Manchetes e rankings: exemplo de “como não informar” Em tempos de “buzzfeed”, listas e rankings chamam a atenção e fazem sucesso. O que pode ser um recurso classificatório de fácil visualização e entendimento torna-se, em muitos casos com empurrãozinho intencional, desinformador. É o que muitas vezes acontece com as manchetes dos grandes jornais. Exemplo: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) foi destaque em quase todos os portais do país nesta segunda-feira, dia 14/12/2015. A desinformação prevaleceu e o que era detalhe, carregando grande capacidade de confundir ou, no mínimo, obscurecer, se tornou manchete. Na Folha de São Paulo, “Brasil cai no ranking global de desenvolvimento humano da ONU”; no Estadão, o “Brasil perde posição e fica em 75º em ranking de desenvolvimento da ONU, atrás do Sri Lanka.”; no G1, o “Brasil cai uma posição e é 75º no ranking do IDH”; em O Estado de Minas, “Brasil perde uma posição no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU.; descendo ao sul, o Zero Hora avisa: “IDH: Brasil perde posição para o Sri Lanka e é 75º em ranking”; subindo para o nordeste, no Jornal do Commércio o “Brasil fica em 75º no ranking de Desenvolvimento Humano, atrás do Sri Lanka.”. Duas impressões ficam: 1) a de que a maioria dos grandes jornais são tão iguais, com os mesmos discursos, que parecem terem o mesmo editor; 2) notícia ruim é sempre melhor (ou mais fácil) para se fazer manchetes. Criado pelo paquistanês Mahbub ul Haq, juntamente com o Nobel de economia Amartya Sen, o IDH utiliza mecanismos mais complexos de análise do que a tradicional somatória das riquezas produzidas por um país, o Produto Interno Bruto (PIB). A insuficiência do PIB como ferramenta de análise é conhecida por todos: por mais que as riquezas produzidas sejam grandes, sua concentração em poucas mãos é sinônimo imediato de pobreza e más condições para a maioria da população. Diferentemente deste último, o IDH se baseia nas dimensões de renda, saúde e educação. A mudança do foco é evidente: da economia para o ser humano. Por isso que, mesmo ainda sendo limitado no que tange a todos os aspectos do desenvolvimento humano, o IDH é um avanço metodológico. Cento e oitenta e oito países são avaliados. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), órgão responsável por produzir os relatórios anuais do IDH, nas últimas duas décadas o Brasil registrou um “progresso impressionante” na redução das desigualdades e melhoria do desenvolvimento humano. Em uma entrevista de julho 2013, Jorge Chediek, coordenador do sistema Nações Unidas (ONU) e representante do PNUD, disse que olhava para o Brasil como “exemplo de país que tinha passivos históricos de desigualdade econômica, regional e racial”. De lá pra cá, nosso IDH continuou em linha de crescimento: de 0,493 em 1991 para atuais 0,755. A medida vai de 0 à 1, ou seja, quanto mais perto de 1, melhor. O que chama a atenção no caso brasileiro é o fato de que, dos três índices que compõe a análise metodológica desenvolvida pela PNUD, é a renda a que menos se modifica. Os dados que melhoram mais significativamente entre os brasileiros, educação e longevidade (saúde), são claros resultados de que políticas sociais tem forte peso na melhoria de condições de vida e diminuição de desigualdades. Voltando às manchetes: para quê destacar que o IDH melhorou, que vem numa linha crescente, não factual, mas robusta, se é possível chamar a atenção que o Brasil caiu uma posição no ranking e coloca-la na espiral da crise política? Estamos longe de dizer que está tudo ok com o desenvolvimento humano brasileiro. É óbvio que não está bom e que há muito o que melhorar. Mas a panaceia dos jornalões por rankings (que vai de futebol à política, de belezas femininas às escolas) são tão caricatas, rasas e obscuras que servem apenas para confundir o leitor e ocultar preconceitos e intencionalidades dos próprios jornais. Em tempo: na BBC, cuja proposta de noticiário tem se mostrado bem diferente dos jornais tradicionais aqui mencionados, destacava em sua manchete principal do dia: “IDH melhora em 2014, mas crise longa ameaça avanço.” Arrisco um palpite: nem foi tão difícil assim fazer uma manchete como esta. Bastou clareza e vontade de informar. Não seria isso o que tem faltado na nossa imprensa? Obs.: cabe notar mais uma coisa. Apesar de Sri Lanka ter sido onipresente em todas as matérias jornalísticas citadas, seja na manchete, no título auxiliar, na lide ou no corpo da notícia como forma depreciativa, nenhuma matéria mencionou sequer onde fica este país ou suas particularidades. Antigo Ceilão, uma ilha que fica no Oceano Indico, tem como seu esporte nacional o vôlei. Estas e tantas outras informações são facilmente encontradas na Wikipédia.