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Evolução geológica de Portugal a 3D
Rui Dias
Instituto de Ciências da Terra, Pólo de Estremoz da Universidade de Évora; Dep. Geociências,
Escola de Ciências e Tecnologia, Universidade de Évora (ECTUE); Centro Ciência Viva de
Estremoz
[email protected]
Resumo
A evolução geológica de Portugal (ou de qualquer outra região), só pode ser
verdadeiramente compreendida quando situada na evolução que as placas tectónicas
foram tendo ao longo da História do nosso planeta. No caso de Portugal torna-se
necessário seguir esta evolução desde a Panótia, o supercontinente que dominou a
Terra no final do Précâmbrico há cerca de 600 milhões de anos, até à actualidade,
passando pela gigantesca Pangeia, o outro supercontinente que dominou o final do
Paleozóico há cerca de 250 milhões de anos.
Palavras-chave: Geologia de Portugal, Panótia, Pangeia, Gondwana, mapas
paleogeográficos.
INTRODUÇÃO
Perceber a evolução geológica de uma região com a complexidade de Portugal é
sem dúvida um dos desafios mais completos da Geologia. Com efeito, a interferência
num mesmo local entre diferentes ciclos orogénicos (neste caso essencialmente
Varisco, Alpino e Atlásico), gera uma diversidade de situações nem sempre fáceis de
compreender. Em muitos casos esta compreensão só é possível através da aplicação
de uma série de conceitos geológicos fundamentais, onde a tectónica de placas e o
ciclo das rochas aparecem não como duas entidades isoladas, mas sim como um
único processo complexo, mostrando afinal que os vários ramos da Ciência resultam
quase sempre da nossa incapacidade de compreender processos complexos de uma
forma global.
XXXV CAP – Curso de Atualização de Professores de Geociências | Uma Terra, várias visões
Mas compreender verdadeiramente a Geologia de Portugal implica ainda
conseguir dominar dois aspectos fundamentais, que também eles não podem ser
vistos isoladamente: o tempo geológico e os mapas paleogeográficos.
O TEMPO GEOLÓGICO
Perceber a história geológica de Portugal implica recuar no tempo… 600 milhões
de anos! Mas será que conseguimos perceber verdadeiramente uma dimensão
temporal desta magnitude quando as nossas vidas são de apenas algumas décadas?
Várias analogias são frequentemente utilizadas tentando tornar compreensível a
vastidão do tempo geológico. Uma das nossas preferidas utiliza… grãos de arroz…
Um quilo de arroz contém cerca de 50 000 grãos. Logo 20 quilos de arroz são 1
milhão de grãos. Logo, se comermos 20 quilos de arroz à velocidade de um grão por
ano… quando tivermos acabado passou… um milhão de anos!!! Mas será que estas
analogias são verdadeiramente úteis? Se quisermos visualizar os 600 milhões de anos
referidos anteriormente teremos que nos imaginar a comer… 12 toneladas de arroz à
velocidade de 1 grão por ano!!! Sem dúvida uma tarefa… impossível de… imaginar.
Em termos práticos, para alguns fenómenos geológicos, como a génese das rochas
metamórficas, os ciclos de Wilson, ou a convecção numa mesosfera sólida, é mais
fácil admitir que o tempo é… "infinito"… Não numa qualquer perspectiva religiosa ou
filosófica, mas apenas como forma de mostrar que quando se consideram os
processos geológicos a dimensão do tempo geológico é tal que, tudo parece
possível… Afinal, se uma unha que estivesse a crescer desde que a Terra foi criada,
teria actualmente um comprimento que dava para dar mais de duas voltas ao
Equador… não haverá tempo geológico para tudo? Não deixa de ser curioso lembrar
que nalgumas filosofias orientais o infinito é o tempo necessário para fazer
desaparecer as montanhas dos Himalaias devido ao atrito provocado pelo passar de
um lenço de seda sobre ele… Não será assim tão distante da acção do ciclo
Hidrológico e desde que a Terra se formou já houve tempo para destruir diversas
cadeias de montanhas pelo passar da chuva e do vento.
Apesar destas limitações na nossa compreensão do Tempo em Geologia, não
existe alternativa e, por isso, é inevitável continuar a utilizar quando se fala em
Geologia de Portugal mapas referentes a períodos de tempo expressos em dezenas
ou centenas de milhões de anos.
MAPAS PALEOGEOGRÁFICOS
Tal como não é possível perceber os processos geológicos que actuam em
qualquer região da Terra sem olhar para o mapa tectónico com a distribuição das
placas litosféricas e do tipo de fronteiras entre elas, também não é possível
compreender a evolução Geológica de qualquer região sem olhar para os mapas
tectónicos que contêm o mesmo tipo de informação mas para as épocas passadas.
Mas isto nem sempre é fácil, porque muitas vezes o conhecimento que temos desse
passado é limitado o que leva à existência frequente de diferentes versões. Esta
situação é particularmente frequente quando os períodos em causa são anteriores à
Pangeia. Com efeito, destas épocas mais recuadas as reconstituições feitas por
diferentes autores apresentam frequentemente os continentes e oceanos com formas
e nomes diferentes, diferente por vezes mesmo em aspetos fundamentais. Para além
disso, dificilmente estes mapas têm assinalada a região que actualmente corresponde
a Portugal, o que não é de estranhar pois esta forma rectangular que actualmente
identificamos com Portugal continental é bastante recente nesta evolução.
Como forma de contornar este problema e aproveitando as potencialidades do
novo Observatório de Ciências da Terra Professor Doutor Mariano Gago, que permite
observar o que se passa à superfície do nosso planeta a 3 dimensões, o Centro
Ciência Viva de Estremoz desenvolveu um conjunto de mapas paleogeográficos
globais que permitem seguir a evolução geodinâmica de Portugal desde o final do
Précâmbrico até à actualidade.
PORTUGAL… 600 MILHÕES DE ANOS DE EVOLUÇÃO
Há cerca de 600 milhões de anos todos os continentes estariam reunidos no
supercontinente Panótia. Mas a Terra é dinâmica e qualquer supercontinente
representa sempre uma situação transitória. Os processo de estiramento que então
ocorriam no bordo N da Panótia, levaram ao seu estiramento, originando uma série de
bacias marinha; foi nestas bacias que se acumularam alguns dos sedimentos mais
antigos que encontramos agora em Portugal.
O continuar do processo de estiramento acabou por levar no Paleozóico inferior à
individualização de uma série de placas de grandes dimensões (Laurentia, Baltica e
Sibéria), bem como de outras menores (e.g. Avalónia e Armorica) devido à abertura de
novos oceanos como o Iapetus, o Rheic ou o Paleotethys. A divergência para norte
destas placas acabou por levar à sua colisão, com a inevitável formação de cadeias
montanhosas, e originando um único bloco continental. Enquanto este processo
ocorria a norte, a generalidade do que é actualmente o território de Portugal continuou
a sua evolução no bordo setentrional da Gondwana. A situação altera-se totalmente
no Paleozóico superior quando todos os continentes convergem num novo
supercontinente…. a Pangeia. Como sempre acontece quando ocorre a colisão entre
placas continentais, a formação da Pangeia levou à intensa deformação das margens
das placas anteriores com a formação de uma cadeia de montanhas. Os sedimentos
que ficaram "aprisionados" no interior desse orógeno transformaram-se nas rochas
metamórficas e ígneas que constituem a generalidade das rochas paleozóicas de
Portugal.
Mas a dinâmica da Terra, mais uma vez torna a situação anterior passageira. A
Pangeia também foi efémera e, mal se forma começa logo a sua destruição. Enquanto
à superfície o ciclo hidrológico leva à destruição dos relevos e ao seu transporte sob a
forma de sedimentos para as grandes bacias marinhas, a dinâmica do interior da Terra
provoca o desmembramento do supercontinente em novas placas tectónicas. A
abertura, essencialmente dos oceanos Atlântico e Índico, acaba por conduzir ao longo
dos últimos 250 milhões de anos à Terra tal como a conhecemos. É no processo de
estiramento continental associado à abertura do Atlântico que se formam as bacias,
essencialmente marinhas, onde tem que ser procurada a génese das rochas
mesozóicas portuguesas e, é no processo de colisão entre a África e a Europa que se
formam muitas das bacias onde se depositaram os sedimentos cenozóicos
portugueses. E, obviamente é na abertura do oceano Atlântico que tem se ser
compreendida a génese do arquipélago dos Açores e da Madeira.
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