1 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA EMENTA: INDAGAÇÃO ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL SOLIDÁRIA DO HOSPITAL EM CASOS DE ERRO MÉDICO PRATICADO POR PROFISSIONAL, QUE NÃO É MEMBRO DO QUADRO CLÍNICO DO NOSOCÔMIO, E TEM O DIREITO DE INTERNAR E ASSISTIR PACIENTE, POR FORÇA DO ARTIGO 25 DO CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA – RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO MÉDICO, NOS TERMOS DO § 4º DO ARTIGO 14, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO HOSPITAL, NA FORMA ESTABELECIDA NO CAPUT DO ARTIGO 14 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – POSSIBILIDADE DE AFASTAR A RESPONSABILIDADE POR MEIO DE UMA DAS EXCLUDENTES PREVISTAS NO § 3º DO CITADO DISPOSITIVO LEGAL: O SERVIÇO NÃO FOI DEFEITUOSO OU A CULPA É EXCLUSIVA DO CONSUMIDOR OU DE TERCEIRO, NO CASO O MÉDICO PRESTADOR DO SERVIÇO – A RESPONSABILIDADE CIVIL SOLIDÁRIA DO HOSPITAL, NESSES CASOS, SÓ RESTARÁ CONFIGURADA SE ALGUM PREPOSTO DO NOSOCÔMIO CONCORRER PARA A CAUSAÇÃO DO EVENTO DANOSO OU POR FALHA DE EQUIPAMENTO COLOCADO À DISPOSIÇÃO DO MÉDICO. NOTA TÉCNICA Nº 26.SJ/00 EXPEDIENTE Nº 3626/99 Consulente: Petrônio Fernandes Brandão Jr. Aprovada em Reunião de Diretoria do dia 23/3/2000. RELATÓRIO 1. Indaga o Sr. Petrônio Fernandes Brandão Jr. qual a responsabilidade do civil do hospital na hipótese de erro médico praticado por profissional que não integre o quadro clínico do estabelecimento no qual se deu o atendimento, considerando-se as prerrogativas elencadas no artigo intitulado “Direito de Internar e Assistir”, veiculada pelo Conselho Federal Medicina. 2. Pela leitura do referido texto publicado pelo Conselho Federal de Medicina, dessume-se que ao médico cumpre zelar pela vida e a saúde do ser humano desempenhando a medicina com honra e dignidade. Nesse mister, impõe-se-lhe, muitas vezes, recorrer a hospitais privados com ou sem caráter filantrópico para internar e assistir seus pacientes, ainda que o profissional não faça parte do seu corpo clínico, respeitadas as 2 normas técnicas da instituição, na precisa dição do artigo 25 do Código de Ética Médica. 3. Assim, exsurge a dúvida do consulente: Se o hospital se vê obrigado a aceitar a internação de paciente trazido por médico que não é integrante do seu corpo clínico, seria a instituição solidariamente responsável com o médico em casos de dano causado ao paciente? PARECER 4. De início, é preciso destacar, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, § 4º, destaca que será sempre subjetiva a responsabilidade do profissional liberal, i.e., do médico. Isto quer dizer que só será responsável o profissional liberal quando ficar demonstrada a concorrência de uma das modalidades de culpa: imprudência, negligência ou imperícia. Neto1, verbis Outro não é o entendimento agasalhado por Miguel Kfouri “A responsabilidade do profissional da medicina – tirante poucas exceções não poderá jamais se divorciar do conceito tradicional de culpa, no intuito de se qualificar a conduta do médico como lesiva e apta a gerar a obrigação de indenizar. A objetivação da responsabilidade, tão a gosto de considerável parcela da doutrina jurídica hodierna, aqui não pode caber”. Assim, excetuado casos como o de cirurgia plástica estética, por exemplo, quando a obrigação contratual daí decorrente é de resultado e não de meio, só responderá o médico quando concorrer com culpa para a causação do evento danoso. Esta demonstração, consoante dispõe o § 4º do artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor, ficará a cargo do paciente. 5. Do bojo da consulta formulada, temos que se preocupa o consulente quanto à responsabilidade solidária do hospital nos casos em que se vê obrigado à permitir a internação de paciente indicado por um médico que não é membro de seu corpo clínico, conforme previsão contida no artigo 25 do Código de Ética Médica. 6. Assim, na hipótese de ser o médico membro do corpo clínico do hospital, a responsabilidade solidária do nosocômio será inequívoca, ex vi do inciso III do artigo 1.521, do Código Civil Brasileiro. 1 in Responsabilidade Civil do Médico, Editora RT, 1994, pág. 25 3 Semelhante entendimento foi ainda consagrado na Súmula 341 do Supremo Tribunal Federal. 7. Entretanto, situação não muita distinta será aquela em que o médico não é membro do corpo clínico do hospital e se utiliza da citada prerrogativa contida no artigo 25 do Código de Ética Médica para internar e assistir paciente seu em nosocômio que indicar. Isto porque, o Eg. Tribunal de Justiça do Distrito Federal já decidiu que o “fato de cuidar a espécie de profissão sujeita a habilitação específica ou que se trate de atividade onde reste descaracterizada subordinação a quem quer que seja, não tem o condão de excluir a responsabilidade solidária disposta na lei civil.2” (grifamos) 7.1 No que tange à responsabilidade civil da pessoa jurídica, que é o que nos interessa no momento, é preciso lembrar que, nos termos do artigo 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor, o hospital é hoje conceituado como um fornecedor de serviços e, como tal, responderá objetivamente, isto é, independentemente da existência de culpa, pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos na prestação dos serviços. E o consumidor, o paciente in casu, não tem o discernimento necessário para distinguir se o hospital no qual foi atendido está apenas aceitando a sua internação em razão de uma exigência de seu médico, que se utiliza da prerrogativa contida no mandamento legal ínsito no artigo 25 do Código de Ética Médica. Pela própria aparência da situação que se lhe é posta, o paciente é levado a crer que está sendo internado em determinado hospital e, por isso mesmo, será a instituição solidariamente responsável por eventuais danos causados. De fato, a teoria da aparência, adotada em nosso sistema jurídico, consiste justamente em uma situação de fato apresentada a terceiro de boafé, cuja aparência de direito se mostrou forte o suficiente para lhe fazer crer que o hospital no qual foi internado é o efetivo responsável, juntamente com o médico que o atendeu, pelo serviço prestado. Isto porque, no atendimento ao paciente, sabe-se que o hospital coloca à disposição do médico recursos humanos, como enfermeiros, bem como uma variedade de equipamentos essenciais à sua atividade. Assim, dois elementos devem concorrer para a aceitação da teoria da aparência: um, objetivo, que é o erro comum, escusável, e o outro, subjetivo, que exige a presença da boa-fé. 2 APC 34176/94, reg. 84380, Rel. Desemb. Valter Xavier, 5ª Turma Cível, DJU 29/05/96, pág. 8507 4 7.2 Confira-se, mutatis mutandis, o aresto proferido pelo Eg. Superior Tribunal de Justiça, verbis “CONSÓRCIO – TEORIA DA APARÊNCIA – PUBLICIDADE – RESPONSABILIDADE CIVIL – LEGITIMIDADE PASSIVA – A empresa que, segundo se alegou na inicial, permite a utilização da sua logomarca, de seu endereço, instalações e telefones, fazendo crer, através de publicidade e da prática comercial, que era a responsável pelo empreendimento consorcial, é parte passiva legítima para responder pela ação indenizatória proposta pelo consorciado fundamentada nestes fatos. Recurso conhecido e provido.3” 8. Cumprirá ao hospital, entretanto, para elidir sua responsabilidade em eventual prejuízo causado por médico que se utilize da prerrogativa contida no artigo 25 do Código de Ética Médica, provar que o dano causado é de exclusiva responsabilidade do profissional que atendeu o paciente. Com efeito, em seu tratando de responsabilidade civil objetiva, como prevê o § 3º, do artigo 14, do Código de Defesa do Consumidor, pode o prestador de serviços não ser responsabilizado se provar que: a) tendo prestado o serviço, o defeito inexiste ou b) a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro (no caso, o médico que atendeu o paciente por força da obrigatoriedade prevista no artigo 25 do Código de Ética Médica). 8.1 O caso fortuito e a força maior são objeto de ampla discussão doutrinária, podendo-se encontrar opiniões segundo as quais referidos institutos não têm o condão de afastar a responsabilidade de indenizar4. 8.2 Assim, se o evento danoso derivou exclusivamente de erro do profissional, caberá ao hospital, uma vez demandado, demonstrar que é daquele médico a responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos causados. 9. Há registro, todavia, de precedente em que o paciente, para evitar a às vezes difícil demonstração de culpa do médico, optou pelo ajuizamento de ação indenizatória somente contra o hospital, hipótese em que a demonstração da culpa é prescindível já que é objetiva a responsabilidade da pessoa jurídica fornecedora do serviço, segundo o artigo 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor. Julgando esse caso, decidiu-se afastar a responsabilidade objetiva para exigir a comprovação da culpa do médico, uma vez que é a análise da sua atuação pessoal do profissional que determinará ou não a responsabilidade do hospital. 3 RESP 113012/MG, Rel. Min. Ruy Rosado, 4ª Turma, STJ, DJ 12/05/97, pág. 18819 confira-se, a propósito, nota 4 ao artigo 14 do CDC, in CPC Comentado, Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, Ed. RT, 3ª edição, pág. 1359 4 5 Comentando tal decisão, Miguel Kfouri Neto5 afirma que “a decisão é inovadora, em matéria que ainda timidamente aflui ao Judiciário – e abre nova perspectiva à exegese do mencionado artigo. Desconsiderou-se a pessoa jurídica – cuja responsabilidade é objetiva -, alcançando-se a pessoa do médico – com o intuito de se verificar se o profissional, mesmo empregado da caso hospitalar, agiu ou não com imperícia, imprudência ou negligência. Noutras palavras, afirmou o Órgão julgador que, haja ou não vínculo empregatício, é a análise da atuação pessoal do médico que determinará – ou não – a responsabilidade do estabelecimento. No caso de serviços prestados pelo profissional da medicina, portanto, não incidiria o § 3 do art. 14 – sempre o § 4º, em qualquer hipótese.” Trata-se, todavia, como se vê, de caso isolado de afastamento da responsabilidade objetiva consagrada no caput do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor para adotar a responsabilidade subjetiva prevista no § 4º do mesmo dispositivo legal citado. 10. Em outro precedente jurisprudencial, entretanto, o Superior Tribunal de Justiça decidiu, por exemplo, que a clínica médica que realiza serviços para o INPS, como mera credenciada, é solidariamente responsável pelos atos que praticar com imprudência, imperícia ou negligência, mesmo que não tenha qualquer subordinação ou vínculo empregatício com a autarquia 6. Isto porque, conclui o Relator, Min. Demócrito Reinaldo, do Eg. STJ, “o credenciamento não constitui contrato de trabalho, porquanto o prestador dos serviços conserva a sua própria autonomia (e o faz sem subordinação alguma ou vínculo empregatício), tornando-se responsável pelos atos que praticar no exercício de suas atividade e, como tal, deve ser chamada a integrar a relação processual, na condição de ré, para responder aos termos das ações de responsabilidade civil, na hipótese de imprudência ou negligência.” 11. Por isto, não obstante o precedente mencionado no item 9 deste trabalho, quer nos parecer que o hospital, ao promover o atendimento ao paciente, mesmo que em observância à prerrogativa contida no artigo 25 do CEM, poderá ser civilmente responsabilizado porquanto se apresenta aos olhos do paciente como a instituição que o está tratando (teoria da aparência citada no item 7.1 desta nota técnica) e, ainda, coloca à disposição do profissional o apoio necessário e indispensável para a integral consecução do serviço médico. 12. Entretanto, uma vez demonstrado que o dano ocorreu em razão de erro do médico que não é membro de seu quadro clínico e não em virtude da atuação do pessoal e maquinário disponibilizado para o ato cirúrgico, o hospital afastará sua responsabilidade no evento, que recairá exclusivamente sobre o profissional. 5 6 in ob. cit., pág. 168 RESP 85047/DF, 1996/0000766-7, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, DJU 02/03/98 6 Agasalhando este mesmo entendimento o Tribunal de Justiça do Distrito Federal assim decidiu, litterim “AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO – RESPONSABILIDADE CIVIL DE MÉDICO – INOCORRÊNCIA DE RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO HOSPITAL – DANO MORAL – RECONHECIMENTO POR MAIORIA – POSSIBILIDADE DE SEU DEFERIMENTO CUMULATIVAMENTE COM DANOS MATERIAIS – Caracterizada a culpa exclusiva do médico pela morte de paciente, decorrente de atraso na eleição do tratamento adequado, não há que se falar em responsabilidade solidária do hospital, de que não é empregado e sim diretor. O pedido de indenização por dano moral deve ser deferido cumulativamente com o pedido de danos materiais, quando a vítima, ou sua família, é afetada sentimentalmente pela forma de condução do tratamento médico.7” CONCLUSÃO 13. Diante de todo o exposto, salvo melhor juízo, entendemos que o hospital, fornecedor de serviços que é (art. 14, caput do Código de Defesa do Consumidor) é, a princípio, objetivamente responsável por eventuais danos causados por médico que venha se utilizar das prerrogativas contidas no artigo 25 do Código de Ética Médica. 13.1 Entretanto, tal responsabilidade será afastada por uma das excludentes previstas no § 3º do mencionado dispositivo legal, com a cabal demonstração, em juízo, de que o defeito no serviço inexistiu ou que este é atribuído à vítima ou a terceiro, isto é, o médico que atendeu o paciente. Este o parecer. Brasília, 2 de março de 2000 Rubem Dario F. Brisolla Assessor Jurídico De acordo: Giselle Crosara Lettieri Gracindo Chefe do Setor Jurídico cfm /notatecn26.00 7 APC 26983/91, reg. 71343, Reg. Desemb. Deocleciano Queiroga, 2ª Turma Cível, DJU 29/06/94, pág. 7688