T15 – Hiperuricémia Degradação das bases púricas Os ácidos nucleicos são degradados por nucleases, formando nucleótidos (pentose + base + fosfato) de bases púricas e de bases pirimídicas. Os nucleótidos de guanina e de adenina sofrem acção das nucleotidases formando guanosina e adenosina (nucleósidos = pentose + base- guanina/adenina). A guanosina por fosforilação forma guanina e a adenosina por várias reacções dá inosina e depois hipoxantina. Posteriormente, a hipoxantina e a guanina podem integrar a via de reciclagem de purinas ou podem ser catabolizadas, formando ácido úrico. A via preferencial, nos mais jovens, é a reutilização de purinas, pelas enzimas HGPRT (hipoxantina ou guanina fosforibosiltransferase) ou pela APRT (adenina fosforibosiltransferase). Contudo, em pessoas mais velhas, o catabolismo das bases púricas, sob a forma de hipoxantina e xantina, é mais utilizado. Este catabolismo é realizado pela enzima chave xantina oxidase, que reduz o O2 a H2O2 e oxida a hipoxantina a xantina e, posteriormente, a xantina a ácido úrico. Hipoxantina Xantina oxidase O2 H2O2 Xantina Xantina oxidase O2 Ácido úrico H2O2 O ácido úrico, quando formado, é depois excretado por via renal (por URT1) ou também pelo sistema gastrointestinal, por uricólise intestinal. Ora, como se pode ver pelas reacções, quando mais ácido úrico se formar, mais concentração de ROS é produzida, o que vai aumentar o stress oxidativo da célula. Assim sendo, esta via quando está em grande acção é prejudicial para as células. O que é a hiperuricémia? Aumento plasmático de ácido úrico - > 6-7 g/dL Frequência de incidência: o 10-20% homens o 2-31% mulheres o É uma patologia pouco frequente abaixo da faixa etária dos 30 anos, devido à via preferencial ser a via de reciclagem o Atinge cerca de 2-18% da população adulta, sendo que cerca de 0,1-0,3% desenvolve Gota o Pico ocorre na 5ª década de vida o Em geral o sexo masculino é mais afectado (19:1), contudo verifica-se um aumento da incidência nas mulheres pós-menopausa Hereditariedade – parece haver algum problema genético associado, pois 25% dos hiperuricémicos apresentam história familiar positiva Normalmente é assintomática, sendo diagnosticado por análises clínicas ao sangue Quais as causas da hiperuricémia? Aumento de produção o Primária – défice enzimático da HGPRT que permite a realização da via de reciclagem das purinas. Se esta enzima estiver em défice, as purinas são catabolizadas e imediatamente convertidas a ácido úrico, pois não há um sistema de reutilização de purinas. o Secundária dieta rica em purinas – vísceras dos animais, carne de animais jovens, mariscos, anchovas, mioleiras, fígado, sardinhas, conservas, cerveja aumento do turnover dos ácidos nucleicos – por exemplo, em caso de neoplasia, em que é necessário activar significantemente a via de síntese de novo, pelo que a via de reciclagem não é preferencial e há uma grande conversão em ácido úrico. Outro caso do aumento do turnover dos AN ocorre durante a resolução de uma infecção ou de uma alergia, devido ao aumento de fagocitose de células que são, posteriormente, degradadas. aumento do catabolismo de grande concentração de ATP – em caso de neoplasia, as células necessitam de grandes quantidades de ATP Diminuição da excreção a nível do sistema renal, havendo portanto uma tentativa do sistema gastrointestinal aumentar a sua excreção o Primária – idiopática, sem causa conhecida o Secundária Insuficiência renal Grandes concentrações de lactato, corpos cetónicos (acetato) e outros ácidos orgânicos inibem a excreção do ácido úrico, por competição com este. Assim, uma hiperlactacidémia pode causar hiperuricémia. Aumento da reabsorção tubular, havendo um aumento da reabsorção do ácido úrico para o plasma. Consequências da hiperuricémia O ácido úrico é um ácido fraco muito influenciado pelo pH do meio. O pI do ácido úrico ronda os 5,75, a esse pH a concentração de urato de sódio é igual à concentração de ácido úrico. Assim, acima de pH=5,75 predomina a forma ionizada, em urato de sódio, isto é, no plasma predomina a forma ionizada, urato, combinada com o Na+, catião mais abundante no plasma. O problema é quando o pH desce e há um predomínio da forma não dissociada, que tem menor solubilidade e, acima de 7mg/dL precipita. Além do abaixamento do pH que provoca diminuição da solubilidade, também a diminuição da temperatura diminui a solubilidade. Gota CARACTERIZAÇÃO Uma das principais patologias associada à hiperuricémia é a artrite gotosa. Cerca de 5% das pessoas com hiperuricémia desenvolve artrite gotosa, cerca de 7% têm apenas um ataque, mas cerca de 60% das pessoas apresenta um ataque a cada ano, pois com o desenvolvimento da doença a frequência dos ataques vai aumentando, podendo até tornar-se crónico. O que acontece nesta doença é que o aumento plasmático de AU vai precipitar junto das articulações devido ao menor pH do líquido sinovial e devido ao difícil acesso dos macrófagos para as articulações. Assim, ocorre precipitação do AU em cristais que vai desencadear um processo inflamatório. Os macrófagos fagocitam os cristais de AU e os lisossomas (local de destruição dos cristais) ficam lesados, provocando a destruição dos macrófagos. Por conseguinte, vai haver aumento de libertação de mediadores de inflamação locais, como aumento da libertação de ROS, o que vai provocar maior concentração de macrófagos a chegar ao local. Assim, desencadeia-se um processo cíclico que provoca dores aos doentes, associadas às dores provocadas pelo pingar veneno sobre a articulação. A razão pela qual os ataques são mais frequentes durante a noite e em articulações mais distais é precisamente a diminuição da temperatura que causa menor solubilidade. Durante a noite, a temperatura baixa e as extremidades são as mais afectadas, pois não conseguem conservar o calor e, assim, manter a temperatura. TERAPIA A abordagem terapêutica da gota foca-se em tratamento de crise, para episódios agudos, e de fundo para tentar minimizar o desenvolvimento da doença. O tratamento de crise inclui a administração de colchicina, para que os microtúbulos dos macrófagos fiquem estabilizados, impedindo-os de alterar a sua forma e, assim, eles não conseguem transpor os capilares e chegar às auticulações. Administração de anti-inflamatórios, para diminuir o processo inflamatório, de analgésicos, para diminuir a dor do doente e repouso. Já o tratamento de fundo focaliza-se em medidas dietéticas, para a diminuição da ingestão de alimentos ricos em purinas, aumento da hidratação oral e da ingestão de águas (bicarbonatadas ou não), utéis no aumento da solubilidade do AU, facilitando a excreção. É ainda necessário medicação que faça diminuir a síntese de AU, como o alopurinol, que é um inibidor da xantina oxidase, e que aumente a excreção renal. Contudo, nos doentes que apresentem litíase renal provocada pelo aumento de excreção de AU, esta medicação não é aconselhada. Nos casos de tofos gotosos muito exuberantes pode haver necessidade de realizar cirurgia para extrair esses tofos. Hiperuricémia e insuficiência renal Por vezes, a hiperuricémia pode pôr em causa o funcionamento correcto do rim, podendo provocar litíase (cálculo) renal. Além disso, o AU pode causar também necrose das células renais, provocando insuficiência renal. Hiperuricémias secundárias Patologias que causem aumento de lactato, como intolerância à frutose, doenças da neoglicogénese ou a deficiência da glucose-6-fosfatase, podem causar hiperuricémia, devido à saturação dos URT1. A saturação dos URT1 vai diminuir a excreção do AU, que acaba por se acumular no plasma e provocar uma hiperuricémia. Assim, também situações de alcoolismo podem desencadear hiperuricémia, pois a metabolização das bebidas alcoólicas implica aumento da produção de ácido úrico e diminuição da excreção deste. Muitas bebidas alcoólicas têm elevadas concentrações de purinas, que ao serem catabolizadas formam grandes concentrações de AU. Além disso, pela álcool desidrogenase e pela acetaldeído desidrogenase forma-se grandes concentrações de NADH, que vai ser utilizado pela LDH, produzindo lactato. A produção de lactato vai causar a saturação dos URT1 e, inibir a correcta excreção de AU.