A escolha de Sofia do Banco Central

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A escolha de Sofia do Banco Central
Zeina Latif*
Até a vitória de Trump nos EUA, o cenário
internacional vinha sendo um elemento de
sorte para Temer. A maior estabilidade de
preços de commodities em um contexto de
elevada liquidez mundial produziu uma
volta de fluxos financeiros para países
emergentes, interrompendo a tendência de
queda dos últimos anos. No Brasil, o
quadro externo aliado à mudança política
contribuiu para um comportamento benigno
da taxa de câmbio.
Esse ambiente externo, considerado
(corretamente) transitório pelo Banco
Central, à luz das ameaças no horizonte
global, vinha sendo importante aliado.
Basta imaginar como estaria o quadro
econômico do país caso o mundo estivesse
como no ano passado. Com a “explosão”
cambial, o BC não estaria nada confortável
para cortar a taxa de juros, que hoje é o
único motor disponível para a volta cíclica
do crescimento. Afinal, não há espaço para
ativismo na política fiscal (uma expansão
seria possivelmente contraproducente, por
conta do impacto sobre a dinâmica da
dívida pública) e o comércio mundial está
estagnado.
Diante da grave crise que passa o país, a
volta cíclica do crescimento, que deverá ser
mais palpável apenas em 2018, é elemento
chave, seja para atenuar a grave crise
fiscal que abate a todos e de forma mais
dramática os governos estaduais, seja para
a estabilidade política e continuidade da
agenda de reformas.
Assim sendo, uma dose de sorte faz muita
diferença no quadro atual. Uma reversão
do quadro internacional em um contexto de
economia tão frágil é algo que preocupa.
Mais adiante, com a economia estabilizada,
a sorte pode até faltar. Agora é mais
complicado.
Será que a vitória de Trump pode pôr fim a
esse
quadro
benigno
do
cenário
internacional? É prematuro dizer que sim.
Ainda iremos descobrir em quais das
inconsistentes promessas eleitorais ele irá
naturalmente recuar. Afinal, os graus de
liberdades para cumprir suas promessas
são limitados. Provavelmente, com o
desconforto da sociedade, tão dividida e
polarizada,
os
robustos
pesos
e
contrapesos
das
instituições
norteamericanas deverão funcionar como nunca.
De qualquer forma, com mais incertezas no
quadro internacional, a volatilidade nos
mercados poderá seguir elevada por um
tempo, até que fique mais clara qual será a
agenda de Trump.
O contágio sobre o Brasil se dá,
particularmente, via o comportamento da
taxa de câmbio, com consequências sobre
a dinâmica inflacionária e, portanto, na
condução a política monetária. O quadro é
complexo e incerto. Ainda é cedo para
saber o quanto deste choque sobre os
preços de ativos é transitório (volatilidade e
ajuste técnico do mercado) e o quanto é
permanente, que pode significar não
apenas um patamar mais elevado para a
cotação do dólar, como também uma
dinâmica altista por um tempo.
No primeiro caso, os movimentos de
volatilidade podem ser dirimidos pela ação
do Banco Central, como é o caso agora; o
BC conta com instrumentos efetivos para
atenuar a pressão cambial de curto prazo.
Já um choque permanente pode exigir
revisão da estratégia de política monetária.
Um novo patamar ligeiramente mais alto
para a taxa de câmbio, por conta, por
exemplo, de expectativa de juros mais
elevados nos EUA, não deveria ser fonte
de maior preocupação. Há um custo
inflacionário, mas transitório, e não
permanente.
O que preocupa é se estivermos diante de
algo mais desafiador que é uma inflexão da
tendência da taxa de câmbio, ou uma
tendência de valorização do dólar que pode
trazer
impactos
inflacionários
mais
persistentes.
O BC terá que tomar sua decisão de
política monetária sob incerteza, sem saber
qual a natureza do “trumpnomics”. Por isso
é possível que siga no ritmo de corte da
Selic em 0,25pp. Em outras palavras, se há
incerteza sobre o caminho, é melhor ir
devagar.
Se fosse fácil assim, seria ótimo. O
problema é que uma estratégia cautelosa
do BC não é isenta de riscos. O risco, na
verdade, pode ser bastante elevado. O
conservadorismo do BC pode acabar
elevando o contágio do cenário externo
sobre o Brasil. Os fundamentos da
economia estão muito frágeis: uma
economia débil, com resultados que
decepcionam, e, para piorar, agravam a
crise fiscal pelo impacto sobre a
arrecadação. Um quadro prolongado de
letargia, sem perspectiva de retomada,
poderia jogar o país em um círculo vicioso.
Em qual tipo de erro é melhor o BC
incorrer? Seguir o plano original e correr o
risco de adiar a convergência da inflação à
meta, com impacto em sua reputação, ou
adotar
postura
mais
conservadora,
correndo o risco de comprometer a
atividade econômica, produzindo um
quadro mais instável?
A escolha não é fácil. Não se sabe, por ora,
a probabilidade de cada cenário. Talvez a
probabilidade do segundo erro seja baixa.
Em contrapartida, seu efeito pode ser
grave.
*Economista-chefe / XP Investimentos
16/11/2016
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