A filosofia islâmica (Martin Grabmann)

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A filosofia islâmica (Martin Grabmann) (Tradução de Oscar Usman) Para compreender a história da Escolástica medieval é necessária uma breve passagem sobre as fases capitais do seu desenvolvimento e sobre as personalidades mais significativas da filosofia islâmico‐judaica. Encontraremos nela as referências que perduram entre os escolásticos já desde o final do Século XII. Menor influência imediata sobre o pensamento escolástico teve a filosofia do Islam que se difundiu, sobretudo como especulação metafísico‐religiosa‐filosófica do Kalam, no início do século IX. OS mutakallemim, ou oradores, se propunham a apresentar a religião do Islam especulativamente e são de certo modo, pelo seu método, os escolásticos árabes. Diante dos moldes rígidos e brutos da ortodoxia islâmica, especialmente frente ao fatalismo, os mutazilles, que professavam a doutrina do livre arbítrio do homem, adotaram uma posição contrária. Os teólogos do Kalam rejeitaram a filosofia, especialmente a dos aristotélicos. Só mais tarde, por meio dos grandes teólogos do Kalam, Razi (1209) e Tusi (1273) elaborou‐se a união entre o Kalam e a filosofia aristotélica, afastando‐se dela tudo o que era contrário ao Koran. O sufismo1 caracteriza‐se por ser uma corrente teosófico‐mística dentro do Islam, cheia de espírito neo‐platônico e para a qual Deus é a única realidade e o mundo mera aparência. O modo como o sufismo explica a união mística com Deus, pelo caminho da ascese e o êxtase, com 1
O tasawwf (Nota do tradutor). extinção completa da personalidade humana, está de acordo com o budismo.2 No início da filosofia árabe, foram de grande influência as traduções feitas nos séculos IX e X por doutores cristãos da Síria sob o califato abasida. Os notáveis tradutores de obras gregas são Johannitius (Honain ibn ishâk) e Costa Beuluca (Quostâ ibn Lûgâ) cujo escrito sobre a diferença do espírito e a alma (De diferenttia spiritus et animae ) foi conhecido também pela Escolástica. Assim a filosofia aristotélica penetra no mundo árabe, sob a interpretação e a luz dos aristotélicos neo‐
platônicos gregos, sobre tudo Temistio e Porfirio. Por isso, a filosofia árabe apresenta claramente nos seus primórdios um colorido neo‐platônico que se tornou ainda mais forte no aristotelismo subsequente. Como obra declarada de manifestação neo‐platônica encontramos no princípio do século IX a chamada Teologia de Aristóteles, um extrato de Plotino. Esta obra e o Liber de Causis, um extrato do , de Proclo, foi de novo conhecida nas origens da Escolástica. A Teologia de Aristóteles influiu na filosofia dos «Irmãos da Pureza, ou melhor, dos “puros” (sinceros). A enciclopédia (51 tratados) dos puros se apóia exteriormente nos escritos de Aristóteles e mantêm uma adesão formal ao Koran, porém por seu conteúdo encontra‐
se no contexto da doutrina da emanação de Plotino e da simbólica numérica dos pitagóricos. Os escritos dos puros que se introduziram na Espanha no princípio do século XI influenciaram o sentido neo‐platônico 2
No sufismo (tasawwf) a ascese e o êxtase, pelo caminho do conhecimento de Deus
(marifatuAllah), levam a uma união íntima com Ele que não acarreta a extinção
completa da personalidade humana, senão o retorno da alma (nafs) à sua condição
original (Ruh). No Budismo a ascese e o êxtase têm a finalidade de superar o mundo
das aparências que esconde a verdadeira realidade. (Nota do tradutor). na filosofia judaica sobre tudo em Avicebron (Schlomol Ibn Gabirol), e desta forma deveriam também influenciar, ao menos indiretamente, a Escolástica. O sincretismo da filosofia neo‐platônica e aristotélica se mostra especialmente na união da doutrina da emanação com a teoria do intellectus agens, uma doutrina que sem prejuízo de diversas variantes, é geral no aristotelismo árabe. Do Ser Divino, eterno, que pensa a si próprio, se derivam não por livre criação, mas sim por necessária emanação escalonada, as substâncias espirituais, os intelectos ou inteligências separadas, espíritos das esferas, os quais, pela saudade que os impulsiona para o primeiro e o divino motor, movem as esferas, os círculos do mundo. Estes espíritos das esferas se identificam com os anjos da Bíblia e do Koran. O último espírito‐esfera que emana da inteligência da esfera da lua é o intellectus agens. Este é por sua vez um princípio cósmico que causa o começo e o fim no mundo sublunar e é também princípio do conhecimento humano uma vez que por sua irradiação sobre o entendimento potencial produz no homem o conhecimento. O Intellectus agens toma a forma do intellectus possibilis e assim se torna apropriado e eficaz (intellectus adeptus). 
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