A alegria de escutar os primeiros sons

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Terça-feira 4
A TRIBUNA
maio de 2010
www.atribuna.com.br
Baixada Santista
A-3
ALEXSANDER FERRAZ
A alegria de
escutar os
primeiros
sons
Bebê realiza implante para poder ouvir
TATIANA LOPES
DA REDAÇÃO
A qualquer sinal de ruído ou
barulho, Diego, de apenas 9
meses, arregala os olhos e inicia uma emocionante aventura pela descoberta da origem
do som. A reação seria comum para uma criança de
sua idade. Mas não para Diego. O menino nasceu com
uma deficiência auditiva bilateral profunda, que o impedia de ouvir ou reconhecer
qualquer tipo de som.
As descobertas do pequeno
Diego só se tornaram possíveis
graças a uma cirurgia para implantar ouvidos biônicos, realizada há pouco mais de um mês
no Hospital São Luiz, em São
Paulo. Embora seja prática
comum em países como os
Estados Unidos, no Brasil
essa é a primeira vez que um
bebê tão novo é submetido
ao procedimento para colocação dessas próteses nos dois
ouvidos, de uma única vez.
O implante coclear, nome
científico do aparelho, é um
dispositivo eletrônico que capta o som ambiente, codifica em
sinais elétricos e passa para os
nervos auditivos, possibilitando a uma pessoa surda a capacidade de ouvir.
DESCOBERTA
Hoje, Diego presta atenção
nas conversas, músicas e palmas, coisa que não fazia antes da ativação do aparelho.
“Agora ele está na fase de
gritar. Acho que consegue
ouvir o retorno da voz e acha
engraçado”, conta a mãe Juliana Moura Martins, que
descobriu o problema do filho ainda na maternidade.
“Recebi muitas visitas no
dia seguinte ao parto. Chegou a ter 30 pessoas dentro
do quarto, mas ele não tinha
qualquer reação. Não chorava, não reclamava e nem franzia a testa. Na hora, comentei: ele não escuta”.
A intuição da mãe estava
correta. Após o teste da orelhinha, feito ainda na maternidade, foram realizados outros
exames mais específicos e o
diagnóstico foi fechado. “Ele
não ouvia nada no lado esquerdo e muito pouco no lado direito. Nos testes, só respondeu a um estímulo de 110
decibéis, o equivalente a uma
turbina de avião”.
QUANTO MAIS CEDO, MELHOR
Segundo o otorrinolaringologistaArthur Castilho, especialista no assunto, em crianças
com diagnóstico de deficiência auditiva bilateral profunda, como é o caso de Diego, o
ideal é colocar o implante
nos dois ouvidos entre 6 meses e 2 anos.
Conforme Castilho, médico da Unicamp, um dos centros credenciados pelo Ministério da Saúde para a
realização da cirurgia, quanto mais tarde é colocada a
prótese, maior é o prejuízo
de comunicação. “O cérebro
foi programado para escutar com o estímulo vindo
das duas orelhas. Quando
você estimula somente uma
delas (implante unilateral),
ou demora muito tempo para colocar a segunda prótese, esta área acaba ficando
permanentemente menor”.
Por isso, segundo o especia-
Como funciona
O implante coclear estimula
eletricamente as fibras nervosas
remanescentes, permitindo a
transmissão do sinal elétrico para
o nervo auditivo, a fim de ser
decodificado pelo córtex
cerebral, possibilitando ao
paciente perceber o som. Uma
das partes é implantada
cirurgicamente na coclea, órgão
sensorial que tem a função da
audição. Na parte externa, preso
à cabeça por um ímã, fica um
microfone que faz a captação
do som, e uma anteninha, que
transmite as ondas sonoras
para a coclea e o cérebro.
Fórum
Com o objetivo de esclarecer as
dúvidas sobre o procedimento
cirúrgico e os demais tratamentos,
será realizado no próximo dia 22 o
2º Fórum de Santos sobre
Deficiência Auditiva e
Implante Coclear.
O evento será realizado a partir
das 8 horas, no auditório da
Universidade Católica de Santos,
na Rua Carvalho de Mendonça,
144, na Vila Mathias. O encontro é
voltado a profissionais e
estudantes das áreas de saúde,
educação e assistência social,
como médicos, psicopedagogos,
pedagogas, fonoaudiólogos,
fisioterapeutas, professores,
além de pais e familiares de
pessoas com deficiência.
O Fórum é promovido pelo Centro
de Apoio e Orientação sobre
Implante Coclear (Caoic). As
inscrições podem ser feitas até o
próximo dia 17, pelo telefone
3024-2402 ou 7804.0782. Mais
informações no site
www.arbopec.com.br/caoic. O
ingresso é um quilo de alimento
não perecível.
lista, o implante bilateral tem
melhores resultados em crianças bem pequenas, enquanto
há tempo para manter a maior
área do cérebro ativa.
A cirurgia para a colocação do implante coclear bilateral em Diego foi realizada no final de fevereiro e a ativação ocorreu há pouco mais de um mês
Liminar garantiu implante bilateral
TTTDevido ao custo da cirurgia,
em torno de R$ 150 mil, o tratamento de Diego teve início pelo Sistema Único de Saúde
(SUS). Mas, como todos os
pais, que sempre querem o melhor para seus filhos, Juliana e
Fabiano não se conformaram
diante da morosidade imposta
pelo processo para a realização
da cirurgia pela rede pública.
Pelo SUS, a operação só poderia ser feita após o garoto
completar um ano. Além disso,
não seria possível implantar o
aparelho em um dos lados.
A fim de garantir maior rapidez na realização da cirurgia do
filho, Fabiano acionou a seguradora de saúde – em 2008, alguns
planospassaramaautorizaroato
cirúrgico. Mas, como receberam
negativa da empresa, entraram
na Justiça e a cirurgia foi feita
comorespaldodeumaliminar.
Para regular essa questão,
Agência Nacional de Saúde
(ANS) publicou em janeiro
uma resolução normativa, que
entra em vigor no próximo dia
7 de junho. No entanto, a nova
regra – que só autoriza o implante unilateral e deixa de fora pessoas entre 6 e 18 anos –,
pode prejudicar as famílias
que pretendem realizar o implante bilateral em seus bebês.
O argumento usado pela
ANS para limitar a cobertura à
colocaçãodeapenas uma prótese no novo rol de procedimento
é a mesma do SUS, cuja portaria tem mais de 10 anos.
“O implante de uma única
prótese coclear permite que a
criança com surdez adquira lin-
Bom resultado
Rede pública
>>SUS
As cirurgias de implante coclear
começaram a ser realizadas pelo
Sistema Único de Saúde (SUS) em
1999, regulamentadas por meio
da Portaria nº 1.278, de 20 de
outubro do mesmo ano.
>>Credenciados
Carolina Perez Gouveia, de 8 anos,
fez o implante unilateral quando
tinha uma ano e 11 meses. Se não
fosse pelo aparelho preso atrás dos
cabelos, hoje, ninguém diria que a
bela garota nasceu com um grave
problema de audição. “Ela tem
notas máximas em todas as
matérias na escola. Nunca teve
dificuldade de aprendizagem ou de
relacionamento”, conta a mãe da
menina, Silvana Perez Gouveia.
guagem oral, o que é o mais
importante nestes casos. Também é importante lembrar que
a evolução no desenvolvimento desse tipo de material é muito acelerada”, informou o órgão, através de nota.
O médico Arthur Castilho,
no entanto, discorda da alegação da ANS. “Quando oimplante é feito nas duas orelhas, antes de 1 ano de idade, o ganho
na percepção auditiva pode ser
de 22%, quando comparado ao
implante unilateral”, explica o
especialista.
Adespeitodajustificativa,conforme a própria ANS, alguns
membrosdaAssociaçãoBrasileira de Otorrinolaringologia e Ci-
rurgiaCérvico-Facialquestionaramalimitaçãoaoimplanteunilateral e também alguns outros
aspectos da diretriz para coberturadoprocedimento.
De acordo com a agência,
ficou acertado que a entidade,
filiada à Associação Médica
Brasileira (AMB), fará uma
pesquisa das evidências científicas relacionadas ao implante coclear, inclusive quanto às
possíveis vantagens de se realizar o implante bilateral. A associação também irá elaborar
uma diretriz clínica, a qual
poderá vir a ser publicada futuramente, dentro de um convênio que já foi firmado entre a
ANS e a AMB para esse fim.
Por ser um tratamento de alta
complexidade, que demanda uma
estrutura física específica,
atualmente, apenas 19 hospitais
e centros estão credenciados pelo
Ministério da Saúde para fazer o
implante pelo SUS. O problema é
que esses centros estão
distribuídos de maneira
inadequada – não existe
nenhuma unidade nas regiões
norte e centro oeste.
>>Cirurgias
Noanopassado,foramrealizadas
479cirurgiasgratuitasnessas
unidades,62amaisquenoano
anterior.Dototaldeimplantes
feitosem2009,360ocorreramem
centrosehospitaisdoEstadodeSão
Paulo.Em crianças, segundo a
portaria do Ministério da Saúde,
o implante é indicado para
aquelas que já utilizaram prótese
auditiva durante pelo menos três
meses e têm incapacidade de
reconhecimento de palavras em
conjunto fechado. Além disso, é
preciso que a família esteja
motivada para o uso do implante
e que exista condições adequadas
de reabilitação na Cidade
AJUDA
Aos 45 dias de vida, Diego já
usava um AASI (Amplicador
Auditivo Sonoro Individual),
mas não obteve sucesso. Diante da notícia de que o filho não
poderia ouvir, os pais de Diego,
FabianoRufino daSilva e Juliana, passaram a buscar informações na internet e procuraram
os mais diversos especialistas.
Em um evento sobre o problema, em São Paulo, conheceram Andrea Cortez Alvarez,
fundadora do Centro de Apoio
e Orientação sobre Implante
Coclear (Caoic), que orientou o
casal e deu forças para a realização da cirurgia.
Mãe de Rodrigo, um garoto
de 3 anos que fez um implante
aos 10 meses e outro no ano
passado, Andrea criou a entidade para dar aos pais de
crianças com deficiência auditiva o mesmo suporte que recebeu de outros pais quando passou por essa situação.
“Conhecer o Rodrigo e ver
como ele ouve e fala normalmente, como qualquer criança de sua idade, foi fundamental para a nossa decisão
de realizar o implante”, afirma a mãe de Diego.
Projeto quer assegurar tratamento
TTTEntidades ligadas aos portadores de deficiência auditiva
lutam para que a triagem neonatal,mais conhecida como teste da orelhinha, seja obrigatória em todo o País, como já
ocorre com o teste do pezinho,
e para que haja encaminhamento correto nos casos de
diagnóstico positivo.
Em todas as maternidades e
hospitais do Estado, o procedimento já é obrigatório desde a
promulgação da Lei º 12.522,
de 2 de janeiro de 2007. No
entanto, quando o teste indica
a possibilidade de surdez, nem
sempre há sistemas eficazes de
encaminhamento para os grupos de implante coclear ou para
colocação de prótese auditiva
narede pública.
Para tentar garantir esse direito, a questão foi incluída no
texto do Estatuto da Pessoa
com Deficiência, em tramitação no Congresso Nacional.
De autoria do senador Paulo
Triagem
>>O exame
Realizado nos primeiros dias de
vida, o teste da orelhinha consiste
na colocação de um fone acoplado
a um computador na orelha do
bebê que emite sons de fraca
intensidade e recolhe as
respostas que a orelha interna
da criança produz.
Paim (PT-RS), o texto já foi
aprovado no Senado e está para ser votado na Câmara. Conforme o projeto, dependendo
do resultado do teste da orelhinha, a criança deverá ter
garantido o encaminhamento para a uma unidade básica
de saúde para a utilização do
AASI (aparelho de amplificação sonora individual).
“E caso não tenha resultado
com esse equipamento, deverá
serdirecionadaparaoutrostratamentos ou para acirurgia de implante coclear”, explica a assistentesocialCristianeMaria Bernardes Vieira, coordenadora da
AssociaçãodosDeficientesAuditivos,Pais,AmigoseUsuáriosde
ImplanteCoclear(Adap).
A entidade ajuda a intermediar a negociação entre os
pacientes implantados e a empresa que fornece os equipamentos no Brasil. “O SUS
garante o implante, mas não
dá a manutenção, que é muito cara”, diz Cristiane.
NA REGIÃO
Na rede pública de Santos, o
teste da orelhinha é realizado em todos as crianças que
nascem no Hospital Guilherme Álvaro (HGA), no Boqueirão, e na Maternidade
Municipal Silvério Fontes,
na Zona Noroeste.
Nas duas unidades, quando
o resultado dá positivo, o exame é refeito e, se a deficiência persiste, são realizados
testes mais específicos e a
criança é encaminhada ao
Centro de Referência em
Saúde Auditiva (Secresa),
que atende os nove municípios da Baixada Santista.
No HGA, nos caso dos bebês de risco para surdez ou
prematuros, mesmo quando
não é constatado o problema
de audição, é feito um acompanhamento, de três em três
meses, até a criança completar um ano de vida.
Em todos os casos, quando há indicação de cirurgia
para colocação do implante
coclear, como o procedimento não é feito na região, o
paciente é encaminhado para a Central de Regulação
de Vagas do Estado, que
agenda consulta no Hospital das Clínicas ou na Santa
Casa de São Paulo.
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