Bandas Londrinenses no período ditatorial.docx

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BANDAS LONDRINENSES NO PERÍODO DITATORIAL
Olimpio Luiz de Souza Junior
Graduando em História pela UEL
Bolsista PIBID/CAPES - UEL
[email protected]
Resumo: O uso de músicas na sala de aula para trabalhar a ditadura e seu impacto na
sociedade é muito comum, tendo um enfoque nos artistas que se apresentaram nos
festivais do final da década de 1960, como Chico Buarque de Holanda e Geraldo
Vandré, além de outros músicos da Bossa Nova e também do movimento conhecido
como Tropicalismo, encabeçado pelos artistas Caetano Veloso e Gilberto Gil. Porém, a
produção cultural do período é muito vasta, além de diversificada, já que 21 anos é um
tempo muito longo para ser reduzido a poucos artistas. Outra questão importante é a
do direcionamento crítico dos artistas. Enquanto os artistas mais comumente
lembrados, faziam críticas veladas à falta de liberdade de expressão – característica do
governo do final da década de 1960 –, em suas canções para conseguir passar pela
pesada censura do Estado, por vezes as músicas se tornavam tão complexas que
apenas o próprio autor poderia dizer seu significado. As bandas posteriores ao
movimento punk e do hip hop traziam também suas críticas abertamente contra as
mazelas da sociedade. Pretendemos levar o trabalho de bandas londrinenses,
principalmente do artista Itamar Assumpção, para desenvolver oficinas de análise com
os alunos, seguindo a metodologia do historiador Marcos Napolitano, a fim de
aproximar e possibilitar a discussão do tema, dentro do contexto do município.
Palavras-Chave: Música; Ditadura; Londrina.
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Levando em consideração a proposta do PIBID - Programa Institucional de
Bolsa de Iniciação à Docência - de trabalhar a temática da ditadura em nosso
município, decidimos utilizar o trabalho de músicos da cidade de Londrina para
desenvolver as atividades com os alunos do Colégio Estadual Barão do Rio Branco, em
uma turma de oitavo ano, utilizando o conceito de aula-oficina proposto por Isabel
Barca (Barca, 2004), e a metodologia de análise de Marcos Napolitano (Napolitano
2005). Para tal, utilizamos de uma entrevista de Domingos Pellegrini presente no livro
Na Boca do Bode (Giorgio, 2005) e uma faixa do álbum Beleleu, Leleu, Eu. Álbum este
de autoria do artista Itamar Assumpção, natural da cidade de Tiete, radicado na cidade
de Londrina na década de 1970 e que trabalhou com outros músicos e artistas da
cidade na organização de festivais musicais, como o que intitula o livro supracitado, Na
Boca do Bode.
O primeiro documento trabalhado refere-se à obra do artista Itamar Assumpção,
este pertencente ao grupo conhecido como Vanguarda Paulista, do qual faziam parte
diversos músicos que lançaram seus trabalhos da década de 1980, que trouxe
contribuições diversas ao cenário musical brasileiro. Diversidade essa que também
impede a dita Vanguarda Paulista de se caracterizar como movimento, já que não
possuía um ideal unificador (Silva, 2012).
Aqui se levanta uma questão interessante, já que Itamar Assumpção teria
começado sua vida artística na região de Londrina, mas seguindo o exemplo de outros
artistas, como Arrigo Barnabé, decidiu partir para a cidade de São Paulo,
possivelmente para ter melhores chances com seu trabalho, e apesar de não ter
atingido um grande sucesso, trouxe importantes reflexões sobre a negritude e a
condições sociais da população.
A faixa escolhida para análise junto aos alunos foi “Fico Louco”, que traz a
tentativa de cortejo de um anti-herói, tentando convencer sua amada que a felicidade
está nos perigos das ruas (Silva, 2012). Os arranjos criados por Itamar e seus
companheiros da banda Isca de Polícia não possuem uma estética musical única, mas
trazem influências de reggae e funk. Segue parte da letra:
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Fico louco, faço cara de mau
Falo o que me vem na cabeça
Não digo que com tudo isso eu fique legal
Espero que você não se esqueça
Espero ver você curtindo o reggae deste
rock comigo
Grite forte, dê um jeito, cante,
permaneça comigo
(…)
Espero ouvir você dizer que gosta de
viver em perigo
Considerando que eu não seja nada mais
além de bandido
Fico louco, faço pelo sinal,
me atiro ao chão de ponta cabeça
Me chamam de maluco, etc e tal,
espero que você não se esqueça
Eu quero andar nas ruas da cidade
agarrado contigo
Vivendo em pleno vapor, felicidade
contigo
O segundo documento é parte de uma entrevista de Domingos Pellegrini, autor e
jornalista Londrinense, presente no livro Na boca do Bode, na qual revela como burlou
os mecanismos de censura do governo ditatorial para conseguir as permissões
necessárias para realização de festivais.
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Foram 27 músicas. Ah! Uma coisa interessante. Um dia antes da apresentação,
nós fomos fazer um ensaio geral. Que era meu grande temor. Eu tinha
mandado as letras pra censura, dez cópias de cada letra. Onde tinha alguma
coisa que eles pudessem encasquetar eu tirava da letra. Eu já fazia isso em
teatro, já tinha experiência de outros festivais de música. O censor nem ficava
sabendo. Se viesse uma autoridade, que fosse resolver com o censor… Isso
não era responsabilidade minha. Aí, mudei várias coisas, inclusive no Clara
Crocodilo foram mudadas umas coisas. No dia, o censor estudava ali no
CESULON, eu fiquei sabendo que ele estava numa das salas à noite, e ele veio
conversar comigo: “Que horas é o ensaio?”. Eu respondi: “Oito horas”. “Quanto
tempo demora?”. Demorava duas horas mas eu falei: “Três horas e meia”. “E
as letras?”. “Eu já encaminhei pro senhor”. “Então amanhã, às oito horas eu tô
aí”. Avisei o pessoal pra vir todo mundo penteado, com o cabelo amarrado, pra
ninguém vir com as roupas todas por cima da calça, para virem de sapato ao
invés de tênis. Foi todo mundo bem caretinha, entendeu? E que ninguém
deixasse garrafa nenhuma a vista, que ninguém fumasse, nem cigarro, nada.
Oito horas o cara pintou lá, Olhou todo mundo, todo mundo sentadinho ali,
comportadinho, os japoneses do conjunto lá, tocando um negocinho assim…
tumtumtum, ensaiando um negocinho lá com alguém, aí eu pedi para parar;
“Bem podemos começar o ensaio?”.
O cara veio em cima: “Vai até que horas?” “Ah! Até umas onze e meia, meianoite…” “E as letras são aquelas que você me mandou?” “São, sim, senhor.
Tudo certinho”. “Ah! Então tá liberado.”. Acho que foi a melhor coisa que eu
fiz… (Giorgio, 2005 p. 89).
Podemos observar como o “jeitinho” e a “malandragem”, além do conhecimento
dos processos legais e do modo operante dos censores que Domingos possuía
evitaram problemas, e permitiu a realização daquele festival.
Ambos os documentos foram apresentados aos alunos para análise após uma
sondagem e contextualização do tema, já que se tratava de uma turma que não havia
trabalhado os temas relacionados à ditadura. Além da entrevista e da letra da música,
foi apresentada a gravação da própria para complementar a análise. A análise dos
alunos foi feita mediante um roteiro pré-estabelecido do que eles deveriam prestar
atenção, relacionado ao contexto e à apreciação musical.
Como resultado, podemos observar uma facilidade maior dos alunos em
interpretar o documento escrito, sendo capazes de separar melhor do que na música
qual era a ideia central do texto e relacionar à censura e o que ela representa. Esse
dado nos faz acreditar que seria necessário melhorar a aplicação da análise à música,
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através da repetição do exercício, sempre se lembrando de ter o cuidado de usá-la
como fonte, e não como mera ilustração do período estudado, risco que sofrem outras
fontes como filmes e imagens.
Referências
BARCA, Isabel. Aula Oficina: do Projeto à Avaliação. In. Para uma educação de
qualidade: Atas da Quarta Jornada de Educação Histórica. Braga, Centro de
Investigação em Educação (CIED) / Instituto de Educação e Psicologia, Universidade
do Minho, 2004, p. 131-144.
NAPOLITANO, Marcos. História & Música - história cultural da música popular. 3º
edição. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
GIORGIO, Fabio Henriques. Na boca do bode: entidades musicais em transito. The
Author, 2005.
ASSUMPÇÃO, Itamar. Beleleu, Leleu, Eu. Intérpretes: Itamar Assunpção, Banda Isca
de Policia. 1980.
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