Projetos buscam modificar forma de escolha de

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Porto Alegre, terça-feira, 25 de abril de 2017 - Nº 28 - Ano 20
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Projetos buscam modificar
forma de escolha de ministros
Atual modelo, com
indicação presidencial
e sabatina no Senado, é
criticado por especialistas
e parlamentares
Igor Natusch
[email protected]
Considerada polêmica por boa
parcela da opinião pública, a indicação de Alexandre de Moraes como
novo ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) reviveu as discussões
sobre o atual modelo de escolha dos
integrantes do colegiado. Ex-ministro da Justiça no governo de Michel
Temer, o próprio Moraes propôs,
em sua tese de doutorado, mudanças na atual seleção – e uma série
de propostas, no Congresso e na esfera jurídica, sugerem reformas que
ampliem o número de atores envolvidos no processo.
Atualmente, a escolha é exclusiva do presidente da República, em
modelo inspirado na Justiça dos Estados Unidos. No Brasil, o candidato deve ter mais de 35 e menos de
65 anos, reputação ilibada e notório
saber jurídico. A indicação deve ser
aprovada pela maioria do Senado,
em processo de sabatina, e o ministro aprovado só deixa o cargo
em caso de morte, renúncia ou ao
atingir os 75 anos de idade. O Supremo é integrado por 11 ministros,
que decidem questões constitucionais e atuam também como última instância do Judiciário, além
de julgarem casos que envolvem
foro privilegiado.
No momento, tramitam no Senado duas Propostas de Emenda à
Constituição (PEC) propondo mudanças nesse processo. Uma delas,
de autoria de Lasier Martins (PDT-RS), condiciona a indicação presidencial aos nomes de uma lista tríplice, elaborada pelos presidentes
dos tribunais superiores e pela direção da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB). Os ministros teriam
mandato de dez anos, ficando depois inelegíveis por cinco anos.
Em outra proposta, trazida em
2012 por Cristovam Buarque (PPS-DF), o presidente receberia uma
lista sêxtupla, da qual selecionaria três nomes. Ao Senado caberia
dar a palavra final, escolhendo o
novo ministro a partir das indicações presidenciais. Existem outras
iniciativas de caráter semelhante no Congresso, a maioria delas
criando poeira nas gavetas das casas legislativas.
Na leitura de Lúcio Antônio Machado Almeida, mestre em Direito
e professor na Faculdade Dom Bosco, de Porto Alegre, a concentração
da escolha no Executivo prejudica a
legitimidade dos ministros. “Se partirmos de outras realidades constitucionais, como, por exemplo, em
Portugal, percebemos que, dos 13
integrantes do Tribunal Constitucional, dez são escolhidos pela Assembleia da República e três, pelo
próprio tribunal. Quanto à permanência no tribunal, o tempo é de 9
anos, enquanto no Brasil um ministro indicado com 35 anos pode vir a
ficar outros 35”, acentua.
Marcelo Peruchin, professor de
NELSON JR/SCO/STF/JC
Escolha de Moraes gerou críicas de blindagem políica no STF
Direito Penal na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(Pucrs), considera perceptível a “ausência de critérios objetivos” nas
sabatinas promovidas hoje pelo Senado. “É uma arguição política, até
mesmo casuística. Na sessão que
aprovou o nome do ministro Morais, as perguntas eram quase todas
sobre acontecimentos atuais, como
a Lava Jato”, exemplifica.
Para o doutor em Direito e ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul Lenio Luiz Streck, o maior
problema é a falta de cobrança sobre os senadores. “Do mesmo modo
que pouca gente reclama de decisões de tribunal, também não formamos uma tradição para cobrar
do Senado uma atuação mais efetiva no caso de indicação para o STF.
Deveria ser aberto um espaço para
que os interessados (sociedade civil
em geral, sindicatos, ONGs etc.) de-
positassem suas perguntas em uma
comissão especial do Senado formada para tal. Ou instituir uma espécie
de ‘advogado do diabo’, que atuaria
como ‘promotor’ para contestar as
enrolações do candidato”, defende.
Por sua vez, o vice-diretor da
Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(Ufrgs), Rodrigo Valin de Oliveira,
considera inevitável que o processo tenha tendências políticas, pela
própria natureza de um tribunal do
tipo. Citando o teórico espanhol Victor Ferreres Cornelia, ele argumenta
que tribunais constitucionais formados por juízes de carreira tendem a
ser mais conservadores, enquanto
os constituídos por indicação política ganham um caráter mais ativista. “É preciso decidir qual queremos aplicar”, afirma. Para ele, é
equivocada a ideia de que o STF
deve ser formado por técnicos, uma
vez que boa parte das decisões são
de caráter político. Ele sugere o uso
do critério alemão, que exige voto
favorável de dois terços do Legislativo para aprovação do indicado,
como forma de aprofundar a necessidade de consenso.
Marcelo Peruchin, da Pucrs,
acredita que o processo seguido
para escolhas no Superior Tribunal de Justiça (STJ) poderia servir
de modelo para eventuais mudanças no STF. No caso, um terço dos
ministros do STJ deve pertencer a
Tribunais Regionais Federais; um
terço, a Tribunais de Justiça; e o
restante, a advogados e membros
do Ministério Público, nas esferas
estadual e federal. Assim os novos
ministros só podem ser indicados
em preenchimento a essas cotas.
O plenário do STJ elabora uma lista tríplice, cabendo à presidência
da República escolher um dentre
os indicados. “Considero esse um
modelo melhor e com menos distorções”, argumenta.
Streck concorda que segmentos como professores, advogados,
juízes e membros do Ministério
Público poderiam oferecer nomes,
em lista, para aprovação presidencial. Mas ele acredita que esse tipo
de composição dificilmente daria
certo no País. “Logo, logo, defensores, procuradores de autarquias
etc. também reivindicariam (como
se estes não fossem advogados também; eles teriam que disputar na
lista dos advogados). Claro que policiais também reivindicariam. As
corporações poderiam atrapalhar
esse quadro”, pondera.
Supremo deve priorizar atuação constitucional, defendem juristas
Para a maioria dos consultados pelo Jornal do Comércio, é fundamental reforçar o
caráter do STF como tribunal constitucional,
diminuindo ou mesmo removendo de todo
as atribuições do órgão como última instância decisória do Judiciário. Lenio Streck, por
exemplo, acredita que seria possível remover
plenamente o Supremo do Judiciário, nos moldes de algumas democracias europeias, como
Alemanha, Espanha e Portugal. “Isso distensionaria as discussões sobre a constituciona-
lidade de leis e atos. As atribuições não constitucionais que hoje são do STF iriam para o
STJ, que se transformaria no órgão de cúpula
do Judiciário. E o tribunal constitucional, que
funcionaria fora dos Três Poderes, ficaria com
tudo que fosse constitucional.”
Para isso funcionar, porém, seria preciso
aumentar o número de ministros em alguns
órgãos, acredita Streck. “O STJ deveria ter dez
vezes mais membros. O Tribunal de Justiça de
São Paulo tem 350. O do Rio Grande do Sul
tem 155. A Corte de Cassação da Itália tem
mais de 400 membros”, exemplifica. “É patético pensar que um tribunal como o STJ possa funcionar com 33 ministros. Ficção. Ilusão.
Para sustentar essa ficção, cria-se jurisprudências defensivas. Quem perde é a cidadania.”
A delimitação do STF como guardião da
Constituição é central, na leitura de Rodrigo
Valin, da Ufrgs. “Há uma sobrecarga muito
grande de trabalho a partir dessa dupla jurisdição. Não se justifica, por exemplo, o Su-
premo avaliar casos de extradição”, afirma.
O atual formato de inconstitucionalidade, que
pode ser declarada por qualquer juiz antes de
ser formalizada pelo STF, acaba gerando um
volume ainda maior de casos. Ele lembra que
a Suprema Corte dos EUA tem a prerrogativa de escolher quais casos julgar, avaliando
quais causam mais comoção junto à sociedade. “É possível também ampliar o controle
preventivo, submetendo as leis antes de sua
vigência, como é feito na França”, sugere.
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