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MBA em Direito Civil e Processual Civil
Coordenação Escola de Direito FGV DIREITO RIO
TEORIA GERAL DO DIREITO
Gisele
Pereira
Jorge
[email protected]
Gisele Leite
Realização
Fundação Getulio Vargas
Leite
Todos os direitos em relação ao design deste material didático são reservados à Fundação Getulio
Vargas.
Todos os direitos quanto ao conteúdo deste material didático são reservados ao(s) autor(es).
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
PRESIDENTE
Carlos Ivan Simonsen Leal
VICE-PRESIDENTES
Francisco Oswaldo Neves Dornelles
Marcos Cintra Cavalcanti de Alburquerque
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I INSTITUTOS FGV
ESCOLAS FGV
EAESP
Diretor Fernando S. Meirelles
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Diretor Bianor Scelza Cavalcanti
EESP
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EPGE
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Direito GV
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Direito Rio
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CPDOC
Diretor Celso Corrêa Pinto de Castro
IBRE
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FGV MANAGEMENT
Diretor Executivo Ricardo Spinelli de Carvalho
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QUALIDADE E INTELIGÊNCIA DE NEGÓCIOS
Diretor Executivo Antônio de Araújo Freitas Junior
Gonçalves
CURSOS CORPORATIVOS
Diretor Executivo Antônio Carlos Porto
ESTRUTURA DO FGV MANAGEMENT
Superintendentes
Coordenadores Especiais
Djalma Rodrigues Teixeira Filho (Brasil)
Maria do Socorro Macedo Vieira de Carvalho (Brasília)
Paulo Mattos de Lemos (Rio de Janeiro e São Paulo)
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Pedro Carvalho Mello
A sua opinião é muito importante para nós
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Sumário
1. PROGRAMA DA DISCIPLINA
1
1.1 EMENTA
1.2 CARGA HORÁRIA TOTAL
1.3 OBJETIVOS
1.4 CONTEÚDO PROGRAMÁTICO
1.5 METODOLOGIA
1.6 CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO
1.7 BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA
CURRICULUM RESUMIDO DO PROFESSOR
1
1
1
1
1
1
2
2
2. INTRODUÇÃO
4
3.
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ii
1
1. Programa da disciplina
1.1 Ementa: Norma jurídica: conceito e estrutura; Complementação do direito
natural ao direito positivo; Considerações sobre personalidade, pessoa e
direitos da personalidade no Direito Civil Brasileiro; Breve digressão sobre as
fontes de direitos; Considerações sobre bens na Teoria geral de Direito;
Alguns principais conceitos de Direito: Atos jurídicos; Apreciações sobre o fato
e o direito; Domicílio: um complexo conceito de direito civil; Defeitos dos
negócios jurídicos em face do CC de 2002.
1.2 Carga horária total: 24h
1.3 Objetivos: Cognição de conceitos basilares e das atualizações pertinentes à
teoria geral do direito. . Análise crítica e comparativa da sistemática de 1916 e
2002e de jurisprudências recentes e das reformas sofridas pelo Direito Brasileiro.
Instrumentalizar o discente com visão ampla e estratégica do direito, do direito
civil e as tendências contemporâneas do direito.
1.4 Conteúdo programático 1. Norma jurídica: conceito e estrutura 2.
Complementação do direito natural ao direito positivo 3. ; Considerações sobre
personalidade, pessoa e direitos da personalidade no Direito Civil Brasileiro; Breve
digressão sobre as fontes de direitos; Considerações sobre bens na Teoria geral de
Direito; Alguns principais conceitos de Direito: Atos jurídicos; Apreciações sobre o
fato e o direito; Domicílio: um complexo conceito de direito civil; Defeitos dos
negócios jurídicos em face do CC de 2002.
1.5 Metodologia Exposição áudio-visual, tarefas coletivas e individuais, realização
de casos concretos.
1.6 Critérios de avaliação Participação, freqüência e interesse do discente.
Avaliação de aprendizagem e pesquisa individual realizada pelo aluno e entregue
Teoria Geral do Direito
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via e-mail da professora no dia da realização da prova (quando for efetivamente
realizada);
Consulta somente a legislação vigente não comentada (CPC, CC, CDC,
Constituição Federal Brasileira).
1.7 Bibliografia recomendada: TARTUCE, Flávio. Direito Civil Série Concursos
Públicos (volumes 1,2,3,4,5, e 6) Editora Método, São Paulo.
GAGLIANO, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho. Novo Curso de Direito Civil
(volumes 1,2,3,4, tomo 1 e tomo 2, 5 e 6) Editora Saraiva, São Paulo.
TEPEDINO, Gustavo e outros. Código Civil Interpretado conforme a Constituição
da República. Volumes I e II, Editora Renovar, Rio de Janeiro.
DE FARIAS, Christiano Chaves. Direito Civil. Teoria Geral. Editora Lumen Juris,
Rio de Janeiro.
CHAMON JUNIOR, Lucio Antônio. Teoria Geral do Direito Moderno. Por uma
Reconstrução Crítico Discursiva na Alta Modernidade. Editora Lumen Júris.
Vide ainda as referências inseridas no conteúdo dessa apostila.
Curriculum resumido do professor
Mestre em Direito pela UFRJ, Mestre em Filosofia pela UFF, Doutora em
Direito pela USP. Pedagoga e advogada. Conselheira- Chefe do INPJ _
Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.
Vencedora do prêmio Brazilian Web Corporation em primeiro lugar como a
doutrinadora mais lida na internet brasileira ( na área de artigos jurídicos) em
Teoria Geral do Direito
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2003; Ganhadora do Prêmio Pedro Ernesto do 43º Congresso Científico do
Hospital Universitário Pedro Ernesto na qualidade de co-autora no trabalho sob
o título” A terceira idade e a cidadania com dignidade: Reflexões sobre o
Estatuto do Idoso”, em 26/08/2005;Conselheira Chefe do Instituto Nacional de
Pesquisas Jurídicas (INPJ);Articulista de vários sites jurídicos, www.jusvi.com ,
www.uj.com.br, www.forense.com.br, www.estudando.com , www.lex.com.br,
www.netlegis.com.br. Revista Justilex, Revista Consulex. Revista Eletrônica
Forense. Revista Jurídica da Presidência da República, www.planalto.gov.br .
Professora universitária há mais dezoito anos. Professora da EMERJ – Escola
de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro.
Teoria Geral do Direito
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2. Introdução
Unidade
I:
Norma
jurídica:
conceito
e
estrutura
1. Norma jurídica: conceito e estrutura
O artigo disseca a norma jurídica traçando-lhe conceito e estrutura,
corresponde a um importante tema da Teoria Geral do Direito.
As doutrinas de Kelsen e Cossio e outros autores sobre a estrutura da
proposição jurídica descrevem parcialmente as normas do Direito.
Ao lado das sanções punitivas, que acompanham o descumprimento da
prestação, é necessário admitir a existência de conseqüências jurídicas
positivas, decorrentes do cumprimento da prestação.
O primeiro problema que surge é terminológico, pois próprio Kelsen reconhece
em sua segunda edição de sua Teoria Pura do Direito onde propõe a distinção
entre norma jurídica e proposição jurídica. Estabelece a distinção entre a “a
norma jurídica com uma função da autoridade criadora do Direito, e a
proposição jurídica, como uma função da ciência jurídica, descritiva do direito”.
As normas são mandamentos e, como tais, comandos, imperativos (...)
permissões atribuições de poder e competência.
As proposições jurídicas são os enunciados com os quais a ciência do Direito
descreve esses comandos. Ou, nas palavras, de Kelsen, proposições jurídicas
são juízos hipotéticos que enunciam ou traduzem que, de conformidade com o
sentido de uma ordem jurídica. Sob certas condições com o sentido de uma
ordem jurídica, devem intervir certas conseqüências determinadas pelo mesmo
ordenamento.
Podemos vislumbrar a norma jurídica sob três aspectos:
· em si mesma, como fato ou imperativo social;
· a formulação dessa norma feita pelo legislador ou outra autoridade
competente, mediante palavras,m proposições ou enunciados (ex: art. 121 CP);
· a descrição da norma ou referência à mesma, feito pelo estudioso ou por
aqueles que lidam com o Direito.
Teoria Geral do Direito
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Para Kelsen, as proposições jurídicas são, por exemplo, as seguintes: “Se
alguém comete crime, deve ser-lhe aplicada uma pena; se alguém não paga
sua dívida, deve-se proceder a uma execução forçada de seu patrimônio”.
A proposição jurídica liga entre si dois elementos:
* dados determinados pressupostos;
* deve efetuar-se um ato de coerção, sempre na forma estabelecida pela
ordem jurídica.
Em si mesma, a norma é sempre uma disposição imperativa, proibitiva ou
permissiva. E constitui como diz Carnelutti, um comando jurídico dirigido à
conduta dos simples indivíduos, autoridades ou instituições da vida social.
A formulação da norma pelo legislador (ou outras autoridades) obedece às
exigências da técnica legislativa, que têm objetivos práticos e não científicos.
Muitas vezes, a mesma norma, como relativa ao homicídio, furto ou outro
qualquer crime, receber formulações diferentes em legislações que se
sucedem.
No pensamento kelseniano, a proposição jurídica1 é um juízo hipotético ou
condicional em que o antecedente ou o pressupostos é o não-cumprimento de
uma obrigação e o conseqüente é à disposição de que uma sanção deve ser
aplicada. Ou, em termos simples: dada a não-prestação deve ser sanção.
Já a formulação de Cossio é mais ampla: “A norma jurídica completa (...) tem
dois membros, aos quais propomos chamamos de endonorma (conceituação
da prestação) e perinorma (conceituação da sanção), não só para terminar com
o caos das designações das normas primária e secundária, que os diferentes
autores utilizam com sentido oposto, mas também para salientar que se trata
de uma norma única e não de duas normas, ponto indispensável para entender
o conceito da norma jurídica como um juízo disjuntivo”.
No direito brasileiro atual o seguinte desdobramento: Se Kleber é eleitor, deve
votar (endonorma) ou dado que Kleber é eleitor e não votou, deve ser-lhe
aplicada uma multa (perinorma).
Para Kelsen, a norma jurídica propriamente dita é a que estabelece a sanção
(a perinorma), que ele denomina norma primária.
A endonorma, que estabelece a prestação, é por ele denominada norma
secundária, e considerada mero expediente técnico para fazer atuar a norma
primária. Mas, de qualquer modo, Kelsen admite também a existência de duas
proposições parciais – norma primária e secundária - na descrição da norma
jurídica.
É na endonorma que encontramos o preceito.
Teoria Geral do Direito
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Outros estudos sobre a estrutura lógica da norma ou proposição jurídica,
dentre os autores que se têm ocupado do tema podem ser citados Kaufmann,
Schreier, Kalinowski, Bobbio, García Máynez, Soler, Millas, Avelino Quintas,
Calera, Mario Alberto Copello, Delia Echave, Maria Eugenia Urquijo e Ricardo
Guibourg e, no Brasil, Machado Neto, Lourival Vilanova, Miguel Reale, Maria
Helena Diniz, Paulo de Barros Carvalho, Marco Aurélio Greco e L. Fernando
Coelho.
Apesar das diferenças acidentais, as teorias mencionadas de acordo num
ponto fundamental: as normas jurídicas contêm em sua estrutura básica duas
partes:
** uma endonorma, que estabelece a prestação;
** e uma perinorma, que estabelece a sanção.
Ambas admitem uma hipótese e um dever e podem ser descritas sob uma
forma de uma proposição condicional.
A proposição descritiva, que enuncia um fato ou hipótese: Se Kleber é eleitor; e
não votou (é o descritor);
Uma proposição normativa, que estabelece um dever. Kleber deve votar;
Kleber deve ser multado (é prescritor).
Dada a hipótese, deve ser a prestação. Dada a não-prestação deve ser a
sanção.
Tais hipóteses apenas se relacionam a parte sancionadora ou punitiva da
norma, decorrente do não-cumprimento da prestação ou da obrigação devida.
Mas, se a obrigação for cumprida, haverá também efeitos jurídicos,
assegurados pela norma. Ou seja, se o devedor pagar sua dívida, ele faz jus
ao recibo regular de quitação e, sua conseqüente exoneração do vínculo
obrigacional.
Daí, se classificar as sanções em negativas e positivas, sendo as positivas
caracterizadoras do premio que tão bem descreveu Mario Copello, La sanción
y el premio em el Derecho (Buenos Aires, Ed. Losada, 1945). Tanto a sanção
como o prêmio é visto desde de sempre como tipos de meios de obter do
homem o cumprimento de uma determinada conduta.
Luís Jiménez de Asúa tem mostrado que assim em paralelo ocorre com quase
todas as antigas religiões, e o direito tem em suas formas sua primeira forma
de expressão, entre os chineses, entre os assírios-babilônicos, entre os
fenícios, os israelitas, os muçulmanos, os alemães etc. E hoje, basta recordar o
cristianismo.
E no direito de nossa tradição greco-latina, também sempre o prêmio em
alguma forma, há coexistido com a sanção. Grécia, Roma e o Direito Canônico,
Teoria Geral do Direito
7
dentro dos mais variados exemplos de elos. E atualmente, fácil assinalar essa
coexistência entre quase todas as legislações.
Para Llambrias de Azevedo (Eidética y aporética del Derecho) as retribuições
das sanções se chamam penas para os castigos, quando consistem em
prêmios ou recompensas quando consistem em benesses.
Seria uma deplorável mutilação apresentar o direito como implicando
exclusivamente em modo de retribuição danosa, como a pena. A essência do
direito implica na retribuição, mas esta não pode ser só no castigo como
também não pode ser só na recompensa.
Para Montoro a descrição da norma jurídica deve incluir todos os seus efeitos,
isto é, não apenas a sanção ou o castigo decorrente do não-cumprimento da
obrigação, como também as conseqüências jurídicas positivas decorrentes do
cumprimento da obrigação.
A descrição completa da norma jurídica pode ser resumida em três elementos
básicos:
* a endonorma que estabelece a prestação;
* uma ou mais perninormas que estabelecem as conseqüências jurídicas
negativas do não-cumprimento da prestação: a multa, o impedimento de retirar
passaporte, a nulidade do ato;
* Uma ou mais perinormas que estabelecem as conseqüências jurídicas
positivas do cumprimento da prestação.
Cada endonorma ou perinorma tem a estrutura de uma proposição condicional
constituída de duas proposições simples; uma antecedente, simplesmente
enunciativa, que descreve a hipótese (descritor): Kleber é eleitor; outra
conseqüente, normativa, que prescreve um dever jurídico (prescritor): Ele deve
votar.
Entre a endonorma e as perinormas há uma relação de conseqüência,
expressa numa proposição condicional, mais ampla, em que o antecedente é a
endonorma e o conseqüente é uma proposição composta de diversas
perinormas. Exemplos: Se Kleber é eleitor, deve votar, em conseqüência, se
ele não votou, não poderá prestar concurso público, ou se Kleber votou poderá
prestar concurso, obter passaporte, etc.
A proposição constituída pelas perinormas é uma disjuntiva em que uma das
alternativas é a proposição relativa ao não-cumprimento da prestação e suas
conseqüências punitivas e outra alternativa é a proposição relativa ao
cumprimento da prestação e suas conseqüências positivas.
Questionando sobre a estrutura lógica da disposição das normas fundamentais,
particularmente, as constitucionais, podemos observar as mais diversas
posições doutrinárias, sendo insuperável a superioridade do comando jurídico
Teoria Geral do Direito
8
inserido na norma fundamental com relação ao poder dispositivo das demais
normas.
Para Kelsen, a estrutura da norma jurídica constitucional se reduziria
exclusivamente à seguinte proposição hipotética ou condicional: se os
princípios constitucionais não forem respeitados, a norma deve ser considerada
inconstitucional e não válida. Só ela teria caráter jurídico propriamente dito. Só
ela esgotaria toda a realidade jurídica. É exacerbada tal visão doutrinária.
Para Carlos Cossio, a estrutura da norma fundamental se traduziria na seguinte
proposição: Ocorrendo a elaboração de qualquer norma jurídica, ela deve
respeitar os princípios constitucionais (endonorma).
Se tais princípios não forem respeitados, a norma deve ser considerada
inconstitucional e não válida (perinorma = uma sanção, aliás, em direito civil a
nulidade ou a invalidação dos atos é uma sanção bem típica).
Dada a elaboração de qualquer norma jurídica, ela deve respeitar os princípios
constitucionais (endonorma), em conseqüência se estes forem desrespeitados,
a norma deve ser considerada inconstitucional e não válida (perinorma relativa
às conseqüências negativas) ou, se tais princípios forem respeitados, a norma
deve ser considerada constitucional e válida (perinorma relativa às
conseqüências positivas).
Tal formulação ampla corresponde integralmente à diversidade de situações
jurídicas reais, cobertas por essa norma constitucional. É diante dessas
diversas alternativas jurídicas que se encontrará, por exemplo, o Supremo
Tribunal Federal para decidir sobre a constitucionalidade de qualquer lei ou
outra norma jurídica, impugnada por desrespeitar os princípios constitucionais.
Não podemos reduzir a guisa do que pretende Kelsen a norma constitucional a
declaração da inconstitucionalidade. Existe o caráter estritamente jurídico da
endonorma, que é o fundamento da decisão do tribunal no caso. E, da mesma
forma, é inadmissível que se negue caráter e efeito jurídico relevante à
proposição que reconheça a constitucionalidade da norma, por respeitar os
princípios constitucionais (perinorma referente às conseqüências positivas do
cumprimento da prestação).
A posição de Cossio, embora mais abrangente que a de Kelsen, parece-nos
também insuficiente. Nada nos autoriza, a excluir da estrutura da norma
jurídica a proposição relativa às conseqüências positivas decorrentes do
cumprimento da prestação.
Na vida real do Direito, é presente a alternativa que se oferece aos indivíduos e
às instituições é o cumprimento ou não das prestações ou obrigações devidas.
A disjunção se dá ente essas duas hipóteses simétricas, e não entre a norma e
algumas de suas conseqüências.
Teoria Geral do Direito
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A questão da estrutura da norma jurídica relaciona-se com a função do direito
não se limita a aplicar sanções repressivas. O fim do Direito é ordenar a vida
da sociedade, orientando a conduta de seus membros e a atividade de suas
instituições. Para esse objetivo, ele estabelece normas e procura garantir a
eficácia das mesmas, atribuindo conseqüências positivas a seu cumprimento e
negativas ou punitivas à sua violação. Ver no Direito um mero aplicador de
sanções punitivas é diminuí-lo.
Kelsen reconhece que as normas de uma ordem jurídica regulam a conduta
humana, onde a autoridade jurídica prescreve uma determinada conduta
apenas porque a considera valiosa para comunidade jurídica dos indivíduos. As
modernas ordens jurídicas também contêm, para determinados serviços, como
títulos e condecorações.
Estas, porém (...), desempenham apenas um papel inteiramente subalterno
dentro destes sistemas, que funcionam como ordens de coação, conduta
proibida, contrária ao direito e que, por isso, deve ser impedida devendo a
conduta oposta – socialmente útil, desejada, conforme o direito – ser
fomentada.
Até mesmo o sentido amplo de sanção, aplicado às penas e aos prêmios, pode
ser encontrado em Kelsen “O sentido de ordenamento traduz-se pela afirmação
de que, na hipótese de determinada conduta (...) deve ser aplicada uma
sanção (no sentido amplo de prêmio ou de pena)”.
Ademais inúmeras ciências tais como a pedagogia, a psicologia e as ciências
sociais sublinham a importância primordial dos estímulos positivos, mais do
que a dos aspectos punitivos, na obra da educação ou da orientação do
comportamento humano.
O Direito não se limita a punir2. Pelo contrário, sua tendência maior, mais
moderna e científica é no sentido de incentivar, premiar e assegurar a
execução espontânea de seus preceitos.
Como observa Bobbio, no estado contemporâneo torna-se cada vez mais
freqüente o uso de técnicas de encorajamento.
O Direito não tem apenas a função repressiva que lhe atribui a concepção do
estado-Polícia. A tarefa do direito é mais ampla e pode ser resumida na fórmula
clássica suum cuique tribuere.
Visa cada vez mais o Estado assegurar a justiça social, distributiva e
comutativa na vida coletiva, o Direito é o grande instrumento de promoção do
bem comum. Sua função é fundamentalmente promocional. Por isso,
estabelece sanções repressivas para a violação de suas normas e
conseqüências positivas para estimular o cumprimento das mesmas.
Teoria Geral do Direito
10
Bobbio analisa detidamente a função promocional do Direito e as sanções
positivas, temas que considera fundamentais para adequar a Teoria Geral do
Direito às transformações da sociedade contemporânea e ao desenvolvimento
do Estado Social ou Estado do Bem-Estar.
Adendos
1. A teoria da norma-base foi formulada e defendida por Kelsen. É todo
conhecimento conduz à unidade. Partindo desta afirmação, ele construiu a
teoria da pirâmide ou dos degraus. A validez de uma norma depende da que
lhe é imediatamente superior. No vértice da pirâmide estaria situada a norma
fundamental. Para Kelsen, a norma fundamental é uma hipótese que não
necessita de prova. Mais tarde Kelsen rejeitou a teoria da pacta sunt servanda.
2. Nem mesmo o Direito Penal se limita a punir, embora seja um tanto
nebuloso enfocar o seu objeto próprio de estudo.
Bibliografia indicada para complementar à compreensão
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio, Introdução ao estudo de direito: técnica,
decisão, dominação, Editora Atlas, SP, 1994.
BERGEL, Jean-Louis, Teoria geral do direito, Martins Fontes, SP, 2001.
BOBBIO, Norberto, Teoria de la norma giuridica, Torino, Giappichelli, 1958.
MONTORO, André Franco, Estudos de filosofia do direito, Saraiva, SP, 1999.
Unidade II: Complementação do direito natural ao direito positivo
1.
Introdução
O presente trabalho pretende analisar os conceitos e a finalidades do direito
natural e do direito positivo, traçando um histórico em torno das definições e
conceitos de renomados pensadores. Acolhe igualmente pontos apresentados
pelo diferentes Códigos evidenciando a evolução destes conceitos e sua
influ6encia notadamente no direito atual.
2.
Histórico
Duas correntes importantes permearam a história do direito, o naturalismo e o
positivismo. Entre nós, vimos o positivismo até na bandeira nacional
principalmente no lema “Ordem e Progresso”, por Augusto Comte.
Teoria Geral do Direito
11
Na época clássica o direito natural não era considerado superior ao positivo, de
fato, o direito natural era concebido como sendo um direito comum enquanto, o
positivo como direito especial, assim sabido é que o particular prevalece sobre
o geral. O direito positivo prevalecia sobre o natural sempre que ocorresse um
conflito.
Na Idade Média, ocorreu a subversão quando então o direito natural
sobrepujou ao direito positivo. Sendo que o direito natural tratado como norma
fundada na vontade de Deus e, que deveria se aplicar à razão humana.
Desta forma, adquiriu o direito natural uma inspiração cristã que se fez
presente no pensamento jusnaturalista e o projetou acima do direito positivo.
O direito natural é um código paralelo aos códigos positivos. Ao lado de cada
norma positiva teríamos uma norma do direito natural. O Direito Natural é
formado por um conjunto de princípios fundamentais do Direito positivo.
Entre os princípios que constituem o Direito natural temos entre outros: o bem
deve ser feito, não lesar a outrem, dar a cada um o que é seu, respeitar a
personalidade do próximo e as leis da natureza. Na verdade, o Direito natural é
o princípio da razão do Direito positivo, o direito natural é, portanto, o
fundamento da ciência jurídica.
Desta forma, os jusnaturalistas acreditavam ser o direito natural um direito
permanente e eternamente válido, independente de legislação, convenção ou
qualquer outro expediente imaginado pelo homem.
Heráclito acreditava que todas as leis humanas estavam subordinadas à lei
divina do Cosmos. E assinalava que a Justiça era resultado permanente da
tensão social, que jamais seria definitivo e sim sempre renovável. Quase no
mesmo sentido se inclinou Aristóteles, que integrou a lei positiva ao Direito
Natural.
Mas até aonde o direito identifica-se com o justo? Para a generalidade dos
seguidores do positivismo, o direito se reduz a uma imposição da força social e
a justiça como entendia Kelsen seus critérios são simplesmente emocionais e
subjetivos e sua determinação é mais metafísica do que científica. Daí,
concluímos que a justiça enquanto elemento e conceito da ciência jurídica pode
ser meramente histórica ou política.
Seria a Justiça uma virtude fundamental, como acreditavam os naturalistas?
Seria a justiça dar ao outro o que lhe é devido seguindo uma igualdade.
A igualdade é elemento essencial e básico, já assinalava Aristóteles ser a
Justiça uma igualdade e uma injustiça uma desigualdade.
Teoria Geral do Direito
12
A igualdade seria, pois uma equivalência de quantidades, é certo que não se
trata de estabelecer identidade e uniformidade, pois que a absoluta igualdade e
identidade é fruto de suprema utopia e não tem esteio na realidade. É a
equivalência de ordem, de natureza no aspecto moral.
Os estoicistas colocavam o conceito de natureza no centro do sistema
filosófico. Para eles, o Direito natural era idêntico a lei da razão, e os homens,
enquanto parte da natureza, eram uma criação essencial racional. A base,
portanto, é o direito natural é a razão que preside tudo que é universalmente
válido em toda a natureza. Seus postulados são obrigatórios para todos os
homens tementes ou não a Deus.
Tal doutrina mais tarde foi reestruturada por Cícero que veio a tornar o direito
estóico prático dentro do contexto do direito romano.
Muitas formulações estóicas são encontradas entre os pensamentos de Platão
e de Aristóteles. Contudo, a obscura doutrina dos estóicos fez com que a
estrutura não se fundamentasse, o que para os dois filósofos gregos era algo
indiscutível.
Cícero será o maior representante deste período clássico do Direito Natural.
Que o interessa a Cícero é o direito e não a lei. Nasce o Direito da própria
natureza e não do arbítrio ou esperteza humana.
O pensamento cristão primitivo é o herdeiro natural do Estoicismo e da Justiça
Romana. Aliás, na idade medieval a distinção entre direito natural absoluto e
relativo é completamente estóica. O absoluto era o ideal que imperava
naturalmente na natureza, onde todos os homens eram iguais e possuíam
todas as coisas em comum, não havia governo e nem a dominação do homem
sobre o homem. Era o éden.
Já o relativo, ao contrário, eram princípios jurídicos adaptados à natureza
humana após o pecado original.
Santo Agostinho reinterpretando vários textos clássicos juntamente com São
Tomás de Aquino mostraram maior interesse na realidade ao esboçarem o
conceito de direito natural relativo eivado de ideais cristãos.
É, pois o Direito natural à vontade divina e a partir da Escola de Grotius é à
vontade da razão.
E mais, tarde, com Jean Jacques Rousseau, confirmando o direito natural
como a vontade geral.
Na época do jusnaturalismo abstrato, a explicação de tudo é encontrada no
próprio homem, na própria razão humana, nada de objetivo é levado em
Teoria Geral do Direito
13
consideração, a realidade social, a História, a razão humana se tornam uma
divindade absoluta.
Para Locke, a lei natural é uma regra eterna para todos, sendo evidente e
exigível para todas as criaturas racionais. Portanto, a lei natural é a lei da
razão.
Nos séculos XVIII e XIX tais ideais e razão sedimentaram uma nova ordem
jurídica baseada em princípios de igualdade e liberdade como postulados da
razão e justiça.
É certo que o ideal de justiça fez muitas cabeças rolarem coroadas ou
revolucionárias, mas também é certo, que tais princípios evoluíram e
fundamentaram certos direitos como unívocos e imutáveis e irrenunciáveis.
A teoria pura do Direito restringe-se a analisar a lei positiva baseada nas regras
sociais que atualmente existem e existiram na história sob o nome de lei. A
origem da lei dentro da estrutura criada pela direito se preocupa em adjetivá-la
e classificá-la em justa ou injusta. A justiça e a lei são, no entanto dois
conceitos diferentes.
O direito positivo teve apoio em especial em Hegel, e com o método
experimental de Francis Bacon e ainda com o materialismo de Thomas
Hobbes. O pensamento moderno notadamente o da segunda metade do século
passado e a primeira do século atual sofreu considerável influência pelo
positivismo jurídico onde a concepção de direito nasce como direito próprio, e
onde há a exclusão do direito natural.
A concepção positivista primeiramente refere-se a um sistema de idéias
filosóficas fundado pelas bases de Comte e propagado por seu fiel discípulo
Emile Lettré.
Nenhum setor dos conhecimentos humanos ficou isento da influência do
positivismo. E, foi definido por um atitude mental que visa dar à filosofia o
método positivo das ciências e às ciências a idéia de conjunto da filosofia. Na
verdade era a positivação da essência e ateorização do eminentemente
prático.
Houve um grande repúdio a metafísica entendendo-se que esta era toda a
proposição que excedesse ao domínio da experiência e da observação
humana dos fatos sensíveis.
Baseia-se no fato de não conhecermos nem a essência e nem o modo de
produção de nenhum fato, mas, somente conhecemos as relações de
sucessão e semelhança de uns fatos com outros. E através da teoria cíclica
observamos sua repetição sob determinadas circunstâncias.
Teoria Geral do Direito
14
Tais semelhanças ligam os fenômenos entre si, traçam-se sucessões
invariáveis eis o que se dá o nome de leis.
Além da profunda crítica ao direito natural e a fim de alcançar sua
dessacralização, importante papel teve o historicismo alemão.
Como consagrar a complementação do direito positivo provido pelo direito
natural.
Unidade III: Considerações sobre personalidade, pessoa e os direitos da
personalidade no Direito Civil Brasileiro.
É um dos temais relevantes para a Teoria Geral do Direito a questão da
personalidade jurídica, pois ao regular sua caracterização, obramos a premissa
de todo e qualquer debate inserido no âmbito do direito privado.
É forçoso admitir que todo ser humano e destinatário final da norma, portando
o estudo da personalidade jurídica é primafacie tanto da pessoa natural como
da pessoa jurídica.
Em psicologia entende-se por personalidade, a estrutura ou a silhueta psíquica
individual, ou mais amiúde, “o modo peculiar de ser eu”.
No Dicionário eletrônico de Psicologia está consignada a seguinte significação
sobre personalidade, in verbis:
[De personal(i)- + -dade.]
S. f. Psicologia. Organização constituída por todas as características
cognitivas, afetivas, volitivas e físicas de um indivíduo. Personalidade de base:
Sociologia. Configuração psicológica própria dos membros de uma
determinada sociedade, e que se manifesta por um certo estilo de vida.
Personalidade psicopática: Psicol.1. Personalidade caracterizada por tendência
constitucional ao desenvolvimento de uma psicose.
É certo que a personalidade para Teoria Geral do Direito não é um direito, é, de
fato, o que apóia os direitos e deveres que dela irradiam, é objeto de direito, o
primeiro bem da pessoa, para que a pessoa seja o que exatamente é.
San Tiago Dantas doutrinador arguto preleciona que personalidade jurídica é
“uma ossatura destinada a ser revestida de direitos” Sem dúvida, a
personalidade é parte integrante da pessoa permitindo que o titular venha
adquirir, exercitar, modificar, substituir, extinguir ou defender interesses.
Francisco Amaral consagra a personalidade jurídica como valor jurídico que se
reconhece nos indivíduos e em grupos legalmente constituídos materializandose na capacidade jurídica.
Teoria Geral do Direito
15
A preleção de Clóvis Beviláqua adiantava: “a personalidade jurídica tem por
base a personalidade psíquica (...)” Mas obtempera que não se confundem o
conceito jurídico e o conceito psicológico de personalidade.
É óbvio que se enxerga na personalidade jurídica a projeção de personalidade
psíquica, ou outro campo onde esta se afirma, dilatando-se e adquirindo novas
qualidades.
Há na personalidade jurídica intervenção de um elemento a ordem jurídica, do
qual depende essencialmente, e do qual recebe a existência, forma, extensão e
força ativa operante. A personalidade jurídica além de psíquica, é, pois uma
criação social posta em movimento pelo aparelho jurídico, é portanto moldada
pela ordem jurídica.
Para Teoria Geral do Direito traduz-s a personalidade por ser aptidão genérica
para titularizar direitos e contrair obrigações, é atributo necessário para ser
sujeito de direito.
Esclarece Ulhoa que sujeito de direito é gênero e pessoa é espécie, isto é, nem
todo sujeito de direito é pessoa, embora toda pessoa seja sujeito de direito.
Sujeito de direito é o titular dos interesses em sua forma jurídica, é o centro de
imputação de direitos e obrigações, se referindo as normas jurídicas com a
finalidade de orientar a superação de conflitos de interesses que envolvem,
direta ou indiretamente, homens e mulheres.
Os conflitos de interesses ainda que mediados por titulares não humanos, dãose sempre entre humanos. A complexidade das relações econômicas e sociais,
contudo, exige do direito a construção de conceitos abstratos, destinados a dar
forma jurídica para a titularidade dos interesses. Nem todo sujeito de direito é
pessoa e nem todas as pessoas, para o direito, são seres humanos.
Quando, por exemplo, o condomínio edilício é sujeito de direito, está tratando
de modo racional a convergência de interesses dos homens e mulheres que
moram num mesmo edifício. São sujeitos entre outros as pessoas naturais
(homens e mulheres nascidos com vida), as pessoas jurídicas (sociedades
empresárias, cooperativas, fundações etc.), o condomínio edilício, a massa
falida e outros. Todos esses aptos a titularizar direitos e obrigações em
variadas medidas e se cumpridas diferentes formalidades.
Os sujeitos de direito podem ser pessoas (personificados) ou não
(despersonificados). A pessoa pode fazer tudo o que não está proibido. Já os
sujeitos não personificados podem praticar somente os atos inerentes à sua
finalidade (se possuírem uma) ou para os quais estejam especificamente
autorizados.
A nova tábua axiológica preconizada pela Constituição Federal Brasileira
vigente baseada na afirmação da cidadania e dignidade da pessoa humana,
Teoria Geral do Direito
16
como valores supremos, dá um contorno mais amplo a personalidade que não
se esgota na possibilidade de o titular ser sujeito de direitos, mas por igual,
relaciona-se com o próprio ser humano.
Não é apenas um novo reduto de poder do indivíduo, nem apenas o valor
máximo modelador da autonomia privada, sobretudo é capaz de submeter toda
atividade econômica a novos critérios de validade.
A personalidade jurídica é também valor ético de origem constitucional
especialmente relacionada com a dignidade da pessoa humana inserida num
contexto social. O reconhecimento da personalidade jurídica imposta no
reconhecimento dos direitos que tocam ao ser humano desde sua existência.
Conexo ao conceito de personalidade esclarecer o autor que escreve sempre
com clareza solar, Cristiano Chaves de Farias, porém, sem com este conceito
se confunda , surge a idéia de capacidade.
Enquanto a personalidade é generalizante, reconhecida como valor jurídico
atribuído a todos os seres humanos (e também aos grupos) exprimindo a idéia
de aptidão genérica, a capacidade jurídica concerne à possibilidade daqueles
que são dotados de personalidade a praticarem pessoalmente os atos da vida
civil.
É possível se reconhecer a personalidade jurídica sem capacidade, é o caso do
recém-nascido. No que tange à pessoa natural ou física, o Código Civil
Brasileiro de 2002 substitui a expressão “homem” por “pessoa”, entrando na
vertente da linguagem politicamente correta, e compatível coma nova ordem
constitucional paritária (art. 1º., do C.C./2002).
Daí se infere que a personalidade é atributo de toda e qualquer pessoa (seja
natural ou jurídica) vez que a norma substantiva não faz tal distinção.
Consideram-se, assim, direitos da personalidade aqueles direitos subjetivos
reconhecidos à pessoa, tomada em si mesma e em suas necessárias
projeções sociais.
As pessoas são, a priori, capazes e podem, assim, praticar os atos e negócios
por si mesmas. Como ensina Caio Mário a capacidade é a regra e a
incapacidade a exceção.
A incapacidade é situação excepcional prevista expressamente em lei com
objetivo de proteger determinadas pessoas. Os incapazes são considerados,
por lei, não inteiramente preparados para dispor e administrar seus bens e
interesses sem a mediação de outra pessoa (representante ou assistente).
Com relação aos direitos fundamentais ou direitos da personalidade é pontual
frisar que não há eficácia direta e imediata das normas constitucionais de
direito privado, mas sim uma complementação do preceito geral por um mais
Teoria Geral do Direito
17
específico.
Ex positis, os direitos fundamentais são diretrizes gerais, garantias de todo o
povo – como sociedade em se ver livre do poder excessivo do Estado,
enquanto os direitos da personalidade que são frutos da captação desses
valores fundamentais regulados no interior da disciplina civilística.
Os direitos fundamentais desempenham as funções normais, como proibições
e imperativos da tutela. O desprestigio da dignidade da pessoa humana
somado a inúmeros atentados contra a personalidade por particulares em
razão dos progressos técnicos da era moderna, os tribunais da Alemanha do
pós-guerra passaram a agir em proteção da pessoa humana utilizando-se de
artigos da Constituição Federal, numa forma de dever geral de personalidade.
Alguns direitos da personalidade tratados no relacionamento entre Estado e
cidadão recebem o nome de liberdades públicas, sendo os direitos de
personalidade do ponto de vista da tipificação, mas analisados em planos
distintos; As liberdades públicas são acrescidas de outros direitos econômicos,
sociais e políticos.
Assevera Tepedino que as regras constitucionais condicionam o intérprete e o
legislador ordinário, modelando o tecido normativo infraconstitucional com a
tábua axiológica eleita pelo constituinte, dando uma releitura aos direitos da
personalidade e afirmando a presença de uma autêntica cláusula geral de
personalidade ( a dignidade da pessoa humana).
Os direitos de personalidade ultrapassam a clássica distinção dicotômica de
público e privado. Assim, consagra Cristiano Chaves de Farias que os direitos
da personalidade são atinentes à tutela da pessoa humana, considerados
essenciais à sua dignidade e integridade.
Caracterizam-se tais direitos pro serem absolutos, indisponíveis, relativamente
imprescritíveis e extrapatrimoniais.
São absolutos posto que sua eficácia erga omnes, oponível a todos impondo a
coletividade o dever de respeitá-los. È um dever geral de abstenção dirigido a
todos. Sua relativa disponibilidade impede que o titular possa deles dispor em
caráter permanente ou total, preservando a sua própria estrutura física,
psíquica e intelectual.
Assim, é que o art. 11 do C.C.de 2002 dispõe que com exceção dos casos
previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e
irrenunciáveis. No entanto, é permitido ao titular ceder o exercício e não a
titularidade de alguns dos direitos da personalidade.
É o caso do direito de imagem que pode ser cedida à título oneroso ou gratuito
durante certo lapso temporal. E nesse sentido o Enunciado 4 da Jornada de
Teoria Geral do Direito
18
Direito Civil CFJ não aceita a limitação voluntária que seja permanente ou geral
aos direitos da personalidade.
Admite-se, outrossim, a doação de órgãos humanos duplos, bem como a
cessão dos direitos autorais o que bem denota a relativa indisponibilidade de
tais direitos.
Cristiano Chaves de Farias relata evento curioso que se deu em França, num
prosaico jogo de “arremesso de anões”, no qual as referidos seres humanos
eram arremessados à distância por canhões de pressão.
A Casa Judicial francesa impôs uma vedação administrativa impondo proibição
dessa diversão pública, contra tal ato, os anões em litisconsórcio com os
promotores do jogo propugnaram requerendo a liberação do certame.
O que fez a Casa Judicial francesa reconhecer que o respeito à dignidade
humana, é conceito absoluto e que não pode cercar-se de concessões e nem
de apreciações subjetivas de cada um.
Por sua natureza intrínseca, a dignidade da pessoa humana está fora do
comércio. Afora isto, garante o caráter de imprescritibilidade que a lesão ao
direito da personalidade venha convalescer com decurso do tempo.
Curial é não confundir a imprescritibilidade da lesão do direito da
personalidade, com prescritibilidade da pretensão indenizatória de eventual
dano decorrente da violação do direito da personalidade e que ocorre
normalmente em três anos (art. 206, § 3º, V C.C.).
É imprescritível o exercício do direito da personalidade, e sua respectiva
pretensão garantidora desse exercício. Mas não é imprescindível a pretensão
que busca indenização pecuniária por dano sofrido.
Outras duas características dos direitos da personalidade são assinaláveis, a
saber: a essencialidade e a preeminência indicando expressamente a tutela
preferencial em face da essencialidade de seu objeto.
Por derradeiro, classificamos também os direitos da personalidade como
vitalícios extinguindo-se naturalmente com a morte de seu titular. Não obstante
se reconhecer também os direitos de personalidade dos mortos conforme bem
assinala o parágrafo único do art. 12 do C.C. de 2002, legitimando os
chamados lesados indiretos a reclamar quer a tutela repressiva, quer a tutela
inibitória.
Convém discernir os direitos da personalidade que são estudados na órbita do
direito privado das chamadas liberdades públicas que são estudadas
propriamente na órbita do direito público.
Teoria Geral do Direito
19
Enquanto que os direitos da personalidade são garantias mínimas da pessoa
humana para suas atividades internas e respectivas projeções para a
sociedade.
Por outro lado, as liberdades públicas são condutas individuais ou coletivas de
forma autodeterminada mediante a autorização explícita ou implícita conferida
pelo Estado, é a garantia mínima da cidadania.
Os direitos da personalidade são tendentes a assegurar a integral proteção da
pessoa humana em múltiplos aspectos (corpo, alma e intelecto).
A classificação dos direitos da personalidade criteriza-se nos aspectos
fundamentais da personalidade que são: a integridade física (direito à vida, ao
corpo, à saúde, a inteireza corporal, direito ao cadáver); a integridade
intelectual (direito à autoria, científica ou literária, a liberdade religiosa e de
expressão), e demais manifestações do intelecto e, a integridade moral ou
psíquica (direito à privacidade, ao nome, à imagem, etc.).
Considerando o alto estágio tecnológico da ciência, é mister afirmar um direito
geral de personalidade, impedindo o exaurimento das espécies de direitos da
personalidade que não podem ser esgotados e nem mesmo limitados. Frise-se
que nenhum direito subjetivo sobrevive como completamente absoluto pelo
imperativo da sociabilidade.
Trabucchi com sua notável sensibilidade reconhece um direito geral da
personalidade reportando-se ao 2º, da Constituição Italiana in verbis: ”A
República reconhece e garante os direitos invioláveis do homem, seja como
sujeitos singulares ou considerados na formação social onde desenvolve sua
personalidade, e, por isso, requer a observância dos deveres inderrogáveis de
solidariedade política, econômica e social.”
O mesmo fez o art. 1º, inciso III da Lei Maior brasileira, permitindo a cláusula
geral protetiva e seu reconhecimento em qualquer situação concreta.
O direito à vida, como direito da personalidade nos remete a um direito à vida
digna. O art. 1º, III da CF/1988 é uma autêntica cláusula geral de proteção da
personalidade que é também encontrada no ordenamento português e italiano.
O Direito Civil Contemporâneo é marcado pela despatrimonialização do direito
privado e a necessária repersonalização do ser humano merecendo uma tutela
privilegiada, multifacetada e abrangente.
É sempre bom lembrar que a defesa da vida com dignidade é objetivo
constitucionalmente assegurado pelo Poder Público.
A necessária vinculação da noção de direitos da personalidade com a noção
dos direitos humanos acaba por derrubar o muro de Berlim que antes separava
Teoria Geral do Direito
20
inexoravelmente o direito público do direito privado.
Em face da multiplicidade de situações que se expõe a pessoa humana no
mundo pós-moderno somente o reconhecimento de uma cláusula geral de
proteção de forte conteúdo principiológico, a ser preenchido no caso concreto
pela jurisprudência auxiliada pela doutrina, é capaz de garantir, eficazmente a
tutela da pessoa humana.
O direito à integridade física refere-se à proteção jurídica do corpo humano
(incluindo o corpo vivo e o corpo morto), além de tecidos, órgãos e partes
sucessíveis de separação e individualização.
Tal proteção tem início desde a concepção até a morte. Porém, convém
lembrar as disposições legais sobre o cadáver previstas na Lei 9.434/97 que
exige a manifestação de vontade para haver doação de ser órgãos para depois
da morte. Não a havendo em vida, tal direito transmite-se para os herdeiros
(vide ainda art. 14 C.C./2002).
As partes do corpo (seja vivo ou morto) integram a personalidade humana,
caracterizando coisa extra commercium sendo vedado ato de disposição
oneroso (art. 199, § 4º, CF, art. 1º, da Lei 9.434/97). Sendo admitida a
disposição gratuita para fins terapêuticos e não causar prejuízo ao titular.
É perfeitamente possível perante o Direito de partes destacáveis do corpo
humano renováveis (leite, medula, óssea, pele, óvulo, esperma, fígado) ou não,
para salvar a vida ou preservar a saúde do interessado ou de terceiros, ou para
fins científicos ou terapêutico, sempre a título gratuito conforme exige a lei.
É curial distinguir a doação em vida da doação post mortem. O art. 9º, da Lei
9.434/97 permite à pessoa maior e capaz dispor de pessoa de seu corpo, de
forma gratuita para fins terapêuticos ou de transplantes e, se não importar em
risco de vida ou a saúde do doador.
Somente as partes do corpo renováveis podem ser objeto de doação em vida.
Deve tal doação preferencialmente ser feita por escrito.
No entanto, se o devedor for incapaz será necessária a autorização judicial
com a prévia oitiva do MP de modo a preservar os interesses do incapaz.
Na doação em vida é possível a escolha do beneficiário, diferentemente da
doação post mortem, onde o caráter altruístico é mais intenso e imposto pelo
art. 2º, § único da Lei 9.434/97 e art. 24 § 1º, ao § 5º., do Dec. 2.268/97 que
impõe fila de espera.
A morte que se refere à legislação atinente é encefálica que é detectada pela
cessação definitiva da atividade cerebral. A nova dicção legal do art. 4º, da Lei
9.434/97 alterou a regra ab initio promulgada que permitia a chamada doação
Teoria Geral do Direito
21
presumida, assim a Lei 10.211/2001 passou a exigir a autorização expressa do
cônjuge, companheiro ou parente próximo, se não houve doação em vida pelo
titular.
Ulhoa esclarece que se em vida o titular expressa vontade de não ser doador
em hipótese nenhuma, não poderá seus familiares autorizá-la. A lei reconheceu
a plena eficácia do ato apesar do sumário egoísmo.
Em que pese outras ponderações são distintos os conceitos referentes a
transplante que consiste na amputação ou ablação de órgão, com função
própria, de organismo para ser instalado em outro, no qual cumprirá as
mesmas funções. Temos como exemplos: os transplantes de córneas, de rim,
de coração e, etc...
Enxerto, por sua vez, é a retirada de porção orgânica para ser instalada no
mesmo organismo é exemplo clássico as “pontes de safena”. Implante se
caracteriza pela integração de tecidos mortos ou conservados no corpo de
alguém. A norma que disciplina a matéria, no entanto, não diferencia um
procedimento de outro.
Importantíssimo lembrar que é indispensável para a retirada de órgãos
humanos post mortem, que o falecido venha devidamente identificado pelos
documentos listados pelos
§ 1º, ao 6º, do art. 14 do Dec. 2268/97 e, ainda, arts. 5º, e 6º, da Lei 9.434/97.
A realização de cirurgias em transexuais que pretende redefinição do estado
sexual é reputada proibida conforme uma primeira leitura do art. 13 do Código
Civil, embora represente tal dispositivo legal uma afronta a garantia da
dignidade da pessoa humana. Pois o transexual possui direito da
personalidade que é o direito à integridade física e psíquica.
O paciente transexual encontrará o equilíbrio emocional, e se livrará das
tormentosas angústias quando finalmente redefinir o seu sexo. Recentemente,
em 2002, o conselho Federal de Medicina (CFM) editou a Resolução 1.652 que
autoriza as cirurgias de mudanças de sexo também chamadas de
transgenitalização, em casos de transexualismo comprovado. Exigindo-se que
o paciente tenha mais de 21(vinte e um) anos e deve ter diagnóstico
comprovado clinicamente de seu transgenitalismo e, ainda não possuir o
paciente características físicas inapropriadas para a cirurgia.
Além disso, deverá a cirurgia ser antecedida necessariamente de laudo de
equipe médica composta de psiquiatra, cirurgião, endocrinologista e psicólogo
e, ainda, assistente social que avaliará o paciente transexual pelo menos por
dois anos contínuos.
A cirurgia do feminino para o masculino só poderá ocorrer em hospitais
universitários ou públicos. Já a cirurgia do masculino para o feminino, no
Teoria Geral do Direito
22
entanto, só poderá ocorrer em hospitais públicos ou privados, independente de
atividade de pesquisa (arts. 5º, e 6º, da Resolução CFM 1652/2002) e, ambas
as hipóteses cirúrgicas independem de autorização judicial.
Ultimada a cirurgia, tem-se obviamente que se adequar o estado sexual
registral e o nome do paciente que se fará por meio de jurisdição voluntária
perante o juízo de família (ação de estado) acobertada pelo segredo de justiça.
Há Projeto de Lei 70-B de autoria do deputado José Coimbra que pretende
disciplinar a licitude da cirurgia de mudança de sexo, além de prever também a
possibilidade de averbação do novo sexo, vedando a emissão de certidão com
referências ao estado anterior ou mesmo a origem cirúrgica (sigilo de registro).
Só há no horizonte um delicado busilis se o transexual operado eventualmente
tiver filhos (e, como ficarão seus respectivos registros civis). Por tal razão, as
legislações alemãs e suecas vedam a redesignação sexual quando o operado
é casado ou tem filhos.
Outro caso interessante é o referente aos adeptos e seguidores da Igreja
Testemunhas de Jeová que, por sua crença, (lembremos cuja liberdade é
assegurada constitucionalmente) não admitem o recebimento de transfusões
de sangue, há de se reconhecer a possibilidade da recusa à terapia
hematológica.
Configura-se, in casu, verdadeiro conflito de valores clamando pela aplicação
do princípio da ponderação de valores para se encontrar melhor solução.
Também quanto ao tema o CFM editou a Resolução 1.021/1980 e, ainda, há a
previsão dos arts. 45 e 56 do Código de Ética Médica autorizando os médicos a
praticar a transfusão de sangue em seus pacientes, independentemente de
consentimento, se houver iminente perigo de vida.
Nesse sentido, se posiciona a maioria esmagadora da jurisprudência pátria,
principalmente se comprovado o efetivo perigo de vida do paciente. Sacrificar a
liberdade de religião em detrimento da intangibilidade do direito à vida e ao
corpo é desconsiderar um aspecto essencial e também indisponível da
personalidade, seria reduzir a vida a uma dimensão física da pessoa.
Interessante e intrigante é a questão de “barriga de aluguel” que se dá quando
a gestação se desenvolve em útero alheio. É procedimento que viabiliza a
maternidade a certas pessoas com restrições sérias biológicas.
Sob contundentes objeções da Igreja Católica (instrução Donun vitae de
22.02.1987 aprovada pelo Papa João Paulo II) , o CFM editou a Resolução
1.358/92 autorizando o médico realizar a gestação em útero alheio respeitados
certos requisitos:
Teoria Geral do Direito
23
a) realizar-se entre parentes até 2º grau; b) a cessão do útero será
forçosamente gratuita; c) que tenha finalidade médica aplicada em face de
pessoas que não podem gestar e, não por razões meramente estéticas ou
egoísticas ( como a vaidade feminina).
Deve-se evitar o “comércio de órgãos humanos” atendidos os requisitos da
resolução do CFM há de se conferir juridicidade à maternidade de substituição.
É de relevância também a questão do registro civil com base na declaração
fornecida pelo médico que inscreverá a declaração do nascido vivo (art. 46 da
Lei 6.015/1973), o nome da mãe biológica ou social.
Problemático será, no entanto, se o médico parteiro não souber da gestação
em útero alheio, somente prover a referida declaração em favor da mãe
parturiente (ou seja, a mãe hospedeira). E, nesse caso, os interessados, a mãe
biológica ou genética, o pai, o MP suscitarão o procedimento de dúvida (art.
296 c/c art. 198 a 204 da Lei 6.015/1973).
Deve a referida gestação em útero alheio ser fruto de consentimento informado
e expresso, o que possibilitará a alteração pertinente do registro de nascimento
junto à Vara de Registros Públicos.
A reprodução assistida pode ocorrer por inseminação artificial (em laboratório)
ou no corpo da mulher. Ambas as modalidades podem se concretizar na forma
homologa ou heteróloga.
Será homóloga se utilizado material genético do próprio cônjuge ou
companheiro, com sua expressa anuência. Será heteróloga, se o sêmen é de
terceiro, sempre a título gratuito (Resolução 1.358/1992 do CFM).
A autorização prévia e expressa do cônjuge funciona como adoção prévia
suficiente para gerar a presunção de paternidade do art. 1.597 do C.C. de
2002. Devido ao princípio do anonimato ou do sigilo do doador de sêmen
(Resolução CFM 1.358/2002) que o motivo da vedação ao uso da reprodução
assistida heteróloga em mulheres não casadas ou em união estável foi evitar o
movimento de filhos sem pai.
No entanto, novamente verificamos uma afronta ao direito da personalidade de
se ter liberdade psíquica e de planejamento familiar, e, ainda por importar em
discriminação injustificada em face de mulheres solteiras ou conviventes em
união estável.
Portanto, a reprodução assistia heteróloga não servirá o que na gíria
chamamos de “produção independente”, o que certamente excluiria os
homossexuais.
O Projeto de Lei 90 acende polêmica pois contempla o direito da criança
conhecer o doador do sêmen, só quando atingir a maioridade civil, ou quando
Teoria Geral do Direito
24
da morte dos pais ou na hipóteses do pai contratante não promover o registro
civil de nascimento. Também pretende obrigar a transferência de todo material
genético preparado laboratorialmente para o corpo da mulher, impedindo os
chamados embriões excedentários.
Uma pergunta sucinta Ulhoa, o embrião fecundado in vitro e não implantado no
útero é sujeito ou objeto de direito? Não há ainda uma resposta consensual, na
tecnologia jurídica, para essa complexa questão.
Enquanto o embrião não é implantado num ambiente orgânico propício ao seu
desenvolvimento como ser biologicamente independente, ele não pode ser
considerado como tal. A decorrência lógica desse enfoque é a que embrião in
vitro não é sujeito de direito, mas bem da propriedade comum dos
fornecedores do espermatozóide e óvulo (alguns os chamam de “pais”, mas
esta não parece ser a melhor designação; vou chamá-los de “genitores”).
Em França, cita Ulhoa, desde 1994, o Código de Saúde Pública limita o prazo
de conservação dos embriões in vitro e reconhece aos genitores o direito de
decidir o destino deles, o que importar atribuir-lhe natureza de objeto de direito,
e não de sujeito.
Nesse sentido, no Brasil o embrião fertilizado in vitro e implantado no útero
deve ser considerado como nascituro, quer dizer, sujeito de direito
personificado. Enquanto não verificada a nidação uterina é incerta a natureza
jurídica do embrião. A nidação é fato jurídico que define a natureza do embrião
in vitro.
A eventual concepção após a morte do titular do sêmen, não gera direito
sucessório, até porque a capacidade sucessória só é reconhecida a que tem
personalidade jurídica no momento da abertura da sucessão (ou seja, no
momento do óbito do autor da herança), muito embora seja reconhecido o
direito a paternidade judicialmente reconhecida.
Outra polêmica envolve atos de disposição do corpo em vida, como é caso dos
wannabes ou apotemnofia ou melotalista. Os wannabes ou apotemnófilos ou
amelotalista são pessoas que têm incontrolável compulsão pela amputação de
um membro específico de seu corpo, possuem um desejo intenso sem serem
deficientes físicos. A apotemnofilia é atração sexual por partes do corpo
humano de outro indivíduo, amputadas ou mutiladas, é distúrbio sexual.
Não entendemos como aceitar como válido o consentimento dos wannabes
posto que viola frontalmente o direito a integridade física que constitui
importante direito de personalidade, sem deixar de incluir o direito à vida. Tais
pessoas clinicamente sofrem de parafilias e precisam de tratamento clínico
adequado e, não sob a égide de seu próprio consentimento, obter permissão
legal para se automutilarem.
Teoria Geral do Direito
25
É também o entendimento esposado por Konder, cf. “O consentimento no
Biodireito: os casos dos transexuais e dos wannabes”.
O transexualismo é considerado uma entidade clínica autônoma onde há
contradição entre sexo fisco aparente que é determinado geneticamente e o
sexo psicológico. A Resolução 1.482/97 do CFM identifica o transexualismo
como desvio patológico permanente da identidade sexual, com rejeição do
fenótipo, tendências de mutilação e/ou auto-extermínio.
O homossexual difere do transexual uma vez que este se sente atraído pela
pessoa do mesmo sexo, mas na tem o desejo ou intenção de mudar seu sexo.
Também não se confunde o intersexualismo que se tipifica pela presença de
anomalias físicas, hormonais ou genéticas que conduzem a um sexo falso.
Outro tema inquietante é sobre a esterilização e seus limites, que pode ser
obtida pelo uso de técnicas específicas, em pessoa do sexo masculino ou
feminino, para impedir a fecundação e a procriação.
Relata-se que os adolescentes que integravam o coro da Capela Sistina, na
Itália, para que mantivessem o tom contralto de suas vozes eram castrados
com propósito de não produzirem hormônios e não sofrerem modificações na
voz. Na mitologia grega há o registro de que a Rainha Semíramis, de Nínive,
determinou que doentes incuráveis de seu reino fossem castrados, impedindo
a degeneração da espécie, é o que conta Antônio Chaves.
Entre nós, a esterilização cirúrgica como método contraceptivo através da
laqueadura tubária, vasectomia ou outro método aceito cientificamente, vedada
a histerectomia (retirada do útero) ou ooforectomia (retirada dos ovários),
exceto por exigência médica, como reza a Lei 9.263/96 em seus arts. 10, § 4º e
15.
Com base no princípio constitucional de paternidade responsável admite-se a
esterilização voluntária para fins de planejamento familiar tanto em homens
como em mulheres com plena capacidade civil, desde que maiores de vinte e
cinco anos de idade ou que tenham, pelo menos, dois filhos vivos, observado o
prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação de vontade (por escrito) e
o ato cirúrgico, durante o qual o interessado deverá ser conduzido ao serviço
de controle de natalidade para desencorajar a esterilização, através da
recomendação de outros métodos mecanismos contraceptivos.
Por atentar a dignidade humana, a esterilização de criminosos sexuais (de
quem pratica estupro) ainda que a origem delitógena seja um desvio de
sexualidade. Cabe responsabilidade civil por danos materiais e
extrapatrimoniais, quem realizar esterilização não autorizada legalmente, bem
como a empresa que obriga suas empregadas a submeterem-se à
esterilização, evitando, assim, o gozo de licença-maternidade.
Teoria Geral do Direito
26
A experiência científica em pessoas humanas somente pode ocorrer com
consentimento livre e informado, com finalidade terapêutica e caráter gratuito,
além de não produzir qualquer potencialidade de prejuízo à pessoa,
respeitando os princípios de beneficiência e não-maleficência, proclamados
como diretrizes da Bioética.
É possível cogitar-se de direito subjetivo ao corpo de outrem á luz do art. 1.566
do Código Civil de 2002? É certo que é dever conjugal a coabitação, que
devem viver a um só tempo viver sob o domicílio conjugal, sendo objetivo
manter relações sexuais habituais, convivendo intimamente.
Embora parcela da doutrina defenda a idéia de um direito da personalidade
sobre o corpo do cônjuge, a partir da reciprocidade da prestação do dever
sexual no casamento ( Cláudia Haidamus Perri, Álvaro Villaça Azevedo e
Rubens Limongi França, esta não é posição que deve prevalecer. É que a
manifestação sexual (inclusive entre cônjuges ou companheiros) é pura
expressão de afeta não podendo ser tratada pela ótica de obrigação jurídica
imposta uma pessoa humana.
Não obstante a configuração do chamado débito conjugal, encará-lo como
direito da personalidade é violar a dignidade humana, aviltando a sua liberdade
afetiva e sexual. Ademais, se assim o fosse caberia a responsabilização civil do
cônjuge-devedor que deveria repará-lo pecuniariamente ela falta de afeto e
afeição.
Daí é de se repudiar o enquadramento do débito conjugal como direito da
personalidade do cônjuge ao corpo do outro.
Ademais, o debitum conjugale como direito da personalidade, seria imperioso
concluir que sua eventual violação implicaria em responsabilização civil do
“cônjuge-devedor” que teria de reparar pecuniariamente, a falta de afeto e
carinho. (http://conjur.estadao.com.br/static/text/41317,1),
(http://conjur.estadao.com.br/stati,1),
( http://conjur.estadao.com.br/static/text/29074,1>.
Já o direito à integridade psíquica (moral) concerne a proteção dos atributos
psicológicos relacionados à pessoa, tais como a sua honra, a liberdade, o
recato, a imagem , a vida e o nome. A higidez psíquica se relaciona
necessariamente com a dignidade humana.
A incolumidade moral preserva a estrutura humana, em particular as
emanações da alma, essencialmente incorpóreas, distintas das projeções
físicas do indivíduo. Talç tutela seja por ações diretas ou indiretas, por
situações naturais ou não, impõe-se a cada pessoa e à coletividade como um
todo, inclusive ao Poder Público.
Esclarece Bittar que são vedadas pelo ordenamento jurídico todas as práticas
Teoria Geral do Direito
27
tendentes ao aprisionamento da mente ou a intimidação pelo medo, ou pela
dor, enfim, obnubiladoras do discernimento psíquico.
Podem ser alinhados como direitos da personalidade no âmbito psíquico: a
imagem, a privacidade; a honra; o nome civil e, etc.
É interessante encontrarmos a relativização do direito à imagem das pessoas
públicas também chamadas de celebridades, em razão de interesses públicos
ou de colisão com outros bens jurídicos.
O exemplo típico da mitigação da tutela da imagem em face da preponderância
do interesse público é o uso de imagem decorrente de investigação criminal,
com a divulgação de retrato de foragido em órgãos de imprensa e programas
jornalísticos.
No mesmo sentido, a imagem das pessoas como artistas, esportistas, políticos,
modelos, personagens históricos também sofre flexibilização, em face da
projeção de sua personalidade extrapolando os seus limites individuais para
projetar-se no interesse de toda coletividade.
(http://conjur.estadao.com.br/static/text/47827,1 )
Mas, nada impede que as celebridades possam eventualmente, sofrer violação
à imagem, como a utilização fora dos padrões sociais ou contratuais admitidos
ou fora do contexto jornalístico ou noticioso. (vide o link:
http://conjur.estadao.com.br/static/text/46770,1) Ou ainda:
(http://conjur.estadao.com.br/static/text/45253,1). E, ainda recentemente
http://conjur.estadao.com.br/static/text/34857,1.
É possível também a violação do direito à privacidade das pessoas públicas
quando penetrar em seu refúgio íntimo, é o que ocorre com os papparazzi.
É bastante difícil a delimitação do âmbito do direito à vida privada, em razão
das diferenças culturais, tradições, costumes entre os povos. A vida privada é
um refúgio impenetrável pela coletividade, assim como o domicílio. É o direito
de viver a sua própria vida em isolamento, não sendo exposto à publicidade
que não provocou e nem desejou.
São aspectos amorosos, sexual, religioso, familiar, sentimental de uma pessoa.
Gilberto Haddad Jabur preciosamente nos esclarece que “o direito à vida
privada posiciona-se como gênero ao qual pertence o direito à intimidade e o
direito ao segredo (...)”.
Elucidativo é artigo inserto no link:
http://conjur.estadao.com.br/static/text/45369,1
Convém ainda apontar o direito à intimidade como aquele que consiste em
resguardar dos sentimentos alheios as informações que dizem respeito apenas
Teoria Geral do Direito
28
ao titular, ao passo que o direito ao segredo é fundado na não-divulgação de
fatos da vida de alguém ((temos o sigilo bancário, sigilo fiscal, sigilo telefônico,
sigilo médico, sigilo da correspondência e, etc...).
Todavia é possível haver vulneração da vida privada mesmo sem resvalo à
imagem ou à honra (boa fama), em face da inviolabilidade da vida privada.
O direito À honra diz respeito ao prestígio social e ainda a própria idéia que a
pessoa tem de si mesma, daí, haver a honra objetiva e a honra subjetiva. O
direito à honra visa proteger o valor moral e íntimo do homem, como a
estimação e consideração social, bom nome ou a boa fama.
É conveniente enfatizar que a honra pode ser atingida de forma direta e frontal
como de forma indireta ou dissimulada, consistindo num abalo do conceito do
titular na família, política, no trabalho, nas atividades estudantis e, etc.
produzindo um dano extrapatrimonial reparável.
Em síntese, a honra objetiva encerra um conceito externo, é o que os outros
pensam de uma pessoa, ao passo que a honra subjetiva é a sua estima
pessoal, o que a pessoa pensa de si própria.
Já reconheceu a melhor jurisprudência que é possível concretizar-se dano à
pessoa independentemente da conotação média da moral social, pois a honra
subjetiva tem como termômetro próprio, inerente a cada indivíduo. É o decoro,
o sentimento de auto-estima, da avaliação própria que possuem valoração
individual, não se podendo negar esta dor de acordo com sentimentos alheios.
Todavia, não caracteriza violação à honra, a difusão de fato que diz respeito ao
interesse público, como a apuração de fatos criminosos (Vide LINHA DIRETA
programa da TV Globo), quando verdadeiros. Daí ser relevante a exceptio
veritatis que constitui meio para que se prove a veracidade dos fatos alegados.
O Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos
Humanos) que fora subscrito pelo Brasil reconhece também a proteção à honra
em seu art. 11, que também existe a mesma tutela na esfera criminal ao
capitular os crimes contra honra como calúnia, difamação e injúria.
O direito à integridade intelectual corresponde a proteção conferida ao
elemento criativo, típico da inteligência humana. Daí também proteger-se a
liberdade de pensamento e o direito ao invento, além do direito autoral
regulamentado pela Lei 9.610/98.
É salutar mencionar que os direitos da personalidade no âmbito intelectual são
incorpóreos, e, portanto, insusceptíveis de apreensão material. Descabe a
utilização dos interditos possessórios para sua defesa, conforme entendimento
cimentado na Súmula 228n do STJ.
Teoria Geral do Direito
29
A proteção de tais direitos se firmará por meio de tutela preventiva (tutela
específica prevista no art. 461 C.P.C.) ou de ação de reparação de danos ( que
é a tutela repressiva). Principalmente quando o dano estiver integrado a
conduta lesiva (in re ipsa), é o que sustenta Carlos Alberto Bittar.
Até mesmo na internet percebe-se a importância do estudo do direito de autor,
exigindo-se que a proteção jurídica das obras intelectuais esteja adequada ao
avanço tecnológico dos meios de comunicação. Protegem-se as obras e a
manifestação do intelectual do ser humano onde quer que se expresse (livro,
CD, DVD, vídeos e internet). Enfim, é a tutela da criação intelectual.
È direito sui generis, por conta de sua natureza híbrida, mista. Nos termos do
art. 22 da Lei 9.610/98 evidencia-se que o direito do autor é, ao só tempo,
direito de personalidade e direito real sobre bem imaterial.
Por seu caráter patrimonial o exercício do direito autoral permite sua
transmissão por ato inter vivos ou causa mortis. A cessão é presumidamente
onerosa e reconhece ao autor o direito irrenunciável À percepção, no mínimo,
cinco por cento sobre o preço de comercialização da obra (art. 38 da Lei de
Direitos Autorais).
O direito autoral é transmitido pelo prazo de setenta anos, contados de primeiro
de janeiro do ano subseqüente à morte do autor (art. 41 da Lei de Direitos
Autorais). Findo o referido período, a obra cai em domínio público. É o caso da
grande maioria das músicas clássicas, executadas nos cinemas.
A título ilustrativo convém ressaltar que o art. 4º, da Lei 9.609/98 a chamada
Lei do Software confere proteção aos programas de computador dispondo
pertencerem os direitos decorrentes dos programas desenvolvidos durante a
vigência do contrato ou do vínculo estatutário ao empregador, contratante ou
órgão público, salvo disposição em contrário.
A proteção e efeitos inclusive os patrimoniais do direito autoral independe de
qualquer registro, basta a mera menção de sua autoria para identificar a
titularidade. A defesa do direito autoral engloba até mesmo os direitos do
tradutor, e os direitos sobre a criação de programas de informática (software).
A liberdade de imprensa é o direito de livre manifestação de pensamento pela
imprensa, assegurada a informação pelos seus variados e diversos órgãos.
Abrangendo os diferentes meios de comunicação e informação.
Todavia, o exercício da informação não pode ser admitido em caráter absoluto,
ilimitado, sendo forçoso estabelecer limites ao direito de informar a partir da
proteção dos direitos da personalidade (imagem, vida privada, honra, intelecto)
com base fundamentalmente na tutela essencial da dignidade da pessoa
humana que possui status constitucional (art. 1º, III CF).
Teoria Geral do Direito
30
No plano da responsabilidade civil é salutar mencionar a Súmula 221 do STJ
que estabelece que cabível reparação do dano decorrente de publicação pela
imprensa , tanto o autor do escrito, quanto do proprietário do veículo de
divulgação.
Ademais, o valor de reparação civil por dano moral não pode estar adstrito a
valores previamente tarifados em diplomas legais (como tentam em vão fazer a
Lei de Imprensa e o Código Brasileiro de Telecomunicações), uma vez que
constitucionalmente está prevista a indenização por dano moral de forma
ampla e irrestrita.
A proteção dos direitos da personalidade prevista no art. 12 C.C. repete a regra
do artigo 5º da Lex Fundamentalis E NO ART. 461 do CPC e reconhece a
possibilidade de tutela repressiva e preventiva , autorizando a concessão de
provimentos judiciais reparatórios.
São previstas sanções jurídicas que se dirigem aos que violam os direitos da
personalidade, mediante a fixação de indenizações por danos não-patrimoniais,
bem como pela adoção de providências de caráter inibitório (tutela específica),
tendentes à obtenção do resultado equivalente, qual seja, o respeito aos
direitos da personalidade.
Deliberou o STJ que no sistema jurídico atual não se cogita da prova acerca da
existência de dano decorrente da violação aos direitos da personalidade,
dentre eles a intimidade, imagem, honra, reputação, já que , na espécie, o dano
é presumido pela simples violação ao bem jurídico titulado.
Em síntese, todo dano moral ou extrapatrimonial é decorrência de violação de
direito da personalidade, caracterizando prejuízo pelo simples atentado aos
interesses jurídicos personalíssimos, inerentemente, ente da dor e sofrimento
causados ao titular, que servirão de base para fixação do quantum
indenizatório.
Ressalte-se que os direitos da personalidade não estão submetidos a rol
taxativo, sendo aberta a sua previsão, a partir da cláusula geral protetiva da
dignidade da pessoa humana.
Caso interesse foi deliberado pelo primeiro Tribunal de Alçada Civil de São
Paulo sobre a indenizabilidade da violação À dignidade humana em caso no
qual o correntista foi impedido de adentrar a agência bancária por conta de
porta giratória, tendo sido atendido na rua, passando suas contas por baixo da
porta: “Dano moral. Indenização. Banco. Cliente que foi impedido de entrar na
agência bancária em virtude de porta detectora de metais, mesmo depois de
despojar-se de todos seus pertencentes. Atendimento que se deu pelo lado de
fora da agência, após o acionamento de forte esquema de segurança,
sujeitando-se o usuário a passar por debaixo da porta os documentos para
pagamento. Respeito à dignidade humana que não pode ser aviltada em nome
Teoria Geral do Direito
31
da segurança. Instituições bancárias podem adotar meios não vexatórios para
efetuar “revista” em seus clientes e usuários” (1º. TACiv. SP., Ac 1ª. Câm. De
Férias, ApCiv 943158-3, relator Juiz Plínio Tadeu do Amaral Malheiros, vm, in
RT 789:259).
Bem, o presente artigo não tem obviamente a pretensão esdrúxula de esgotar
o tema, mas apenas dar uma boa noção de sua complexidade e importância
para todo o ordenamento jurídico brasileiro e, em particular, para o atual Direito
Civil Contemporâneo que perde definitivamente sua feição puramente
privatística para adotar uma feição mais socializante e humanística.
22/09/2006
Ao fazer referência a esta obra, utilize o seguinte formato:
(de acordo com a norma da ABNT NBR6023-2002)
LEITE, Gisele. Considerações sobre personalidade, pessoa e os direitos da
personalidade no Direito Civil Brasileiro. Jus Vigilantibus, Vitória, 22 set. 2006.
Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/22594>. Acesso em: 16
mai. 2007.
Unidade IV: Breve digressão sobre as fontes de direitos
Resumo:
Sabe porque as fontes de direitos são tão importantes para o estudo jurídico?
Por que é a maneira mais fácil de se compreender, interpretar cabalmente a lei,
o costume, a doutrina , a jurisprudência, e quase todo o mundo jurídico...
Paira enorme celeuma em torno das fontes de direito, até que a doutrina
moderna resolveu aplacar a sanha conceitual e afastar os conceitos clássicos e
conclui que a conduta individual não é disciplinada somente pela lei, mas por
outras situações objetivas tais como o contrato, a vontade unilateral, a
sentença.
Tal doutrina coordena de maneira uniforme o fenômeno jurídico, e a aglutina
sobre a vontade, entendendo-a como manifestações de vontade tendentes a
produzir efeitos jurídicos. Fonte formal de direito então é o ato jurídico.
Se entendermos por fonte de direito como modos de formação e revelação das
normas jurídicas, não nos referimos estritamente ao direito objetivo e nem
tampouco de direito positivo.
Também se referem às fontes do direito como o fundamento de validade das
normas jurídicas, utilizado assim especialmente por Kelsen.
Também podemos compreender as fontes como causas geradoras ou
geratrizes das normas jurídicas e temos necessidade de recorrer às fontes, não
só diante dos casos concretos, mas precisamente diante das chamadas
Teoria Geral do Direito
32
“lacunas de lei”.
Mesmo o criador das leis (o poder legislador) tem necessidade de recorrer às
fontes do direito para escolher qual caminho a ser seguido no ato de legislar e
regular a realidade.
Mesmo os operadores de direito e os aplicadores do direito possuem igual
necessidade.
No entanto, o direito brasileiro apresenta expressamente como fontes de
direito: a lei, a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Inúmeras classificações incidem sobre as fontes, uns incluem a doutrina e a
jurisprudência como fontes, outros, todavia as excluem.
Kelsen usa o termo fontes de Direito para designar o sentido histórico, alude-se
assim ao Direito romano.
O Direito não consiste somente em uma técnica social para dirimir conflitos, é
ciência que se preocupa com a normatização do meio social e com o fim de
obter a paz social.
A previsão brasileira das fontes é feita no artigo quarto do LICC e faz supor
uma certa hierarquia entre estas.
As fontes exercem uma função de garantia contra o subjetivismo do juiz e
assim, garantir que a aplicação da lei atenderá aos critérios objetivos e,
portanto mais estáveis.
A Escola Realista do Direito entende que o juiz primeiramente encontra a
solução para o litígio e, depois procura justificação nas fontes.
A classificação tradicional divide as fontes materiais e fontes formais.
São materiais, no sentido sociológico aquelas fontes que determinam a
formação do direito objetivo, refletem as causas que determinam a formulação
da norma jurídica.
As fontes materiais são as que formulam a matéria das normas.
Já as fontes formais as que determinam a forma, os modos de revelação das
normas jurídicas.
Miguel Reale designa fontes de direito os processos ou meios em virtude dos
quais as regras jurídicas se positivam com legítima força obrigatória (com
vigência e eficácia) no contexto da estrutura normativa.
Teoria Geral do Direito
33
Para Reale, são fontes formais do direito são: o processo legislativo, a
jurisdição, os usos e os costumes jurídicos, o poder negocial ou da autonomia
da vontade.
Segundo Orlando Gomes só o costume e a lei indiscutivelmente são fontes
formais de direito tendo-se por base a previsão legal.
Caio Mário da Silva Pereira entende que as fontes de direito são a lei, a
analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
J. M. Leoni Lopes de Oliveira propõe a classificação de fontes (em materiais e
em formais). As materiais incluem-se as históricas, as orgânicas, as filosóficas
e sociológicas. As formais são: a lei, os usos e costumes, a jurisprudência e as
manifestações de vontade.
A grande polêmica surge quando um outro doutrinador não admite a criação de
normas jurídicas a partir da doutrina da jurisprudência dos princípios gerais do
direito e, etc...
A lei etimologicamente deriva do latim legere (ler).
Outros acreditam que deriva de ligare (ligar). De sorte, sendo sua origem ler ou
ligar, a lei é sem dúvida, a fonte primacial de direito.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, a expressão fonte é meio técnico de
realização do direito objetivo, assim tem uma acepção stricto sensu.
Descarta assim, portanto, as fontes de direito subjetivo.
Fontes históricas são aquelas que servem para demonstrar a origem histórica
de um instituto jurídico ou de um sistema, como o Digesto, as Institutas e as
Ordenações do Reino.
As fontes formais do direito correspondem à lei, a analogia, o costume os
princípios gerais de direito.
As não-formais são a doutrina e a jurisprudência. São fontes cognitivas ou
intelectuais.
Dentre as formais, a lei é a fonte principal e as demais são acessórias.
Entre as fontes diretas ou imediatas temos a lei e o costume que por si só
geram a regra jurídica; as indiretas ou mediatas correspondem à doutrina e a
jurisprudência.
O sistema jurídico brasileiro é normativista e, portanto, dá primazia à lei sobre
as demais fontes do direito.
Teoria Geral do Direito
34
Deduz-se que há uma hierarquia das fontes, até mesmo na expressão
enumerativa prevista em lei. As leis que emanam do Executivo tais como os
decretos e as medidas provisórias não são leis em sentido formal.
Lei em sentido formal é aquela emanada com todos os requisitos e
formalidades exigidas pela legislação para sua criação.
Lei no sentido material é aquela que além das formalidades legais para a
criação, contém um preceito geral e é imposta a todos.
As leis do Executivo não são leis no sentido formal, mas tão-somente no
sentido material contém um mandamento geral.
Em doutrina só se reconhece a qualidade de lei a que emana do Poder
Legislativo.
Dentre os requisitos da lei temos o interno traduzido na ratio (razão), a vis
obligandi (o valor normativo e obrigatório da lei), e os externos (a forma)
decorrentes da promulgação e publicação. São requisitos indispensáveis da lei
a sua generalidade, a sua forma escrita, a sua constitucionalidade e a sua
obrigatoriedade.
Costume é norma criada e imposta pelo uso social, é a mais antiga das fontes
do direito. Os romanos além do termo consuetudo (costume) empregavam as
expressões mores, para indicar os costumes em geral, e, mores maiorum, para
designar os costumes dos antepassados. O costume na verdade é o direito
não-escrito, mas se opõe mesmo ao direito legislado, ao legis laborem.
Costume jurídico, direito costumeiro ou direito consuetudinário define Coviello,
é a norma jurídica que resulta de uma prática geral constante e prolongada,
observada com a convicção, de que é juridicamente obrigatória. É a longa,
inveterata, diuturna, consuetudo dos romanos, sob a convicção de atender a
uma necessidade jurídica.
Seus requisitos de ordem externos ou materiais são a repetição do uso geral,
e, o outro de ordem interna ou espiritual é a opinio necessitatis, ou seja, a
convicção de sua necessidade. Costume é norma jurídica de geração
espontânea na consciência comum do poço e não editada pelo poder público.
Sua importância de caráter histórico é enorme vez que foi fonte originária do
direito. Pois que a lei escrita corresponde à fase posterior dento da evolução
jurídica.
Usos e costumes => Fatos => derivam efeitos jurídicos => direitos e
obrigações.
É maior no Direito Comercial a aplicação do costume, pois a própria lei
Teoria Geral do Direito
35
determina o recurso ao costume, embora o art. 2 do Regulamento 737 só se
possa invocar o costume em terceiro lugar, depois de recorrer à lei comercial e
à lei civil.
No Direito Penal moderno não tem acolhido o costume como fonte normativa
até em atenção ao princípio de que não haverá nenhum crime e nenhuma pena
sem lei preexistente, tal preceito é fundamental para a garantia dos direitos
fundamentais do homem.
No Direito Internacional as normas costumeiras possuem maior valor
determinado pela inexistência de Estado mundial, capaz de legislar. O
costume, juntamente com os tratados e convenções internacionais, é fonte
formal ou positivas de direitos e obrigações.
No Direito Civil, o costume é excepcionalmente admitido para suprir lacunas da
lei.O Código Civil de 1916 indicava que é possível a suplementação pelos usos
e costumes. É o caso, por exemplo, do art. 1.210 CC/1916 onde prevê que o
tempo da locação poderá ser regulado pelos usos locais.
Heinrich propõe uma classificação dos costumes: costume delegado, delegante
ou
derrogatório.
Delegado é aquele que surge através de delegação da lei, é autorizado pela lei
e correspondem ao costume secundum legem. Delegante é o costume é que
autoriza
a
lei,
a
faculdade
de
reger
determinada
conduta.
Derrogatório
é
o
correspondente
o
costume
contra
legem.
A importância do costume é tema de dois posicionamentos doutrinários
distintos, uma representada por Savigny e Joseph De Maistre, acentuam a
importância do costume e pretendem reduzir todo direito ao costume jurídico.
Já a segunda teoria, nega veemente o valor do costume, particularmente os
enciclopedistas como Diderot e D “Alembert e os voluntaristas. Onde a lei é um
valor absoluto onipotente, e a única fonte das normas jurídicas”.
A grande vantagem do costume sobre a lei é a sua adaptabilidade à realidade,
onde é mais dinâmico e mutável enquanto a lei é mais estática, rígida e
engessada. No dizer de Ihering o costume faz uma unidade com a vida social “.
Porém, o costume apresenta incerteza e obscuridade, enquanto a lei fixa
normas
em
termos
definidos”.
O costume é secundum legem quando a lei a ele se reporta expressamente e o
reconhece como obrigatório.(vide art. 1.192 CC). Alguns autores o incluem no
caráter do costume interpretativo, pois como esclarece o Código Canônico “o
costume
é
o
melhor
intérprete
da
lei”.
O costume praeter legem é o que socorre ante a omissão da lei, tem caráter
supletivo.
Teoria Geral do Direito
36
Já costume contra legem contraria a disposição dali e pode ocorrer então no
desuso (desuetudo) quando o costume simplesmente suprime a lei, é o
chamado
ab-rogatório
que
cria
nova
regra.
As legislações atualmente naturalmente negam a possibilidade do costume
contra lei escrita. Onde na LICC em seu art. 2: “Não se destinando à vigência
temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou a revogue.”
Pela teoria racionalista, legicista ou formalista rejeita-se a validade dos
costumes contra legem por sr incompatíveis com a função legislativa do estado
e a segurança que deve o Estado deve proporcionar aos cidadãos.
De outro lado, a orientação histórica, sociológica e realista sustentam que o
costume contra legem, isto, é aquele contraria eficazmente a lei escrita,
representa a revolta dos fatos contra os Códigos, constitui o verdadeiro direito
positivo
da
comunidade,
no
dizer
de
Vicente
Raó.
Jurisprudência
(iurisprudentia)
possui
várias
acepções:
Princípios gerais de direito aplicados em determinado sistema jurídico;
Lato sensu, é a ciência ou o conhecimento do direito, a Dogmática Jurídica;
Stricto sensu, é a interpretação dada pelos tribunais, o julgamento dos
precedentes judiciários; ou ainda, os julgados que abrangem a jurisprudência
uniforme, e nesse sentido, falamos em “firmar jurisprudência”.
É fonte do direito segundo J. M. Leoni de Oliveira, e pensando ao contrário está
Orlando Gomes, pois para este doutrinador o juiz é servo da lei e o julgado
produz
efeitos
somente
entre
as
partes.
Caio Mário entende que a jurisprudência é fonte do direito só em caráter
informativo ou intelectual do direito, tal qual a doutrina também o é.
Serpa Lopes também só vê fonte criadora do direito no Poder Legislativo.
Já Miguel Reale diverge dos demais e, entende que é fonte formal do direito, a
jurisprudência.
A jurisprudência é revelação do direito que se processa através do exercício da
jurisdição em virtude de uma sucessão harmônica de decisões dos tribunais.
O art. 127 do CPC admite ainda que o juiz decida por eqüidade nos casos
previstos
em
lei.
A jurisprudência diz o Direito em última instância, sendo que cabe ao STF a
Teoria Geral do Direito
37
interpretação
da
lei
“Lei
é
aquilo
que
os
juízes
São Tomás: “os homens recorrem ao juiz
maior
dizem
como à
que
justiça
(CF).
é”.
viva”.
Também a autonomia privada ou negocial, o contrato que pode criar, modificar
ou extinguir uma relação jurídica, ou seja, pode criar direito.
Contrato é a lei entre as partes, é tal preceito está presente no Código Civil
Italiano
e
o
Código
Civil
Espanhol.
Podemos entender que a manifestação de vontade é fonte, apesar de grande
parte da doutrina não entender que deva ser incluída como fontes do direito.
Caio Mário admite com cautela a concepção de que fonte do direito é o ato
jurídico.
Kelsen enxerga na transação jurídica é fato criador de direito se manifesta à
chamada autonomia privada das partes, contratos, pactos, atos jurídicos
unilaterais.
Carnelutti vê que o contrato é o terceiro dos institutos (ao lado da guerra e da
propriedade)
que
explicam
o
nascimento
do
direito.
Serpa Lopes: “só a lei é fonte do direito e, o ato jurídico é fonte por
conseqüência.”
Doutrina não é considerada quase unanimidade como fonte formal do direito,
assim entendem, Orlando Gomes e Caio Mário para quem a doutrina só pode
ser
considerada
fonte
histórica.
Esta noção prevalece até durante o direito positivado, principalmente no direito
medieval onde o juiz era considerado como escravo da lei. Admitimos, a
doutrina como fonte mediata, ou indireta ou intelectiva do direito.
A doutrina é conceituada por todos como as opiniões dos juristas manifestadas
em suas obras. No dizer de Pontes de Miranda é o direito científico ou o direito
dos
juristas.
Doutrina predominante sempre atua pela maioria dos tribunais principalmente
sobre
os
preceitos
indeterminados
ou
vagos.
De qualquer maneira quando tratarmos de fontes de direito queremos sem
dúvida
perquirir
a
origem
da
normatividade.
Unidade V: Considerações sobre bens na Teoria Geral do Direito
Os bens são objetos de direito e correspondem a tudo que pode ser
pecuniariamente estimado, ou seja, avaliado em dinheiro. São bens: os animais
em geral, energia elétrica, fotografias, dinheiro, jóias e outras coisas como
Teoria Geral do Direito
38
informação, tecnologia, segredos empresariais, cadastros e outros dados de
pesquisa.
Bem esclarece Gustavo Tepedino que o conceito de bem é histórico e
relativo. Vige polêmica acerca da diferenciação entre bens e coisas. E não é
unânime em doutrina tal distinção e, a própria legislação mantém aceso o
debate.
Juridicamente bens são quaisquer direitos passíveis de estimação econômica,
tais como, os direitos creditícios, obrigacionais, autorais e, outros. Também são
bens as participações societárias, os valores mobiliários, os bônus de
subscrição e os commercial papers.
Alguns autores definem coisa como tudo aquilo que pode satisfazer uma
necessidade de uma pessoa natural. Enquanto que a definição de bem é para
coisa útil ao homem enquanto economicamente valorável e suscetível de
apropriação.
É comum a confusão entre o conceito de objeto do direito subjetivo e o
conteúdo do direito subjetivo. O objeto do direito subjetivo é uma unidade
passiva de referência, confiada e submetida ao poder do sujeito de direito.
Enquanto que o conteúdo do direito subjetivo pode mudar, é a permanência da
sua base objetiva que lhe dá estabilidade através de suas diferentes
vicissitudes.
A priori, o objeto dos direitos subjetivos somente o homem, os animais e as
coisas utilizáveis. Ampliou-se modernamente e inclui também as chamadas
universitates rerum (universalidade de fato).
O objeto do direito subjetivo de uma relação jurídica creditícia, por exemplo, é a
conduta do obrigado. É impossível conceber um direito subjetivo sem objeto,
embora possa ser temporariamente indeterminado.
O conteúdo dos direitos subjetivos corresponde a um objeto imediato da
relação jurídica. Acertada e perspicaz é a crítica de Ascensão que explica
ponderadamente os elementos fundamentais com que o Direito trabalha e
preexistem a lei, como a realidade social.
São elementos jurídicos porque estão integrados na ordem jurídica, mas são
pré-legais, nesses estão incluídas pessoas, bens e as ações.
Francesco Messineo leciona que a noção de objeto é tudo aquilo que é
externo ao sujeito, ou seja, tudo que não é sujeito, e, portanto, tudo aquilo que
não possui personalidade.
Teoria Geral do Direito
39
A teoria dos bens ou coisas constitui a base dos chamados direitos reais. Com
o tempo, passaram também a ser considerados na categoria de coisas, ou de
bens os direitos, as prestações, as criações intelectuais e a energia.
O ar e o mar são coisas, mas não são bens juridicametne. Quando uma coisa
passa a ser objeto de direito e se define tecnicamente como bem.
A divergência vige em saber qual deve ser considerado como gênero: se a
coisa ou o bem. Há dois entendimentos doutrinários antagônicos, tanto no
direito estrangeiro como no direito pátrio.
Barbero entende que coisa é gênero, enquanto que bem é espécie. Parte-se
da noção que coisa é tudo que é exterior ao homem, inclui o apropriável e o
inapropriável.
Na doutrina pátria segue essa linha, Silvio Rodrigues. A diferença específica
está no fato de esta última incluir na sua compreensão a idéia de utilidade e
raridade, ou seja, a de ter valor econômico.
Coisa é tudo que existe objetivamente, com exclusão do homem. Bens são
coisas que, por serem úteis e raras, suscetíveis de apropriação e contêm valor
econômico.
Na lição de Serpa Lopes “sob a denominação de bens são designadas todas
as coisas que, podendo proporcionar ao homem uma certa utilidade, são
suscetíveis de apropriação privada.”
Todos os bens são coisas, mas nem todas as coisas são bens. Sob o nome de
coisa pode ser chamado tudo quanto existe na natureza, exceto a pessoa.
Mas como bem só considera aquela coisa que existe proporcionando ao
homem uma utilidade com o requisito de ser suscetível de apropriação.
Vicente Raó explica que alguns juristas preferem apontar como objeto de
direitos coisas, posto que é vocábulo de sentido amplo e ontológico que
abrange tanto coisas corpóreas como incorpóreas e, incluindo-se os direitos.
Mas acrescenta que as coisas se denominam bens ao adquirirem valor jurídico
e, serem reconhecidas pela ordem jurídica como objeto dos direitos subjetivos.
O conceito mais vasto de coisa deve-se a Teixeira de Freitas “é todo objeto
material suscetível de medida de valor”. Orlando Gomes pontifica que bem e
coisa não se confundem. O primeiro é gênero e o segundo é espécie.
Aduz ainda o mestre baiano que a noção de bem compreende o que pode ser
objeto de direito sem valor econômico, enquanto que a coisa restringe-se às
utilidades patrimoniais.
Teoria Geral do Direito
40
Na doutrina italiana, Messineo destaca o uso indiferente dos vocábulos coisa e
bem (vide Código Civil Italiano art. 1.708), no direito espanhol, Picazo e Gullón
assinalaram também o indiscriminado uso dos vocábulos (art. 333 do Código
Civil Espanhol).
O mesmo se dá com o direito português conforme destaca Ascensão (art. 202,
1º., do Código Civil português, onde coisa seria gênero e bem seria espécie).E,
foi seguido pelo velhusco Código Civil de 1916.
Destaca Moreira Alves que no direito romano em acepção vulgar, a palavra
“coisa” possui sentido amplo e abrange tudo o que existe na natureza ou que a
inteligência do homem é capaz de conceber.
J.M.Leoni Lopes de Oliveira oferece conceito de bem que é toda entidade
imaginável pelo homem que possa ser objeto de direitos.
Para Maria Helena Diniz, a coisa apresenta as seguintes características: a)
idoneidade para satisfazer a um interesse econômico; b) gestão econômica
autônoma; c) subordinação jurídica ao seu titular.
Os direitos como objeto de direito encontra o repúdio de Carnelutti na doutrina
italiana. Já na doutrina portuguesa Ascensão entende que o direito não pode
ser incluído como coisa, pois a noção de coisa é pré-legal enquanto que a
noção de direito é uma entidade jurídica.
Na doutrina alemã se reconhece a existência de direito sobre direito (Andreas
von Tuhr e Ludwig Ennerccerus).No direito brasileiro contemporâneo é
pacífico o entendimento doutrinária no sentido de admitir direito sobre direito, e
direito como bem.
Dessa maneira, coisa1 seria gênero que alberga o bem, que é espécie. Os
bens2 são coisas, porém, nem todas as coisas são bens.
O velhusco Código Civil de 1916 não fazia ostensiva distinção no tratamento
jurídico entre bem e coisa. Disso não discrepa o mestre baiano Orlando
Gomes, desfechando-se ser bem “toda utilidade, material ou ideal, que pessoa
incidir na faculdade de agir do sujeito”.
O saudoso e ímpar Caio Mário da Silva Pereira já lecionava ser bem “tudo
que nos agrada: o dinheiro é um bem, como o é a casa, a herança de um
parente, a faculdade de exigir uma prestação; bem é ainda a alegria de viver, o
pôr-do-sol, um trecho musical; bem é o nome do indivíduo, sua qualidade de
filho, o direito à sua integridade física e moral.”.
Se todos são bens, nem todos são bens jurídicos, esses são apenas aqueles
que preencham nossas exigências e desejos quando amparados pela ordem
jurídica. Em regra, todo direito subjetivo traz em seu objeto um bem jurídico.
Teoria Geral do Direito
41
Do conceito extraído do Dicionário de Direito Privado, grande doutrinador
italiano Scialoja: “Bens são todas as coisas que possam ser objeto de direito”.
Dizia o mestre italiano que aí estão inclusas, portanto, as coisas que ainda não
foram apropriadas por uma pessoa, as coisas que ainda não estão no seu
patrimônio, de forma que essa é definição de lato sensu em comparação a
anterior.
As relações jurídicas3 são formadas por três elementos clássicos, a saber,
sujeitos, objeto e vínculo. Note-se que o objeto é um bem sobre o qual recairá
o direito subjetivo do sujeito ativo, permitindo-lhe exigir do sujeito passivo o
comportamento esperado.
Os bens jurídicos podem ser ou não dotados de economicidade, de existência
material ou não.
É possível encontrar no objeto das relações jurídicas subjetivas, além dos bens
jurídicos economicamente apreciáveis, os atributos ou manifestações da
personalidade do próprio sujeito (direitos da personalidade)4 e as atividades e
serviços de natureza técnica ou intelectual (propriedade intelectual).
Na contemporaneidade requer-se uma nova acepção de bens e,
conseqüentemente, de propriedade em razão até das novas tecnologias,
descobertas científicas e necessidades sociais. O direito civil contemporâneo
disseminou fartamente a função social entre seus institutos.
Exemplos disso temos o time sharing (ou multipropriedade imobiliária),
programas de computador (software), know-how dentre outros que podem
figurar como objeto nas relações jurídicas.
Na oportuna lição de Carlos Alberto da Mota Pinto, para quem as relações
jurídicas subjetivas caracterizadas pela prestação onde se evidencia que o
objeto não é rigorosamente uma coisa (= res), mas sim, um comportamento do
devedor (obrigação de dar, de fazer ou de não fazer), significando uma
prestação.
Desse conceito percebem-se as características típicas das prestações: a
licitude, a possibilidade física e jurídica, e que seja determinada, ou pelo menos
determinável.
É certo que as prestações caracterizam o cerne da relação jurídica obrigacional
e podem ser objeto de direito das relações jurídicas subjetivas. Há a
possibilidade de direitos sobre direitos. Pode a relação jurídica ter por objeto,
um direito quando a faculdade de atuar é exercitada sobre um bem que por seu
turno é outra relação jurídica.
Teoria Geral do Direito
42
Aliás, o Código Civil Brasileiro de 2002 admite expressamente a existência de
direito sobre direitos5 como nos arts. 1.451(que anui ao penhor sobre direitos) e
art. 1.395 (usufruto de crédito).
Apenas os direitos passíveis de alienação ou transferência especialmente os
da esfera patrimonial podem ser objeto de relações jurídicas subjetivas. E o
exemplo comum é o usufruto de um crédito.
Normalmente os direitos não necessitam estar consubstanciados em um
documento formal e representativo, alguns não prescindem de representação
gráfica documental (tais como títulos de crédito) e que constituem bens móveis.
É possível sistematizar o objeto das relações jurídicas subjetivas em:
prestações, direitos e bens jurídicos que podem ou não conter expressão
econômica. (grifo nosso)
No que tange aos direitos potestativos, é curial lembrar que seu objeto será
sempre um comportamento do sujeito, através do qual se conseguirá a
produtividade dos efeitos jurídicos inclusive quanto a terceiros.
Tepedino assevera sobre a teoria dos bens que os bens da vida (lebensgüter)
quando submetidos à tutela jurídica, originando os bens jurídicos (rechtgüter)
tendo como referência certo interesse humano, em relação ao qual
corresponde uma situação jurídica atribuída a um titular assegurá-los.
E, conclui, empiricamente: “a coisa, tomada em sentido comum, é
conseqüentemente, porção da realidade anterior à qualificação jurídica e por
isso mesmo considerada noção pré-jurídica e neutra, constituindo o elemento
material do conceito jurídico de bem, este definido em tema de direitos reais,
como coisa em sentido jurídico, no âmbito dos objetos materiais suscetíveis de
medida de valor”.
Essa definição a luz do BGB (Código Civil Alemão) § 90º. Reconhece coisa
como espécie do gênero bem.
Caio Mário distingue bens de coisas com base na materialidade destas, em
contraposição à abstração daqueles. Washington de Barros Monteiro resume
toda celeuma assim: “Às vezes, coisas são gênero e bens, a espécie; outras,
estes são o gênero e aquelas, a espécie; outras, finalmente, são os dois termos
usados como sinônimos, havendo então entre eles coincidência de
significação.”
O Código Civil de 2002 ao cuidar de bens unificou a terminologia utilizada e
com exclusividade conceitua bens compreendendo os objetos materiais e
imateriais.
Teoria Geral do Direito
43
Explica Renan Lotufo que a expressão bens muitas vezes é usada como
sinômino de coisas, mas a palavra bens tem sentido mais amplo, pois refere-se
tanto a coisas quanto a direitos, e pode chegar a ter sentido de patrimônio.
Patrimônio6 é complexo de relações jurídicas apreciáveis economicamente
(ativas e passivas) de determinada pessoa (física ou jurídica). É a totalidade de
bens dotados de expressão econômica e pertencente a um titular, englobando
tanto os direitos reais quanto os direitos pessoais (obrigacionais).
Refere-se a bens apreciáveis economicamente, eis o porquê não engloba os
direitos de família puros e direitos da personalidade, ditos extrapatrimoniais. É
forçoso admitir que o patrimônio representa economicamente a pessoa, e é
vinculado à personalidade de seu titular, como forma de consubstanciar o
respeito à dignidade da pessoa humana, à honra, à vida, à saúde, etc.
O patrimônio global compõe-se de todas as relações jurídicas de uma pessoa
de cunho patrimonial. Tanto as situações jurídicas em que o sujeito encontra-se
no pólo ativo como no pólo passivo. Sempre, no entanto, são relações
susceptíveis de apreciação econômica.
Já quando cogitamos sobre patrimônio ativo, é noção mais estrita, reservada
somente às situações jurídicas em que o titular assume a posição do credor.
Patrimônio bruto diz respeito a todas as relações jurídicas em que o sujeito
está no pólo ativo, perfazendo um somatório de todos os direitos econômicos
de uma pessoa.
Enquanto que patrimônio líquido é resultante da operação aritmética pela qual
se subtraem as relações jurídicas passivas do chamado patrimônio bruto.
Diz-se que patrimônio é indivisível7 porque, ainda que conseguíssemos separar
os bens que formam o patrimônio, estes continuariam pertencendo à mesma
pessoa, assim, ainda que divididos todos os componentes do patrimônio, não
se teria a divisão do patrimônio, porque continuaria atribuído à mesma pessoa.
A relação jurídica entre o titular do patrimônio e os direitos e bens que o
compõem devem ser concebidos como um único todo, o que comprova, então,
a indivisibilidade do patrimônio.
Há interesse jurídico, nessa noção, por exemplo, quando no art. 748 CPC se
cuida da insolvência civil. É lapidar a lição de Alexandre Freitas Câmara,
grande processualista carioca que explica ser preciso três requisitos para o
reconhecimento da insolvência.
De prima facie, há um desequilíbrio patrimonial que se verifica quando os bens
do devedor são insuficientes para assegurar a satisfação de todas as suas
dívidas. Há também o requisito pessoa qual seja do devedor ser nãoTeoria Geral do Direito
44
comerciante (do contrário, é falido) e, por fim, o requisito jurídico, que é a
declaração judicial de insolvência (Cf. Lições de Direito Processual Civil,
volume II, p. 313).
Nem todos os bens do devedor poderão ser constritos judicialmente
(penhorados). Há a impenhorabilidade afirmada no art. 648 do CPC e pela Lei
8.009/90 (Bem de Família) e, ainda os arts. 1.711 a 1.722 do C.C. de 2002.
Averbe-se, finalmente que o patrimônio consiste em uma universalidade de
direitos8 conforme bem prevê o art. 91 do C.C. A tutela jurídica conferida ao
patrimônio não tem outra justificativa, senão a proteção da própria pessoa
humana que titulariza aquelas relações jurídicas.
Pela nova tábua axiomática proposta pela Constituição Federal do Brasil de
1988, a teoria do patrimônio mínimo da pessoa humana 9, conforme esclarece
Luiz Edson Fachin que a proteção de um patrimônio mínimo vão ao encontro
dessas tendências (de despatrimonialização das relações civis), posto que põe
em primeiro plano a pessoa e suas necessidades fundamentais.
Assim as regras jurídicas criadas para as relações intersubjetivas devem
assegurar permanentemente a dignidade da pessoa humana. Exemplos típicos
dessa proteção do patrimônio mínimo da pessoa podem ser apresentados
como a proteção do bem de família (Lei 9.009/90) e arts. 1.711 ao 1.722 do
CC/2002, com óbice da prodigalidade, vedação da doação da totalidade do
patrimônio sem que o resguardo mínimo (art. 548 CC) e com a previsão da
impenhorabilidade de certos bens (arts. 648, 649 do CPC).
Inspirada em Cáio Mário da Silva Pereira, concluímos que não se pode
admitir pessoa humana sem patrimônio. O conceito de mínimo patrimonial não
tem cifra mensurável matematicamente depende sempre do caso concreto
para ser devidamente delimitado.
Fábio Ulhoa Coelho ensina que o objeto do direito positivo é sempre uma
conduta humana. O objeto do direito subjetivo pode ser bens ou coisas não
valoráveis pecuniariamente.
A noção mais intuitiva de classificação de bens é a de bem imóvel, por ser a
imobilidade o fator mais visível e que se ressalta à primeira observação. Há
evidente superestimação dos bens imóveis fruto de resíduo histórico. E, nesse
sentido denunciavam Orlando Gomes e Caio Mário da Silva Pereira o
“fetichismo da coisa imóvel”, muito embora não se despreza o bem móvel,
sente-se ainda grande simpatia do legislador brasileiro pela nobreza legal do
imóvel.
Ainda em referência ao Código Civil de 1916, ressalta o doutrinador a
existência de rol de princípios que traduzia a supremacia do bem imóvel: i) sua
transmissão obedece a critério dotado de segurança e de solenidade; ii)
Teoria Geral do Direito
45
requer-se a outorga expressa do outro cônjuge para transmissão; iii) para litigar
sobre imóveis é necessária a anuência do outro cônjuge, e indispensável a
citação do marido e da mulher; iv) a prescrição aquisitiva é mais prolongada
para os imóveis do que para os móveis; v) só excepcionalmente pode ser
autorizada a alienação do imóvel integrado ao patrimônio de incapaz; vi) em
princípio, a hipoteca é reservada o bem imóvel.
A distinção entre bens móveis e imóveis é relevante também para a definição
da competência nas ações que versam sobre imóveis ou direitos a eles
relativos, estabelecendo-se o juízo competente de acordo com o local onde se
situa o bem imóvel (art. 95 CPC).
Com efeito, os bens podem ser corpóreos (casa, livros, automóvel) ou
incorpóreos (direitos patrimoniais, direitos de autor) e, também coisas não
precificáveis podem ter por referência algo material (embriões 10 congelados,
corpo), ou não (honra nome, privacidade).
Os bens considerados em si mesmos admitem uma classificação quanto à
mobilidade. Os bens podem ser imóveis (arts. 79 a 81 do C.C.) que não podem
ser removidos ou transportados sem a deterioração ou destruição.
Temos como bens imóveis por natureza ou por essência (art. 79 C.C.)
abrangem o solo, subsolo e o espaço aéreo. Tudo o que for incorporado a esse
bem, será classificado como bem imóvel por acessão. E poderá ser acessão
física industrial ou artificial.
Prevê ainda o Código Civil de 2002 o caráter de imóveis e não perdem esse
caráter (art.81): as edificações que, separadas do solo, mas ainda conservando
sua unidade forem removidas para outro local; os materiais provisoriamente
separados de um prédio, para nele se reempregarem (exemplo do tijolo que é
retirado da parede para instalação de ar condicionado e, depois, é reutilizado
como parte de um canteiro no jardim da casa).
Bem imóvel por acessão física intelectual é tudo que é empregado
intencionalmente para exploração industrial, aformoseamento e comodidade.
São bens móveis que foram imobilizados pelo proprietário, constituindo uma
ficção jurídica são chamados de pertenças11 essenciais.
Vige grande polêmica acerca essa modalidade de bens imóveis, pois uns
entendem que fora ou não banida do Código Civil de 2002 e, ratifica o
Enunciado 11 do CJF in verbis:
“Não persiste no novo sistema legislativo a categoria de bens imóveis por
acessão intelectual, não obstante a expressão.” Tudo quanto se lhe incorporar
natural ou artificialmente, constante no bojo do art. 79 do C.C.
Teoria Geral do Direito
46
Para Maria Helena Diniz e Flávio Tartuce por interpretação sistemática tal
modalidade persiste. Os bens imóveis por acessão física intelectual são
pertenças essenciais, ou seja, são bens móveis incorporados a imóveis.
Rastreando o pensamento de Orlando Gomes, as pertenças são coisas
acessórias destinadas a conservar ou facilitar o uso das coisas principais, sem
que destas sejam parte integrante12 (exemplos: as máquinas utilizadas em uma
fábrica, os implementos agrícolas, as provisões de combustível, os aparelhos
de ar condicionado).
Entende Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona que tal categoria está consagrada
no art. 93 do C.C. e, ainda traçam os caracteres da pertença. Quais sejam: um
vínculo material ou ideal, mas sempre intencional, estabelecendo por quem faz
uso da coisa e o fim m virtude do qual a põe a serviço da coisa principal; um
destino não transitório da coisa principal; uma destinação de fato e concreta da
pertença colocada a serviço do bem principal.
Os bens imóveis compreendem assim, o solo, com sua superfície, os seus
acessórios e adjacências naturais, compreendendo as árvores e frutos
pendentes, espaço aéreo e o subsolo. As árvores destinadas ao corte,
utilizadas pela madeireira, são consideradas bens móveis por antecipação.
Acessão significa incorporação, união física com aumento de volume da coisa
principal. Vale advertir não perderem a natureza de imóveis os materiais
provisoriamente separados de um prédio para nele mesmo se reempregarem
(exemplos: retiradas de telhas, reforma de vigas de sustentação e, etc.). Bem
como edificações que apartadas do solo, porém, conservando sua unidade,
forem removidas para outro local ( art. 81, I, II do C.C.).
Bens imóveis por determinação legal, onde não prevalece a natureza física do
bem, e, sim a vontade do legislador. Seriam os direitos reais sobre imóveis e as
ações que os asseguram, e o direito à sucessão aberta (art. 44 do C.C. e art.
80, I, II C.C.). Já não mais se incluem os títulos da dívida pública.
Bens móveis por sua própria natureza, pois são bens que sem deterioração de
sua substância podem ser transportados para outro local, mediante o uso de
força alheia. É o caso dos objetos pessoais (livros, roupas, carteiras, bolsas).
Bens móveis por determinação legal as energias de valor econômico, os
direitos reais sobre bens móveis e as ações correspondentes, os direitos
pessoais de caráter patrimonial e as respectivas ações (art. 83 C.C.).
Os bens semoventes13 possuem a mesma disciplina jurídica dos bens móveis
por natureza (art. 82 C.C.). Os navios e aeronaves são bens móveis especiais
ou sui generis necessitam de registro especial e admitem a hipoteca.
Teoria Geral do Direito
47
Quanto à fungibilidade, podemos classificar os bens em: infungíveis aqueles
que não podem ser substituídos por outros da mesma espécie, quantidade e
qualidade.
São chamados de bens personalizados ou individualizados, é conveniente
sublinhar que os bens imóveis são sempre considerados bens infungíveis.
Os veículos também são infungíveis e são identificados pelo número do chassi.
Às vezes, a infungibilidade pode ter origem na vontade do titular do bem. A
fungibilidade, ou não, de determinado bem, portanto, resulta de sua
individuação, mas nada obsta que a vontade das partes venha a tornar
infungíveis certas coisas fungíveis. Exemplo claro é a cesta de flores de
cerimonial nupcial que é usada para ornamento ou um livro autografado pelo
seu autor.
Bens fungíveis são aqueles preceituados no art. 65 C.C., podem ser
substituídos por outros da mesma qualidade e quantidade. Na sua maioria, os
bens móveis são fungíveis, mas podem ser infungíveis como os automóveis, as
obras de arte em geral. Só a guisa de ilustração, o contrato de mútuo constitui
a cessão gratuita de coisas fungíveis (empréstimo de consumo) enquanto que
o comodato é o contrato gratuito que institui empréstimo de coisas infungíveis
constituindo-se empréstimo de uso.
O credor de coisa infungível não pode ser obrigado a receber outra coisa ainda
que mais valiosa, é o que prevê explicitamente o art. 313 do Código Civil de
2002.
A classificação quanto à consuntibilidade14, nos trazem os bens consumíveis e
inconsumíveis. É curial ressaltar que o consumo do bem implica em sua
destruição, a consutibilidade é física (e fática). Se o bem pode ser ou não ser
objeto de consumo, se pode ou não ser alienado, a consuntibilidade é jurídica
(ou de direito).
Maior pertinência possui o critério da consutibilidade física, portanto. Bens
consumíveis são bens móveis cujo uso importa em sua destruição imediata
(art. 86 C.C.). Admitem apenas uma utilização, perecendo logo em seguida. Os
bens destinados à alienação também são consumíveis.
Bens inconsumíveis são os que permitem reiteradas utilizações, retirando-se
dele utilidade sem lhe acarretar deterioração. A qualidade vista no sentido
econômico.
Não se pode confundir fungibilidade com consuntibilidade. O bem pode ser
consumível e ao mesmo tempo ser infungível, como por exemplo, a última
garrafa de um vinho famoso. Como também é possível o bem ser inconsumível
e fungível, caso de uma ferramenta ou de um simples talher.
Teoria Geral do Direito
48
O art. 26 do CDC nos traz a baila outra classificação quanto à consuntibilidade,
física ou fática. Aliás, pela legislação consumerista os produtos ou bens podem
ser divididos em duráveis e não-duráveis. Sendo os duráveis aqueles que não
desaparecem facilmente com o consumo. Tal fato é relevante, pois os prazos
para reclamação de vícios podem variar de 90 a 30 dias, a contar da tradição
(se tratando de vício aparente) ou do conhecimento do vício (quando se tratar
de vício oculto).
Ainda temos a classificação que prevê os bens divisíveis e indivisíveis (art. 87
C.C.). São indivisíveis aqueles que não podem ser partilhados comodamente
posto que isto acarretaria desvalorização ou perda das suas qualidades
essenciais do todo.
A indivisibilidade pode decorrer da natureza do bem, mas também de
imposição legal ou ainda da vontade do proprietário (convencional). O típico
exemplo de indivisibilidade legal é a de herança que permanece uma até a
partilha (art. 1.784 C.C.) e, o de convencional está presente no art. 1.320 CC,
mas tal estado de indivisão convencional ou voluntária não poderá exceder a
cinco (5) anos.
Quanto à individualidade temos bens singulares ou individuais (art.89 C.C.) e
podem ser simples (como um cavalo, por exemplo) ou compostas (quando a
coesão decorre do engenho humano, como por exemplo, um carro, um avião
ou um relógio).
Há ainda, os bens coletivos que são constituídos de vários bens singulares que
estão agregados num todo. Os bens universais decorrem de uma união fática
ou jurídica. Temos as universalidades de fato onde os bens singulares,
corpóreos e homogêneos são ligados entre si pela vontade humana e possuem
utilização unitária.
É o caso do art.90 C.C. É o caso de uma alcatéia, biblioteca, pinacoteca, etc...
Já as universalidades de direito se traduz por ser conjunto de bens singulares
tangíveis ou não, a que uma ficção legal, com intuito de produzir certos efeitos
dá uma unidade individualizada. Exemplos: massa falida e outros entes
despersonalizados.
Os bens ainda podem ser principais ou independentes (art. 92 C.C.) e bens
acessórios ou dependentes que cuja existência e finalidade dependem de um
outro bem, denominado bem principal.
Há um vigoroso princípio geral de direito civil15 que se aplica aos bens
acessórios, outrora previsto no art. 59 do C.C. de 1916 e que não foi
reproduzido in litteris no novo codex, mas que continua emergente e vigente
em diversos dispositivos legais.
Teoria Geral do Direito
49
São bens acessórios os frutos, produtos, pertenças, partes integrantes,
benfeitorias.
Frutos são bens acessórios que têm sua origem no bem principal, mantendo a
integridade desse último, sem diminuição de sua substância ou quantidade.
E podem ser classificados em: naturais16 (decorrentes da natureza), industriais
(decorrentes da atividade humana) e, frutos civis.
Os frutos civis17 são decorrentes de uma relação jurídica econômica de
natureza privada também chamados de rendimentos. É o caso de valores
recebidos de aluguel, juros de capital, multas e dividendos de ações.
Quanto ao estado ainda podemos classificar os frutos como pendentes (ligados
ao principal e ainda não colhidos); frutos percebidos (já separados e colhidos
do principal); frutos estantes (colhidos e armazenados); frutos percipiendos
(que deviam ser colhidos mas não o foram) e frutos consumidos (já colhidos e
que já não existem mais).
Produtos são bens acessórios que saem da coisa principal, diminuindo a
substância principal.
Benfeitorias são bens acessórios introduzidos em um bem móvel ou imóvel sua
classificação remonta ao direito romano (art. 96 do C.C. de 2002). Temos as
necessárias são essenciais ao bem principal e visam conservá-la ou evitar sua
deterioração.
As úteis são as que aumentam ou facilitam o uso da coisa e as voluptuárias
são as de mero deleite, de mero luxo apenas tornam mais agradável o uso da
coisa.
A classificação das benfeitorias pode efetivamente variar conforme a
destinação ou localização do bem principal. Não se pode confundir o conceito
de benfeitorias com o de acessões conforme os termos do art. 97 do C.C. que
são incorporações introduzidas em outro bem, seja pelo proprietário, possuidor
ou detentor.
Com relação ao titular do domínio, os bens podem ser particulares (ou
privados) e públicos (ou do Estado). Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona
conceituam os bens privados por exclusão como aqueles que não pertencem
ao domínio público, e sim, a iniciativa privada.
Já os bens públicos pertencem à entidade de direito público interno (União,
Estados, Distrito Federal, Municípios, entre os outros previstos no art. 98 C.C.).
E podem ser classificados:
Bens de uso geral ou comum do povo (previstos no art. 99, I C.C.) são
destinados à utilização do público em geral, sem permissão especial. È o caso
Teoria Geral do Direito
50
das praças, jardins, ruas, estradas, mares, lagos, rios, praias, golfos entre
outros.
O meio ambiente ou bem ambiental é espécie do gênero bem público de uso
geral do povo, mas com natureza difusa e não pública. Os bens de uso
especial são previstos no art. 99, II do C.C. são os edifícios e terrenos
utilizados pelo próprio Estado para execução de serviço público especial,
havendo uma destinação especial, que é chamada afetação. São bens de uso
especial os prédios e repartições públicas.
Os bens dominicais ou dominiais são previstos no art. 99, III do C.C. são partes
do patrimônio disponível e alienável da pessoa jurídica de direito público
incluindo móveis quanto imóveis. São exemplos, os terrenos de marinha, as
terras devolutas, as estradas de ferro, as ilhas em rios navegáveis, os sítios
arqueológicos, as jazidas minerais, o mar territorial e outros (art. 66, III, art. 9,
III C.C.).
Odete Medauar adverte que “o ordenamento brasileiro inclina-se à
publicização do regime dos bens pertencentes às empresas públicas,
sociedades de economia mista e entidades controladas pelo Poder Público”.
Cumpre destacar a mensagem contida no parágrafo único do art. 99 do C.C.
que dispõe, “não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os
bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado
estrutura de direito privado”.
Por exclusão, o que não pertencer ao domínio federal, estadual, ingressa no
patrimônio público municipal.
Os direitos da pessoa jurídica de direito público sobre seus bens são
imprescritíveis. Daí, impossível usucapi-los conforme prevê o art. 191 da CF,
art. 102 do C.C.
Por derradeiro, temos o bem de família inspirado no homestead18 existe em
duas modalidades: a de forma convencional que é o chamado bem de família
voluntário decorrente da vontade dos chefes da família conforme o
procedimento previsto nos arts. 260 a 265 da Lei 6.015/1973 (Lei de Registros
Públicos), ou seja, por meio de escritura pública ou testamento e com a devida
publicação em imprensa oficial.
Tal modalidade terá que respeitar o limite máximo de 1/3 de todo patrimônio
líquido familiar e sua impenhorabilidade, inalienabilidade durarão enquanto
viverem os cônjuges ou até que os filhos atinjam a maioridade( 18 anos).
Tal proteção é aplicável a qualquer entidade familiar seja esta oriunda de
casamento, união estável, concubinato, família monoparental ou por adoção.
Teoria Geral do Direito
51
A impenhorabilidade in casu não trata a lei da inalienabilidade do bem abrange
além do imóvel residencial, também as construções, plantações, benfeitorias
de qualquer e todos os equipamentos, inclusivo, de uso profissional, ou móveis
que guarneçam a casa, ressalvados, os veículos, obras de arte e adornos
suntuosos.
Discute-se se a impenhorabilidade do bem de família se estende até os bens
móveis. Têm sido tidos também como impenhoráveis por força da Lei 8.009/90,
incluindo a garagem do apartamento residencial.
O norte hermenêutico indica que a qualificação de bem de família não deve se
restringir ao apenas indispensável para a subsistência, mas sim, ao necessário
para uma vida familiar digna.
A impenhorabilidade conferida pelo art. 3º, da Lei 8.009/90 é oponível a
qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista, ou de
outra natureza, salvo se movido por créditos trabalhistas, títulos de créditos
decorrentes do financiamento ou aquisição do imóvel; do crédito relativo a
pensão alimentícia, para cobrança de impostos predial ou territorial, taxas
condominiais e outras devidas em função do imóvel familiar.
Portanto, a impenhorabilidade não é absoluta. Impostos como o IR e o ISS não
autorizam a Fazenda Pública solicitar penhora do bem da família. Também são
exceções à impenhorabilidade do bem de família: para a execução de hipoteca
sobre imóvel oferecido como garantia real; ou por ser o imóvel produto de
crime ou execução de sentença penal condenatória de ressarcimento ou
perdimento de bens. E ainda, a Lei 8.245/91 correlaciona outra exceção
relativa à obrigação decorrente de fiança no contrato locatício.
Já o bem de família legal por força da Lei 8.009/90 é automático não possui
limitação patrimonial. Existindo entendimento simulado que o devedor poderá
invocar a proteção legal, mesmo que a penhora ocorra antes de 1990 (Súmula
205 STJ).
Outro fato relevante que a instituição do bem de família visa proteger mesmo o
patrimônio da pessoa solteira, casada, viúva, desquitada e divorciada. E nesse
sentido já opinou o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.
Coisas ou bens fora do comércio19 ou inalienáveis consistentes naqueles que
podem ser negociados. Podem ser inapropriavéis pela própria natureza (tais
como o mar, ar e a luz solar) são conhecidas como res communes omnium
(coisas comuns a todos). Não são exatamente coisas por lhe faltarem o
requisito de ocupabilidade.
Bens legalmente inalienáveis embora materialmente apropriáveis, possui sua
comercialização vedada por lei para proteger interesses econômico-sociais e
promover a escorreita proteção das pessoas. É o caso dos bens públicos de
Teoria Geral do Direito
52
uso comum do povo, dos bens dotais, terras ocupadas por índios e o bem de
família.
Há bens inalienáveis pela vontade humana, por atos jurídicos gratuitos,
gravando o bem com a cláusula de inalienabilidade e impenhorabilidade.
Por fim, temos a res nullius, coisa de ninguém que não pertence a nenhum
titular, mas poderá pertencer, por exemplo, através da ocupação.
´
E, ainda temos a res derelictae20 que á coisa abandonada, decorrente do
abandono voluntário de seu titular. Sendo distinta da res desperdita ou a coisa
perdida (involuntariamente) que continua abstratamente a pertencer ao
patrimônio de seu titular.
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http://
jusvi.com/doutrinas
_
e_
pecas/ver/223634>
Adendos sobre o texto de bens.
1.Coisa ou cousa é tudo quanto existe na natureza sensível ou nosso
pensamento isola no mundo das idéias (Bonfante, Corso di Diritto Romano II,
p.3 e Girard Droit Romain, p. 260).
Só interessa ao Direito as coisas como objeto dos direitos.
O termo latino para designar coisa é res ou pecunia, mas res tem sentido mais
amplo do que pecunia, pois abrange também as cousas que estão fora do
patrimônio, ao passo que pecunia (pecunia numerata), mas também os móveis
e os imóveis e até os direitos correlatos.
Coisas corpóreas segundo Zenão e os filósofos estóicos não é só o que se
pode ver e tocar, mas também o que se pode sentir, como a voz humana.
Sêneca chama as coisas incorpóreas de intelectuais.
Teoria Geral do Direito
54
Gaio transportou para suas Institutas que distribuem coisas em corpóreas e
incorpóreas e dizem que as primeiras são coisas tangíveis, exemplo: terreno,
escravo, ouro, prata.
As coisas intangíveis consistente em direitos como a sucessão (in
successionis), o usufruto, as obrigações. As Institutas de Justiniano e o Digesto
perfilham essa classificação estranha ao antigo direito romano.
Materialmente todas as coisas são divisíveis, porque se pode levar a divisão
delas, pelo menos teoricamente, além do átomo. A divisibilidade que cogita o
direito é sob aspecto econômico. São divisíveis as coisas que se podem dividir
em partes distintas e homogêneas, conservando cada uma, valor mais menos
proporcional com o todo. Indivisíveis são as coisas em que isso não se verifica:
um terreno, uma barra de metal, uma peça de fazenda são coisas divisíveis; Já
um escravo, uma estátua, um moinho são coisas indivisíveis.
Rigorosamente todas as coisas são consumíveis pois o tempo tudo gasta ou
destrói. O conceito jurídico de consumibilidade é inspirado no fato de que as
coisas se destroem com o uso normal delas. Exemplos: os alimentos, as
bebidas, o óleo, a lenha (consumibilidade física) ou que se destinam à
alienação, como dinheiro, os livros e as mercadorias expostas à venda
(consumibilidade jurídica) porque, uma vez alienadas, de certo modo, se
extinguem para o proprietário.
As coisas fungíveis são aqueles que não se avaliam individualmente, mas
genericamente, contando, pesando ou medido. Os romanos chamavam-nas res
quae pondere numero mensurave constant; expressão exata porém prolixa,
vindo um jurista alemão do tempo da Renascença Ulrico Zásio criou para
substituí-la a locução bárbara res fungibilis tirado de um texto de Paulo, onde
se diz, com referência as coisas que se pesam, se contam ou se medem que,
quando são da mesma espécie, fazem as vezes uma da outra; in genere suo
functionem recipiunt.
A expressão coisas fungíveis apesar de criticada pro sua origem espúria sob
ponto de vista filológico, teve fortuna brilhante, pois se perpetuou na doutrina e
legislações modernas.
As coisas consumíveis coincidem com as fungíveis (cereais, vinho, óleo,
dinheiro) e essa coincidência tem induzido a erro dos conceitos que tais
expressões traduzem. Mas as coisas consumíveis e inconsumíveis, de um
lado, e as coisas fungíveis e infungíveis de outro lado, discriminam-se por
caracteres bem nítidos:
a) a fungibilidade é como bem ensina Clóvis Beviláqua, uma idéia de relação,
é o resultado da comparação de duas coisas que se consideram equivalentes,
ao passo que consumibilidade das coisas é uma qualidade própria delas
(consumo natural) ou decorrente do seu destino (consumo jurídico); são, pois,
predicados diferentes que se atribuem às coisas por motivos diversos: não há
coincidência teórica entre as duas categorias;
Teoria Geral do Direito
55
b) as coisas fungíveis, visto serem consideradas no seu gênero, são
imperecíveis; ao passo que as coisas consumíveis são perecíveis por
definição;
c) a distinção entre coisa consumível e fungível ressalta nítida, quando uma
coisa desta última qualidade se infungibiliza, exemplo: quando o ato jurídico
tem por objeto vinho de certo tonel: nesse caso o vinho é coisa fungível, mas
consumível; inversamente, os exemplares da mesma edição de um livro, numa
biblioteca, são fungíveis, mas inconsumíveis.
2.Bem é tudo aquilo que nos traz uma satisfação. Temos bens jurídicos, isto é,
aqueles que são efetivamente protegidos pela lei, e bens não jurídicos, ou seja,
aqueles que, em razão de sua pouca importância, não são tutelados pelas
normas jurídicas. Os bens jurídicos podem ser econômicos ou não
econômicos.
3. Relações jurídicas relações jurídicas possuem elementos constitutivos:
elementos subjetivos (sujeitos de direito, credor e o devedor); elemento objetivo
e imediato que é a prestação; elemento imaterial, virtual ou espiritual: (vínculo
existente entre as partes).
Todas as vezes em que uma relação social é especialmente qualificada pela
norma jurídica, chamamos de relação jurídica. No seio da relação jurídica, pode
se estabelecer, francamente, uma dependência qualquer, entre uma coisa e a
vontade de uma pessoa, mas esta dependência, esse interessem que pode
prender a coisa ao homem, não faz parte da relação jurídica.
Na relação jurídica temos sempre em vista dois homens ou pluralidade destes.
Encontram-se dois elementos: um direito e um dever. O dever contido nesta
está qualificado por uma norma de comando. O dever é o elemento
fundamental e básico da relação jurídica.
4. Direitos de personalidade vide o artigo no link:
http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/22594
(direito à vida, direito à integridade física, direito à integridade psíquica, direito à vida e
o direito à morte digna).
5. Direitos sobre direitos, por exemplo: legado de alimentos, usufruto de
crédito, penhor de créditos.
6. Só uma coisa permite que o patrimônio se separe do homem enquanto titular
e, esta é, para pessoa natural, a morte.
Teoria Geral do Direito
56
7. Indivisibilidade natural ou física e a indivisibilidade jurídica. A rigor, todas as
coisas e bens são divisíveis, é critério da economicidade e da utilidade que vai
decretar a classificação de divisíveis e indivisíveis. Há também a chamada
indivisibilidade convencional que só pode durar no máximo 5 (cinco) anos.
8. Na universitas iuris temos coisas e direitos, mas mesmos as coisas
corpóreas são consideradas sob o ângulo dos direitos que se tem, sobre elas.
Não se considera o bem, mas o direito à propriedade que se tem sobre estes.
9. Teoria do patrimônio mínimo da pessoa Luiz Edson Fachin – vai ao encontro
dessas tendências: põe em primeiro plano a pessoa e suas necessidade
fundamentais.
Caio Mário "Não se pode admitir pessoa humana sem patrimônio".
Exemplos contundentes da adoção dessa teoria:
a) bem de família;
b) óbice à prodigalidade (vedada a doação da totalidade do patrimônio, sem
que seja resguardado um mínimo );
c) impenhorabilidade de determinados bens (CPC 648 e 649).
10. Vige tormentosa discussão apesar da Lei de Biossegurança se o embrião
criogenizado é objeto de direito ou sujeito de direito. A maioria da doutrina
entende que é objeto de direito. No entanto, se implantado no útero materno,
após a nona semana, se torna nascituro e já goza de expectativa de direito e
de direitos futuros, e da tutela de seus direitos potenciais.
11. Pertenças (têm existência própria) - bens que não constituem partes
integrantes destinam-se de modo duradouro ao uso, serviço, ou
aformoseamento de outro.
Ex: art. 93 C.C. - tapetes de um prédio; máquinas e ar-condicionado de uma fábrica –
não seguem a sorte do principal – art. 94 C.C.
12. De acordo com Maria Helena Diniz são bens acessórios que estão unidos ao bem
principal, formando com este último um todo independente. As partes integrantes são
desprovidas de existência material própria, mesmo mantendo sua integridade. Exemplo:
a lâmpada em relação ao lustre.
13. Diz-se da coisa animada que, movimentando-se por si só, é suscetível de afastar-se
de determinado lugar. São bens móveis.
14. Consumíveis (bens cujo uso importa destruição imediata da coisa- alimentos) e
inconsumíveis (livro- bens que admitem uso constante).Consuntibilidade natural e
consuntibilidade jurídica ou de direito (parte final do art. 86- roupa colocada à venda
na loja).
O exemplo melhor de coisa consumível é o alimento. Só há uma maneira de usá-lo que
é consumi-lo. O dinheiro, por exemplo, questiona com vigor San Tiago Dantas, é
Teoria Geral do Direito
57
consumível ou inconsumível? Se considerá-lo , tendo em vista o patrimônio daqueles
que o gastam, pode-se dizer que é consumível, mas, se o considerar-se como coisa em
si, ele é inconsumível porque em torno das transações, este apenas se desloca, de mão
em mão sem perder sua integridade e seu valor.
15. Os acessórios seguem o principal embora não repetido no C.C. de 2002, está
presente em muitos outros dispositivos legais do mesmo diploma legal.
16 e 17. Frutos – utilidades produzidas com periodicidade pelo principal e sua
percepção não altera a substância do bem.
Espécies: civis (rendimentos); naturais (provêem da força animal ou vegetal);
industriais (decorrem da ação humana)/ pendentes (ainda unidos à coisa);
percebidos ou colhidos ( já separados da coisa, mas ainda existentes);
estantes (já separados e estocados); percipiendos (deveriam ter sido
separados e não foram); consumidos (frutos que não mais existem).
Atenção art. 1215 C.C.! Frutos naturais e industriais são percebidos com a separação
da coisa e os civis dia-a-dia (sem necessidade de ato material).
18. Bem de família – Princípio da responsabilidade patrimonial do devedorart. 591 CPC - o devedor responde com o seu patrimônio presente e futuro.
Exceções (bens excluídos do cumprimento das obrigações: 648 e 649 CPC e
bem de família)
=>preserva bens do patrimônio do devedor = valor mais elevado: proteção da pessoa
humana, art. 1, III, da CF (teoria do patrimônio mínimo).
Dualidade de regimes: a) Bem de família convencional (arts. 1711 a 1722 CC).
Pressuposto: solvência do instituidor => ineficaz em relação aos credores que tenha no
momento da instituição
Características:
.Impossibilidade de ter o prédio destino diferente, não podendo nem mesmo ser
alienado sem consentimento dos interessados;
.Instituição mediante testamento ou escritura pública, constituindo-se pelo
registro no Cartório de Imóveis (RGI);
.Não pode ultrapassar um terço do patrimônio líquido do instituidor;
.Só admite a penhora em casos restritos: tributo devido em razão do próprio
bem (IPTU, p. ex) e dívidas de condomínio;
.Efeito de impenhorabilidade e inalienabilidade (art. 1714)
.Novidade arts. 1712 e 1713: abranger valores mobiliários (créditos por
dinheiro, ações, debêntures, obrigações, títulos negociáveis, etc) cuja
renda venha a ser aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.
Teoria Geral do Direito
58
.Legitimação para instituição: casal e terceiro- art. 1711 caput e par. único e art.
1714;
.Duração: não há extinção pela dissolução da entidade familiar (1721); extingue
com a morte de ambos os cônjuges e maioridade dos filhos desde que não
estejam sob curatela (art. 1722). E se morrer só um cônjuge? Art. 1721, par.
único.
.Intervenção do MP => Novidade (arts. 1717 e 1719) Não precisa existir
incapaz ou ser disposição de última vontade.
.Intervenção obrigatória do MP em questões de ALIENAÇÃO, EXTINÇÃO OU SUBROGAÇÃO do bem de família (no bem da família legal a intervenção é tb. obrigatória –
velar pela fiel efetivação da lei) => falta de intimação = nulidade obrigatória (art. 246,
CPC)
.b) Bem de família legal ou obrigatório (Lei 8009/90)
art. 1º., da lei 8009/90=> garantia do domicílio: direito social (art. 6, CF).
Características:
.Se possuir mais de um imóvel o bem de família é o de menor valor, mesmo
que resida no mais valioso;
.Independe da vontade do titular => traz o benefício apenas da
impenhorabilidade (não só do imóvel, móveis que guarnecem o lar, desde que
quitados, plantações, benfeitorias, etc);
.Súmula 205 STJ = entendeu-se que não viola o direito adquirido do credor
exeqüente, aplicando-se à penhora realizada antes de sua vigência;
.Art. 2 não são alcançados pela impenhorabilidade: veículos de transporte,
obras de arte e adornos suntuosos;
.Exceções à regra da impenhorabilidade: art. 3. Observação: Inciso IV inclui
taxa de condomínio (STJ); Inciso VII - permite a penhora do imóvel que serve
de moradia para o fiador STF - reconhece a constitucionalidade apesar da
doutrina criticar (viola isonomia:trata diferente duas obrigações com igual
fundamento).
.Ampla compreensão de família: irmãos, tio e sobrinho, avós e netos, uniões
homoafetivas, etc.
.Momento adequado de alegação: embargos do devedor. A qualquer tempo até
nas instâncias extraordinárias e ex officio pelo juiz (ordem pública).
Jurisprudência selecionada:
Agravo de Instrumento. Ação de execução. Penhora. Bens que guarnecem a casa do
devedor solteiro e que mora sozinho. Inviabilidade. A lei 8009-90, além de proteger a
Teoria Geral do Direito
59
família do devedor, destina-se, também, a resguardar a dignidade da moradia deste (TJRS, Ac. 2 Cam. Especial Cível, j. 28.06.01)
19.Coisas extra commercium são insusceptíveis de apropriação particular ou
alienação; coisas in commercio são aquelas a respeito das quais não se
verifica essa impossibilidade. As coisas da primeira categoria dividem-se em
res divini iuris e res humani iuris.
A res divini iuris subdividem-se em res sacrae, res religiosae e res sanetae.
A res sacrae eram coisas sagradas (templos e objetos do culto) consagradas
aos deuses superiores considerados seus proprietários, na época pagã e a
Deus, na época cristã, em que pertencem às igrejas.
A res religiosae eram coisas deixadas para os manes ou deuses inferiores, que
eram as almas dos defuntos divinizadas pela morte, a quem se acreditava que
essas coisas pertenciam. Consistem praticamente nas sepulturas, onde se
acreditava que os manes moravam e que por isso se subtraíam ao comércio
dos vivos.
Na época cristã não havia essa crença, mas, no entanto, a sepultura não
perdeu o caráter religioso e inalienável, decorrente agora do respeito aos
mortos. Era res religiosa tanto a sepultura do cidadão romano como a de um
escravo, pois a morte dizia Cícero apaga as diferenças que a fortuna
estabelece entre os homens. Mas esse nivelamento post mortem não se
estendia ao estrangeiro cuja sepultura poderia ser profana e podia ser
impunemente violada.
Quanto ao cadáver se fosse despedaçado, as diversas partes enterradas em
lugares diversas, somente ficava sendo religioso o lugar onde se achava
inumada a cabeça.
Outra coisa religiosa é o cadáver humano que podia ser objeto de relações
jurídicas patrimoniais, é o que nos indica Scialoja.
No Oriente tolerava-se uma prática abusiva onde cabia o seqüestro de cadáver
do devedor pelo credor. Não significa penhora do cadáver, mas apenas um
recurso indireto para constranger os herdeiros a pagarem ou garantirem a
dívida, pois se acreditava que enquanto não sepultassem o devedor, eles
seriam perseguidos pelos seus manes e não teriam paz. Justiniano condenou,
proibiu e puniu tal praxe bárbara.
Res sanctae diziam-se daquelas que estavam sob a proteção especial dos
deuses; eram os muros, portas das cidades, e, provavelmente, no direito
antigo, os limites dos agrilimitati, isto é, dos campos demarcados por
agrimensores oficiais.
Teoria Geral do Direito
60
As coisas extra commercium humani iuris dividem em comuns (res communes
omnium) e públicas (res publicae).
As coisas comuns são as que estão à disposição de todos os homens
(ominibus patent) ou, como, diz Perozzi pertencem ao gênero humano: o ar,
água corrente, por ser tal inapreensível, o mar, o solo submarino e, por serem
acessório do mar, as suas praias, até onde chegam as mais altas marés.
Tais coisas são em conjunto insusceptíveis de propriedade particular,
entretanto, sendo comum a todos o seu uso, desde que respeitados os
regulamentos administrativos, utilizando-se delas, como exemplo, temos tirar
da água corrente, edificar no mar ou no seu litoral, tornando-se dono não só do
edifício, mas também do solo correspondente na praia ou terreno submarino;
mas uma vez destruída a construção, o solo readquire, por uma espécie de
posliminium, o caráter de coisa comum.
Curial esclarecer que em nosso direito, as praias são terrenos de marinha e
pertencem a União até 33 metros para a parte da terra, medidos do ponto a
que chegava o preamar médio em 1831(Instruções de 14 de novembro de
1832, art. 4 Dec. 4.105 de 22.02.1868, art. I,§ 1º., decretos-leis 2490, de
16.08.1940, art. 3 e 3438 de 17 de julho de 1941, art. 1).
(In Curso de Direito Romano, Tomo I, José Carlos de Matos Peixoto, 4ª.
edição,1997, Editora Renovar, Rio de Janeiro)
Coisas públicas são as destinadas ao uso comum do poço quer as
pertencentes ao Estado, como portos, rios perenes, os uso das suas margens
e grandes estradas públicas, quer em linguagem menos própria, mas usual, as
pertencentes às cidades, como praças, ruas, estádios, teatros e as basílicas.
Frise-se que essas se distinguem das que constituíam o patrimônio do Estado,
como terrenos, os edifícios, os escravos, os dinheiros públicos, as minas, o
território a presa de guerra, correspondentes, salvo diferenças intuitivas, ais
bens públicos de uso especial e dominicais.
As coisas supramencionadas são extra commercium em sentido absoluto, há
porém, coisas extra commercium em sentido relativo e são coisas pertencentes
a particulares e cuja alienação, por motivos especiais, é proibida, por
exemplos, as coisas litigiosas, os imóveis dotas sitos na Itália, os prédios
pertencentes aos menores sob tutela.
A res in commercio susceptíveis de propriedade particular e de alienação,
dividem-se em res extra patrimonium e res in patrimônio: estas últimas são
coisas alienáveis componentes do patrimônio de alguém; as primeiras são as
coisas susceptíveis de propriedade particular, mas que não estão no patrimônio
de alguém, ou porque ninguém delas se apropriou (res nullius), ex: a ave ou
peixe em liberdade no ar ou no mar, ou porque o dono as abandonou (res
derelictae).
Teoria Geral do Direito
61
O Novo Código Civil diferentemente do anterior não cogitou expressamente
sobre as coisas fora do comércio, embora seja tema de interesse doutrinário.
De modo em geral, todos os bens podem ser apropriados e alienados, tanto a
título oneroso como a título gratuito. Existem exceções a essa regra,
constituindo-se o que se convencionou a chamar de bens fora do comércio ou
inalienáveis, consistente naqueles que não podem ser negociados.
A expressão “comércio” é usada no sentido da possibilidade de circulação e
transferência de bens de um patrimônio para outro (susceptibilidade de
apropriação), mediante compra e venda, doação etc.
Tais bens se classificam em:
a) inapropriavéis pela própria natureza: bens de uso inexaurível como mar, ar e
luz solar. São conhecidas como res communes omnium (coisas comuns a
todos) que não podem ser chamadas propriamente de coisas, pois falta o
requisito de ocupabilidade. Nesta classificação enquadram-se, também os
direitos personalíssimos, uma vez que são insusceptíveis de apropriação
material, havendo também norma legal que embase tal circunstância (art. 11 do
Código Civil).
b) legalmente inalienáveis: bens que, embora sejam materialmente
apropriáveis, têm sua livre comercialização vedada por lei para atender a
interesses econômico-sociais, de defesa social ou proteção de pessoas. Só
excepcionalmente podem ser alienados, o que exige lei específica ou decisão
judicial (alvará). É o caso dos bens públicos de uso comum do povo, bens
dotais, terras ocupadas pelos índios, bem de família, etc. São também
chamados de bens com inalienabilidade real ou objetiva, ou absoluta;
c) inalienáveis pela vontade humana: são aqueles que por ato de vontade, em
negócios gratuitos, são excluídos do comércio jurídico, gravando-se a cláusula
de inalienabilidade/impenhorabilidade. Admitem-se a relativização de tais
cláusulas, pela via judicial, em situações excepcionais, como moléstias graves,
para garantir a utilidade do bem, mas, nesse caso, o sentido da jurisprudência
é na busca da prevalência do fim social da norma. Também são chamados de
bens como inalienabilidade pessoal, subjetiva ou relativa.
Res para os romanos designava tudo quanto existe na natureza,
presentemente ou de futuro, animado ou inanimado, produto material ou ideal
da inteligência Tudo que está sujeito à ação dos nossos sentidos, é coisa, Não
exprimia apenas uma entidade objetiva e real, uma representação viva da
matéria, como pensa Bonfante, com base no corpus, portanto visível, tangível.
Entretanto, não só a materialidade caracteriza a coisa, como exemplo, a
honorabilidade do indivíduo (existimátio).
O termo coisa compreende também uma parte da coisa (Paulo, Digesto 50, 16,
72). Entre os filósofos a coisa (res) é tudo o que existe, tanto as materiais como
Teoria Geral do Direito
62
as puras concepções de espírito. (In Dicionário de direito Romano, V. César da
Silveira, 2º. Volume (K a Z), José Bushatsky, Editor, São Paulo, 1957).
As coisas fora do comércio não admitem relação jurídica entre particulares,
porque são inapropriavéis e inalienáveis. Trata-se de inalienabilidade real
objetiva, declarada em lei como a dos bens públicos. A inalienabilidade pessoal
ou subjetiva, que melhor se chama indisponibilidade, e é por natureza e
essência, transitória, não atribui ao bem à condição de res extra commercium,
porque em última análise, consiste numa limitação de dispor.
Os bens extra commercium são inidôneos para integrar qualquer patrimônio. A
coisa extracomércio é subtraída, na totalidade de suas relações, ao regime
jurídico privado (Ferrara).
As coisas que estão fora do comércio são completamente estranhas ao
domínio do direito civil, não podendo ser objecto de apropriação, nem pelo
modo originário da ocupação, nem pelo derivado dos contratos ou disposições
de última vontade.
[...] Estão fora do comércio por disposição da lei as coisas destinadas ao uso
público '
Não difere, neste aspecto, o entendimento de Cabral de Moncada:
Coisas fora do comércio são aquelas que, de facto, não estão apropriadas por
ninguém, nem o poderiam estar, por serem insusceptíveis de apropriação e das
relações jurídicas daí provenientes [...] não podem ser objecto de direitos
privados .’
Também Manuel Andrade diz que as coisas públicas, além de inalienáveis e
imprescritíveis, não podem ser objecto de quaisquer outros negócios jurídicos
de direito privado, regime este que vale em princípio para as coisas comuns.
Sintetizando e atendo-nos ao que nos interessa salientar para o caso em
apreço, conclui-se: coisas fora do comércio são aquelas que, por natureza ou
por disposição da lei, são insusceptíveis de serem objecto de direitos e
relações jurídicas de natureza privada, não podendo, nomeadamente, ser
objecto de negócios jurídicos de direito privado.
Numa palavra: consideram-se fora do comércio todas as coisas que não
podem ser objecto de direitos privados
Ora, os terrenos baldios, por força do preceituado no art. 2.° do Dec.-Lei 39/76,
encontram-se fora do comércio jurídico, não podendo ser objecto de
apropriação privada por qualquer forma ou título.
Os baldios são propriedade comunal dos moradores
de determinada freguesia ou freguesias ou de parte
Decreto-Lei n.º 39/76 de
delas, que exerçam a sua actividade no local, pelo
19-01-1976 Documento
que estão fora do comércio jurídico, sendo
(Versão: 30-09-1976 Final)
inalienáveis.
Portugal.
Em conseqüência, um baldio não pode ser objecto de
Teoria Geral do Direito
63
expropriação por utilidade pública, em que o objectivo
seja um arranjo urbanístico e um loteamento,
envolvendo a construção de habitações por
particulares.
Data de Criação: 21-04-1998
Data de Actualização: 21-04-1998
20. EMENTA - Furto. Coisa fora do comércio. Res nullius. Atipicidade da
conduta.
O tipo penal de furto protege o bem jurídico patrimônio e, não havendo
afetação de tal bem jurídico, é impossível cogitar-se em tipicidade da conduta.
Assim, é atípica a conduta de quem subtrai bens que foram enterrados com sal
para que se deteriorassem mais rapidamente, uma vez que está evidenciado
não haver mais qualquer interesse na tutela patrimonial daqueles bens.
Irrelevante a existência de obstáculo físico para se alcançar o bem
abandonado, pois a intenção de quem se desfez da coisa de mantê-la
inacessível a outrem não tem o dom de tornar inapropriável a res, pois, se
assim fosse, haveria uma clara ofensa ao princípio da função social da
propriedade, consagrado constitucionalmente. Se ilícita a posse da coisa,
responderá o réu tão-somente nas sanções previstas pela sua posse, nunca
por furto.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal Nº 328.096-0
da Comarca de PIRANGA, sendo Apelante (s): 1º) EDSON ASSIS ROSA e 2ºs)
HÉLIO GONÇALVES MACIEL, HÉRCULES REZENDE MILAGRES e
MAURÍCIO REZENDE MILAGRES e Apelado (a) (os) (as): A JUSTIÇA
PÚBLICA,
ACORDA, em Turma, a Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Alçada do
Estado de Minas Gerais, DAR PROVIMENTO AOS RECURSOS.
Presidiu o julgamento o Juiz ERONY DA SILVA (Relator) e dele participaram os
Juízes ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO (Revisor) e MARIA CELESTE
PORTO (Vogal).
O voto proferido pelo Juiz Relator foi acompanhado na íntegra pelos demais
componentes da Turma Julgadora.
Belo Horizonte, 23 de outubro de 2001.
JUIZ ERONY DA SILVA
Relator
VOTO
O SR. JUIZ ERONY DA SILVA:
O Ministério Público do Estado de Minas Gerais denunciou, na Comarca de
Teoria Geral do Direito
64
Piranga, Hélio Gonçalves Maciel, Edson Assis Rosa, Hércules Rezende
Milagres e Maurício Rezende Milagres como incursos nas sanções do art. 155
§ 4º, I e IV do CP, por terem, na noite de 10 de março de 1999, por volta das
23h00, subtraído para si as ferramentas, armas e demais objetos descritos no
auto de apreensão à f. 23, que haviam sido enterrados em um buraco de,
aproximadamente, 2 (dois) metros de diâmetro, por 2 (dois) metros de
profundidade, localizado no terreno do Ginásio Poliesportivo Hélio de Araújo
Dias.
Consta ainda da exordial acusatória que tais bens pertenciam ao Estado de
Minas Gerais, e por tratar-se de instrumentos de crimes foram enterrados por
determinação das autoridades locais para não se correr o risco de caírem em
mãos criminosas, diante da pouca segurança do fórum da comarca.
A sentença monocrática às f. 238 e seg. julgou procedente os pedidos
articulados na denúncia e condenou os réus a 2 (dois) anos de reclusão e 10
(dez) dias-multa com valor fixado no mínimo legal. Aos quatro foi concedido o
benefício do sursis.
Inconformado, apelou Edson à f. 250, pugnando pela absolvição ao argumento
de que o fato é atípico, uma vez que a res estava abandonada.
Hélio Gonçalves Maciel, Hércules Rezende Milagres e Maurício Rezende
Milagres apelaram à f. 255 apresentando suas razões nos termos do art. 600, §
4º, do CPP à f. 268 também argumentando pela atipicidade da conduta.
As contra-razões ministeriais ao primeiro apelo podem ser encontradas às f.
258 e seg. e ao segundo recurso às f. 272 e seg., sendo ambas pelo
improvimento do recurso.
A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer às f. 278 e seg., opinou
pela improcedência dos apelos.
Em suma, é o relatório.
Estando presentes os pressupostos de admissibilidade dos recursos, deles
conheço.
O douto Promotor de Justiça da comarca assim descreve o fato:
"Trata-se de fato delituoso com grande repercussão na comarca de Piranga,
eis que os agentes nele envolvidos, desafiando a autoridade do Poder
Judiciário local, subtraíram armas, moto-serras (sic), foices, e vários outros
objetos, coisas estas utilizadas por terceiras pessoas para a prática de vários
crimes anteriores (todos com sentenças transitada em julgado), que foram
mandadas soterrar pela autoridade judiciária, exatamente para não se correr o
risco das mesmas caírem em mãos criminosas, diante da pouca segurança do
fórum local" (o destaque consta no original).
Teoria Geral do Direito
65
Tal descrição me faz lembrar das lições de Miguel Reale aos alunos de
Introdução à Ciência do Direito:
"Na Idade Média era freqüente o caso de se processar um animal, ou de se
apurar a responsabilidade das coisas, o que pareceria absurdo ou aberrante a
qualquer homem do povo, em nossos dias. Os processos de feiticeiras muitas
vezes envolviam as vassouras, às quais se atribuíam qualidades ou aptidões
que somente poderiam ser purificadas através de um julgamento especial" (In
Lições Preliminares de Direito 11ª ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 226227.).
Impossível deixar de contrastar com a situação dos autos. Certamente,
estivéssemos na Idade Média a denúncia seria nas iras do art. 351 do CP, com
pena prevista de seis meses a dois anos de detenção, mas como estamos no
3º milênio, respondem os réus pelo crime do art. 155, § 4º, I e IV, como pena
de dois a oito anos de reclusão.
Difícil é acreditar...
ZAFFARONI e PIERANGELI explicam o porquê das penas medievais a coisas
e animais:
"As sanções a coisas e animais têm por objeto fortalecer a ética social até o
limite de convencer a população de que ninguém, nem sequer as coisas e os
animais, nem tampouco os mortos, escapa à sanção penal, todos respondendo
à mesma lei penal que a tudo governa" (In Manual de Direito Penal Brasileiro:
parte geral. 2ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.
p. 187.).
Nem se diga que tais objetos não foram vítimas de qualquer tipo de pena. Qual
outro motivo justificaria o enterro de uma moto-serra avaliada em R$ 250,00
(duzentos e cinqüenta reais)?
Se se presumir que uma moto-serra causa risco à população tão-somente por
ter sido instrumento de um crime e, por tal razão deva ser enterrada,
certamente não sobrarão facas de cozinha e automóveis nesta comarca.
Impressionou-me o ritual descrito pela testemunha Carlos de Araújo Silva:
"foram cavados aproximadamente um metro e meio a dois metros; a largura do
buraco foi de aproximadamente quatro metros quadrados; para enterrar os
objetos, foi utilizado areia, cimento e sal."
Incrível, havia até um relógio Orient dourado sem pulseira avaliado em R$ 5,00
(cinco reais) lá enterrado...
É até justificável o sepultamento da espingarda e das munições, mas de
machados, foices, cutelos, canivetes, chuchos e, em especial, moto-serras,
realmente é lamentável.
Esses últimos, pela mais simples presunção de boa-fé, são meras ferramentas
que, ainda que bastante velhas ou mesmo estragadas, poderiam ser
reaproveitadas por pessoas que não tivessem condições de adquirir utensílios
Teoria Geral do Direito
66
novos.
Rogata maxima venia, enterrá-las para não permitir seu uso sobre o singelo
argumento de que já foram utilizadas na prática de crimes e, por isso, são
perigosas é retornar ao Direito Penal Medieval.
As mais de trezentas laudas deste processo certamente poderiam ter sido
evitadas se as autoridades locais tivessem se dado ao trabalho de perguntar
aos "coveiros" se algum deles se interessaria em ficar com qualquer das
ferramentas, em especial com a moto-serra.
Edson Assis Rosa afirmou à f. 79 que:
"o que mais interessou aos companheiros do depoente foi a moto-serra".
Hélio Gonçalves Maciel declarou à f. 82 que:
"o depoente ajudou a cavar e procurar a moto-serra; somente achou a motoserra velha".
É bom frisar que todos os acusados são primários e é muito mais plausível que
se interessassem pelas ferramentas do que pelas armas e munições.
Ora, se não interessava mais ao Estado a posse de tais produtos, certamente
aos acusados havia profundo interesse, tanto é que foram ao local à noite e
"exumaram" as velhas ferramentas e a cobiçada moto-serra.
Se alguma reprovação há que se cogitar aqui, certamente é quanto às
lamentáveis condições econômicas em que vive grande parte da população
brasileira que obriga muitas pessoas a procurarem nos bens abandonados conhecidos por lixo, por quem os abandona - algum utensílio capaz de ser
recuperado e aproveitado.
Evidentemente não pode a lei proibir que alguém se apodere do lixo alheio,
ainda que, por qualquer motivo, quem o abandonou não deseje que outrem
dele se apodere.
O Código Civil Brasileiro ( de 1916) estabelece em seu art. 592: (hoje
corresponde ao art. 1.263 do Código Civil de 2002)
"Quem se assenhorear de coisa abandonada, ou ainda não apropriada, pra
logo que lhe adquire a propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei.
Parágrafo único. Volvem a não ter dono as coisas móveis, quando o seu as
abandona, com intenção de renunciá-las."
A defesa está repleta de razão. Não vejo como querer tipificar tal conduta como
crime de furto.
Nunca é demais lembrar que a existência de todo e qualquer crime
fundamenta-se na proteção de um bem jurídico que a sociedade elege como
de fundamental importância.
Teoria Geral do Direito
67
O furto baseia-se na proteção do bem jurídico patrimônio e é óbvio que, se
alguém tem interesse na proteção deste patrimônio, não o enterra e manda
salgá-lo.
A questão é patente. Se não houve qualquer prejuízo patrimonial, impossível
cogitar-se na existência de furto, pois não houve a necessária afetação do bem
jurídico patrimônio para a ocorrência da tipicidade da conduta.
O fato não é típico, pois falta-lhe o elemento normativo. Os bens não eram
coisa alheia, mas sim, res nullius.
Completamente irrelevante estarem soterrados em local cercado de arames e
porteiras ou a utilização de concreto para a criação de obstáculo a subtrações.
A objetividade dos fatos é que o Estado não tinha qualquer interesse naquele
patrimônio, tanto é que mandou salgá-lo para que se aniquilasse mais
rapidamente.
Veja-se o trato pretoriano:
"Para efeitos penais, constitui res derelicta o objeto abandonado pelo dono e
por ele expressamente afirmado sem valor, ainda que possa ser valioso para
terceiros e ainda que deixados, por comodidade, no próprio imóvel"
(TACRIMSP - JUTACRIM 82/253).
Por fim, vale lembrar sempre o texto da nossa Carta Magna que em seu art. 5º,
XXIII, afirma que:
"a propriedade atenderá a sua função social"
Não havendo mais qualquer interesse patrimonial de alguém em relação a
determinada coisa e estando isso claro e sem sombra de dúvidas é
perfeitamente legítimo que outrem se apodere daquele bem.
Desnecessário se faz perquirir a intenção de quem abandona a coisa. Ainda
que desejasse impedir que outra pessoa se apossasse do bem abandonado,
tal vontade não tornaria intangível a coisa, pois seria incompatível com a
função social da propriedade que um bem, potencialmente útil, pudesse
permanecer abandonado e ao mesmo tempo impedido de uma nova
apropriação.
Evidentemente que tais argumentos não são válidos quando o objeto é ilícito,
como seria em tese, o caso de entorpecentes, ou mesmo de armas. Assim,
poderiam em tese os agentes serem condenados por porte ilegal de armas,
mas nunca por furto.
Por todo exposto, absolvo os quatro apelantes das imputações que lhes foram
feitas, determinando ainda a devolução dos bens a seus legítimos “achadores
“, excetuando-se as armas e munições, salvo se comprovarem a devida
habilitação legal.
Teoria Geral do Direito
68
Custas pelo Estado.
É como voto.
JUIZ ERONY DA SILVA
Unidade VI: Apreciações sobre o fato e o direito
A autora traça algumas linhas de um controvertido tema da teoria geral do
direito
Gisele Leite
Do brocardo jus ex facto oritur sublinha-se a relação de criação existente entre
direito e fato. Nas palavras de M. Virally há entre eles uma relação dupla.
Também há entre eles uma relação de aplicação: o direito se realiza nos fatos.
É mais evidente ao observarmos a atuação do juiz que aplica aos fatos as
regras de direito que os regem.
Deve-se investigar como pode passar de uma certa situação fática para a regra
de direito, ou vice-versa. Há um constante vaivém do direito aos fatos, registrese a vocação dos fatos para serem regidos pelo direito e sendo este destinado
a reger os fatos.
É justificável, portanto que quando o direito e o fato sejam isolados um do outro
em numerosos mecanismos jurídicos, como a prova, o princípio do dispositivo,
o controle de constitucionalidade e, etc e que sejam muito freqüentemente
confundidos na realidade, quando se trata de apreender situações concretas no
sistema jurídico.
Na via traçada e consagrada pelos juristas desde da Antigüidade continuando
adentro da Idade Média, o raciocínio jurídico continua baseado no silogismo
sendo este um suporte genérico para qualquer aplicação do direito.
Segundo o Dicionário Básico de Filosofia de Hilton Japiassú e Danilo
Marcondes in litteris: o silogismo (do latim syllogismus, do grego syllogismós)
Método de dedução de uma conclusão a partir de duas premissas por
implicação lógica.
Para Aristóteles, considerado o primeiro formulador da teoria do silogismo, “o
silogismo é um argumento em que, estabelecidas certas coisas, resulta
necessariamente delas, por serem o que são, outra coisa distinta do
anteriormente estabelecido.”(Primeiros analíticos, I, 24). Ex: “Todos os homens
são mortais, todos os gregos são homens, logo, todos os gregos são mortais”.
A conclusão se obtém assim por um processo de combinação dos elementos
contidos nas premissas através do termo médio (no exemplo, “homens”), que
permite relacionar os outros termos (no exemplo; “gregos” e “mortais”) aí
Teoria Geral do Direito
69
contidos formando uma nova proposição. Segundo as regras do silogismo não
é possível que as premissas sejam, verdadeiras e a conclusão seja falsa.
Aristóteles classifica todos os tipos possíveis de silogismos válidos em três
figuras ou esquemas. Na primeira figura, o termo médio é sujeito na premissa
maior (a que contém o termo de menor extensão); na 2ª, o termo médio é
predicado em ambas as premissas; na 3ª,o termo médio é sujeito em ambas as
premissas.
Atribui-se ao filósofo e médico Claudico Galeno (c.130-c. 200) uma 4ª, figura
em que o termo médio é predicado na premissa maior e sujeito na menor.No
exemplo acima, temos um silogismo categórico, em que as premissas as
asserções, isto é, proposições que afirmam ou negam algo.
Podemos ter também silogismos modais cujas premissas são proposições que
envolvem modalidade e silogismos hipotéticos, cujas premissas incluem
proposições hipotéticas.
A teoria do silogismo de Aristóteles sofreu uma série de modificações e
desenvolvimentos na escola aristotélica e na escolástica. No período moderno
sua importância vai sendo progressivamente menor até dar lugar no séc. XIX à
lógica matemática e aos cálculos proposicional e dos predicados formulados
inicialmente por Frege.
A premissa maior é a regra de direito e, a menor o caso concreto. A conclusão
oriunda da comparação; constitui a sentença pela qual se aceita ou se rejeita a
aplicação, no caso concreto, do efeito jurídico implicado pela maior.
A determinação de quais as regras jurídicas aplicáveis aos fatos pressupõe que
tais fatos estejam estabelecidos e qualificados para que possam ser
apreendidos pelo sistema jurídico. E seus efeitos jurídicos expressam a reação
do direito positivo à situação que eles representam.
A dificuldade essencial reside na determinação das premissas, a lei leva em
consideração um fato, um leque de circunstâncias no qual é colocado o
homem, para daí se extrair as conseqüências jurídicas.
O fato primeiro é o ato humano que se prende por causalidade ao efeito
jurídico que, conforme os casos, foram deliberadamente buscados ou, ao
revés, não foram desejados.
Se for estabelecido o homicídio, seu autor é passível de pena de reclusão
criminal.
Diferentemente do que acontece, por exemplo, com uma lei física, a realização
de um efeito jurídico supõe a reunião de várias e complexas condições. Com
os fenômenos físicos, o efeito é automático já o vínculo de causalidade entre o
fato e o direito opera-se somente no plano das representações intelectuais.
Teoria Geral do Direito
70
Na órbita jurídica, o efeito não segue inevitavelmente a causa, o homicida nem
sempre é descoberto, preso e condenado, apesar do fato ser absolutamente
punível.
Ademais, o fato não produz sozinho, os efeitos de direito. È curial que exista
uma regra jurídica que se aplique a tais fatos, e então tais efeitos e assim se
construa a premissa maior do silogismo.
É necessário também que a autoridade determine a regra aplicável á esses
fatos e extraía dele suas conseqüências.
Com as premissas, erguem-se duas principais dificuldades: uma para
determinar a menor, a situação de fato que tem de ser estabelecida. E para
detectar a maior, identificar nessa situação, noções, regras e instituições
jurídicas, ou seja, conceituá-las.
A prova, a priori, parece ser um mecanismo lógico de verificação da realidade
de um fato ou de uma alegação. Tal concepção de prova despreza o contexto e
a objetividade da prova judiciária e que a diferencia da prova científica.
Na Ciência do Direito, a investigação da verdade é muitas vezes ocultada por
imperativos da segurança jurídica.
O objetivo da prova é maior que convencer o juiz do que o de estabelecer a
verdade objetiva. A verdade é investigada na paixão do processo que se traduz
num processo dialético. E não na serenidade fria de um laboratório.
A prova é administrada dentro dos limites de um prazo razoável necessário à
intervenção de uma decisão e para qual deve ser considerada suficiente ou
insuficiente. Já que ao juiz não é permitido sob pena de denegação de justiça,
abster-se de julgar.
A prova judiciária não é como a científica obra de um pesquisador que a
concebe e testa. A prova judiciária é resultado do concurso de várias pessoas,
o juiz e as partes.(Lévy-Bruhl Aspects sociologiques du droit, M. Rivière et Cie,
1955).
Uma análise crítica do direito da prova baseada no efeito das técnicas jurídicas
da prova e não nas finalidades do direito da prova que se concentra mais na
legitimidade dos mecanismos de prova do que propriamente na investigação da
verdade real e objetiva.
A existência de provas pré-constituídas e a determinação do ônus da prova
servem para legitimar decisões judiciais ainda que a verdade processual ou
judiciária seja tão-somente uma verdade relativa e condicionada.
Teoria Geral do Direito
71
A prova com o objetivo central a criação de uma convicção no juiz foi por muito
tempo uma “prova mística” notadamente em matéria penal.
Nas sociedades primitivas a prova era um apelo aos deuses, aos poderes
sobrenaturais para lhes pedir que apontassem o culpado; consistente nas
ordálias, nos juízos de Deus, onde as provas eram impostas aos suspeitos
para se conhecer a verdade.
Nos julgamento de Deus aquele que triunfar nessas provas, é porque Deus
assim o designou como quem diz a verdade ou defende uma causa justa. Tais
julgamentos foi praticados até o Concílio de Latrão (1215) e até hoje as
ordálias são praticadas em algumas sociedades primitivas. E o juramento se
inspira no mesmo espírito.
Nas ditas sociedades evoluídas, o sistema de provas racionais substituiu
progressivamente o sistema de provas místicas. O progresso culminou ou com
a abolição da tortura e a rejeição da soberania absoluta da confissão (regina
probatorum) em direito penal.
Os progressos tecnológicos e científicos demonstraram que tanto na seara
cível como a penal, a fragilidade dos depoimentos, o valor dos indícios, a
qualidade de novos meios de prova que já não visam apenas a convencer o
juízo, mas também estabelecer a realidade objetiva.
Duas concepções de provas persistem possíveis conforme nos atermos à
convicção do juiz baseado (no conjunto das informações que lhe puderam ser
dado) ou exigimos verdadeiras provas materiais, diretas e objetivas conforme
os moldes pré-constituídos.
Em toda matéria, não basta ter razão, ser titular de um direito ou estar em certa
situação jurídica; é curial prová-lo; na ausência de provas, tudo passa como se
o direito ou a situação invocada não existisse ou como se a pessoa estivesse
errada.
Alegado e não provado; tratar-se-ia de mera alegação infundada. As noções
distintas de direito e prova cuja independência se firma na proporção da
liberdade de prova.
Portanto, quanto maior for a maleabilidade do direito da proba, sendo maior
liberdade de prova, mais a prova se aproximará da verdade. Porém, a
liberdade favorece aos excessos, atrasos e falsas provas; falso testemunho e
outras falsificações.
Conforme o particular das matérias, cumpre o direito modular as provas
levando em contra a aptidão ou a resistência dos fatos à prova, conforme a
natureza deles.
Teoria Geral do Direito
72
Certos fatos se furtam à prova, à míngua dos meios de investigação
suficientemente seguros.Outros fatos escapam, pois ocorrem sem
testemunhas, e não deixam vestígios, são cobertos pelo sigilo profissional ou
técnico, e não se prestam bem a uma estimativa ou ainda, colidem com a
consciência individual.
De certo quando a prova é dificílima ou impossível o direito renuncia à prova e
recorre a presunções cuja utilidade depende do objeto da prova.
Para melhor identificarmos a presunção na sistemática cível brasileira,
analisemos os arts. 8, 212, v, 1598, 1597 CC/2002 e, ainda o art. 335 do CPC.
É clássico o busilis do objeto da prova.A prova versa somente sobre os
elementos de fato. As partes não precisam provar a existência ou o mesmo o
alcance das regras jurídicas aplicáveis a tais elementos, supõe-se que o juiz
conhece o direito, e a invocação das partes sobre certas regras é apenas para
sugerir aplicação delas e, não para provar-lhes a existência. A indicação é
meramente elucidativa e não forçosamente obrigatória a sua aplicação. Tanto
que o juiz com seu livre convencimento pode extrair diverso entendimento da
pretensão exposta.
Do brocardo “Da mihi factum, dabo tibi jus”, incumbe às partes estabelecer na
justiça os fatos necessários ao sucesso de suas pretensões. E nisto, o Código
de Processo Civil francês em seu art. 9º e 6º, menciona expressamente.
A princípio, o juiz não pode fundamentar sua decisão nos fatos que não estão
em debate, ao menos no sistema acusatório.
É o juiz que diz o direito (art. 12 do CPC francês) e dispõe de lautos poderes de
iniciativa e de qualificação.
As pretensões das partes se fundamentam em dois tipos de elementos, os de
fato correspondente ao “edifício do direito”, dependem das partes, com uma
participação maiôs ou menos ativa do juiz, seguindo os sistemas.
Os elementos do fato são constituídos pelos fatos e atos jurídicos que servem
de base a uma pretensão, e deles depende o desfecho do processo.
Já os elementos do direito são as regras jurídicas suscetíveis de serem
aplicadas, a esses fatos. A distinção entre o fato e o direito fica, porém,
abalada quando se trata de aplicar as leis estrangeiras, regras
consuetudinárias ou usos.
Quanto ao direito estrangeiro compete às partes que os invocam estabelecer a
existência e o conteúdo deles.
Teoria Geral do Direito
73
Os fatos que se devem provar são somente os contestados. Um fato
reconhecido ou não contestado não necessita de ser provado, pois é tido como
verdadeiro. E nesse sentido corrobora o art.334 do CPC Brasileiro.
O que pode acarretar deformações da realidade objetiva, mas admite-se, em
geral, que as partes devem ter o domínio do “edifício de fato” de seu processo.
Exceto no caso de fraude processual engendrada pelos litigantes, o juiz cível
não tem de controlar de ofícios as situações de fato sobre as quais estão de
acordo as partes.
A prova de direito pode somente versar sobre fatos pertinentes e admissíveis.
E a admissibilidade da prova depende de sua conformidade com o sistema de
direito.
De um lado o sistema jurídico às vezes proíbe certas provas em nome de
valores essenciais ou de ordem pública. Como, por exemplo, a autoridade da
coisa julgada que proíbe contestar o que foi definitivamente julgado.
De outro lado, o direito da prova pode tanto se reportar a um sistema de
liberdade no qual as partes possuem sem hierarquia de princípio livre escolha
de procedimentos de prova, quanto a um sistema de prova legal que limita a
prova a certos procedimentos e lhe impõe o alcance; já outros modos de
produção de provas são inadmissíveis.
O direito anglo-saxão comporta várias exclusionary rules, apesar de
reconhecerem a importância dos depoimentos. Ele reserva ao direito de prova
(evidence law) um lugar considerável que se deve a razões históricas e
técnicas a um só tempo.
Foi perante o juiz que o direito inglês conquistou muito das liberdades e forjou o
sistema jurídico. Onde o adjective law (a lei adjetiva) conserva uma importância
preponderante. E isto repercute nos países de direito misto como no Canadá.
A prova só deve ser produzida, caso revelar-se útil ao desfecho processual. A
pertinência da prova é medida de economia processual e supõe uma
adequação de seu objeto da prova ao objeto do litígio.
Os fatos alegados devem ter relação direta com que está sendo julgado e a
prova deve obter uma demonstração apropriada.
O juiz só admite prova dos fatos nos quais as partes fundamentam suas
pretensões e dos elementos aptos para justificá-los.
Nos países da América do Sul especialmente os tribunais se omitem, de
controlar a pertinência da prova, o que só avoluma o processo e favorece as
manobras protelatórias.
Teoria Geral do Direito
74
A pertinência da prova depende do vínculo entre os fatos alegados e os fatos
cuja prova é oferecida. Também se deve saber se é possível substituir uma
prova direta por presunções.
A presunção é um modo de raciocínio jurídico em virtude do qual se induz, do
estabelecimento de um fato, um outro fato que não resta privado.
Há uma distinção entre as presunções legais e as de fato (ou de homem).
Legais ou de fato, as presunções correspondem a situações de resistência dos
fatos à prova. Inferem-se fatos desconhecidos através de fatos conhecidos.
Algumas delas como a presunção de boa fé impõe a quem alega, prová-la nem
que seja por exclusão. A presunção de inocência em direito penal proteger, as
pessoas contra a arbitrariedade; a presunção de legalidade da coisa decidia
pela administração pública facilita o exercício da função pública.
A presunção legal concede a uma das partes em nome de considerações de
política jurídica e de certos valores que se tende a proteger. As presunções
interessam tanto ao fundo do direito quanto ao direito de prova.
Quando a lei presume que a criança nascida durante o casamento tem como o
pai o marido da mãe, labora uma dispensa à criança de estabelecer sua
filiação, o que seria muito difícil de fazer.
Desloca assim o objeto da prova, pois em vez de ter de estabelecer a filiação
da criança, ela só impõe estabelecer o nascimento durante o casamento da
mãe daí deduz-se a filiação a propósito do pai. Enfim tal presunção favorece a
família legítima. Apesar de que tais adjetivos não mais se compadecem face ao
texto constitucional brasileiro vigente.
As presunções simples ou juris tantum podem, contrariamente às presunções
irrefragáveis, chamadas também de presunções absolutas, ou juris et jure.
Quanto maior o progresso técnico facilita a prova, mais fácil é o
restabelecimento da verdade. Os progressos da genética permitem hoje
estabelecer com quase exatidão a uma filiação colocando em xeque a
presunção de paternidade.
A melhoria dos meios de provas atenua proporcionalmente o artifício das
presunções simples. As verdadeiras presunções absolutas que não podem ser
infirmadas nem mesmo pela confissão ou juramento, são fundadas em
considerações de ordem pública.
É o caso da presunção da autoridade da coisa julgada que garante a
segurança jurídica necessária à decisões judiciais definitivas.
Teoria Geral do Direito
75
Em compensação, as presunções de fato apenas são meros meios de prova.
No terreno probatório, o juiz utiliza-as somente para forjar sua convicção. São,
pois inumeráveis e aplicáveis a todos tipos de fatos, ao passo que as
presunções legais devem ser especialmente previstas.
E se apóiam em diversos indícios que vão desde as constatações materiais,
perícias até pareceres jurídicos. O juiz dispõe de plena liberdade de apreciação
no tocante as presunções de fato. Em alguns casos, somente admissíveis nos
casos em que a lei acolhe a prova testemunhal.
Em síntese, o estabelecimento dos fatos embora se procure atingir a realidade
sobre a qual se deva aplicar-se a regra jurídica, é enquadrado pelo sistema
jurídico que leva em conta as necessidades ou impossibilidades materiais e
outros princípios de direito, considerações de políticas jurídicas e exigências
puramente técnicas que acabam por deformar ou deturpar a imagem da
realidade.
Tais diversos fatores de distanciamento são cada vez maiores uma vez que a
apreensão do fato pelo direito pressupõe que, uma vez estabelecidos os fatos
e consumada a descrição deles, eles recebem uma qualificação jurídica.
Um fato não pode galgar efeitos jurídicos por suas qualidades intrínsecas, é
preciso que uma norma jurídica lhe atribua uma qualidade que lhe falta, ou
seja, um significado particular.
O direito contemporâneo reconhece importantes efeitos jurídicos ao
concubinato, que continua, porém, uma simples situações de fato, com
exceção dos direitos reconhecidos ao concubinos por diversos textos legais
recentes e da provável consagração próxima de um estatuto jurídico específico;
ele aproxima a união livre do matrimônio quando lhe toma as aparências mais
peculiares que são a estabilidade e a notoriedade.
Assim as exigências da proteção jurídica conduzem a fazer o fato triunfar sobre
o direito, portanto, a corrigir os efeitos normais deste, em circunstâncias em
que a ordem social o exige.
Mas acontece também que para sua coerência técnica ou para proteção de
certos valores ou de certas instituições, a ordem jurídica em vez de acatá-las,
rejeite as realidades concretas.
É comum o direito substituir a realidade pela ficção que corresponde a um
procedimento de técnica jurídica pelo qual se considera como existente uma
situação manifestamente contrária à realidade e que permite deduzir dela
conseqüências jurídicas diferentes daquelas que resultariam da simples
constatação dos fatos.
Teoria Geral do Direito
76
No direito sucessório temos a ficção da continuação da pessoa do falecido pela
dos herdeiros que permite evitar toda a ruptura na propriedade dos bens
sucessórios.
Assim também o filho natural legitimado ou mesmo o filho adotado é
apresentado como filho legítimo. Destaque-se que a Constituição Federal
Brasileira equiparou todos os filhos suprimindo os adjetivos discriminatórios e
os equiparando em direitos e deveres para todos os fins.
Portanto, a ficção consiste em submeter uma realidade social ao poder da
mente, absorvendo-a num conceito de maior ou menor artificialidade.
É uma alteração voluntária do real, um artifício jurídico destinado a produzir
resultados úteis.
François Geny bem assevera que falseando deliberadamente a realidade das
coisas, as ficções redundam em sujeitar a vida social a preceitos julgados
desejáveis.
As funções das ficções jurídicas nos mais variados sistemas jurídicas e,
principalmente pela larga utilização feita pelo direito romano.
Classicamente é reconhecidas uma função histórica e uma dogmática. Na
primeira, a ficção teria permitido introduzir na vida social, regras jurídicas
novas.
Seria assim uma extensão do direito existente. O direito une assim o futuro ao
passado com a vantagem de manter o estatismo do direito.
Pela ficção da personalidade moral das sociedades, a propriedade dos bens
pertencentes À sociedade pôde ser considerada uma propriedade individual.
A ficção é uma homenagem prestada aos princípios jurídicos servindo para
enquadrar as soluções jurídicas nos sistemas do direito positivo fechado. Assim
as ficções teriam, portanto, uma ficção dogmática permanente.
Também cumprem funções de técnica jurídica por sua utilidade dogmática e
mecânica conforme os casos de naturezas histórica e teleológica.
Por sua função teleológica as ficções tendem proteger ou promover certas
instituições, certos princípios, certos valores. A adoção ou a naturalização são
bons exemplos dessas ficções.
As ficções podem, assim, contribuir para represar a derivada dos fatos sociais
e para salvaguardar valores julgados essenciais.
Teoria Geral do Direito
77
A doutrina alemã mostrou com Savigny e Ihering os preciosos serviços que as
ficções prestaram ao direito romano. Também o direito inglês mostra tal
importante contribuição.
Importantes autores como Ihering e Windscheid, os franceses, como Saleilles e
Demogue reconheceram-lhe um lugar importante na elaboração do direito.
Gény mostrou que, embora a ficção deva ser rejeitada quando se trata de
descobrir”dado”, ela conserva um papel importante de instrumento
terminológico e deve-se mesmo conservá-la no terreno conceptual.
Ripert sustentou também que é preciso desconfiar de uma habilidade técnica
grande demais que permite dissimular a violação dos princípios e introduzir no
direito, elementos artificiais que lhe modificam o sentido e o alcance.
As ficções não podem ser aprovadas, se são apenas um procedimento
contrário ao bom senso.
A factividade material do direito sua, praticabilidade pressupõem evitar um
sério divórcio entre direito e os fatos. Nossa era vivencia a revolta dos fatos
contra o direito que arruína a efetividade do direito e consagra a anarquia ou
provoca o autoritarismo.
Mas na indispensável continuidade do direito no ajuste que se impõe entre o
positivismo sociológico e o idealismo e dentro da perspectiva da coerência dos
sistemas jurídicos, as ficções continuam sendo uma preciosa ferramenta e o
que melhor opera a conjunção harmônica do fato com o direito.
A distinção entre o fato e o direito é, porém, artificial em alguns casos como na
interpretação dos contratos. Ou em casos de lei estrangeira é uma questão de
fato, o que é contestável.
Tal artifício talvez ateste a indissociabilidade essencial entre o fato e o direito.
A confissão é o reconhecimento que uma pessoa faz, quanto ao fato alegado
pela outra, e, em benefício desta. Pode ser judicial ou extrajudicial, conforme
se realize no curso do processo ou fora dele. No primeiro caso, constitui prova
plena para todos os atos cuja validade não seja dependente de requisito
formal.
È, sem dúvida, a mais convincente das provas daí reputar-se como probatio
probantissima, pois que a adesão da parte à veracidade do fato invocado
contra ela própria é em si mesmo a negação da contradita e da controvérsia.
Deve ser pronunciada pela própria parte, mas vale também a que é efetuada
por seu procurador ou representante desde que munido de poderes especiais.
Teoria Geral do Direito
78
A confissão uma vez feita em juízo, reputa-se indivisível, no sentido de que a
parte que invoca a confissão do adversário tem de aceitá-la por inteiro. Não lhe
é lícito cindi-la e, aproveitar o que lhe convém, repudiando-a na parte que lhe
seja desfavorável.
Não obstante o peculiar valor da confissão há fatos que a lei não admite que se
provem por meio desta. Assim, nas ações de divórcio e anulação de
casamento, como nas de nulidade de testamento, não pode o juiz proferir
sentença baseada em confissão real ou ficta do fato alegado, porque há aí um
interesse público em jogo, insuscetível de transação privada.
Ao lado da confissão, admitia o direito o juramento sendo um meio probatório
solene e consistente numa afirmação ritual da veracidade do fato invocado, era
existente em nosso direito positivo anterior (Regulamento 737, de 25 de
novembro de 1850), e guarda reminiscência da era medieval, quando o
utilizava com freqüência e proveito em razão do fervor religioso e podia-se
realizar em Juízo em caráter supletivo.
Todavia, este mesmo caráter religioso perdeu sua razão de ser com a
laicização do direito ainda que existe excepcionalmente em algumas
legislações.
A presunção segundo o grande mestre Caio Mário da Silva Pereira é a ilação
que se tira de um fato certo, para prova de um ato desconhecido inspirado em
Clóvis Beviláqua. Não é propriamente uma prova, e, sim um processo lógico
por via do qual a mente atinge a uma verdade legal.
Na base de uma presunção há de estar sempre um fato, provado e certo; não
tolera o direito que se presuma o fato, e dele se induza a presunção, nem
admite que se deduza a presunção da presunção.
Segundo a tradicional divisão, estas podem ser comum (praesumptio homins)
aquela que a lei não estabelece, mas funda-se no que ordinariamente
acontece, de outro lado, as presunções legais, criadas pelo direito positivo para
valerem como prova do fato, ou da situação jurídica.
Resultam as presunções legais da experiência e correspondem àquilo que
normalmente acontece, e assim tem-se erigido em técnica legal probatória.
As presunções legais, a seu turno se subdividem em absoluta e relativa. As
primeiras são aquelas que não se admite prova em contrário. É uma dedução
que a lei extrai, necessariamente, de um fato certo, e que não comporta
contradita, ainda mesmo no caso de não corresponder à verdade.
Há um interesse de ordem pública em que seja tido pro veritate, e impede
apareça o interesse privado fundado na prova de que não é verdade.
Teoria Geral do Direito
79
Já a praesumptio iuris tantum (relativa) pode ser ilidida, e só prevalece
enquanto não contraditada por outra prova. Vigora muito freqüentemente a
presunção relativa em matéria de interesse privado (como no caso de remissão
de dívida decorrente da devolução do título ao devedor)
Entre as irrefragáveis presunções se inscreve a coisa julgada que na definição
da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, art. 6º, §3º, é a decisão
judiciária de que já não caiba recurso. Compete ao processo civil formular os
requisitos da res iudicata, cabe ainda à Ciência do Direito processual definir o
que é coisa julgada material e formal, sendo do campo do direito judiciário a
incumbência de precisar as condições subjetivas e objetivas da res iudicata, e,
ainda a lei processual estabelecer quando a sentença não é mais atacável.
O civilista estuda a res iudicata dentro da escala de provas, e, estatui que
importa numa presunção de verdade. O fato afirmado, ou a relação jurídica
declarada pela decisão definitiva, não comporta contradita.
Assim, não pode a coisa julgada ser altera nem sequer por norma legislativa
porque na sistemática brasileira é defeso ao legislador votar leis retroativas e, a
Constituição Federal em art. 5º, XXXVI, assenta expressamente que a lei não
prejudicará a coisa julgada.
Não pode nem mesmo ser alterada por outra sentença, porque a exceptio rei
iudicate, levantada como prejudicial, requer a apreciação liminar do juiz e
constitui obstáculo a novo iudicum de mérito.
E não pode ser negada pela parte a quem é oponível, porque é uma garantia
oferecida pela ordem jurídica ao indivíduo, no sentido de facultar-lhe a
dispensa de comprovar, em Juízo ou fora dele, aquilo que constituiu objeto da
parte dispositiva do julgado.
A autoridade da res iudicata reside perante as partes ou seus sucessores,
enquanto o mesmo objeto, e pela mesma causa petendi por traduzir a
presunção de verdade inexorável, significando que o que foi decidido é verdade
– res iudicata pro veritate habetur.
Não cabe argumentar erro judiciário, e nem mesmo a falibilidade do homem
que sentenciou porque, não se pode ambicionar a construção da verdade
absoluta ou verdade ideal.
Deve se contentar com a verdade legal ou judicial que é a resultante do que
ficou apurado no processo e proclamado pelo juiz, e é esta a verdade que é
tida como insuscetível de alterada, acrescentando in verbis: “A coisa julgada
faz, do branco, preto, e do quadrado, redondo”. Para acentuar-se a ineficácia
de qualquer tentativa em contraditá-la dispensado de dar outra prova em cujo
favor milita.”
Teoria Geral do Direito
80
Modernamente se reflete sobre a apreciação de processos técnicos como meio
probatório, a reprodução de voz por gravadores eletrônicos, a exibição de
película cinematográfica, a fotografia, o video-tape e o videocassete.
Em princípio seu valor probante é inegável. A gravação de som e mesmo de
imagens se pode fixar as conversas e depois reproduzi-las na vivacidade dos
diálogos, presta-se, entretanto, a deturpações, supressões de trechos, enxerto
de declarações e, uma série de edições que podem produzir sem deixar o
menor vestígio.
Por tal fato, não é tão possível aceitá-la como meio probatório, senão com o
máximo de cautela. Também a filmagem e a fotografia são suscetíveis de
alterações. Todavia, a quem tiver de fazer uso desses e de outros processos
técnicos, agir com moderação e prudência, e, sobretudo não se impressionar
com sua aparente exatidão, pois podem facilmente ocultar manipulações e
fraudes.
Tanto assim que o Anteprojeto de Código de Obrigações laborado pelo
brilhante professor Caio Mário e outros doutrinadores insignes em seu art. 19
previa “que a prova resultante da reprodução mecânica de som e imagem,
admitida como plena, somente se confirmada pela confissão”
Fora daí, recebe-se tais meios probatórios com extrema cautela, e o CPC neste
assunto inferiu expressamente que se admitindo a reprodução mecânica da
imagem e do som, ressalvando que, se for impugnada à autenticidade o juiz
ordenará perícia (ex vi art. 383 do CPC).
De todo jeito, enfim, o direito e o fato se entrelaçam e justificando sua missão
maior de propiciar a pacífica convivência social..
Referências
Roger, J.C. La preuve civile. 2ª.ed.,Y Blais, 1995.
Lévy-Bruhl, H. Aspects sociologiques du droit, ed. M. Rivière et Cie, 1955.
Motulsky, H. Príncipes d`une réalisation méthodique du droit prive, Lyon, 1948
Virally, M. La pensée juridique., ed., L.G.D.J, 1960.
Marty, G. La distinction du fait du droit, Toulouse, 1929.
Gény, F. Sciense et technique en droit privé postif, tomo III, 1955
Perelman, Chaim Le fait est le droit, 1961; Logique juridique – nouvelle
rhétorique, 1965.
Teoria Geral do Direito
81
Japiassú, H., et Marcondes, Danilo. Dicionário básico de filosofia 3ª, edição
ver.ampliada, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editores, 1996, págs 247,248.
Pereira, Caio Mário da Silva Instituições de direito civil. Rio de Janeiro.
Forense. 2000.
Unidade VII: Alguns principais conceitos em Direito:
Da idéia do direito deduzimos que ele de um lado é facultas agendi (faculdade
de agir), ou seja, a possibilidade legal de cada indivíduo mover-se na
prossecução de seus deveres; e do outro lado, norma agendi (norma de agir),
ou seja, regra de conduta e organização coativamente imposta.
A idéia do direito liga-se portanto a idéia de conduta e organização. O direito
valoriza, qualifica, atribui conseqüências a um comportamento.
O direito não se limita a constatação material dos atos ou acontecimentos.
Trata também de regular e disciplinar condutas (que é uma relação de
pessoas), por isto denominamos o direito como norma de controle social. Ao
direito, antes de tudo, importa a ordem e a segurança da sociedade.
Direito positivo é, pois, o conjunto de regras de organização e conduta que,
consagrados pelo Estado, se impõe coativamente , visando a disciplina da
convivência social. Ou seja, é o ordenamento jurídico em vigor – Ubi societas,
ibi ius (onde há sociedade, há também o direito).
Direito Natural é a idéia abstrata do direito, é o conteúdo filosófico-ideológico
do ordenamento jurídico, corresponde a uma justiça superior.
Costuma-se dizer que o direito positivo se opõe ao direito natural, aquele
representando o regime de vida social corrente este, o conjunto de princípios
ideais pré existentes e dominantes.
Enquanto o direito positivo é nacional e contingente, o direito natural é
universal e eterno.
Não há contra posição e nem antinomia, pois que, se um é fonte de inspiração
do outro, não exprimem idéias antagônicas, mas ao revés, tendem a uma
convergência ideológica a procura de aperfeiçoar o direito positivo.
Para o fundador da escola de direito natural, Hugo Grócio, no séc. XVI, direito
natural é o paradigma da lei mutável e humana, e por isto, as leis não têm
base na vontade do legislador, que é apenas o intérprete ou veículo da lei
natural.
Teoria Geral do Direito
82
Tanto o Direito como a moral, representam-se por normas de conduta,
possuindo sanções diferentes, em âmbitos diversos, e coercibilidade diversa,
sendo que para uns só as normas de direito é que são dotadas de
coercibilidade, o que já não existe nas normas morais ou éticas;. Diferem
também pela bilateralidade e exigibilidade. Enquanto que a moral pronuncia-se
unilateralmente pela informação cultural-ideológica-religiosa de cada povo.
Ou seja, a moral não possui nem a coerção, nem a bilateralidade e nem a
mesma exigibilidade das normas de Direito.
Direito Objetivo é o comando estatal, é a norma ditada pelo poder público, é a
norma agendi – corresponde em síntese precária a lei propriamente dita.
Direito subjetivo é o poder de ação contido na norma, é faculdade de exercer
em favor do indivíduo o comando emanado do Estado (é facultas agendi), está
diretamente relacionado com o sujeito do direito (ou agente).
Direito subjetivo e direito objetivo são aspectos de um conceito único,
compreendendo a facultas e a norma, os dois lados de um mesmo fenômeno,
os dois ângulos de visão do jurídico. Um é o aspecto individual, outro o
aspecto social.
Direito subjetivo é o meio de satisfazer os interesses humanos e deriva do
direito objetivo, nascendo com ele.
Há teorias negativistas (como as Teorias de Duguit e de Kelsen) que não
admitem a existência do direito subjetivo.
Aliás, para Kelsen, a obrigação jurídica é senão norma jurídica, ou seja, o
direito subjetivo só existe em função do direito objetivo.
Baseia-se na idéia que a lei é a mãe de todos os direitos, inclusive o direito de
ação.
Há, contudo as teorias afirmativas que se desdobram em: teoria da vontade,
teoria do interesse e a teoria mista.
As teorias afirmativas são as que entre nós prevalecem.
Para a teoria da vontade (Windscheid) o direito subjetivo existe e é
constituído do poder da vontade.
Teoria Geral do Direito
83
Para a teoria do interesse, de Ihering, o direito subjetivo é o interesse
juridicamente protegido.
Para a teoria mista (é “mistureba”) alia o elemento vontade com o elemento
interesse. Jellinek define o direito subjetivo como interesse protegido que a
vontade tem o poder de realizar.
O direito subjetivo, é fruto da vontade individual enquanto o direito objetivo é a
expressão da vontade geral, da lei.
É óbvia a interdependência destes conceitos!
Direito Público
Os princípios jurídicos se agrupam em duas categorias, constituindo o
direito público e o direito privado.
O direito público era o direito do Estado romanos; o direito privado, a disciplina
dos cidadãos, critério utilitário que o Digesto e as Institutas assentaram como
elemento diferenciados.
Direito público é o destinado a disciplinar os interesses gerais da coletividade.
Compete a organização do Estado (Direito Constitucional); a disciplina de sua
atividade na consecução de seus fins políticos e financeiros, cuidando da
hierarquia (Direito Administrativo); a distribuição da justiça (Direito Processual
ou Judiciário); a repressão aos delitos (Direito Penal).
Direito privado é o que regula as relações entre os homens, tendo em vista o
interesse particular dos indivíduos, ou a ordem privada. Ele disciplina as
relações humanas no âmbito familiar, obrigações que se estabelecem de
indivíduo para indivíduo, quer oriundas de um contrato, quer derivadas do
delito, quer provenientes da lei, os direitos reais (o Direito Civil).
O Direito Civil possui características próprias, donde destacou-se um ramo
que foi constituir o Direito Comercial. Obs. Orlando Gomes, observa que
ultimamente a divisão entre direito público e privado tem sido objeto de fortes
críticas. Há a tendência de absorção do direito privado pelo direito publico.
Teoria Geral do Direito
84
Direito Consuetudinário é onde predomina os usos e tradições segundo os
quais os homens regulam suas relações. No mundo romano, o costume tinha
importância como fonte de direito: mores e consuetudo são palavras
constantes no Corpus Iuris.
Na Idade Média floresce o direito consuetudinário e contra ele lutam legistas e
canonistas, no afã de consagrar a unidade do poder em face dos
particularismos locais.
No mundo ocidental moderno, só na Inglaterra o direito, costumeiro conserva
grande importância . Entre nós, o Direito Comercial e o Direito Civil ainda
consagra a aplicação subsidiária do costume.
O costume, esclarece FERRARA, é um ordenamento de fatos que as
necessidades e as condições sociais desenvolvem e que, tornando-se geral e
duradouro, acaba impondo-se psicologicamente aos indivíduos. O costume é
um fenômeno pré-jurídico ou extrajurídico.
A supremacia hoje pertence ao direito positivo, tanto assim que só em virtude
de outra lei pode ser modificado ou substituído. Se praeter legem, o costume
suprirá as lacunas da lei. Se secundum legem, opera-se como uma segunda
lei, ou como extensão da primeira lei.
A posição do direito positivo quanto aos costume é prevista no art.4 da
L.I.C.C., e ainda invoca expressamente em seu art.1192 CC, II e art.1210 CC
(usos locais). Observe o esquema:
Público
Internacional
Privado
Constitucional
Público
Administrativo
Eleitoral
Tributário
Direito Positivo
Nacional
Ambiental
Trabalhista
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Processual
Penal
Econômico
Privado
Civil
Comercial
Obs: A divisão em público e privado do direito não possui caráter científico e,
sim meramente didático !!!
Fontes do Direito: São o meios técnicos de realização do direito objetivo.
Podem ser históricas (como o Digesto, as Institutas do Direito Romano, as
Ordenações do Reino). Podem ser atuais que correspondem àquelas as quais
o indivíduo se reporta para afirmar o seu direito, e o juiz para fundamentar a
sentença.
As fontes formais do direito são: a lei, a analogia, o costume e os princípios
gerais do direito.
As fontes não-formais correspondem à doutrina e jurisprudência.
A mais importante fonte formal do direito á a lei que é a fonte principal e as
demais são consideradas como fontes acessórias.
Costume é a reiteração constante de uma conduta, na convicção de ser
obrigatória.
A analogia é instrumento técnico ou método de interpretação, que visa suprir a
falta de disposição legal, empregando preceito disposto em caso semelhante.
Diz-se analogia interna, quando o preceito, é extraído do próprio contexto
legal, em análise. Diz-se externa, quando é extraída em outra lei do mesmo
sistema jurídico.
Doutrina é a interpretação da lei pelos estudiosos da matéria, é a análise
filosófica-científica dos conceitos e da aplicação da lei. É o estado das
concepções sobre o direito.
Teoria Geral do Direito
86
Jurisprudência é o estado atual do direito, tal como é revelado, pelo conjunto
das soluções que sobre certa matéria; é consagrada pelas decisões
judiciárias.
Obs. Ferrara entendia que a doutrina não é fonte de direito; no direito romano
todavia era assim considerada, pois os jurisconsultos gozavam de ius publice
respondendi, o direito de emitir regras obrigatórias para o juiz, para o index
privatus (processo).
Também não considera Ferrara a jurisprudência como fonte de direito
esclarece que a função do juiz não é criar direito e, sim, aplicá-lo ao caso
concreto, Contudo, sofre severas críticas, afirmando a jurisprudência como
fonte do direito.
A jurisprudência corresponde a uma série de acórdãos dos tribunais sobre a
interpretação do mesmo preceito jurídico e sua aplicação em face de casos
análogos.
Em sentido abstrato, é a própria Ciência do Direito. Pode-se dizer, contudo,
que a jurisprudência é a fonte de normas individuais para cada caso. O
sistema de Súmulas, que com base nos julgados, fixam critérios de decisão
que visam uniformizar o entendimento da lei, é adotado no Brasil.
Observe: Fontes
Direito Romano
Históricas
Ordenações do Reino
Cód.
Napoleônico,
Cód.
Alemão
(BGB)
lei
Fontes de Direito
Formas
costumes
(diretas)
princípios gerais do direito
analogia
Não formais
(indiretas)
doutrina
jurisprudência
Teoria Geral do Direito
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Lei:
a) generalidade
b)imperatividade
cogentes;
dispositivas
Características
c) autorizamento -
perfeitas e imperfeitas
d) permanência
e) emanação de autorização competente
substantivas
lei (natureza)
adjetivas
constitucionais
leis complementares
Lei (hierarquia)
ordinárias
delegadas
Vigência da lei
¯
elaboração
cabe ao
Poder Legislativo
promulgação
começa com sua publicação em D.O.
Publicação
Teoria Geral do Direito
88
Início
começa
Vacatio legis
publicação
significa
ou
após 45 dias de publicada
vacância da lei
Total (ab-rogação) e parcial (derrogação)
Revogação
Expressa
Tácita
efeito respristinatório é aquele que ocorre quando a lei revogada se restaura
por ter a lei revogadora perdido a vigência.
Obrigatoriedade das leis
Representa a lei uma ordem dirigida à vontade geral, uma vez em vigor, tornase obrigatória, nem mesmo a ignorância pode servir de escusa para não
cumprí-la.
Tal princípio, visa garantir a eficácia global da ordem jurídica.
A existência da norma não se faz necessário provar, três teorias justificam o
preceito:
a)
a da presunção – que consagra a presunção que a lei uma vez publicada,
torna-se conhecida por todos. É do domínio público. É criticada por basearse em inverdade;
b)
a teoria da ficção – pressupõe que a lei publicada torna-se conhecida de
todos, muito embora não seja verdade;
c)
A teoria da necessidade social é mais aceita, porque sustenta que a lei é
obrigatória e deve ser cumprida por todos, não por motivo de
conhecimento, presumido ou ficto, mas elevadas razões de interesse
público ditado pela sociedade.
Interpretação da norma jurídica
Teoria Geral do Direito
89
Denomina-se Hermenêutica Jurídica a ciência da interpretação, pois sendo a
norma geral e abstrata, tem de ser adequada ao caso concreto.
Espécies:
doutrinária
Interpretação
três espécies
judicial
legislativa ou autêntica
Interpretação doutrinária é uma atividade científica em geral elaborada pelos
doutrinadores, juristas e magistrados, procuravam a inteligência da lei.
Apreciam os conceitos e os fundamentos lógicos-cientificos que amparam o
direito.
A interpretação judicial é feita pelos Tribunais, com a firmeza da
jurisprudência.
A interpretação autêntica, é discutível, se temos aí uma verdadeira
interpretação, visto que se impõe quase como uma lei nova, embora
reproduzindo ou explicando lei anterior.
O objeto da interpretação é, pois a mens legis (a mensagem legal), não a
mens legislatoris (a vontade do legislador), mas a objetiva finalidade,
teleológica da lei.
A lei não contém uma verdade, porém um querer cujo endereço será
determinado pelas circunstâncias sociais e políticas do meio.
O que se há de procurar na lei é um poder normativo capaz de permitir a
superação do conflito pelo processamento pacífico das relações e dos
negócios.
Denomina-se analogia legis quando baseada em disposição singular da lei;
analogia iuris quando baseada em princípio do direito positivo.
Princípios gerais do Direito
Correspondem a ratio iuris, que por meio da abstração, das disposições
particulares da lei e construções e num processo de generalização crescente
chega a se integrar na esfera do direito, são aqueles princípios em que se
Teoria Geral do Direito
90
assenta a legislação positiva, sua expressão doutrinária caracteriza suas
causas econômicas, históricas e sociais que acabam por determinar as leis.
O princípio seria um foco de luz para iluminar o texto ou aplicação do mesmo.
Entre os princípios temos: o princípio do respeito aos direitos adquiridos, o
princípio proibitivo do enriquecimento ilícito, o princípio condenatório do abuso
do direito, o princípio da igualdade perante a lei, o princípio que veda às
autoridades administrativas abusarem de seu poderes.
São os princípios, portanto, orientações normativas integrantes da lei ou de
seu espírito e que ajudam a expansão lógica do direito.
Os princípios gerais do direito consagram as verdades filosóficas perenes.
Objeto dos direitos: coisas e bens
Patrimônio é o complexo das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis
economicamente.
Na idéia de patrimônio incide os resultados positivos e negativos sobre o
complexo econômico da pessoa.
A doutrina tradicional diz que o patrimônio é uno e indivisível no sentido de
que não é possível conceber a sua pluralidade da personalidade.
Partindo da noção de que é uma decorrência da personalidade, todo indivíduo
tem um patrimônio. Um só, diz Clóvis Beviláqua.
Nem todos os direitos integram o patrimônio, entre eles existem os direitos de
família puros (ex. pátrio poder, poder marital, filiação e etc...), também os
direitos de ordem política, e a da própria pessoa, são direitos não-patrimoniais.
Os direitos patrimoniais são aqueles de expressão econômica, passíveis de
transmissão inter-vivos, graciosa ou onerosa.
Teoria da afetação (se concebe uma espécie de separação ou divisão do
patrimônio pelo encargo imposto a certo bens).
Teoria Geral do Direito
91
A afetação implica na saída do bem dentro do patrimônio.
Esta teoria é uma reação contrária a doutrina tradicional da unidade do
patrimônio.
Bem, é tudo que é capaz de suprir uma necessidade humana, mas nem todos
os bens são jurídicos.
Nesta categoria, a dos bens jurídicos encontram-se aqueles que satisfazem a
nossa exigência e de nossos desejos, quando amparados e protegidos pela
ordem jurídica.
Bem jurídico possui uma natureza essencialmente patrimonial, é tudo aquilo
que se pode, integrar ao nosso patrimônio, é objeto de direito subjetivo.
São objetos de direito: os bens que podem compreender tudo que pode ser
objeto da relação jurídica, sem distinção da materialidade ou da
patrimonialidade .
Os bens distinguem-se das coisas em razão da materialidade destas: coisas
são concretas e materiais , enquanto bens poderá designar também os
imateriais ou abstratos.
Mas nem tudo que é corpóreo e material é coisa: o corpo humano não é,
apesar de sua materialidade , porque o homem é sujeito dos direitos e não é
possível separar a pessoa humana, dotada de personalidade, de seu próprio
corpo – então, coisas são objetos corpóreos.
Toda relação jurídica tem um objeto (que pode ser um bem ou uma coisa), que
como objeto do direito sofre a dominação do sujeito.
No entanto, existem coisas que não são objeto de direito ou porque são
insuscetíveis de apropriação ou porque ainda não foram apropriadas.
As primeiras são chamadas coisas comuns (ar atmosférico, o mar, as águas
correntes, dos rios públicos).
Teoria Geral do Direito
92
No estado de coisas comuns, o ar, o mar, os rios, embora não pertençam a
ninguém, podem ser subordinados a regulamentação de uso, de forma que a
utilização por um não embarace o tráfego aéreo, fluvial ou marítimo.
Coisas, há que embora suscetíveis de dominação acham-se
desassenhoreadas, ou porque nunca foram objeto de apropriação, ou porque
foram abandonadas pelo dono. A coisa sem dono ou coisa de ninguém, é
chamada de res nullius, acha-se à disposição do primeiro que a tomar.
A coisa móvel abandonada é a chamada de res derelicta, é aquela que era
objeto da relação de direito, mas deixou de sê-lo, porque o seu dono a lançou
fora, com a intenção de renunciar.
O mesmo que ocorre com a res nullius se dá com a res derelicta, pode ser
apropriada pelo primeiro que chegar, salvo se a sua ocupação for proibida por
lei.
Mas a coisa perdida não é res derelicta , porque o elemento caracterizador do
abandono, é a intenção de renunciar a coisa, a propriedade.
Também os fatos humanos podem ser objeto de relação jurídica, chamados
de “prestações”, pode ser o resultado desta (trabalho), podendo ser de ordem
física ou intelectual, contando que sejam lícitas, possíveis, determinadas ou
pelo menos determináveis.
Pode a relação jurídica ter, por objeto direto uma faculdade de agir sobre um
bem , como por exemplo, o usufruto de um crédito.
Os direitos possíveis de serem objeto de direitos ou da relação jurídica devem
ser suscetíveis de alienação ou transferência.
Bens corpóreos - são bens físicos, de existência de corpo juridicamente
reconhecido. Ex. uma mesa.
Bens incorpóreos - são bens abstratos. Ex. direitos de crédito.
O interesse prático da distinção das coisas em corpóreas e incorpóreas, que
no direito romano, se situava na forma de transmissão, de vez que as
Teoria Geral do Direito
93
corporales res, deviam obedecer ao ritual da mancipatio ou da traditio;
enquanto que a res incorporales eram transferidas por outra forma, como in
iure cessio (cessão).
É propriedade incorpórea, a propriedade literária, científica e artística do direito
do autor sobre sua obra.
Os bens considerados em si mesmo abrangendo a classificação em móveis e
imóveis; fungíveis e infungíveis; consumíveis e inconsumíveis; divisíveis e
indivisíveis; singulares e coletivos.
Exemplos:
Bens móveis
-
uma cadeira
Bens imóveis
afetar sua
-
uma casa (não podem ser transportados sem
substância)
Bens semoventes -
animais, telefone
5 ovos/R$50,00
(podem
ser
substituídos por
Bens fungíveis
10 metros de tecido
outro da
mesma
espécie,
qualidade e finalidade)
1 saca de milho
tela de Picasso
Bens infungíveis
individualidade)
(valem por sua
Escultura de Rodin
alimento em geral
Bens consumíveis
(se destroem quando usados)
cigarro
livro
Bens inconsumíveis
(de natureza durável)
Teoria Geral do Direito
94
óculos
um terreno
(sua natureza
comporta
Bens divisíveis
divisão sem afetar sua
apartamento
essência)
um cavalo
Bens indivisíveis
(não admitem divisão)
um relógio
Obs. O Código Civil reconhece os: bens imóveis – por natureza (a terra de um
terreno inclui as árvores, plantações, frutos pendentes, espaço aéreo e
subsolo), (por acessão física e por acessão intelectual)
Por natureza – Na época do CC as massas minerais e fósseis eram parte
integrante dos bens imóveis, passaram a constituir propriedades distintas,
integrada da União Federal, que outorga mera concessão para sua
exploração.
O Cód. de Minas as considera imóveis por natureza. O curso d água é imóvel.
A rigor, por natureza, imóvel é apenas o solo.
Os imóveis por acessão física - compreendendo tudo quanto o homem
incorpora permanentemente ao solo; construções, edifícios, benfeitorias em
geral. Também é imóvel o material de construção que irá ser utilizado nas
benfeitorias, serão aderidos permanentemente ao solo.
Acessão intelectual - abrangendo bens que por natureza são móveis, mas
que a vontade humana imobiliza, mantendo intencionalmente empregados na
exploração industrial, aformoseamento ou comodidade do imóvel.
Há um vínculo meramente subjetivo, como na relação das máquinas agrícolas
a propriedade agrícola.
Imóveis por determinação legal são bens que a lei trata como imóveis, são os
direitos reais sobre imóveis (uso, usufruto, habitação, renda, enfiteuse, penhor
agrícola, anticrese, servidões prediais).
Teoria Geral do Direito
95
As ações reais também são classificadas como bens imóveis por
determinação legal, as apólices de dívida pública (oneradas com cláusula
inalienabilidade), o direito à sucessão aberta.
Bens móveis por natureza ou por determinação legal.
Caracterização do gás (é coisa corpórea, é coisa móvel) e da corrente elétrica
(é incorpórea, é coisa móvel por determinação de lei e seu desvio irregular é
furto).
O navio é coisa móvel embora que sejam suscetíveis de hipoteca; o mesmo se
aplica à aeronave.
Móveis por determinação legal - os direitos das obrigações (ou direitos
pessoais); direitos autorais, propriedade industrial, os direitos do inventor, de
marcas e patentes, o fundo de comércio.
Móveis incorpóreos - cotas de capital ou ações de sociedade mercantil (S/A,
Ltda., em nome coletivo).
Bens fungíveis é aquele que podem ser substituídos por outros da mesma
espécie, qualidade e finalidade.
A fungibilidade é própria dos bens móveis.
Os imóveis são sempre infungíveis.
Bens consumíveis são destruídos na sua substância pelo uso normal e os
não-consumíveis são aqueles cuja utilização não atinge a sua integridade.
A noção se prende a consumibilidade material e, não a deteriorabilidade a que
as coisas estão sujeitas, que podem até serem consideradas como
inconsumíveis . Há ainda as juridicamente consumíveis, os bens que não são
destruídos pelo uso, mas cuja utilização não pode ser renovada, porque
implica na sua alienação.
Teoria Geral do Direito
96
A consumibilidade jurídica pode atingir bens materialmente consumíveis (como
se dá com os víveres nos armazéns) que são destinados à venda, e, portanto,
juridicamente consumidos no ato de disposição pelo vendedor.
Podem ser juridicamente consumíveis, bens que são materialmente nãoconsumíveis, como os livros em uma livraria, onde a disponibilidade em que
se encontram traduz a sua consumibilidade jurídica, embora não seja
destruída pelo seu uso natural.
Podem ainda a vontade das partes determinadas a consumibilidade jurídica do
bem.
Bens divisíveis – A divisibilidade é qualidade física de qualquer corpo e toda
matéria, no terreno da ciência jurídica, exige que a fragmentação respeite as
qualidades essenciais do todo.
Diz-se que são divisíveis, as coisas que comportam e as indivisíveis, as que
não comportam a divisão em porções reais ou distintas, por tal sorte que cada
uma das frações seja um todo perfeito.
A idéia de indivisibilidade assenta-se na desvalia econômica.
As coisas podem ser indivisíveis por natureza, determinação legal ou por
vontade das partes.
É naturalmente, indivisível tudo que não se pode partir sem alteração de sua
substância , afeta tanto os móveis como os imóveis.
A indivisibilidade jurídica decorre as vezes da lei.
A Lei 4591/64 disciplina a divisibilidade dos prédios por planos horizontais,
independente do número de andares e do material de construção associada a
unidade autônoma `a fração ideal do solo e das coisas comuns.
A divisibilidade em regra, é própria dos bens corpóreos, mas o direito estende
a idéia aos incorpóreos (obrigações divisíveis e indivisíveis).
Teoria Geral do Direito
97
A hipoteca é bem corpóreo, a que se atribui a condição legal de indivisibilidade
(art.757 CC.).
As servidões são bens indivisíveis (art.707 CC.)
Indivisibilidade convencional é a que resulta da vontade das partes, que
tornam indivisíveis coisas naturalmente divisíveis e a que não imponha a lei a
indivisibilidade coativa, ajustando conservá-la pro indiviso, por tempo
determinado ou não.
Observe:
PATRIMÔNIO = BENS + DIREITOS
BENS
satisfazem as nossas
exigências e
JURÍDICOS
protegidos pela
ordem
jurídica
NATUREZA PATRIMONIAL
implica
Objetos de direito
Objetos da relação jurídica
RES NULLIUS
BENS
¹
COISAS
RES DERELICTA
inclui as
imateriais
MATERIAIS
CORPÓREOS
TRABALHO
FATOS HUMANOS
DIREITO DE CRÉDITO
CORPÓREOS
®
TRADIÇÃO ®
BENS
MESA
direito de crédito
INCORPÓREOS ®
CESSÃO
direito do autor
Teoria Geral do Direito
98
Propriedade
científica
Por natureza
IMÓVEIS
® solo
Por acessão física
® árvore, tijolos,
plantações
Por acessão intelectual ®
benfeitorias, direito
reais sobre
BENS
sucessão
bens imóveis, direito a
aberta,
servidões
prediais
MÓVEIS
navios, corrente elétrica, gás, direito obrigacionais,
direito autorais, fundo de comércio, cotas de soc.
mercantis
SEMOVENTES
FUNGÍVEIS
Animais telefones
®
ovos, dinheiro, trigo, milho, substituíveis pelo
BENS
quantidade
o mesmo da espécie, qualidade e
INFUNGÍVEIS ®
tela de Picasso, escultura de Rodin, valem
sua individualidade
CONSUMÍVEIS
®
alimentos, cigarro
BENS
INCONSUMÍVEIS
®
livros, óculos apartamentos, casa
DIVISÍVEIS
®
terreno, bloco de apartamentos
INDIVISÍVEIS
®
cavalo, relógio
BENS
SINGULARES
® uma casa
BENS
COLETIVOS ou UNIVERSAIS ®
herança (universitas iuris)
Sub-rogação pessoal – uma pessoa natural ou jurídica substitui outra na
relação de direito.
Sub-rogação real – um bem toma o lugar de outro bem, como objeto de direito.
PRINCIPAIS
®
contém a substância em si
Teoria Geral do Direito
99
BENS
ACESSÓRIOS
®
existem sobre a principal e
dependem da outra
accessorium sequitur principale
acessório segue o principal
NATURAIS
– aderem espontaneamente ao principal
frutos da árvore, ilha fluviais
ACESSÓRIOS
INDUSTRIAIS – nascem do esforço humano
trabalho gráfico, benfeitorias
– ônus reais em relação a coisa gravada
CIVIS
juros com relação ao capital
Benfeitoria necessárias são as que têm por fim conservar a coisa ou evitar que
se deteriore – são indenizáveis.
Benfeitorias úteis são as que aumentam ou facilitam o uso da coisa. São
indenizáveis ao possuidor de boa fé, com direito de retenção. Ao possuidor de
má fé não se reconhece a faculdade de reembolsar o seu valor.
Benfeitorias voluptuárias ou de mero deleite não são indenizáveis e permitem
levantá-las.
pendentes
Naturais
percebidos
percepiendos
FRUTOS
do
Industriais -
utilidades que provém da coisa com contribuição
trabalho humano
Civis
Frutos
¹
-
rendimentos e benefícios (juros)
produtos da coisa
Bens públicos pertencem a pessoa jurídica de direito público.
Bens privados a todos os demais.
Bens Públicos – bens de uso comum do povo, inalienáveis e imprescritíveis
ruas, estradas, praça, monumentos
Teoria Geral do Direito
100
bens
de
uso
especiais,
inalienáveis
e
imprescritíveis
edifícios ou terreno aplicados ao seu funcionamento
bens dominiais, compõe o patrimônio da União, dos
Estados ou dos Municípios
– Naturalmente indisponíveis (pela própria natureza), o ar
é legalmente indisponível (não podem ser objeto
de
comércio), bens públicos, o corpo, o cadáver, a
liberdade, o parentesco.
Bens inalienáveis pela vontade humana: testamento, doação ou instituição de
bem de família).
Bem de família – É um caso especial de inalienabilidade voluntária de origens
norte-americana (homestead), permitindo que tal bem ficasse isento de
penhora por força de sua destinação à residência da família.
A inalienabilidade é relativa, pois que temporária, somente subsiste enquanto
viverem os cônjuges e até que os filhos completem maioridade; exime o bem
da execução por dívidas posteriores à constituição do bem de família, é
requisito de sua validade a solvência do pater familias, tal isenção não se
aplica aos impostos incidentais sobre o imóvel.
A cláusula de inalienabilidade somente poderá ser levantada por mandado do
juiz se for requerido por instituidor, que o justifique por motivo relevante
plenamente comprovado, ou por qualquer interessado que demonstre
desvirtuamento de seu destino.
Marques Reis, considera o bem de família como uma transmissão de domínio
do chefe da família para a família; Serpa Lopes, é a transformação do
domínio pessoal em um singular condomínio, sem que seus membros possua
cota pro indiviso.
Clóvis Beviláqua limita seu efeito à isenção de penhora sobre o bem
destinado ao domicílio da família.
Teoria Geral do Direito
101
Caio Mário, entende que é uma forma de afetação de bens a um destino
especial que é de ser a residência da família (é impenhorável).
Tombamento artístico e histórico – Uma vez inscrito o bem, conforme o
Decreto-Lei número 25, de 30/11/37, interesse público, restringe a
alienabilidade.
Não podem ser destruídos, demolidos ou mudados, os proprietários não
perdem o domínio, porém tem seu exercício subordinado a um regime de
restrição.
facto ius oritur
O direito origina-se do fato
O fato é o elemento gerador do direito subjetivo.
A lei comumente define uma possibilidade, um vir a ser, que se transformará
em direito mediante a ocorrência de um acontecimento que converte a
potencialidade de um interesse, em direito individual.
nascimento
Pressupostos
jurídica
implicam em
materiais
direito subjetivo
maioridade
relação
morte
São pressupostos fáticos abrigados pela ordem legal considerada como
determinantes dos efeitos jurídicos.
Fato jurídico
implica
relação jurídica
é o acontecimento que impulsiona a criação da
Savigny: fato jurídico é o acontecimento em virtude do qual começam ou
terminam as relações jurídicas.
Fatos jurídicos são os acontecimentos em virtude dos quais começam, se
modificam ou se extinguem as relações jurídicas.
Fatos jurídicos implicam em atos jurídicos (atos lícitos, atos ilícitos, princípio
da liberdade individual) e fatos jurídicos naturais.
Teoria Geral do Direito
102
Fatos: simples
significa uma só eventualidade
complexo
significa necessária a intercorrência de mais
de um fato simples (contrato, aquisição por usucapião)
de execução momentânea Þ efeito imediato
de execução deferida (ou futura) Þ testamento
de execução pretérita Þ casamento (legitima a prole
preexistente)
negócio jurídico
fatos humanos voluntários significam em conformidade com a ordem jurídica
O ato jurídico (lato sensu) é uma das fontes criadoras de direitos implicam
ações humanas que possuem consequência ex lege.
Foi a doutrina alemã que elaborou o conceito do negócio jurídico, é um
pressuposto de fato, pela vontade, e reconhecido como base do efeito jurídico
perseguido. É espécie do gênero ato jurídico.
Todo ato jurídico origina-se de uma emissão de vontade, mas nem toda
declaração de vontade constitui um negócio jurídico.
No negócio jurídico há de estar presente uma finalidade jurídica, que o
distingue do ato indiferente, ou de mera submissão pacífica e passiva ao
preceito legal.
Sobre o elemento vontade capaz de gerar efeitos jurídicos, denomina-se
autonomia da vontade que enuncia por dizer que o indivíduo é livre de, pela
declaração de sua própria vontade, em conformidade com a lei, criar direitos e
contrair obrigações.
No negócio jurídico há a convergência da atuação de vontade e do
ordenamento jurídico.
É a mais alta expressão do subjetivismo.
A vontade jurídica possui 3 momentos: o da solicitação, da liberação e da
ação.
Teoria Geral do Direito
103
O negócio identifica-se com a declaração de vontade.
Condições de validade: subjetivas – capacidade plena ou devidamente
complementada quando for o caso. Não deve haver nem mesmo
impedimentos ou incapacidades especiais. Objetivas Þ é o objeto lícito,
possível, determinado ou pelo menos determinável.
A forma é a terceira condição de validade, em princípio vigora a liberdade da
manifestação da vontade, vindo só excepcionalmente a lei exigir determinada
forma
Deve conter tais requisitos ou elementos essenciais havendo ainda elementos
acidentais não determinados por lei, mas introduzidos pela vontade das
partes.
Negócios jurídicos (tipos):
·
unilaterais – uma só declaração de vontade
·
bilaterais
·
onerosos
·
gratuito
·
inter vivos
·
mortis causa
·
principal
·
acessório
Defeitos do negócio jurídico Þ atingem a emissão de vontade. Há negócio
jurídico, porém defeituoso, e nisto difere daquelas hipóteses em que há
ausência de vontade relativamente ao resultado, casos em que ante um
negócio inexistente, tal deve ser nulo.
Duas categorias de defeitos, uns só atingem a própria manifestação da
vontade, perturbando a elaboração da declaração de vontade. Chamados de
vícios de consentimento, são os que provocam distorções sobre a vontade ou
sobre a declaração.
Outros, afetam o ato negocial salientando a desconformidade do resultado
com o imperativo da lei.
Teoria Geral do Direito
104
Com razão, Clóvis Beviláqua os denomina vícios sociais, pois manifestam
uma insubordinação da vontade às exigências legais, no que diz respeito ao
resultado querido.
Vícios de consentimentos são: o erro, o dolo e a coação.
Vícios sociais são a simulação e a fraude. Também a lesão aproxima-se dos
vícios de consentimentos.
Quando é rompido o binômio vontade-norma legal, o ato se forma, porém
inquinado de um defeito.
O traço de comunicação entre estes vícios (quer os sociais como o do
consentimento) é que atingem o ato negocial, situa-se na ruptura do equilíbrio
de seus elementos essenciais.
Erro de fato Þ ignorância, ou falsa percepção dos fatos substânciais (atua
sobre a causa determinante do negócio).
in pessona
error
in corpore
in substantia
in quantitate
erro acidental Þ
error
In qualitate
boa fé
Erro de direito
obrigatoriedade da lei
dolus malus
dolo
dolo principal
coação
vis compulsiva -
moral/psicológica
requisitos – ameaça séria e injusta ¹ temor reverencial - perigo iminente e
real
Teoria Geral do Direito
105
Simulação não há vício de consentimento, trata-se de vício social, é positivado
na desconformidade entre a declaração de vontade e a ordem legal por causa
da relação ou de técnica de sua realização.
Simulação absoluta é quando o ato encerra confissão, declaração, condição
ou cláusula não verdadeira.
Simulação relativa = dissimulação (um ato tem por fim envolver outro)
Reserva mental ou reticência – ocorre quando o agente faz a ressalva de não
querer o ato que é objeto de declaração. A doutrina aceita como sendo
extensão da simulação.
Equivalente conceitual da reticência é a declaração de vontade feita por
pilhéria, produz efeitos se é emitida para a outra parte que a tome a sério, e
não produz nenhum efeito quando a intenção é conhecida.
Fraude contra credores Þ fraus = procedimento malicioso, a manobra
engendrada com o fito de prejudicar terceiro e tanto se insere no ato unilateral,
como no ato bilateral.
Presente está o propósito de levar os credores ao prejuízo, perfazendo-se
uma insolvência.
S
Basta que o devedor tenha a consciência de produzir o dano.
Na simulação, o ato pode resultar em dano, porém na fraude, sempre resultará
em dano a terceiro. Na fraude, o ato é real e a declaração de vontade está de
acordo com o querer íntimo do agente, tendo como efeito o resultado
prejudicial a terceiro.
A fraude leva a diminuição maliciosa patrimonial.
Os atos fraudulentos são atacáveis pela ação denominada pauliana ou
revocatória (ou rescisória).
Teoria Geral do Direito
106
Fraude à execução - lesão e estado de perigo = o prejuízo que uma pessoa
sofre na conclusão de um ato negocial resultante da desapropriação existente
entre as prestações das duas partes. Corresponde a crime contra Economia
Popular (Decreto-Lei 869/38, modificado pela Lei 1.521. Elementos: Objetivo,
subjetivo (desproporção entre as partes, dolo de aproveitamento).
Atos Jurídicos
O artigo esmiúça os atos jurídicos traçando o fundamento e os principais
defeitos.
Dentre os fatos humanos, há os que são voluntários e os que independem do
querer individual. Sendo os voluntários, caracterizados por serem ações
resultantes da vontade, vão constituir a classe dos atos jurídicos desde que se
revestirem de certas condições impostas pelo direito positivo.
Porém nem todas ações humanas se constituem em atos jurídicos, porém
apenas as que traduzem a conformidade com a ordem jurídica, esclarece o
brilhante
professor
Caio
Mário
da
Silva
Pereira.
Define o Código Civil, que ato jurídico é todo o ato lícito que tenha por fim
imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, ou extinguir direitos (vide o
atual art. 185 do NCC ou o antigo art. 81 do CC de 1916).
Para ser válido o ato jurídico, para ser ato jurídico perfeito requer agente capaz,
objeto, lícito, possível, determinado ou determinável e, ainda prescrita em lei ou
não vedada em lei (art. 82 do CC de 1916 ou art. 104 do NCC).
Pela sistemática brasileira, o ato jurídico e negócio jurídico são expressões
equivalentes, alguns servem esta última para significar o ato especificamente
decorrente
de
declaração
de
vontade
partida
do
agente.
O ciclo vital do direito à guisa do ciclo da própria vida prevista na natureza que
nos cerca, também nasce, desenvolve-se e extingue-se, essas fases ou
momentos decorem de fatos que são denominados fatos jurídicos, exatamente
por
produzirem
efeitos
jurídicos.
Fatos jurídicos são, na definição de Savigny, são acontecimentos em virtude
dos quais as relações de direito nascem e se extinguem.
Os fatos (lato sensu) podem ser classificados em: fatos naturais (fatos stricto
sensu)
e
fatos
humanos
(atos
jurídicos
lato
sensu).
Os fatos naturais se dividem em ordinários (nascimento, morte, maioridade,
decurso do tempo) e extraordinário (terremotos, raio, tempestades e outros
fatos que em geral incluídos nos casos fortuitos ou força maior).
Teoria Geral do Direito
107
Os
fatos
humanos
dividem-se
em
lícitos
e
ilícitos.
Os lícitos são os que a lei defere os efeitos almejados pelo agente. Praticados
em conformidade com o ordenamento jurídico, produzem os efeitos jurídicos
voluntários,
desejados
pelo
agente.
Ilícitos ainda que contrários ao ordenamento jurídico, repercutem na esfera
jurídica produzindo efeitos involuntários (quando não dolosos) impostos por
esse
ordenamento.
Aliás, o Novo Código Civil Brasileiro traz novidade muito curiosa no que tange
ao art. 185, responsável pela inclusão dos atos jurídicos lícitos, resultado da
vitória de Miguel Reale sobre Caio Mário da Silva Pereira, na acirrada polêmica
sobre
o
correto
sentido
do
conceito
de
“ato
jurídico”.
A boa parte da doutrina não considerada como jurídico o ato ilícito, embora
este
produza
efeitos
como
a
responsabilidade
civil.
Hoje, se admite que os atos ilícitos integram a categoria dos atos jurídicos,
pelos efeitos que produzem (geram a obrigação de reparar o prejuízo) vide o
antigo art. 159 do CC de 1916 ou o art. 186 do NCC.
Os atos lícitos ainda dividem-se em: stricto sensu (ou meramente lícitos) e o
negócio jurídico. Ambos existem uma manifestação volitiva amparada pela lei e
capaz
de
gerar
efeitos
(jurígeno).
No ato jurídico, o efeito da manifestação de vontade está predeterminado em
lei (como por exemplo, a notificação que constitui em mora o devedor,
notificação
para
rescisão
contratual).
Porém, às vezes o efeito do ato jurídico não é buscado e nem imaginado pelo
agente, mas decorre de uma conduta que sofre uma sanção pública.
Ato jurídico é potestativo é imposto inderrogável, pois que engendra efeitos na
esfera
de
interesses
independentes
de
sua
vontade.
O fundamento do ato jurídico é a vontade real do sujeito que se declarou nas
condições definidas em lei capaz de produzir imediata ou futuramente,
determinado efeito, como criar, conversar, alterar, transferir ou extinguir direitos
ou
obrigações.
Desse modo, vontade e declaração integram o ato jurídico, porque vontade
indeclarada, de propósito oculto, e irrelevante para o direito, e declaração sem
vontade real, como a resultante de dolo ou do erro, não cria vínculos jurídicos.
Correm no campo da doutrina duas teorias são capazes de justificar
continuamente o ato jurídico: a teoria da vontade e a da declaração.
Teoria Geral do Direito
108
A teoria da vontade, liderada por Savigny, diz que a declaração é simples sinal
exterior da vontade real, devendo, portanto ser pesquisada, nos seus
verdadeiros propósitos, através dos disfarces ocorrentes e possíveis das
palavras
e
dos
símbolos.
Tal
pesquisa
da
vontade
seria
assaz
auspiciosa
e
dificílima.
A teoria da declaração rebela-se porque se substitui a vontade psicológica pela
vontade formal jurídica que na declaração se concretiza, eliminadas, desse
modo, as auspiciosas sondagens da vontade real de caráter interno e subjetivo.
Também levada ao extremo, a teoria da declaração desfecharia num
literalismo
grosseiro
e
não
aceitável.
Por agente capaz entende-se é aquele que se encontra perante a lei em
condições de declarar sua vontade. A capacidade exigida aqui não é só a geral
mas também a especial. Ressalte-se que a capacidade civil desceu para 18
anos.
Além dos tipos clássicos de capacidade, a de direito e a de fato, há também a
capacidade negocial e a especial. A capacidade negocial é aquela exigida
como plus, além da genérica, para realização de atos jurídicos específicos. O
referencial não é etário, as vezes são circunstâncias culturais tais como saber
ler
e
escrever,
ouvir,
e,
etc.
Capacidade especial é a aquela exigida para a realização de determinados
atos, normalmente fora da esfera do Direito Privado. Aqui, o referencial será a
idade que pode ou não coincidir com a maioridade civil. Assim, para votar e
casar é 16 anos, para movimentar contas bancárias é 16 anos, para o serviço
militar
é
17
anos,
e,
etc.
Pessoas existem porém, a quem a lei não reconhece a capacidade de agir ou
de
exercício.
São
os
absolutamente
incapazes,
a
saber:
(art.3.do
NCC)
Os menores de 16 anos , os que por enfermidade ou deficiência mental, não
tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos, os que, mesmo
por causa transitória não puderem exprimir sua vontade (como o surdo-mudo
inexpressivo,
ausentes).
Os relativamente incapazes são (a saber previsto no art. 4.do NCC) os maiores
de dezesseis e menores de 18 anos; os ébrios habituais, os viciados em
tóxicos, (pelo Decreto 891, de 25 de novembro de 1938, e os psicopatas pelo
art. 26 do Dec. 24.559, de 3 de julho de 1934), art.1.185 do CPC.
Os toxicômanos pela Lei 4.294/21, foram equiparados aos psicopatas, criando
o
DecTeoria Geral do Direito
109
Lei 891/38, no art.30,§ 5o., duas espécies de interdição, conforme o grau de
intoxicação(limitada, que é similar à interdição dos relativamente incapazes, e a
plena, semelhante à dos absolutamente incapazes), e os que, por deficiência
mental, tenham o discernimento reduzido; os excepcionais, os pródigos.
Ressalva ainda em parágrafo único que a capacidade dos índios será regulada
por legislação especial.( Lei 6.001, de 19/12/73 Estatuto do Índio, CF/88,
arts.22, XIV, 49, XVI, 129, V, 210 §2o., 232, 109, XI, 231, 176 §1o).
É importante frisar que no direito pátrio não existe incapacidade de direitos,
porque todos se tornam, ao nascer com vida, capazes de adquirir direitos.
Existe tão-somente incapacidade de fato ou do exercício,( art. 2o., do NCC). A
capacidade
é
a
regra
e
a
incapacidade
a
exceção.
A incapacidade descrita nos incisos II e III,do art. 3o., mister se faz que haja
manifestação
judicial
a
respeito.
Ratifica o novo codex civil que ao nascituro possui uma expectativa de direito.
Ocorrendo a personalidade jurídica, a pessoa torna-se sujeito de direito,
transformando-se em direitos subjetivos as expectativas de direito que a lei lhe
havia atribuído na fase de concepção. Inclusive Para Arnold Wald, o nascituro
teria
personalidade
condicional.
Correspondendo a incapacidade numa restrição legal ao exercício de atos da
vida civil, restrição de caráter protetora pois que a vontade dos incapazes nem
sequer
é
autêntica
às
suas
necessidades.
Em diversos dispositivos na sistemática civil brasileira demonstram o sistema
de proteção aos incapazes, como por exemplo, o poder familiar (ex-pátrio
poder),
a
tutela,
curatela,
à
prescrição
e
outros.
Nesta proteção não está incluída a restitutio integrum ( benefício de restituição)
pois se o negócio jurídico for validamente celebrado (com observância de todos
os requisitos de representação, e da assistência) não se poderá anulá-lo,
mesmo que posteriormente, demonstre ser prejudicial ao menor.
Incorporou-se o instituto da lesão enorme e enormíssima como causa
invalidante do negócio jurídico, o que já havia sido feito pelo CDC o Código de
Consumidor, explicitou-se a representação, a reserva mental, o abuso de
direito e da prova dos fatos jurídicos. Manteve-se a influência pandectista para
a
conceituação
do
negócio
jurídico.
As incapacidades podem ser supridas por meio da representação que ocorre
quando alguém autorizada pela lei, pratica os atos jurídicos em nome do
incapaz.
São representantes legais:é o pai e a mãe dos filhos menores de 16 anos, é o
Teoria Geral do Direito
110
tutor dos órfãos menores impúberes, é o curador, dos insanos com maioridade,
os surdos-mudos, e etc. Os poderes de representação conferem-se por lei ou
pelo
interessado.
È anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por
conta de outrem, celebrar consigo mesmo.(ex vi art.117 NCC). O representante
é obrigado provar às pessoas, com quem tratar em nome do representado, a
sua qualidade e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o fazendo,
responder
pelos
atos
que
a
estes
excederem.
È anulável o negócio concluído em conflito de interesses com o representado,
se tal fato era ou devia ser do conhecimento de quem com aquele tratou.
O prazo a contar da conclusão do negócio ou da cessação da incapacidade, é
de 180 dias, o prazo de decadência para pleitear-se a anulação prevista neste
artigo.(ex
vi
art.
119
do
NCC).
Os relativamente incapazes têm a incapacidade suprida ou pela assistência ou
pela autorização(ato pelo qual o relativamente incapaz obtém a autorização de
quem legalmente pode concedê-la para realizar certo ato jurídico).
Ao declarar sua vontade, o agente dá seu consentimento ao negócio , que não
pode ser prejudicado por nenhum dos defeitos do ato jurídico tais como o erro,
dolo,
coação,
e
a
simulação.
No dizer de Fiúza defeito é todo vício que macula o ato jurídico, tornando-o
passível de anulação. Os mais graves defeitos, viciam o ato de forma definitiva
e os menos sérios podem ser remediados pelas partes interessadas.
São
previstos
no
art.
166
do
NCC,
in
verbis:
“É
nulo
o
negócio
jurídico
quando:
I celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II for ilícito, impossível ou
indeterminável o seu objeto; III o motivo determinante, comum a ambas as
partes, for ilícito; IV não revestir a forma prevista em lei; V for preterida alguma
solenidade que a lei considere essencial para a validade; VI tiver por objetivo
fraudar a lei imperativa; VII a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a
prática,
sem
cominar
sanção.”
São defeitos relativos ou leves os listados no art.171 do NCC, a incapacidade
relativa doa gente do agente, os vícios do consentimento(erro, dolo, coação) o
estado de perigo, a lesão e a fraude contra credores, além de outros, previstos
na
legislação
de
maneira
difusa.
Por objeto do ato jurídico deve ser lícito, possível(ou seja ter natureza e
existência judicialmente reconhecida). Se for impossível o objeto, seja física ou
juridicamente,
dar-se-á
a
nulidade
absoluta
do
ato
jurídico.
Teoria Geral do Direito
111
E em boa hora, o Código Civil de 2002 acrescenta o que já ermitava
consagrado em doutrina, há de ser o objeto lícito, possível, determinado ou
determinável
que
atende
à
clareza
do
negócio.
Quanto a forma dos atos jurídicos convém ressaltar os que integram a
substância do ato(a forma ad solemnitatem) tais como a escritura pública para
a alienação de bem imóvel, o testamento; e os que se revestem de formalidade
ad probationem tantum que é exigida apenas como prova do ato, por exemplo,
o assento do casamento no livro de registro art. 1.536 do NCC.
Todavia, existem os atos ditos não solenes ou de forma livre, não reclama
nenhuma formalidade para seu aperfeiçoamento podem ser inclusive
celebrados
pela
forma
verbal.
Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos
negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou
renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior
salário mínimo vigente no País.(art.108 NCC). Continua a ser a forma livre do
ato a regra, e a exceção a forma especial ou solene que a lei ou o próprio
negócio
jurídico
exigir.(ex
vi
art.
109
NCC).
Algumas vezes, a forma é essencial à validade do ato e em outras é
simplesmente um meio de prova, se a formalidade é da essência do ato, este
não valerá, por exemplo, quanto aos débitos inferiores a dez vezes o salário
mínimo, o CPC admite a prova exclusivamente testemunhal( art.401 CPC),
mas a existência do contrato independe da forma escrita e desde que as partes
cumpram as suas obrigações o contrato mesmo de valor superior a dez
salários mínimos será perfeito e acabado, embora não tenha a forma escrita.A
nova legislação trazida distinção entre as formalidades exigidas pelo ato para
sua
existência
e
as
que
são
exigidas
para
prová-lo.
O NCC traz dois novos institutos como causa de invalidação do negócio
jurídico, o estado de perigo (art. 156 NCC) e a lesão (art.157NCC). Configurase o estado de perigo quando alguém, por exemplo, vende um bem imóvel por
preço vil, em razão de premente cirurgia de uma pessoa de sua família. Tal
venda poderia ser anulável por se encontrar o vendedor em estado de perigo.
Já a lesão à pessoa assume uma prestação desproporcional em função de
premente necessidade ou inexperiência. Tal instituto tende a evitar negócios
jurídicos onde impera a má fé de uma das partes, onde não ocorre a
observância do princípio da boa-fé objetiva. O negócio, contudo, pode ser
convalidado e for ofertado suplemento suficiente, ou se a parte favorecida
estiver
de
acordo
com
a
redução
do
proveito.
Unidade VIII: Domicílio: um complexo conceito do Direito Civil.
Teoria Geral do Direito
112
O direito romano já delineava de forma clara e precisa de domicílio, era
simplesmente o lugar onde a pessoa se estabelecia permanentemente.
Informa Pablo Stolze foram os franceses que complicaram a noção de
domicílio, pois imaginavam haver relação jurídica entre a pessoa e o lugar que
habitava. Domicílio, corresponde, em última análise, à projeção da proteção
constitucional da própria pessoa humana. A disciplina jurídica do domicílio visa
a preservação da vida privada da pessoa humana, garantindo a dignidade
humana afirmada constitucionalmente.
Por imperativo da segurança jurídica, toda pessoa deve ter um lugar que seja
considerado a sede central de seus negócios. Neste local, salvo disposição
especial em contrário, a parte com quem contratamos poderá ser demandada,
uma vez que o foro do domicílio do réu fixa a regra geral de competência
territorial (art. 94 CPC).
A noção de domicílio pertence ao direito material onde é devidamente
disciplinada e sistematizada, a LICC adota o sistema de territorialidade
moderada e dispõe em seu art. 7º. Toda a relevância do conceito de domicílio e
seus efeitos.
No direito das obrigações serve o domicílio para firmar a regra geral de que o
pagamento deve ser efetuado no domicílio do devedor (é a chamada dívida
quesível ou querable), se o contrário não resultar do contrato, das
circunstâncias ou da natureza da obrigação, bem como da própria lei.
Referente ao domicílio político este é relevante para o Direito Constitucional e
ao Direito Eleitoral. Mesmo na seara processual penal, desconhecido o local
onde se consumou o crime, a competência para julgar o réu poderá ser
determinada por seu domicílio ou residência (art. 72 do CPPC).
Domicílio civil é o lugar onde a pessoa natural estabelece residência com
ânimo definitivo, convertendo-o, em regra, em centro principal de seus
negócios jurídicos ou de sua atividade profissional.
É o local onde reside sozinho ou com seus familiares. É o local onde reside
sozinho ou com seus familiares. É o lugar onde se fixa o centro de seus
negócios jurídicos ou de suas ocupações habituais. O Código Civil Brasileiro de
2002 abarcou todas as hipóteses de domicílios nos arts. 70, 72 e em seu
parágrafo único.
Morada é mera relação de fato sem o ânimo de nela permanecer, é lugar onde
a pessoa natural se estabelece provisoriamente. Estadia descreve Ruggiero
que pode ser definida como “a mais tênue relação de fato entre uma pessoa e
um lugar tomada em consideração de lei”, é de importância mínima, não
produzindo em regra qualquer efeito, senão quando se ignora a existência de
uma sede mais estável para a pessoa.
Teoria Geral do Direito
113
O mesmo doutrinador aponta que residência pressupõe maior estabilidade,
mas é bem, mas complexa a noção de domicílio posto que abrange a
residência e, por conseguinte, a morada. Mas, há sobretudo, o animus
manendi, ou seja, o ânimo definitivo de fixar-se.
Pondera Pablo Stolze que a fixação de domicílio tem natureza jurídica de ato
jurídico não-negocial ou ato jurídico stricto sensu segundo a escola alemã. E,
como tal exige-se a capacidade de agir. Exceto para os chamados domicílios
originários
A pluralidade de domicílios é orientação advinda do direito alemão a qual
seguimos. Inovou, outrossim, o legislador pátrio, ao substituir a expressão
“centro de ocupações habituais” por outra expressão mais abrangente “quanto
as relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida”.
A mudança de domicílio opera-se com a transferência da residência aliada à
intenção manifesta de alterá-lo. Que se constata da análise objetiva das
circunstâncias fáticas.
Para as pessoas que não tenham residência certa ou domicílio, elaborou-se a
tese ou teoria do domicílio aparente ou ocasional criada por Henri De Page
segundo a qual àquele que cria as aparências de um domicílio em um lugar
pode ser considerado por terceiro como tendo aí o seu domicílio.
Aplicação desta teoria assenta-se no teor do art. 73 do CC onde se reputa o
domicílio, o lugar onde a pessoa for encontrada (é o caso dos nômades,
andarilhos, ciganos, profissionais ambulantes e, etc...).
O vigente CPC em seu § 2º do art. 94 utilizar-se tal teoria quando aduz que
sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu, este será demandado aonde
for encontrado ou no foro do domicílio do autor.
Já o domicílio de pessoa jurídica de direito privado é normalmente indicado em
seu estatuto ou contrato social, é o chamado domicílio especial. E se não
houver tal indicação expressa, considerar-se-á como domicílio, o lugar onde
funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou então, se possuir
filiais em diversos lugares, “cada um deles será considerado domicílio para os
atos nele praticados” (art. 75, IV, § 1º do CC de 2002).
O domicílio voluntário é o mais comum e decorre de ato livre, da vontade do
sujeito de direito. O domicílio legal ou necessário, é fruto de determinação legal
e, em atenção a condição especial de certas pessoas. É o caso do incapaz, do
servidor público, do militar, do marítimo e do preso (art. 76 do C.C.).
Já quanto ao domicílio de eleição ou contratual este é fruto de mútua vontade
das partes contratantes, porém na seara do direito do consumidor é curial
Teoria Geral do Direito
114
relatar que nos contratos de consumo, considera-se ilegal e abusiva a cláusula
contratual que fixar o foro de eleição em benefício do fornecedor do produto ou
serviço, em prejuízo do consumidor (art. 51, IV do CDC).
Também adverte Amauri Mascaro Nascimento que também não é admitido nos
contratos de trabalho em face da notória hipossuficiência do trabalhador (art. 9
da CLT). E na maioria dos contratos de adesão, também não tem prevalecido,
quando importar em prejuízo ao contratante aderente.
A noção de domicílio tem enorme relevância para o direito e, particularmente
no âmbito processual. Legou-nos o direito romano noção bastante nítida do
instituto, embora contenha uma referência incompleta.
A teoria romana partia da idéia de casa ( domus) e fixava o conteúdo jurídico
em razão do estabelecimento ou permanência do indivíduo naquele lugar “ubi
quis larem rerunque ac fortunarum suarum summan cosntituit”.
A definição romana é parcial pro abranger tão-somente o domicílio voluntário,
relegando ao esquecimento o domicílio legal. O domicílio consiste no fato
singelo na sua materialidade: estabelecimento do lar e da constituição do
centro de interesses econômicos.
Aubry e Rau pautaram a noção, segundo a qual o domicílio é uma relação
jurídica existente entre uma pessoa e um lugar. Tal raciocínio seduziu muito a
doutrina francesa da escola exegética conquistando a Itália que também
enxergou no domicílio num vínculo de direito havido entre lugar e pessoa.
Coube, porém, à doutrina alemã restaurar o conceito na sua acepção
originária, os pandectistas reafirmaram a idéia romana retomando a noção de
centro das relações e atividades, moradia habitual.
O BGB em seu §7º, não cuida de imaginar qualquer vinculação jurídica entre
pessoa e o lugar em que se encontra e permite a definição de domicílio como
centro de relações jurídicas de uma pessoa.
Os modernos doutrinadores franceses criticam a noção de vinculum iuris entre
pessoa e o lugar e ratificam que não se trata de conceito abstrato e sim, de
concreto ( De Page). O que é positivado francamente no art. 102 do Código
Francês é aquele onde a pessoa tem o seu principal estabelecimento.
Aliás, refutando veemente a idéia de vínculo jurídico entre lugar e pessoa,
temos as idéias de Kant que aponta só ser possível relações jurídicas entre
sujeitos de direito.
O Código Civil Brasileiro definiu (o que normalmente não o faz) domicílio em
seu art. 70 e atestou expressamente os dois elementos essenciais: a
Teoria Geral do Direito
115
residência com ânimo definitivo provenientes de duas ordens distintas (uma
externa e, outra interna).
A residência é o lugar de morada normal, onde a pessoa estabelece sua
habitação.
Ruggiero estabeleceu gradação entre os conceitos de morada, residência e
domicílio, Na residência existe a morada de quem chega e fica não é a
pousada eventual. O quem aluga uma casa de praia ou de campo para passar
o verão ou inverno, tem ali sua morada, mas não tem a residência (que
pressupõe estabilidade que pode ser maior ou menor).
Também os irmãos Mazeaud procuraram delinear a distinção entre os referidos
conceitos. Ponderam que a residência se coloca a meio caminho entre a
morada e o domicílio, mas não podemos aderir a essa doutrina por pressupor
no conceito de domicílio a vinculação jurídica e abstrata entre a pessoa e o
lugar do estabelecimento principal dos negócios jurídicos da pessoa.
Clóvis Beviláqua define domicílio da pessoa natural como “o lugar onde esta,
de modo definitivo, estabelece a sua residência e o centro principal da sua
atividade”.
É, sem síntese, a sede jurídica da pessoa, onde esta se presume presente
para efeitos de direito e onde pratica habitualmente seus atos e negócios
jurídicos.
Carlos Roberto Gonçalves identifica os dois elementos componentes do
conceito do domicílio, sendo o primeiro de caráter objetivo que é a residência; e
correspondendo a mero estado factual material, e o segundo elemento de
caráter subjetivo de natureza psicológica e íntima consistente no ânimo
definitivo de fixar-se de modo permanente.
Da conjunção desses dois elementos que nasce o conceito de domicílio civil.
A residência é elemento mais amplo que o domicílio e, com este não se
confunde. É simples estado de fato, enquanto que domicílio é uma situação
jurídica.
Para o direito brasileiro, o domicílio não é fato material de ser permanente que
transforma a residência em domicílio, mas o fator psicológico, ou seja, o ânimo
definitivo de fixar-se.
Todos os sujeitos de direito devem ter, pois um lugar certo, no espaço, de onde
irradiem sua atividade jurídica. È ponto de referência protegido
constitucionalmente como recinto inviolável.
Para o codex civil brasileiro a noção de domicílio assenta-se na idéia de
residência, enquanto que para a escola francesa domicílio e residência são
Teoria Geral do Direito
116
noções dissociadas (pois a residência é fato, e domicílio é de direito, assim um
indivíduo pode ter tranqüilamente várias residências, mas em princípio, um
único domicílio).
A residência como habitação efetiva, perde-se naturalmente quando é deixada
enquanto que o domicílio como sede jurídica da pessoa, pode subsistir ainda
que ali não resida nunca a pessoa. De certa forma, segue essa orientação do
art. 77 CC. Ao prevê o domicílio do agente diplomático.
É óbvio que não é qualquer residência que faz o domicílio para o direito pátrio,
pois seria total a insegurança depender de elemento anímico de apuração
subjetiva, isto é, a definitividade da residência. Desta forma, a equação sábia
elaborada por Pothier que reúne os dois elementos, morada habitual ou
residência.
Um estudante que passa dois anos na Europa cumprindo bolsa de estudos,
não tem ali seu domicílio, embora lá fixe sua residência. Um funcionário
enviado para exercer temporariamente no exterior, tem residência, mas lá não
se domicilia, tanto assim que a lei substantiva não permite a fluidez do prazo
prescricional contra este.
O que falta é o animus manendi que se torna incompatível com a
temporariedade da missão ou da estadia para estudos.
A melhor doutrina alemã oferece a contraprova na evolução moderna da
doutrina francesa reconhecendo a complexidade conceitual de domicílio,
criando a teoria da eleição tácita de domicílio e a teoria do domicílio aparente.
Vigora a presunção de que, para efeito de fornecimentos, trabalhos, locações,
as ações podem ser ajuizadas, na falta de eleição de domicílio expressa, no
lugar em que o negócio foi ajustado ou executado (eleição tácita); ou então, no
que se refere aos fornecimentos correntes, aceitaram os tribunais a
competência do juiz do lugar da residência aparente.
O domicílio aparente se funda na intensa necessidade de fixar-se uma sede
para as pessoas que tenham várias residências, ou que se deslocam
constantemente, e assenta-se como domicílio a aparência criada que fora
construída em benefícios de terceiros, o que acarreta ser possível a invocação
a seu favor do domicílio aparente.
Saliente-se que a citação editalícia é ultima ratio pois só aplicar-se-á quando
constatada por meio de contrafé de oficial de justiça que o réu se encontra em
lugar em incerto e não sabido.
Da fixação do domicílio decorrem certas conseqüências que atingem as
relações jurídicas projetando-se nos seus efeitos por diversos ramos jurídicos.
Teoria Geral do Direito
117
Domicílio importa em traduzir a fixação espacial do indivíduo, o fator de sua
localização para efeito das relações jurídicas, a indicação de um lugar onde o
indivíduo está ou se presume que esteja, dispensando aos interessados o
esforço e a incerteza de andarem à sua procura por caminhos instáveis.
No aspecto civilístico resume o domicílio, o lugar de exercício de direitos,
cumprimento de obrigações no sentido de sua exigibilidade (vide a questão de
dívida portable e dívida querable).
É o domicílio que concentra o eixo principal de interesses pecuniários da
pessoa, fixando o lugar, portanto, da atuação relativa a esse complexus
econômico. É no lugar do domicílio que se publicam os editais relativos aos
direitos obrigacionais e ainda ao direito de família ( proclamas). Também é em
razão do domicílio que se caracteriza a ausência.
Quanto ao âmbito processual civil, é o domicílio que fixa a regra geral de
competência (art. 94 e seguintes do CPC).
A polivalência conceitual de domicílio nos conduz a vários tipos de domicílio
como o político, fiscal, eleitoral que ora nos interessa quanto ao direito público
e, ora ao direito privado.
A doutrina moderna pontifica as diferenças entre: morada, é o lugar onde a
pessoa se encontra de forma fugaz, sem qualquer vínculo de permanência. É,
na realidade, o local onde a pessoa se encontra estabelecido naquele
momento de forma absolutamente temporária, sem que haja qualquer vínculo
que a ligue ao lugar. É a hipótese, por exemplo, do hotel onde o sujeito se
hospeda durante as férias ou simples pernoite.
Residência é o local onde a pessoa estabelece sua habitação normal, de forma
estável mesmo que sua permanência seja relacionada a períodos do mês ou
da semana.
O elemento residência é primordial para caracterização do bem de família legal
(Lei 8.009/90) que é impenhorável se for o único imóvel urbano ou rural
utilizado como residência da entidade familiar.
Há residência no local onde a pessoa permanece, geralmente em virtude de
alguma atividade ou de algum vínculo que a liga ao lugar, como por exemplo,
um imóvel alugado ou de sua propriedade que utiliza para passar finais de
semana e férias. Trata-se de uma relação de maior estabilidade que a mera
morada.
Domicílio segundo traduz o próprio texto legal codificado é a residência com
ânimo definitivo (art. 21 do CC/1916 e art. 70 do C.C. / 2002). É o local que a
pessoa elege como sede de suas atividades principais e de sua morada de
forma duradoura e não temporária.
Teoria Geral do Direito
118
O mais interessante dos elementos componentes do conceito de domicílio é o
subjetivo ou psíquico e é apreciado à luz de um comportamento objetivo da
pessoa, já que não podemos avaliar subjetivamente o animus do sujeito.
Ademais, o simples desejo de viver ou morar em outro lugar, não
descaracteriza o domicílio da pessoa. Se a pessoa aluga um apartamento e se
muda, levando seus pertences, demonstra objetivamente o animus de transferir
seu domicílio para aquele local, mesmo que se desejo de fato fosse morar em
um apartamento maior e melhor localizado.
A sistemática do direito francês, prevista no Código de Napoleão de 1804, é
inviável a pluralidade ou a inexistência de domicílio para determinada pessoa.
Assim, o domicílio sob a ótica do direito gaulês, é uma relação de direito que se
estabelece entre a pessoa e o local de seu principal estabelecimento, sendo
inaceitável a completa inexistência deste, ou a pluralidade de relações desta
natureza. A pessoa deve ter um domicílio, obrigatoriamente (art. 102 do Código
Civil francês).
Seguiu o direito brasileiro o direito alemão pois é admissível tanto a
inexistência, como a unidade bem como a pluralidade de domicílios da pessoa.
Assim poderá o sujeito ter um ou vários domicílios, ou até mesmo não ter
nenhum domicílio.
A inexistência de domicílio se tipifica no caso dos nômades, artistas circenses,
caixeiros-viajantes, e etc. Neste caso, considerar-se-á domicílio o local onde a
pessoa se encontrar, não significa que aquele local seja de fato o domicílio da
pessoa, mas tão-somente que, pra fins jurídicos, deve-se aplicar àquele local.
Uma ação proposta em face de uma pessoa que não tenha domicílio, a
competência segue a regra geral do domicílio do réu, deve ser o local onde
quer que se encontre. O que não significa, contudo, que aquele seja
efetivamente o seu domicílio.
Ocorre a pluralidade de domicílio quando há mais de um centro de atividades
habituais, ou quando além de um domicílio voluntário, possui um domicílio
necessário. O art. 72 do CC estabelece que cada local onde a pessoa natural
desempenhe sua atividade profissional é também considerado seu domicílio.
Há duas espécies distintas de domicílio: voluntário e o necessário. O primeiro é
aquele que decorre da escolha de seu titular, o qual fixa residência com ânimo
definitivo por ato de vontade própria.
O necessário ou legal é decorrente da norma jurídica, ou seja, aquele que
decorre da lei. E são várias as hipóteses, como:
Teoria Geral do Direito
119
a) domicílio dos incapazes é o mesmo de seus representantes legais (quer
sejam pais, tutores ou curadores);
b) domicílio dos funcionários públicos reputa-se o local onde exercerem suas
funções efetivas.
c) domicílio do militar na ativa reputa-se no local onde estiver servindo, sendo
que o militar for da Marinha ou da Aeronáutica, seu domicílio será a sede do
comando a que se encontrar imediatamente subordinado (art. 76, parágrafo
único do C.C.);
Os domicílios dos oficiais e tripulantes da Marinha Mercante têm domicílio no
local onde o navio estiver matriculado;
Outras hipóteses de domicílios especiais é o caso dos domicílios eleitorais, e
domicílio contratual (art. 78 do C.C).
Em virtude da Lei de Introdução ao Código Civil, a lei do país em que for
domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da
personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família ( art. 7º., Dec. Lei
4657/1942). E, adiante, em seu art. 10 estabelece que a sucessão causa mortis
ou por ausência obedecerá à lei do país em que foi domiciliado o defunto ou o
desaparecido qualquer que seja a natureza e a situação dos bens deixados.
Em relação às pessoas jurídicas o domicílio da União é o Distrito Federal (é
área geográfica erigida em unidade da federação, onde está situada a capital
da República brasileira, na cidade de Brasília) e o dos Estados, as suas
respectivas capitais, o do município, o lugar onde funciona a administração
municipal, o das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as
respectivas diretorias e administrações ou onde elegerem domicílio especial
nos seus estatutos ou atos constitutivos devidamente registrados.
Autarquias (são instituições autônomas criadas por lei e dotadas de
personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executarem
atividades típicas da administração pública) têm seu domicílio determinado pela
lei que a criaram, em qualquer um destes em relação aos atos nestes
praticados. Se a administração ou a diretoria tiver sede no exterior, o domicílio
da pessoa jurídica para as obrigações contraídas por qualquer uma de suas
agências no Brasil será reputado no referido estabelecimento fixado no
território nacional para fins de direito, deve-se aplicar àquele local o que se
determinar quanto ao domicílio das demais pessoas.
Quanto às ações propostas pelas autarquias ( como por exemplo, o Banco
Central), determina a Lei 2.285 de 1954 que serão ajuizadas no foro do
domicílio do réu, cabendo a representação das mesmas nas comarcas do
interior dos Estados e dos Territórios a procuradores especialmente nomeados
para essa missão.
Teoria Geral do Direito
120
Para ações contra as sociedades de economia mista é competente a Justiça
Estadual (Súmula 517 do STF). As ações decorrentes de atos da mesa da
Câmara de Deputados são de competência do juiz da Fazenda Pública da
Capital Federal ( Lei 2.664/1955).
O Código Civil ainda admite o domicílio especial, também denominado de
domicílio de eleição ou foro do contrato. O art. 846 em seu parágrafo único
estabelece que o credor, além do seu domicílio real, poderá designar outro,
onde possa também ser citado. O atual Código Civil Brasileiro de 2002 excluiu
em boa hora o domicílio da mulher casa do rol dos necessários (art. 76) até em
respeito a proclamada paridade constitucional dos cônjuges em face da
sociedade conjugal. Além disso, a fixação do domicílio do casal deverá ser em
escolhido por ambos os cônjuges, que podem ausentar-se pata atender a
encargos públicos, ao exercício de sua profissão ou a interesses particulares
relevantes, sem prejuízo da opção feita anteriormente (art. 1.569 do C.C.).
Em alguns casos de domicílio necessário em particular, mas não apenas, o dos
funcionários públicos, a constituição de um novo domicílio, legalmente imposto,
não forçosamente acarretará o desfazimento do anterior, que poderá ser
conservado na vida prática.
Caio Mário da Silva Pereira é pragmático a este respeito: “nos sistemas de
unidade domiciliar, o indivíduo perde instantaneamente o domicílio que antes
tinha, e recebe por imposição legal o novo, que durará enquanto persistir a
situação que o gerou. Mas nosso sistema, da pluralidade, não se verifica a
perda automática do anterior. Pode, verificar-se, no caso de o indivíduo
estabelecer-se com residência definitiva no local do domicílio legal; mas pode
não se verificar, se a pessoa conserva ainda o antigo, o que terá como
conseqüência a instituição de domicílio plúrimo: o legal, decorrente do fato que
o impõe, e aquele onde aloja a residência com ânimo definitivo”. A nossa
sistemática quanto ao domicílio muito se afasta do modelo francês que admite
com ortodoxia a unidade domiciliar e, repudia a ausência de domicílio bem
como a pluralidade. Esse entendimento é mais coerente com as inovações do
Código Civil de 2002 em matéria de pluralidade domiciliar (art. 72, caput).
Como já explicamos a doutrina civilista franco-italiana tende ao princípio da
unidade domiciliar, posto que o conceba como abstração e, portanto, não tolera
que vigore vários vínculos simultâneos. Também o direito suíço propugna pela
unidade domiciliar mitigada, pois aceita que o comerciante ou fabricante possa
ter um domicílio pessoal e, um ou vários domicílios negociais.
No direito inglês e no norte-americano, o domicílio é um só, mesmo que o
indivíduo tenha mais de uma residência, pois que o primeiro adquirido tem
precedência e predominância para fins jurídicos.
Teoria Geral do Direito
121
A idéia de multiplicidade de domicílios é aceita pelo BGB tendência a qual se
filiou o Código Civil Brasileiro de 2002 ( art. 71 e seguintes ) retomado destarde
a tradição romana.
Assim quando pessoa natural tem diversas residências, onde alternadamente
viva, ou vários centros de ocupações habituais, cada um destes ou daqueles
será considerado domicílio.
Quanto às atividades profissionais, considera-se domicílio para efeito destas, o
lugar onde são exercidas.
Sustentam com vigor a doutrina e a jurisprudência francesa, a italiana e a
suíça, em geral bem como a maiores dos autores, a necessidade imperiosa de
se ter obrigatoriamente um domicílio, lutando às vezes com maiores
dificuldades para explicar casos em que concretamente este falte.
Retomando a tradição romana, o BGB e na sua esteira no código pátrio
admitem que uma pessoa não tenha domicílio certo: aquele que não tenha
residência habitual ou empregue sua vida em viagens, sem ponto central de
negócios, terá domicílio o lugar onde for encontrado (art. 73 C.C.).
A mudança de domicílio compulsório ou legal exige maior atenção, pois que
decorre da remoção da pessoa e, em razão dela, seja no que diz respeito à
oportunidade, como ao local, como ainda à intenção, que no caso é presumida
da aceitação da transferência.
Já quanto à mudança voluntária de domicílio requer-se maior cautelar, pois que
ocorre quando da transferência da residência com intenção de mudar.
Contendo dois elementos fundamentais: a transferência material do centro de
negócios de um lugar para outro; e o segundo elemento que é a intenção de
fixar-se neste, a própria sede jurídica.
É tranqüila a prova do primeiro elemento que se perfaz pela materialidade da
transferência, quanto ao segundo elemento pela comunicação às autoridades
de onde sai, e para onde vai, ou na falta de uma outra, como inferência da
própria mudança com as circunstâncias que a acompanharem: montagem de
casa, aquisição de bens, estabelecimento profissional.
Problema correlato à mudança de domicílio é o abandono deste. O direito
francês e o suíço somente admitem que alguém abandone seu domicílio pela
constituição de um outro, e o direito inglês automaticamente restaura o antigo
domicílio, se não houver a criação de um novo.
O primeiro domicílio da pessoa natural é que se prende ao seu nascimento, é
chamado de domicílio original ou de origem (que é em geral oi domicílio de
seus pais ou de seus representantes legais), também é modalidade de
domicílio necessário em face da condição de incapaz do recém-nascido.
Teoria Geral do Direito
122
Mais tarde, com a maioridade (hoje fixada aos 18 anos) ou um ato de escolha
soberana, a pessoa pode mudar de domicílio ou simplesmente conservar o de
origem.
O domicílio resultante de ato de vontade, ou de deliberação livre, é o chamado
domicílio voluntário. Alguns autores enunciam que a regra é o chamado
domicílio voluntário. Não apenas no sentido de que as demais formas de
domicílio se apresentam como excepcionais ou derrogatórios da regra geral,
como ainda na acepção de ser em princípio livre ao indivíduo fixar-se onde lhe
apraza, e exercer suas atividades e negócios onde lhe convenha.
Às vezes, o domicílio não traduz exatamente esta liberdade de ação do
indivíduo, mas provém diretamente de sua condição individual, e em razão da
dependência em que se encontre relativamente a outra pessoa. É assim com o
menor sob o poder familiar, cujo domicílio é do genitor sob cujo poder se
encontre; é o do tutelado e curatelado quanto ao tutor e curador; e também do
interdito, sem falar do preso.
Modalidade de domicílio necessário é o chamado domicílio legal, que surge por
imposição de profissão ou atividade. Ademais nos sistemas de unidade
domiciliar, o indivíduo perde instantaneamente o domicílio que antes tinha, e
recebe por imposição legal o novo que perdurará enquanto persistir a situação
que o gerou,
Nesse sentido é pertinente comentar o art. 77 do C.C. que prevê o domicílio
para os agentes diplomáticos que gozam de imunidade internacional de
jurisdição e embora residentes no estrangeiro, consideram-se domiciliados em
seu país de origem. Esclarece Haroldo Valadão que tal prerrogativa surgiu com
o fito de garantir a independência e a segurança dos representantes
diplomáticos, amparada na ficção da extraterritorialidade e remonta à
Convenção de Havana de 1928, sendo posteriormente ratificada e
regulamentada pela Convenção de Viena de 1961.
Há três hipóteses de renúncia à esse privilégio que prefiro chamar de
prerrogativa, é mediante autorização do governo; se autorizado, comparece
perante os tribunais estrangeiros, ou, por fim, caso a controvérsia gire em torno
de bem imóvel localizado em território alienígena. Não se registrando tais
exceções, e não designando o agente diplomático onde tem, no Brasil, seu
domicílio, deve ser demandado no último ponto do país onde o teve ou no
Distrito Federal.
Em nosso sistema, ou seja, o da pluralidade domiciliar, não se verifica a perda
automática do domicílio anterior.
O domicílio legal é, por exemplo, o domicílio do condenado, que é o lugar onde
este cumpre a sentença (art. 76 do C.C.). Isso se for encarcerado por mais de
Teoria Geral do Direito
123
180 dias (art. 1.570 C.C.); outro fato é que a pena superior a dois anos
suspende automaticamente o poder familiar, o que poderá alterar o domicílio
dos filhos menores do sentenciado.
Não é idêntico o tratamento positivado pelos vários sistemas legislativos. O
direito norte-americano determina o domicílio da execução das penas apenas
ao condenado a prisão perpétua. O direito francês reconhecia domicílio
especial no lugar do cumprimento de pena para o exercício dos direitos
adquiridos na colônia penal. Houve abolição desses dispositivos legais pelas
Leis de 1938 e 1942.
No direito alemão o condenado à reclusão não tem por domicílio o lugar de
cumprimento da pena, porém conserva o seu primitivo. Cogita ainda, o direito
francês da fixação domiciliar em razão da domesticidade, estabelecendo que
os empregados e criados adquiram o domicílio por empréstimo, de seus
patrões a quem servem.
O direito pátrio não adota o princípio equivalente, seja nas relações
empregatícias domésticas, seja no contrato de trabalho amparado pela
legislação especial. Segue-se a regra geral que é a do local escolhido como
residência definitiva. Sendo proibida a cláusula contratual que eleja o domicílio
do trabalhador em seu franco prejuízo.
É de se assinalar o busilis quando ocorrer o caso de o empregado trabalhar
habitualmente em casa dos patrões, lá também residindo. Mas, como nosso
sistema admite com facilidade a pluralidade domiciliar, nada impede que seja o
domicílio laboral considerado como domicílio legal ou necessário e, o domicílio
voluntário aquele eleito pela vontade do empregado e, aonde se abriga sua
família, pertences e centro de negócios.
Também se comenta sobre domicílio geral e o especial. O primeiro tanto pode
ser domicílio voluntário como necessário. Contrapõe-se ao domicílio especial
que é fixado para sede jurídica para cumprimento de certa obrigação. Em geral
é resultante da avença e é chamado de domicílio contratual (art. 78 do C.C.).
Acautelem-se os contratantes, pois nem sempre a eleição de domicílio fulcrada
em contrato poderá prosperar, ainda que seja feita de modo expresso e
inequívoco, e, ainda que aceita por ambos.
O domicílio por eleição, contratual ou especial é restrito ao cumprimento
obrigacional e não prejudica o domicílio geral que subsiste para toda relação
jurídica afora do contrato.
Há mesmo, quem sustente doutrinariamente que, não existe domicílio de
eleição, visto que não possui poder derrogatório sobre os efeitos normais do
domicílio real (Planiol, Ripert e Boulanger) o que não é acolhido pelo direito
pátrio e permite francamente a configuração do domicílio especial.
Teoria Geral do Direito
124
Cumpre distinguir com exatidão a configuração do domicílio especial, do
domicílio real porque objetivamente se situa em determinado lugar, é
ostensivamente o local da fixação residencial do indivíduo. Ademais, como é
óbvio, o domicílio de eleição é fictício.
A domicílio de eleição não pode alterar a competência ex ratione materiae dos
juízes e, nem atingir princípios de ordem pública (como por exemplo, os que
proteger o trabalhador, o consumidor, o idoso, o incapaz , as pessoas jurídicas
de direito público e, etc.).
Quanto a cláusula de eleição de foro muito comum nos contratos bancários e,
também no contrato de consumo tem sido considerada como abusiva tendo em
vista o art. 101, I do CDC e art. 51, IV e XV do mesmo diploma legal. (vide
também julgamento pelo STF da ADI dos bancos e também a Súmula 297 do
STJ).
Há muito que se discute na jurisprudência pátria sobre a eficácia dessa
cláusula quando se tratar de contrato de adesão mesmo quando este não
assume a forma de contrato de consumo.
Vige a cláusula de eleição de fora nos contratos locatícios em razão do art. 58,
II da Lei 8.245/91 voltada para locação de imóveis urbanos precipuamente para
fins residenciais, comerciais ou industriais, e não sua localização restrita ao
perímetro urbano.
É reconhecido ao devedor a possibilidade de ser demandado no foro de seu
domicílio, segundo consta do art. 94 CPC, certamente para lhe facilitar a
adimplir a prestação devida. Em regra geral, a obrigação deve ser cumprida no
domicílio do devedor tendo, portanto, de natureza quérable (art. 327 do CC)
salvo previsão em contrário em contrato paritário.
Há, portanto, renúncia ao esse direito, o que pode acarretar a nulidade de tal
cláusula se inserida em contratos de adesão tendo em vista os termos do art.
424 do CC e, ainda a hermenêutica recomendável que é sempre em prol do
aderente.
A fixação do domicílio das pessoas jurídicas obedece critério diverso do que
preside a determinação domiciliar da pessoa natural.
Tem seu domicílio, sua sede no centro de sua atividade dirigente. E em geral a
sede social é fixada livremente de forma explícita no ato constitutivo e deve
ainda constar do Registro Público.
Mas é possível existirem vários domicílios da pessoa jurídicos e todos dotados
de relativa autonomia. Onde surge a faculdade de considerar como sede social
Teoria Geral do Direito
125
para o negócio realizado o estabelecimento ( departamento, filial ou agência)
que nele tiver tomado parte (art. 75,§ 1º CC).
No direito francês, a regra da unidade domiciliar constitui como domicílio o local
do estabelecimento principal da entidade. A jurisprudência francesa mitigando
o rigor da regra admite a eleição tácita do domicílio reconhecendo também
como domicílio as sucursais e outras filiais e agências da referida pessoa
jurídica.
Cristiano Chaves aponta ser impossível dissociar o domicílio da dignidade da
pessoa humana, o que reforça sobremaneira a importância do tema inclusive
no nível constitucional, sendo o “refúgio dos refúgios” que é acobertado pela
inviolabilidade, um verdadeiro templo de coisas íntimas, daí ligado também ao
direito à privacidade e à intimidade.
O presente artigo naturalmente é apenas um pequeno approach sobre tema
que nos revela ser um complexo conceito.
Referências
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Janeiro, Editora Rio, 1979.
TEPEDINO, Gustavo, Heloisa Helena Barboza, Maria Celina Bodin Moraes.
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Geral e Obrigações (art. 1º. ao 420), Rio de Janeiro, Editora Renovar, 2004.
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GAGLIANO, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho. Novo Curso de Direito
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Teoria Geral do Direito
126
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____________.O contrato contemporâneo. Jus Vigilantibus, Vitória 4 ago. de
2005. Disponível em: < http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/16891>.
Defeitos dos negócios jurídicos em face do Código Civil de 2002.
É a lesão que transformou o famoso “negócio da China” em negócio jurídico
anulável.
Ocorrem defeitos do negócio jurídico quando surgem imperfeições decorrentes
de anomalias na formação da vontade ou em sua declaração. Deixando claro
que nosso direito pátrio prestigia com maior vigor a intenção das partes do que
exatamente a declaração da vontade destas, ou seja, a linguagem com qual
está vestida.
Há seis defeitos do negócio jurídico e que o torna anulável, a saber: o erro,
dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores.
É curial observar o prazo decadencial de 4 (quatro) anos para se anular o
negócio jurídico defeituoso conforme expõe o art. 178 do C.C.
Não se confunde vício de consentimento com vício social. A vontade viciada
sempre acarreta o negócio anulável. O vício de consentimento impede que a
vontade seja livre, espontânea e de boa fé, o que fatalmente prejudica a
validade do negócio jurídico. Para a vontade ser jurígena (gerar os efeitos
jurídicos desejados) é imprescindível que seja livremente manifestada, de
forma espontânea e de boa fé.
Por outro lado, o vício social contém a vontade manifestada que não tem
realidade, a intenção pura e de boa fé que enuncia. De fato, para a sociedade,
a vontade tem aparência enquanto que para as partes, notadamente àquela
que age com má fé, a mesma vontade ganha outro significado. Entre os vícios
sociais temos a simulação (que causa a nulidade do negócio jurídico) e a
fraude contra credores.
No defeito social, assevera Ulhoa há uma intenção subsidiária. O mesmo
doutrinador propõe distinguirmos os defeitos internos do consentimento onde a
vontade não se constrange como nos casos de erro e da lesão. Dos defeitos
externos que, na maioria das vezes, a vontade é constrangida por ato de
pessoa plenamente identificável. São três os defeitos externos do
consentimento: o dolo, a coação e o estado de perigo.
Teoria Geral do Direito
127
O erro é a falsa representação da realidade, o sujeito engana-se sozinho. Já a
ignorância é o completo desconhecimento da realidade, embora tanto o erro
como a ignorância acarrete efeitos iguais, quais sejam, a anulabilidade do
negócio jurídico, não obstante possuírem conceitos distintos.
Não é qualquer erro que é capaz de anular o negócio jurídico, há de ser erro
substancial ou essencial e escusável conforme prevê o art. 139 do C.C.
O erro substancial abriga umas sub-espécies tais como: o error in negotio
(incidente sobre a natureza do negócio); o error in corpore (no objeto principal
do negócio); o error in substantia or in qualitate; o error in persona (na pessoa)
e, por fim, o error iuris .
O erro de direito (error iuris) é o falso conhecimento, ignorância ou
interpretação errônea da norma jurídica aplicável ao negócio jurídico. Ocorre
quando o agente emite a declaração de vontade no pressuposto falso de que
procede de acordo com o preceito legal. O erro de direito era admitido como
substancial quando fosse o motivo principal do negócio jurídico e não houvesse
a intenção, por parte doa gente, de descumprir a lei.
O art. 3º da LICC diz que a alegação de ignorância da lei não é admitida
quando apresentada como justificativa para seu descumprimento. Significa
dizer, ao revés, que pode ser argüida se não houver tal nefasto propósito.
Além de ser essencial e escusável conforme o padrão do homo medius, e o
caso concreto, há ainda de ser efetivo e real, sendo a causa do negócio
jurídico.
Há a possibilidade de convalescimento do erro conforme se prevê o art. 144 do
C.C. em razão do princípio da conservação dos atos e negócios jurídicos (pás
de nullité sans grief) e ainda pelo princípio da segurança jurídica.
Às vezes o erro surge devido ao meio de comunicação empregado para a
transmissão de vontade negocial, assim diante de mensagem truncada, há o
vício e, ipso facto, a possibilidade de anulação do negócio jurídico.
Outras vezes o erro decorre de culpa in eligendo ou in vigilando de quem
escolhe o mensageiro para levar a declaração de vontade. Não raro
encontram-se discrepâncias graves entre a declaração de vontade emitida e a
vontade finalmente comunicada.
O segundo defeito do negócio jurídico é o dolo que é cometido, por exemplo,
por quem induz alguém a erro. O dolo é definido como ardil, artifício ou
expediente usado para induzir alguém à prática de um ato que o prejudica e
aproveita o autor do dolo ou a terceiro. Na verdade, o dolo é causa do vício da
vontade.
Teoria Geral do Direito
128
O dolo no âmbito civil não se confunde com aquele previsto no âmbito penal (
art. 18, I do CP onde agente atua com a vontade predestinada a causar o delito
ou assumiu o risco de produzi-lo.
A grande maioria das ações anulatórias em geral é mesmo com base no dolo
em face da grande dificuldade de se provar processualmente o erro. O dolo
anulador do negócio jurídico é sempre o dolo principal, é o dolo malus. Porque
o dolus bônus é moderadamente aceitável, embora o CDC condene
explicitamente a propaganda enganosa.
Registre-se que o dolus pode ser comissivo ou omissivo (chamado de dolo
negativo), pois fere frontalmente o princípio da boa fé objetiva presente tanto
no C.C. como no CDC.
É possível ainda, o dolo de terceiro (art. 148 C.C.) como o do representante
(art. 149 C.C.). Porém, o dolo bilateral (art. 150 C.C.) pode não gerar a
anulabilidade do negócio jurídico, pois prevalece o princípio de que ninguém
poder valer-se da própria torpeza para auferir vantagens.
O terceiro defeito é a coação que representa toda ameaça ou pressão exercida
sobre a pessoa para obrigá-la, contra sua vontade, a praticar ato ou realizar
negócio jurídico. Há a coação física (vis absoluta) e a coação psicológica (vis
compulsiva) que diferem não só pelo meio empregado, mas sobretudo, por
seus efeitos.
Vejamos que a coação é o mais grave dos defeitos dos negócios jurídicos e
especialmente na coação física temos na verdade a inexistência do negócio
jurídico, pois não há manifestação de vontade livre, espontânea e de boa fé.
Não há vontade jurígena.
Já na coação psicológica há a manifestação de vontade, embora não
corresponda à intenção real do coacto, o que certamente redunda num negócio
anulável.
Exigem-se certos requisitos para tipificação da coação (art. 153 do C.C.) e para
ser considerada como defeito: deve ser determinante do negócio; deve ser
grave e injusta; deve dizer respeito ao dano atual ou iminente e deve ameaçar
a pessoa, bens da vítima ou pessoas de sua família (essa tomada na acepção
lato sensu , art. 151 C.C.).
É possível que a coação seja exercida por terceiro sem que a parte a que
aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento, mas nessa hipótese
prevista no art. 155 do C.C., o negócio subsistirá não sendo anulado. Não se
considera coação a simples ameaça , o exercício normal de direito e nem
temor reverencial.
Teoria Geral do Direito
129
Estado de perigo é uma inovação trazida pelo Código Civil de 2002 juntamente
com a lesão, embora já fossem defeitos dos negócios jurídicos conhecidos
tanto pela doutrina como pela jurisprudência.
Enquanto na coação a violência decorre de pessoa interessada na prática do
negócio jurídico, no estado de perigo a violência decorre das circunstâncias de
fato, que exercem forte influência na manifestação de vontade do agente.
O estado de perigo é espécie de estado de necessidade e constitui uma
situação de extrema necessidade que conduz a pessoa a celebrar negócio
jurídico que assume obrigação desproporcional e excessiva.
Os exemplos clássicos temos o náufrago que promete pagar uma fortuna a
quem lhe salvar de afogamento, ou ainda, dentro da famosa literatura inglesa
em Shakespeare quando Ricardo III brada aos berros: “Meu reino por um
cavalo!”.
No estado de perigo a pessoa é compelida a efetivar depósito ou prestar
garantia (caução) sob forma de emissão de cheques ou notas promissórias (ou
outros títulos cambiais) para, por exemplo, prover atendimento clínicohospitalar emergencial ou ainda para obter internação de paciente que corre
grave perigo de vida.
Nem sempre a extrema necessidade produz negócios anuláveis, pois temos
outros exemplos como a passagem forçada, a gestão de negócios, o
casamento nuncupativo, o depósito necessário (do hóspede de sua bagagem
nos hotéis) e o pedido de alimentos.
Mas, se essa extrema necessidade é conduzida por outrem, para provocar a
chamada usura real, temos aí, outro tipo de defeito de negócio jurídico, a lesão.
A lesão pode decorrer também da inexperiência do declarante e, se caracteriza
pelo desequilíbrio das prestações assumidas pelas partes.
Admite a lesão, a bem do princípio da conservação dos negócios jurídicos a
suplementação da contraprestação, tornando assim sanado o vício do
consentimento.
O estado de perigo é previsto no art. 156 do C.C. e o dano não precisa ser
inevitável para sua caracterização. Para haver os efeitos anulatórios do estado
de perigo é necessário conhecimento da outra parte contratante das
circunstâncias sofridas pelo declarante da vontade negocial.
Para Flávio Tarturce o estado de perigo é forma especial de coação, pois o
negociante temeroso de sofrer grave dano acaba por celebrar negócio jurídico
mediante prestação exorbitante. Assim, a venda celebrada e motivada pelo
Teoria Geral do Direito
130
desespero da pessoa que quer, por exemplo, salvar o filho, é negócio jurídico
anulável.
A lesão é prevista no art. 157 e, possui espécies como a lesão enorme
(superior a metade do valor da coisa) e a lesão enormíssima (de origem
canônica que corresponde a superior a 2/3 do valor da coisa). Além da
desproporção das prestações assumidas, vale-se o sujeito da inexperiência ou
da premente necessidade do outro.
É a lesão que transformou o famoso “negócio da China” em negócio jurídico
anulável.
Aliás, é possível que ao revés de anulação negocial, se obtenha uma revisão
contratual. Embora que a lesão ela se caracteriza por ser contemporânea ao
momento da celebração do negócio jurídico comutativo, enquanto que a
revisão contratual pressupõe onerosidade excessiva percebida no momento da
execução do contrato.
A consagração do instituto da lesão dentro da sistemática privada deve-se
pelos princípios da boa fé objetiva e do equilíbrio econômico das prestações e,
mitiga o princípio da força obrigatória dos contratos.
A autonomia privada constitui-se em princípio para a promoção dos valores
sociais segundo a ordem pública constitucional, sendo assim não se pode dar
guarida a contraprestações injustas, portanto, a lesão está subjacente à idéia
de justiça contratual.
A fraude contra credores é vício social e corresponde a todo ato suscetível de
diminuir ou onerar seu patrimônio, reduzindo ou eliminando a garantia que este
representa para o pagamento de suas dívidas, é praticada pelo devedor
insolvente ou por este ato reduzido à insolvência.
Há dois elementos característicos: eventus damni (a insolvência) e o consilium
fraudis (conluio fraudulento).Podemos ao analisar certo contrato presumi-lo
como fraudulento, por exemplo, se este ocorre na clandestinidade, se há
continuação da possa de bens alienados pelo devedor; se há falta de causa do
negócio; se há parentesco ou afinidade entre o devedor e o terceiro; se ocorre
a negociação a preço vil; e pela alienação de todos os bens.
A ação que pode socorrer os credores em caso de fraude é a ação pauliana ou
revocatória e, pode incidir não só nas alienações onerosas, mas igualmente
nas gratuitas (doações). Há o ônus de se provar o consilium fraudis e eventus
damni (art. 158 do C.C.).
Há a tipificação de fraudes aos credores também quando ocorre a remissão de
dívidas (perdão) ou a concessão fraudulenta de garantias tais como penhor,
hipoteca e anticrese.
Teoria Geral do Direito
131
(art. 1563 do C.C.) ou pagamento antecipado de dívidas
Somente nas alienações onerosas se exige provar o consilium fraudis ou a má
fé do terceiro adquirente.
A ação pauliana visa prevenir a lesão aos direitos dos credores, e acarreta
anulação do negócio. Embora maior parte da doutrina defenda que ocorra
ineficácia relativa do negócio se demonstrada a fraude ao credor, então a
sentença declara a ineficácia doa to fraudatório perante o credor,
permanecendo o negócio válido entre os contratantes.
No entanto, na opinião do grande processualista Cândido Rangel Dinamarco,
tal sentença tem cunho constitutivo negativo e decreta ineficácia superveniente.
É curial esclarecer que a ação pauliana não é ação real, nem quando referir-se
aos bens imóveis; trata-se de ação pessoal, pois visa anular o negócio
fraudulento restaurando o status quo ante do patrimônio do devedor.
Não se pode confundir de modus in rebus a fraude aos credores com fraude à
execução. Posto que essa última, é instituto do direito processual, pressupõe a
demanda em andamento e devedor devidamente citado, também por ter
requisitos o eventual consilium fraudis e o prejuízo do credor.
A fraude à execução independe de ação revocatória e, apenas é aproveitada
pelo credor exeqüente. E, por fim, acarreta a nulidade absoluta onde a má fé é
presumida ( in re ipsa). Ao passo que a fraude aos credores acarreta a
nulidade relativa do negócio jurídico e, é aproveitada indistintamente por todos
credores.
Apesar da controvérsia, prevaleceu no STJ o entendimento que não é possível
a discussão de fraude aos credores em sede de embargos de terceiro, sendo
necessário, portanto, o ajuizamento da competente ação pauliana ( Súmula
195 do STJ de 1997).
Teoria Geral do Direito
132
Conclusão
É certo que haveria hoje uma Teoria Geral do Direito? Existem concepções
sobre o Direito que seriam comuns a todos os ramos do Direito? É possível
reconstruírem-se princípios gerais que se aplicariam a todos esses direitos?
Ou cada ramo de Direito é tão específico e insulado que chegam a ser, antes
que Direito, ser Civil, Penal ou Administrativo?
Bem, seria como subverter as normas de gramática, da classe de palavras,
invertendo, fazendo do substantivo (que é o Direito) o adjetivo, e do adjetivo
(civil, penal, tributário ou administrativo) o substantivo.
Qual é em verdade a qualidade fundamental dessa ciência que é o Direito?
Que é ciência humana, social e normativa. Toda essa discussão remonta da
tradição positivista enquanto Teoria Geral semântica do Direito.
A velha, ultrapassada e macróbia noção positivista de Teoria Geral do Direito e
que se liga inicialmente à chamada jurisprudência pandectista dos conceitos
onde a Teoria Geral do Direito seria um sistema de conceitos fundamentais
subjacentes à Dogmática Jurídica.
A Dogmática Geral do Direito positivo de qualquer direito positivo ou ramo
desse Direito Positivo quer seja então chamado Direito do Estado (Staatsrecht),
quer seja do Direito Privado (romano atual).
Embora fosse antes de tudo, romântico, conservador e, até mesmo reacionário,
em face da Grande Revolução, a Escola Histórica, romano-germânica (de início
e meados do século XIX), não escapara à concepção típica do Iluminismo, do
conhecimento científico redutível a um sistema de conceitos abstratos.
Se bem que perde um pouco seu peculiar lado abstrato por ser o Direito, uma
ciência social, comportamental e política. A Teoria Geral do Direito de raiz
positivista conflita-se, contrasta-se com o enfoque analítico da chamada
Enciclopédia Jurídica que buscava especificidades dos diversos ramos, áreas
ou classes do Direito.
São esforços antagônicos pois enquanto a TGD esmera-se para construir um
sistema de conceitos comuns, de lógica e dialética comuns a todo o Direito.
A Enciclopédia Jurídica procurava classificar, erigir distinções, identificar
peculiaridades e diferenciações no interior do Direito. Enquanto que a TGD
Teoria Geral do Direito
133
operaria por condensação, por amalgama enquanto que a Enciclopédia
Jurídica operaria por desmembramento, dispersão.
Como cenário há a crítica transição das sociedades liberais do século XIX para
as chamadas sociedades de massa dos Estados Sociais do século XX. E,
nisso reside uma mudança de paradigmas causando profundas releituras de
institutos e relações jurídicas típicas do Direito.
Paradigma segundo o Dicionário Básico de Filosofia de autoria Hilton
Japiassú e Danilo Marcondes, da Jorge Zahar Editor “vem do grego
(paradeigma), segundo Platão, as formas ou idéias são paradigmas, ou seja,
arquétipos, modelos perfeitos, eternos imutáveis dos objetos existente no
mundo natural que são cópias desses modelos e que de algum modo
participam deles. As noções de paradigma e participação, ou seja, de relação
entre modelo e a cópia levam, no entanto, a vários impasses que são
discutidos por Platão sobretudo no diálogo Parmênides.”
O proprietário não pode tudo, a empresa em prol da livre iniciativa e do lucro
também não pode tudo, os contratantes também não podem pactuar tudo ao
seu bel prazer. A família e as entidades familiares concebem novas uniões,
interesses e tutelas (família monoparental, união estável, união dos
homossexuais, família adotiva e família afetiva).
O Estado também não mais é o todo-poderoso! Conhece limitações que devem
existir no Estado Democrático de Direito que pauta a cidadania principalmente
no princípio da dignidade da pessoa humana.
Kelsen esclarece que pretende construir uma TGD, uma Teoria Geral de
Direito Positivo, e de qualquer direito positivo, refutando criticamente a tradição
do chamado positivismo jurídico.
Perdoem-me pela metáfora chula, mas o positivismo jurídico mais se parece
com aquele velho jargão do jogo do bicho: “só vale o escrito”.
Partindo desta perspectiva doutrinária, analisa Kelsen como sendo autoritária,
anticientífica e ideológica da Escola Histórica. Pretendeu Kelsen isolar
matematicamente o fenômeno jurídico, e como herdeiro de Laband e Jellinek
buscou superar toda Teoria Geral do Estado de cunho ético-político, organicista
ou mesmo sociológica, baseada inclusive numa divisão de trabalho científico
segundo a qual o Direito se poderia diferenciar em Público e Privado.
Nada mais artificial! E que é apenas tolerável para fins meramente didáticos.
Na perspectiva kelsiana de Teoria Pura, todo o Direito é público, todo Estado é
de Direito e todo Direito é Estado, e toda Teoria do Estado é Teoria do Direito.
Teoria Geral do Direito
134
Com a Teoria Pura haveria uma redefinição dos conceitos laborados pela
jurisprudência tradicional do século XIX, apresentando-se: norma, norma
jurídica, licitude e ilicitude, sanção, imputação, fato e atos jurídicos, direito
subjetivo, dever jurídico, relação jurídica e pessoa.
Além da caracterização dinâmica do ordenamento jurídico, do escalonamento
de normas, a produção e aplicação normativas, da coincidência Estado/Direito,
Legislativo/Jurisdição/Administração, Direito/Processo.
Onde todas as antigas distinções laboradas pela teoria geral, ao longo do
século XIX, vão sendo suprimidas e condensadas em torno de uma concepção
paradoxalmente normativista (estática jurídica) em face da dinâmica jurídica.
A norma de direito material e a norma de direito processual não se
antagonizam, pelo contrário se complementam e, se influenciam mutuamente.
Bobbio irá dividir sua Teoria Geral do Direito em Teoria da Norma Jurídica, e
Teoria do Ordenamento Jurídico. Ou seja, a teoria “da parte” e a teoria “do
todo”.
Também Herbert Adolphus L. Hart, no direito anglo-americano irá propor um
conceito de Direito, com o propósito de reconstruir a tradição da Escola
Analítica.
Pensar numa teoria geral de direito, é sobretudo ponderar sobre
questionamentos que ainda hoje perambulam pelas cabeças dos principais
doutrinadores da matéria.
Qual a similitude existente entre a norma matemática e a norma jurídica? Qual
a exatidão ou precisão dos juízos produzidos pela Ciência do Direito? Certeza
científica é fenômeno encontrado em ramos de conhecimento como Direito?
Enfim, quais as verdades que alimentam a Dogmática Jurídica?
Curial é nitidamente distinguir o que é regra, capaz de disciplinar, reger, do que
é norma que se traduz pela soma do preceito com a sanção, princípio que é
norma em abstrato, e se traduz como vetor axiológico (valor) e vetor ideológico
(filosofia).
Bobbio baseado em sua visão neopositivista de ciência, com discurso rigoroso
passa a exigir a precisão das regras do uso dos termos da linguagem técnica,
como forma de redução da discricionariedade jurídica.
Hart ao propor a regra de reconhecimento como critério de distinção das regras
jurídicas das demais normas sociais e a assumir a tese da textura aberta da
Teoria Geral do Direito
135
linguagem como forma de justificação de uma pretensa discricionariedade
judicial, àquela correlata.
Isso nos faz identificar a origem de nossas “cláusulas gerais” inseridas no
ordenamento jurídico brasileiro e, particularmente, no C.C. de 2002. Na
verdade nem Kelsen, nem Bobbio, nem Hart romperam decisivamente com a
jurisprudência tradicional, mas empreenderam teorias semânticas do Direito
(segundo a dicção de Ronald Dworkin). Após apresentarem critérios
epistemológicos fortes para a conceptualização do que seja o Direito, sua
dinâmica e constroem suas Teorias Gerais.
A TGD teoria semântica do direito revela-se como sistema de conceitos
fundamentais à Dogmática Jurídica do Direito positivo, de qualquer direito
positivo. Ainda que reconheçamos seu caráter interpretativo às convenções de
toda as correntes do Positivismo Jurídico.
A Teoria do Direito e mesmo o neopositivismo pressupõe uma determinada
compreensão paradigmática do conhecimento jurídico, uma TGD onde a teoria
e a práxis mais uma vez cindidas, não assumem atitude auto-reflexiva, mas
que uma pudesse iluminar a outra. Uma pudesse mostrar o caminho ou os
caminhos à outra.
Passando da estrutura à função, mesmo os neopositivistas apresentam-se
como ápice e crise de uma Teoria Geral, semântica do Direito.
Questiona-se novamente: “O Estado-juiz só deve intervir mediante o conflito, e
mediante provocação? Ou deve, mesmo preveni-lo?”
A Teoria Jurídica enquanto Teoria semântica do Direito passa a ser
profundamente questionada com o desenvolvimento da Tópica Jurídica, quanto
da Hermenêutica Jurídica e, mais ainda pelas Teorias de Argumentação
Jurídica, marcando um giro lingüístico, hermenêutico e pragmático na Teoria do
Direito.
E ainda, sem mencionar as correntes neo-realistas (de Holmes, Frank,
Kenedy, Ross e Unger) e institucionalistas como Hauriou, cabendo apresentar
teorias ou compreensões diferentes do direito, rompendo com o positivismo
clássico ou com neopositivismo jurídico.
A Tópica Jurídica se apresenta como conhecimento problemático,
problematizante, assistemático das questões jurídicas. Onde as categorias e
conceitos são, grosso modo substituídos por topoi e ganham sentido particular
nos problemas jurídicos concretos. É a valorização do caso concreto!
Enquanto que a hermenêutica considera que o Direito e as questões jurídicas
só ganham sentido à luz de contextos culturais, históricos e sociológicos que
informam os operadores jurídicos.
Teoria Geral do Direito
136
O Direito é prática social, interpretativa. E a norma jurídica é a chave de poder
a ordenar valores e práxis. Já a Teoria da Argumentação Jurídica, a chamada
“Nova Retórica” (Perelman) dá versões discursivas às argumentações jurídicas
e, pressupõe a complexidade das questões jurídicas que passam a elaborar a
reabilitação da racionalidade prática.
O Direito ressurge como prática social argumentativa apropriando-se de uma
forma crítica de suas tradições e de seus contextos interpretativos. Para aonde
não faz sentido uma teoria geral eivada de positivismo ou da estática ou
dinâmica.
A Teoria Geral do Direito pós-positivista calca-se na própria unidade do sistema
jurídico, fulcrando princípios aplicáveis á teoria do discurso e ao atual
paradigma de ciência.
Vivenciamos essa reconstrução paradigmática onde é necessário reaprender
os conceitos fundamentais do direito e a nova dinâmica da lógica jurídica
contemporânea.
Os problemas relativos ao caráter científico da teoria geral do Direito. Muitos
negam a cientificidade ao Direito sob a argumentação de que bastaria a
aprovação de uma nova lei para que bibliotecas inteiras ruíssem abaixo,
perdendo seu valor.
Isto é em verdade um problema de perspectiva e que a Ciência do Direito não
pode ser entendida como uma autodescrição do Direito. Ao trabalhar com o
sistema de regras, Kelsen não conseguiu a almejada pureza, até por causa da
indagação sobre a legitimidade do Direito.
Na verdade conhecimento, fenômeno e questões do pensamento jurídico são
padrões valorativos e, fazem parte da teoria. Já a fundamentação, classificação
e hierarquias incorporam a Dogmática normativa compondo a práxis.
Outra tormentosa questão é a identificação do fenômeno jurídico, para alguns é
a relação jurídica, para outros é a normatização. De qualquer maneira, a
normatização é subseqüente à relação social e jurídica. O socius no plano
jurídico é pungente de forma, que não se pode ignorá-lo a bem de se propiciar
a convivência social.
Outra discussão acirrada é a relação entre indivíduo/ sociedade e,
sociedade/Estado, pois precisamos medir até aonde a lei enquanto vontade do
Estado o transforma em arbitrário e, não discricionário. O panteão do Estado
de Direito é delicado pois os contornos contemporâneos de cidadania e sujeito
de direito se pautam predominantemente pelo princípio da dignidade da pessoa
humana, por vezes em sacrifício de outros valores e princípios como a livre
Teoria Geral do Direito
137
iniciativa, da autonomia da vontade e, da proteção constitucional a propriedade
em geral.
Não que tais valores ou princípios tenham sido revogados, ao revés, são
mitigados diante do peso axiológico da dignidade da pessoa humana. Curial, é
deduzir que para ser plenamente cidadão, é indispensável antes ser, ente
humano e ter suas necessidades basilares ortodoxamente respeitadas.
A Teoria Geral do Direito vem pouco a pouco fornecendo o perfil do Estado
Social onde o princípio da função social irradia-se em todos os ramos do Direito
indistintamente, homogeneizando os principais conceitos de direito positivo. É
verdade que a ditadura na norma jurídica arrefeceu, e a doutrina e
jurisprudência como fontes de direito vem ganhando terreno, colmatando as
principais lacunas, dubiedades e contradições que trafegam no sistema
jurídico.
Também o grande impasse ideológico e filosófico do direito positivo brasileiro é
ser de origem francesa, filhote espúrio do Código de Napoleão, e ser amante
inveterado do BGB (Código Alemão). Somos desejosos em ter a preciosa
técnica alemã, sintética e pragmática com o conteúdo avantajado do código
francês eivado de suas descendências romanas e canônicas.
Atingir esse meio-termo tem sido o desafio diário de todos, sejam
doutrinadores, sejam magistrados, sejam advogados e seja o Estado.
Atingir esse meio-termo é uma proposta constante do direito contemporâneo.
Há temas jurídicos comuns tanto à parte geral do direito civil como à teoria
geral do direito e, em geral estudados nos cursos de graduação na disciplina
de “Introdução ao Estudo do Direito, ou à Ciência do Direito”. Fábio Ulhoa
Coelho nos ensina que assuntos como lacuna, conflitos de normas, sujeitos de
direito e outros são o objeto de direito. Essas duas disciplinas contudo não são
redundantes e nem há superposição, posto que o enfoque e os objetivos são
diferentes.
Enquanto o direito civil, em razão de sua natureza de conhecimento
tecnológico, deve oferecer meios para solução de conflitos sociais, a teoria
geral do direito pode-se permitir reflexões descompromissadas, de natureza
filosófica.
O art. 4º da LICC nos aponta que há instrumentos conferidos ao julgador ante o
caso de omissão da lei e são estes: analogia, costumes, princípios gerais de
direito. No entanto, a teoria geral de direito problematiza a questão, e chega
identificar a lacuna de lei não exatamente com a falta, mas revés com a
abundância de normas jurídicas (Bobbio, 1960:148/157).
Teoria Geral do Direito
138
O Direito Civil não pode perder-se em reflexões filosóficas pois se espera que a
técnica jurídica ofereça as soluções hábeis a superação dos conflitos de
interesses. Já a teoria geral do direito se mantém mais afastada da técnica
jurídica e procura refletir sobre os limites e as características do complexo
mecanismo de solução dos conflitos sociais. É óbvio que a tecnologia civilista
deve abarcar em sua essência as elucubrações da teoria geral do direito, até
para manter a evolução do direito viva e atual, capaz mesmo de não perder a
historicidade de seu tempo e nem a praticidade dos meios capazes de
perpetuar e propiciar a convivência pacífica e construtiva dos homens.
Referências
COELHO, Fábio Ulhoa.
Editora Saraiva, 2003.
Curso de direito civil, volume 1(um). São Paulo,
DE FARIAS, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald. Direito Civil – Teoria Geral,
6ª edição, Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris, 2008.
ADEODATO, João Maurício e Alexandre da Maia. Dogmática Jurídica e Direito
Subdesenvolvido. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris.
GIORDANI, José Acir. Curso Básico de Direito Civil. 4ª edição, 2ª tiragem. Rio
de Janeiro, 2008.
FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica de Direito Civil. Rio de Janeiro, Editora
Renovar.
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral do Direito. São Paulo. Editora Martins Fontes.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil Série Concursos Públicos (volumes 1,2,3,4,5, e
6) Editora Método, São Paulo.
CHAMON JUNIOR, Lucio Antônio. Teoria Geral do Direito Moderno. Por uma
Reconstrução Crítico Discursiva na Alta Modernidade. Editora Lumen Juris.
Sobre a autora:
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, Doutora em
Direito Civil. Leciona na FGV, EMERJ e Univer Cidade. Conselheira-chefe do
Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas (INPJ).
Email: [email protected]
Teoria Geral do Direito
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Exercícios de Teoria Geral de Direito
1. A norma jurídica é também criada para valer no futuro, não apenas para
o passado. Eventualmente, pode determinada norma atingir fatos
pretéritos, desde que sejam respeitados os parâmetros que constem da
LICC e da Constituição Federal. Em face disso, responda:
a) Qual é a regra nesse sentido, a irretroatividade ou a retroatividade?
b) Esclareça o conceito de direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa
julgada.
c) É absoluta essa proteção mencionada no art. 5º, XXXVI da CF/1988 e
também no art. 6º da LICC?
d) É possível cogitar-se sobre a relativização da coisa julgada?
2. Diferencie: Começo de exercício de direito, expectativa de direito, e o
conceito de direito adquirido frente ao advento de: a) emenda
constitucional; b) lei complementar; c) normas de ordem pública e de
ordem pública.
3. Diferencie lacuna legal de lacuna axiológica.
4.Tendo em vista as inovações introduzidas pelo atual CC, escreva sobre a boa
fé como cláusula geral das obrigações, enfocando sua relação com o princípio
constitucional da dignidade da pessoa humana e sua importância no processo
de construção de decisões justas. Tendo em vista o princípio da boa-fé
objetiva, comente a afirmação do Professor Nelson Rosenvald: “Os três
grandes paradigmas do NCC são a eticidade, a socialidade e a operabilidade”.
De qual forma esses paradigmas alteraram as concepções privadas do CC de
1916?
5. A modelagem denominada sistema aberta é francamente utilizada no atual
CC de 2002, nessa ótica, identifique qual é a importância desse paradigma
utilizado pelo recente legislador do CC vigente, dando sua opinião sobre a
eficácia ou não desse sistema na busca da justiça. Exemplifique casos
caracterizadores desse “sistema aberto”
6. A tese do diálogo das fontes é muito profícua. No caso de contrato de plano
de saúde onde vigem coberturas obrigatórias e exclusões permitidas em lei.
Quais as regras a serem obedecidas nas cláusulas restritivas contratuais e na
interpretação dos contratos em geral? Justifique e fundamente.
7. Diferencie legitimação e capacidade. Quais as características do direito ao
nome e a imagem?
Teoria Geral do Direito
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8. A constitucionalização e personalização do direito civil é efetiva no atual
sistema vigente. Quais são as fontes normativas do direito geral da
personalidade?
9. O nascituro pode ser considerado pessoa à luz do Código Civil de 2002?
10. Caio transexual veio a realizar cirurgia médica para a modificação de sexo.
Após a intervenção, procurou a Defensoria pretendendo alterar seu registro
civil quanto ao nome e sexo. Sendo certo que pretende guardar sigilo quanto
aos seus dados anteriores.
Pergunta-se:
a)Qual ou quais as medidas judiciais que podem ser tomadas em favor de
Caio?
b)E quanto ao sigilo no registro civil da alteração dos seus dados, quais os dois
princípios jurídico-constitucionais que se contrapõem nessa hipótese?
11. Capacidade pode ser entendida como maior ou menor extensão dos
direitos de uma pessoa. Definir a capacidade de gozo ou de direito e as
restrições impostas, e a capacidade de fato ou de exercício.
12. O CC aduz que se pode exigir que cesse a ameaça ou a lesão a direito da
personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções
previstas em lei. Em se tratando de lesão a interesse econômico ou em caso
de dano moral, quem será considerado o lesado indireto?
13.O SPAM é abuso de direito?
14.Escreva sobre a reserva mental na manifestação de vontade para a
formação de um contrato. Conceitue e explique suas conseqüências.
15.Definir dolo negativo, exemplificando-o e discorrendo sobre seus requisitos.
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