O Império de volta ao meio: ascensão econômica chinesa, desafios

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O Império de volta ao meio: ascensão econômica chinesa,
desafios e perspectivas para o século XXI.
Ana Paula Dantas, Matheus Santana e Vitor Garcia.
E
m 1958, o Partido Comunista Chinês, liderado por Mao Ze Dong, lançou o
Grande Salto Adiante. Tal movimento procurava, através da participação
popular, acelerar o crescimento econômico, atrelando aumento da
produção industrial com a de cereais. Apesar do otimismo em relação ao projeto,
logo se fizeram notar resultados contraditórios. A China se viu dentro de uma séria
crise econômica, que levou a fome ao país. Diante do grande descontentamento da
população, o Partido teve de realizar, entre 1961 e 1965, a política de
reajustamento, que conseguiu tirar o país da crise. Essa política, no entanto,
representava um recuo em relação à estratégia do Grande Salto, e muitas inovações
propostas por ele foram sumariamente rejeitadas.
As discussões acerca das causas do fracasso do Grande Salto levaram a
uma crise interna no Partido e no governo. Havia resistências contra certas idéias e
perspectivas de Mao Ze Dong, e este, vendo sua ideologia perder espaço no partido
e na sociedade, decidiu organizar um movimento que procurava resistir à
restauração capitalista e mudar radicalmente o pensamento, cultura e costumes da
sociedade chinesa. A esse movimento, ocorrido entre 1966 e 1976, foi dado o nome
de Revolução Cultural.
A disputa do poder e das mentes (entre capitalismo e socialismo), e a grande
mobilização incitada pela Revolução Cultural acabou fazendo com que essa se
transformasse numa luta de grupos e facções, tanto entre as massas
revolucionárias, quanto na direção do Partido Comunista e do Estado. A situação
caótica ainda se agravou com a queda na produção e o conseqüente novo declínio
da economia chinesa.
Cartaz de propaganda da Revolução Cultural fazendo alusão à mobilização de jovens e ao chamado
Livro Vermelho, obra de Mao Ze Dong sobre a ideologia comunista proposta em seu governo.
É com a morte de Mao Ze Dong, em 1976, que o Partido Comunista começa
a investir em projetos modernizantes de reforma da China. Liderado por partidários
de uma China poderosa, o Partido realiza a partir de 1978 a política das Quatro
Modernizações (da indústria, da agricultura, da defesa, da ciência e tecnologia).
Líderes do Partido, como Deng Xiao-Ping, defendiam desde a Revolução de
1949 o projeto de modernizar e fortalecer a China para que depois fosse possível
instaurar o Comunismo. Eram vozes dissonantes frente à grande influência de Mao
Ze Dong, mas sempre presentes como tentativa de resistência às teorias maoístas
que procuravam instaurar uma sociedade radicalmente alternativa à sociedade
capitalista – tentativas falhas, como vimos nos casos do Grande Salto Adiante e da
Revolução Cultural.
A China realizou então, a partir de 1978, uma série de medidas, entre elas a
política de abertura para o capital internacional. Amplia-se o número de países com
os quais mantém relações comerciais (entre 1970 e 1980, de 40 para 174), e criamse facilidades para a entrada de empresas estrangeiras no país, sobretudo através
das ZEEs (Zonas Econômicas Especiais). Nelas há uma legislação mais flexível
para atrair capitais, tecnologias e experiências mais avançadas, além de 70% da
produção dessas zonas serem voltadas para o mercado externo. Em suma,
desenvolve-se uma política de integração internacional, em detrimento do
isolacionismo predominante nas décadas anteriores.
Ainda dentro do plano de realizar uma grande reforma na estrutura econômica
chinesa, a partir de 1984, o governo decidiu descentralizar os planos estatais,
atribuindo maior autonomia às empresas, aumentando o número de empresas
privadas – assim como o incentivo a pequenas e médias empresas privadas –, e
liberando os recursos financeiros do controle direto do Estado. O Estado deixa de
ser o único controlador dos recursos (como aconteceu entre 1949 e 1984), abrindo
espaço para as empresas deterem seus capitais próprios, e passando os bancos a
terem importante papel de captadores e emprestadores de recursos.
Outra medida de suma importância realizada pelo Partido Comunista Chinês
foi a descoletivização maciça dos campos. Essa significou a repactuação da
economia chinesa com o campo – relação afetada pela coletivização forçada que
ocorreu após a Revolução Comunista de 1949 – e proporcionou maior autonomia
aos camponeses e aumento da produção.
Esse período de reformas teve como forte característica uma gradativa
modificação da postura da China perante a sociedade internacional. São variados os
organismos internacionais de cunho liberal-democrata em que a China se tornou
integrante nos últimos anos. No que se refere ao comércio internacional, a sua
participação na Organização Mundial do Comércio (OMC) a partir de 2001 foi um
passo importante no processo de abertura econômica e uma via de participar dos
acordos que compõem o sistema multilateral de comércio internacional. Ainda é
membro da chamada Associação de Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico
(APEC), que compreende a participação de economias asiáticas, americanas e da
Oceania, com o objetivo de formar uma área de livre comércio na região, pautada na
redução de taxas e barreiras alfandegárias. Além disso, representantes chineses
têm participado de importantes reuniões como, por exemplo, o G20 – grupo das
dezenove maiores economias do mundo junto com a União Europeia – a fim de
tratar sobre questões referentes ao equilíbrio do sistema financeiro global e outros
assuntos da pauta internacional; e algo interessante também é constatar que há
chineses em altos cargos no Banco Mundial, no Fundo Monetário Internacional (FMI)
e outras instituições ocidentais de grande expressão.
Importante destacar que o movimento de integração da China na sociedade
internacional não apresentou um sentido linear e constante, mas sim foi permeado
por idas e vindas, onde se por determinados momentos a adesão ao status quo se
colocou de forma mais evidente, noutros a posição da potência asiática gerou
impasses, tensões, e desconfianças por parte de diversas nações ocidentais,
principalmente os EUA. O Departamento de Defesa estadunidense indica em seus
relatórios anuais e em discursos de seus representantes uma particular preocupação
com a modernização militar da China. Apesar da retórica utilizada pelos estadistas
chineses da utilização de seu arsenal bélico para fins puramente pacíficos, com o
estrito objetivo de defesa nacional, diversos políticos e analistas estadunidenses
colocam em evidência sua preocupação a respeito do acelerado processo de
expansão e modernização da tecnologia bélica e do poderio nuclear chinês.
De toda forma, tal modificação no cenário internacional gerou como
desdobramento a necessidade de um duplo reconhecimento: por parte das nações
liberais, que sabem da enorme importância da China nas relações comerciais
internacionais; e por parte da própria China, que tem noção do quão crucial tem
sido sua abertura econômica para alcançar as altíssimas taxas de crescimento
econômico interno conquistadas nas últimas décadas.
Em depoimento de Robert Gates no início de 2011, atual Secretário de Defesa dos EUA, com relação
suspeita de que a China estaria investindo em jatos de espionagem, é bem incisivo ao afirmar à
imprensa que: “Nós temos que prestar atenção neles. Temos que responder de forma adequada, com
os nossos próprios programas”. Fotografia extraída do jornal “O Globo” do dia 10/01/2011,
reportagem “Desenvolvimento bélico da China preocupa americanos”.
Brasil e China: Uma aliança para o século XXI
Considerando-se o que já foi visto acerca das características políticas e
econômicas da China no último século, com sua fulminante ascensão ao plano das
grandes vozes do cenário internacional, torna-se importante observar onde se insere
e em que pode se beneficiar o Brasil ao estreitar suas ligações com o gigante da
Ásia.
Antes da última década do século XX , a diplomacia entre Brasil e China pode
ser classificada como intermitente. Em 1949, o primeiro rompe relações com a
República Popular fundada por Mao Ze Dong, voltando a restabelecê-las só em
1974. Entretanto, em agosto de 1961 o Brasil tenta retomar seu vínculo com os
chineses, enviando uma delegação comercial sob a liderança do vice-presidente
João Goulart. O que ninguém esperava é que essa missão no oriente pudesse
causar tantos transtornos à política brasileira, já que a renúncia do então presidente
Jânio Quadros ocorreu durante a presença de Jango na China Comunista. Tal fato,
reforçou o argumento das forças que, contrárias ao vice-presidente, lhe atribuiam
tendências comunistas, criando assim, as bases que viabilizariam a instauração do
parlamentarismo no Brasil. Somente no governo Geisel são lançadas propostas para
a promoção de uma bilateralidade diplomática e comercial, que se intensificaria
quase vinte anos depois.
Quanto às relações econômicas, há fatores que entravaram as trocas de
mercadorias durante algum tempo, entre eles a distância que separa os países, suas
produções voltadas ao consumo interno e as distinções culturais. A partir de meados
dos anos 1990, tendo em vista o fim da União Soviética e a consolidação do
liberalismo no âmbito global, foram percebidas certas particularidades que
aproximam estes dois Estados, possibilitanto uma aliança de grande valia para
ambas as partes. Por serem potências regionais e terem baseado sua
industrialização em um modelo de substituição de importações, Brasil e China
estão se dando conta de que são economias com grande potencial de
entrelaçamento.
A China desde as reformas promovidas por Deng Xiaoping na segunda
metade da década de 1970, vêm mantendo um crescimento astronômico com média
de 8,2%1, alcançando um PIB de mais de 6 trilhões de dólares, um aumento de 90
vezes em relação a 1978. Sendo a segunda maior economia do mundo hoje, o
Dragão do oriente sabe que para manter um desenvolvimento estável, o que para
eles está na casa dos 7%, é necessário um bom diálogo tanto com as potências
mundiais, quanto com os países em desenvolvimento. A premissa deste diálogo é a
moderação
no
discurso
expansionista
chinês,
para
que
seja
mantida,
Lula e Hu Jintao encontram-se em 2003
para firmar relações entre Brasil e China.
principalmente, uma relação cordial com os Estados Unidos. Qualquer imbróglio com
os norte-americanos acarretaria sérias perdas nos investimentos estrangeiros que a
indústria chinesa recebe, daí a preocupação dos mesmos em se legitimar frente às
nações ocidentais.
Enquanto a China procura confirmar as positivas previsões que os estudiosos
fazem sobre seu futuro, o Brasil busca credibilidade no plano global, e pode
encontrar naquela uma forte aliada para alcançar seus objetivos. A diplomacia
brasileira nos últimos anos tem mostrado um forte interesse em defender políticas
baseadas no multilateralismo, assim como Pequim, visando diminuir a intervenção
dos Estados Unidos nos blocos regionais. Além disso, o Brasil apresenta-se para o
mundo como um possível mediador entre os países desenvolvidos e os em
desenvolvimento. Logo, o estreitamento das relações com o Brasil facilitaria os
negócios da China com as nações exportadoras de matérias-primas, fator
importante para a manutenção do desenvolvimento da potência asiática. Já pelo
lado do Brasil, ter uma sólida parceria com a segunda maior economia do mundo
representaria um incremento considerável nas exportações, já que produtos como
soja, suco de laranja, minério de ferro e aço, madeira, celulose e papel são bastante
consumidos pelo mercado chinês. Para se ter uma idéia, entre 2001 e 2010 a China
saltou de sexto para primeiro no ranking dos compradores de mercadorias
brasileiras, chegando à incrível marca de 30,8 bilhões de dólares, valor que no
primeiro ano do século XXI era de modestos 2,845 bilhões de dólares.
Portanto, mostra-se mais do que fundamental para o Brasil incluir na sua
pauta de prioridades um projeto de estreitamento das relações diplomáticas e
comerciais com a China, devido ao seu notável potencial de crescimento que nos
últimos anos vem surpreendendo o mundo. Uma parceria desta magnitude pode
agregar não só no âmbito econômico mas também no aspecto político, ditando
assim os rumos das relações internacionais nos tempos vindouros.
Considerações Finais
Embora as reformas iniciadas em 1978 tenham aberto o caminho para a
ascensão econômica da China, seu alcance é ainda muito diferenciado, senão
restrito. Por conta disso, surgem polarizações sociais e econômicas, com aspirações
contraditórias, o que, por sua vez, pode se converter em movimentos e conflitos
políticos.
Cabe, neste sentido, levantarmos uma última questão. A China ainda se diz
hoje um país socialista, no entanto, nos parece evidente que a República Popular
vem a cada dia mais, lançando mão de dispositivos capitalistas, seja em termos de
políticas de reforma ou da própria inserção da China nos grandes blocos mundiais
de poder. O resultado, não contraditoriamente, é uma economia cada vez mais forte
e uma sociedade diretamente influenciada (ou seria melhor dizer afetada?) por
políticas visivelmente capitalistas. O paradoxal é ver, em um país que se diz
socialista, grandes diferenças sociais e uma democracia ainda rigidamente
controlada pelo Partido Comunista e pelo governo. Afinal, o que a China quer?
Notas
1. Para não sobrecarregar o texto com as tão cansativas notas, todas as
informações, números e gráficos acerca da economia chinesa e de suas
relações com o Brasil estão a seguir:
-Taxas médias de crescimento da China; Estimativas aproximadas para um
desenvolvimento estável; dados do comércio entre Brasil e China em 2001: Cf
VILLELA, Eduardo V. M.. As relações comerciais entre Brasil e China e as
possibilidades de crescimento e diversificação das exportações de produtos
brasileiros
ao
mercado
consumidor
chinês.
Disponível
em:
http://www.pucsp.br/geap/artigos/art4.PDF. Acesso em: 24 de outubro de 2011..
-Pib da China em 2010 disponível em:
http://www.suapesquisa.com/geografia/economia_da_china.htm Acesso em 24
de outubro de 2011
- dados do comércio entre China e Brasil em 2010 disponíveis em:
http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2011/01/05/cresce-peso-dachina-na-balanca-comercial-brasileira.jhtm
Bibliografia
BERGÈRE, Marie-Claire. A Economia da China Popular. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1980.
HURELL, Andrew. ;Vários autores. Os brics e a ordem global. Rio de Janeiro: Ed.
FGV, 2009.
NEDAL, Dani; SPEKTOR, Matias (Orgs.). O que a China quer? Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2010.
POMAR, Wladimir. China – O dragão do século XXI. São Paulo: Editora Ática, 2005.
________________. O Enigma Chinês: capitalismo ou socialismo.São Paulo:
Editora Alfa-omega, 1987.
VILLELA, Eduardo V. M.. As relações comerciais entre Brasil e China e as
possibilidades de crescimento e diversificação das exportações de produtos
brasileiros
ao
mercado
consumidor
chinês.
Disponível
http://www.pucsp.br/geap/artigos/art4.PDF. Acesso em: 24 de outubro de 2011.
em:
Referências das imagens:
Imagem
Revolução
Cultural:
www.mundoeducacao.uol.com.br/china/revolucao-
cultural-chinesa.html
Imagem
do
Secretario
de
Defesa
norte
americano
em
visita
à
China:
www.oglobo.globo.com/mundo/nat/2011/01/10/desenvolvimento-belico-da-chinapreocupa-americanos-923459447.asp
Imagem Lula e Hu Jintao: www.noticias.r7.cominternacional/noticias/lula-liga-parapresidente-da-china-e-elogia-cooperacao-20100212
Tabela
do
crescimento
das
relações
entre
Brasil
e
China
até
2009:
http://marcosbau.com/geobrasil-2/exportacoes-brasileiras/
Tabela
das
parcerias
comerciais:
http://economia.uol.com.br/ultimas-
noticias/redacao/2011/01/05/cresce-peso-da-china-na-balanca-comercialbrasileira.jhtm
Filmografia:
- O Império do meio (Brasil,1986. Direção de Walter Salles).
- O Último Imperador (Itália, 1988. Direção de Bernardo Bertolucci).
- Lanternas Vermelhas (China, 1991 Direção de Zhang Yumoci).
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