou então especializava-se nas
áreas de Filosofia, Teologia, Direito ou Medicina. E assim cada vez mais começaram a
surgir especializações em diversas áreas do saber, afim de promover uma maior
verticalização sobre algum tipo de conhecimento. As universidades realmente se
propunham a ensinar o estudo universal, a ponto de cada aluno poder ter noção de parte de
vários saberes, e então escolher algum mais específico posteriormente.
Os freqüentadores das universidades gozavam de isenção de impostos, estavam
dispensados do serviço militar e submetidos a julgamentos em tribunais especiais. No
século XIII, o chamado século das universidades, já eram 80 universidades em toda a
Europa, dando mostra de um verdadeiro renascimento da cultura laica.
Tais fatos foram de fundamental importância para o desenvolvimento de um
pensamento educacional na Baixa Idade Média, e tal sistema irá formar também o pai da
modernidade: René Descartes, já que este estudou no colégio Jesuíta de La Flèche, em
10
www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/modelos/universidade.htm
Anjou. Sendo assim, o início do pensamento moderno se dá com as bases no pensamento
medieval, mesmo que seja para fundamentar uma crítica.
Fica assim, já marcado na História do processo educacional, quão importante se faz
a construção de um sistema de ensino que seja vanguardista para a sua época, pois este
produzirá novos frutos para uma sociedade que anseia por mudanças!
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