OCUPAÇÃO, DEGRADAÇÃO E CONTAMINAÇÃO DAS NASCENTES DO RIO DAS ANTAS NA ÁREA URBANA DA CIDADE DE ANÁPOLIS. Priscilla Fabiane de Brito¹ Curso de Geografia, PBIC/UEG, Campus Universitário de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas. Bernardo Cristovão Colombo da Cunha² Docente do curso de Geografia do Campus de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas, Anápolis/Goiás. INTRODUÇÃO A ideia de que o homem sempre dependeu dos recursos naturais é muito antiga. Com efeito, no princípio da organização humana, quando o homem vivia vagando, movimentandose pela natureza, sua vinculação visceral com o meio era definida pelas necessidades primárias de alimentação, água e abrigo. Durante o surgimento e posterior desenvolvimento da cidade de Anápolis essa dependência não se mostrou diferente. Na medida em que o município foi sendo definido como local suporte aos tropeiros que se dedicavam à manutenção e até mesmo à exploração aurífera goiana, iniciaram-se também os processos de adaptação do meio e exploração dos recursos ali existentes, contribuindo inicialmente para a caracterização das margens do Rio das Antas, um dos responsáveis pela fundação da Vila de Sant’Ana da Antas, posterior cidade de Anápolis. Evidências refletem, em forma de degradação ambiental, o nível de planejamento utilizado para dar forma aos construtos da cidade, mostrando por si próprios a desconsideração com relação à fragilidade do ambiente físico, potencializando assim, os processos geológicos preexistentes, como no caso das erosões, que podem acontecer de forma “natural, geológica ou normal” (OLIVEIRA, 1994, p.06), mas podem ser provocadas ou aceleradas também por meio da ação humana. A erosão do tipo natural acontece geralmente de forma mais lenta e menos agressiva do que a antrópica, isso devido à ação humana, que se sobrepõe à natureza acelerando, potencializando ou desencadeando o aparecimento de novos focos erosivos. Esta pesquisa trata da degradação das nascentes do rio das Antas presentes no perímetro urbano da cidade de Anápolis, destacando a relação existente entre as alterações ambientais e urbanísticas e o acelerado processo de produção do espaço nas margens do referido rio. É destacada aqui, a região sul do município, devido à localização do interflúvio responsável por abrigar a cabeceira de drenagem do Rio das Antas. Neste artigo são abordados assuntos relacionados ao tema, assim como aqueles ligados aos aspectos físiográficos da área, como a geologia, a geomorfologia, a hidrologia e a vegetação. A nascente do rio das Antas está situada no extremo sul da cidade de Anápolis, na vertente leste do relevo tabular que acolhe o Distrito Agroindustrial de Anápolis. É uma área intensamente servida por rodovias federais e estaduais, pela ferrovia Norte-Sul e se encontra fortemente pressionada pelo processo de produção do espaço em Anápolis. A Figura abaixo mostra a posição de Anápolis, no contexto mesorregional do estado de Goiás. Fonte: B. C. C. Cunha (2015) OBJETIVOS Discutir a degradação ambiental e a contaminação das nascentes do Rio da Antas situadas na área urbana da cidade de Anápolis. Compreender a relação existente entre o processo de produção territorial nas adjacências das nascentes do referido rio e as alterações adversas observadas. Analisar as características fisiográficas da área da nascente, atentando também para a quantidade e a natureza das edificações presentes no local. Especificar os agentes cooperadores para a degradação local, assim como verificar o descarte irregular de esgoto e de resíduos sólidos. METODOLOGIA A metodologia utilizada para a concretização deste estudo foram aquelas consideradas de praxe como compilação bibliográfica, coleta de dados em campo, tratamento dos dados e informações coletadas e redação do texto final. RESULTADOS E DISCUSSÕES A interferência humana favorece a degradação ambiental, dessa forma, torna-se lógico entender que são as práticas humanas as principais responsáveis por promover a degradação ambiental. Dentro do contexto é comum observar como formas desses desarranjos a formação dos depósitos tecnogênicos, neologismo que tende a atribuir significado a um fenômeno relativamente novo, datado do período geológico mais recente, ou seja, do Quaternário ou Antropogeno, e que se refere à intervenção do meio pelo homem com o auxílio de técnicas. Oliveira (1994, p. 4) considera que esse “conceito abrange tanto os depósitos construídos, como os aterros de diversas espécies, quanto os depósitos induzidos, como os corpos aluvionares resultantes de processos erosivos, desencadeados pelo uso do solo.” (OLIVEIRA, 1994, p. 4). Durante a execução dos cinco estudos em campo ocorridos durante a execução desta pesquisa, foram identificados vários tipos de depósitos tecnogênicos dentro das áreas consideradas degradadas. Fator que se relaciona diretamente com a adaptação do relevo em detrimento das construções e também com o descarte irregular do material resultante do metabolismo da cidade. Bitar e Braga (1995), embasados na legislação ambiental brasileira, consideram que degradação ambiental seja: “[...] o conjunto de processos resultantes de danos ao meio ambiente pelos quais se perdem ou se reduzem a algumas de suas propriedades, tais como, a qualidade ou capacidade produtiva dos recursos ambientais.”, a conceituação desses autores reforça a ideia de que, quando se intervém no meio físico, são geradas uma série de reações, onde se manifestam danos materiais, sociais e também a perda dos atributos qualitativos desse ambiente, podendo eles se relacionar tanto à produção como também à manutenção local. Com a observação dos diversos pontos visitados, foi possível identificar casos que exemplificam o estágio de degradação ao qual se encontra a cabeceira do rio das Antas. Nessa parte são nítidos os sinais do rebaixamento do lençol freático e também do soterramento da nascente, além dos cortes e dos aterros profundos que se fizeram “necessários” para a instalação dos equipamentos, que acabaram por induzir o aparecimento e a evolução dos focos erosivos. Trata-se de uma área ínvea, onde o uso e a apropriação do solo é bastante intenso. De acordo com a análise dos estudos feitos para que se iniciassem as obras do túnel da Ferrovia Norte e Sul, foram notadas exigências de que fossem tomadas medidas compensatórias aos impactos negativos ocasionados pelas construções naquela região. Desse modo, o “Parque da Cidade” se originou como uma dessas medidas. Durante a observação e catalogação no referido parque, notou-se que se trata de uma obra visualmente interessante, mas que também não seguiu os parâmetros desejáveis. Apesar do pouco tempo de funcionamento, o local já apresenta sinais de erosões e assoreamento do Rio nas proximidades, isto, diante principalmente da hidrodinâmica local que foi alterada, além da impermeabilização de grande parte do solo. Alterações no Parque da cidade (Região da Cabeceira de Drenagem do rio das Antas) Corte Aterro Corte Fonte: P. F. Brito (2014) A vegetação nativa remanescente foi retirada, cedendo lugar ao plantio de espécies exóticas. Nos locais reservados à recreação infantil, usou-se como material de amortecimento nas dependências do playground “pó de pedra”, ou seja, areia originada a partir de rocha moída. A aparência da areia nos leva a crer que a areia foi gerada partindo de rocha rica em Mica Muscovita, pelo aspecto brilhante. A granulometria da areia é muito pequena, o que faz com que se espalhe pelo ar com muita facilidade, ocasionando a inalação pelo público infantil, maior prejudicado, tendo em vista que são frequentadores assíduos do local, obtendo assim problemas respiratórios. É um local reafeiçoado com dinheiro público, porém não atende eficientemente os anseios da maior parte da sociedade, não se encaixando no perfil das obras originadas em nome do bem estar da sociedade como um todo. Obras encontradas na localidade, destacando-se um dos túneis da ferrovia Norte/Sul, o Centro de Convenções de Anápolis e o Parque da Cidade, estão sendo erguidas, ao que parece, desobedecendo os parâmetros legais que protegem os recursos naturais, como por exemplo aqueles que constam no texto da lei nº 12.651 de 25 de maio de 2012, tendo em vista que é uma área que se enquadra como “Área de Proteção Permanente”. Vista Parcial do túnel da Ferrovia Norte Sul, em Anápolis, Goiás. Fonte: B.C.C da Cunha, fev. 2012 Foi observado também por toda a extensão do rio, o descarte irregular de grande parte de materiais resultantes do metabolismo da cidade e exemplo disto é a notável quantidade de lixo mal qualificado e mal selecionado encontrado por praticamente toda sua extensão e também de alguns afluentes, que também foram analisados durante a realização deste. A imagem seguinte exemplifica os problemas erosivos que foram potencializados pela interferência antrópica no local. Erosão Linear encontrada dentro do Parque da Cidade Fonte: P. F. Brito, dezembro/2014. No que se relaciona à geologia, a cidade de Anápolis se localiza em uma faixa composta predominantemente por granulito, os quais, segundo Radaelli(1994) , compõem o Complexo Granulítico Anápolis-Itauçu. É considerado por Radaelli(1994) como o domínio geotectônico mais antigo da área levantada (Folha Anápolis – SE. 22-X-B-II). O Complexo Granulítico Anápolis-Itauçu é constituído por granulitos ortoderivados e granulitos paraderivados, tendo em vista que os granulitos se referem às rochas que se originaram partindo de rochas preexistentes que foram submetidas a um alto grau de metamorfismo, podendo ser orto ou paraderivados. Os granulitos ortoderivados constituem suas litologias dominantes. Eles se originaram a partir de rochas ígneas submetidas a metamorfismo de alto grau. Os paraderivados são tidos como resultantes de metamorfismo de alto grau sobre rochas sedimentares preexistentes. Em cortes das estradas locais, ou em alguns pontos onde o processo tecnogênico se fez intenso essas rochas encontram-se expostas, porém na forma saprolítica, porquanto o grau de intemperismo é profundo. Mostram-se presentes ainda as formações superficiais, que se apresentam nas variadas formas de lateritas (autóctones ou alóctones), podem ser conceituadas da seguinte forma: “materiais que recobrem a parte emersa da crosta, provenientes da alteração das rochas por intemperismo (físico, químico, biológico) e que podem ter sido remanejadas e/ou retrabalhadas sobre as vertentes, superfícies de erosão, planícies fluviais, etc.” (QUEIROZ NETO, 2001, p. 65) Radaelli et al. (1994) constataram que essa parte do arcabouço geotectônico de Goiás, ocorre “[...] sob espessas coberturas de lateritas e latossolos [..] em escassos afloramentos, em geral em fundos de vales e bastante intemperizados”, constituindo assim o arcabouço rochoso observado localmente. No caso da Geomorfologia ela se manifesta muito claramente na construção e na destruição do relevo; na formação de depósitos sedimentares, no assoreamento de cursos d’água. Do ponto de vista geomorfológico, conforme acentuam Mamede, Franco e Nascimento (1981) e Mamede et al. (1983), a área sob investigação constitui uma pequena porção do Planalto do Alto Tocantins-Paranaíba, o qual se apresenta esculturado, em grande parte, em terrenos do Complexo Goiano, entidade litoestratigráfica esta denominada, localmente, Complexo Anápolis-Itauçu (Radaelli et al., 1994). Com relação ao perfil pedológico, é predominante na área um relevo elevado que vai de plano a ondulado, característica esta muito favorável à formação dos Latossolos. As vertentes observadas são fruto de longos processos erosivos originados partindo de erosão remontante produzida pelo sistema de drenagem local. A área estudada corresponde ao interflúvio de onde brota a nascente do rio das Antas, a qual se encontra ocupada em, sua maioria, pelo complexo de edificações e equipamentos públicos. No topo do relevo, em domínios da Superfície de Erosão Conservada, Aplanada, Paleogena, ocorrem Latossolos Vermelhos e Vermelhos Amarelos. Nessa área ocorrem altitudes cujas cotas topográficas chegam a 1150 m. Na medida em que se experimentam altitudes menores, tornam-se presentes as coberturas detrito lateríticas, podendo elas ser resultantes de transporte ou sua formação podem ter ocorrido in situ. Aquelas classificadas como resultantes de transportes, tendem a se localizar nas partes mais baixas, podendo ser datadas da Época Pleistoceno, do Período Quaternário, pois, provavelmente, foram formadas a partir do deslocamento de sedimentos desprendidos de estruturas preexistentes e, consequentemente, mais antigas de um período anterior, do Paleoceno. De acordo com Radaelli (1994) a vegetação catalogada na folha SE.22–X-B-II onde encontra-se inserido o município de Anápolis , é “representada por campos cerrados e matas de galeria”. A área como se tem conhecimento, é parte integrante do município e sua vegetação também é representada pelo bioma cerrado sendo observados os subtipos supracitados, sendo que a mesma quase inexiste no local. CONSIDERAÇÕES FINAIS A cidade de Anápolis desde o seu surgimento vivencia um relevante processo de expansão urbana, crescimento que tem se mostrado ainda mais intenso na atualidade. A intensificação da produção territorial urbana em Anápolis permite e instiga a observação do ambiente natural e antrópico, assim como das práticas sociais e políticas em torno desse mesmo espaço, desse modo, se fizeram pertinentes alguns questionamentos que levaram à realização do presente estudo. A inadequação do uso e do manejo do solo contribui diretamente para a potencialização da degradação ambiental na área. Pois a área de uns anos para cá vem sofrendo alterações cotidianas, o que implica em um desfecho indesejável, haja vista o crescimento das probabilidades de comprometimento de forma irreversível dos recursos naturais existentes. Na medida em que tais desarranjos são observados, torna-se imprescindível a observação e o detalhamento das características físicas naturais locais. Tomando por base essa premissa, é importante destacar que foram catalogados também aspectos geomorfológicos, geológicos, fitoecológicos e pedológicos da área, enfatizando também a tecnogênese local. Contudo o estado em que se encontra a nascente do rio é digno de destaque, pois são perceptíveis a ação e os efeitos da intensa ação antrópica no ambiente. A referida nascenteé quem realmente mais sofre com essas ações, a mesma encontra-se praticamente toda soterrada pelo túnel da Ferrovia Norte-Sul, o lençol freático ali presente foi rebaixado em detrimento da construção, o que interfere em todo o curso do rio, prejudicando além do próprio rio, seus afluentes, e também o ecossistema que depende dele para sobreviver, “(...). No Parque da Cidade, construção designada como medida compensatória pela construção da ferrovia Norte Sul, também contribuiu grandemente para a alteração adversa do ambiente. A área se encontra em sua grande parte impermeabilizada, além dos cortes, aterros e da vegetação primitiva que foi retirada cedendo lugar para o plantio de plantas exóticas, onde os processos erosivos já se evidenciam. Podemos assim considerar que mesmo diante da obrigatoriedade designada pelas leis ambientais, os estudos e principalmente as construções foram levantadas praticamente desconsiderando aquilo que se encontra previsto nos textos legais. Os responsáveis não se mostram criteriosos ao realizarem a utilização desses espaços que são protegidos por lei, como os recursos hídricos e as áreas de preservação permanentes. Com relação à contaminação, é de grande valia enfatizar que é nítida a poluição presente por toda a extensão do rio, nota-se um grande mau cheiro e também uma grande quantidade de lixo e de esgoto sendo lançado no Rio. Procuramos contato com a empresa de saneamento básico local, buscando estabelecer parcerias que nos levasse ter condições examinar a qualidade da água da nascente, porém não obtivemos sucesso, haja vista a aparente inércia desprendida pelo responsável do setor na empresa, mostrando-se alheio aos nossos pedidos pelas informações pertinentes, demonstrando desinteresse pelo trabalho a ser realizado. AGRADECIMENTOS Agradecemos à UEG pela realização do II Congresso de Ensino, Pesquisa e Extensão e também pela concessão dos recursos que tornou possível a concretização deste projeto de pesquisa. Ao Professor Dr. Bernardo Cristóvão Colombo da Cunha profissional por excelência, possuidor de uma grande bagagem teórica e prática que não mediu esforços para que as pesquisas se realizem mesmo sendo necessário o desprendimento de recursos próprios. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Curso de Geologia aplicada ao meio ambiente. Coordenação geral Omar Yazbeck Bitar. São Paulo: Associação Brasileira de Geologia de Engenharia: instituto de Pesquisas Tecnológicas, Divisão de Geologia, 1995. - - (Série meio ambiente). CPRM. Companhia de pesquisa de recursos minerais. Folha SE.22-X-B-II. Brasília, 1994. MAMEDE, Lindinalva; ROSS, Jurandyr Luciano Sanches; SANTOS, Levi Makert dos e NASCIMENTO, Maria Amélia Leite Soares do. Geomorfologia. In: PROJETO RADAMBRASIL. Folha SE22 Goiânia. Rio de Janeiro, 1983 (Levantamento de Recursos Naturais, 31). MAMEDE, Lindinalva; NASCIMENTO, Maria Amélia Leite Soares do; FRANCO, M. S. M. Geomorfologia. In: PROJETO RADAMBRASIL. Folha SD 22 Goiás. Rio de Janeiro, 1981 (Levantamento de Recursos Naturais, 25). QUEIROZ NETO, José Pereira de. O estudo de formações superficiais no Brasil. Revista do Instituto Geológico, São Paulo, 221/2, 65-78, 2001). OLIVEIRA, Antônio Manoel dos Santos. Depósitos tecnogênicos e assoreamento de reservatórios: exemplo do reservatório de Capivara, rio Paranapanema, SP/PR. São Paulo, 1994. 222 p. 3v., v.1 Tese (Doutorado em Geografia Física – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Departamento de Geografia, Universidade de São Paulo.