Vilegiatura marítima e suas implicações no
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Vilegiatura marítima e suas implicações no processo de urbanização em Tibau (RN) Iara Rafaela Gomes Doutoranda do Programa de pós-graduação em Geografia Universidade Federal do Ceará - UFC [email protected] Dr. Eustógio Wanderley Correia Dantas Professor do Programa de pós-graduação em Geografia Universidade Federal do Ceará - UFC [email protected] O Brasil possui uma extensão costeira que atinge aproximadamente 8.500km. Desse modo, o turismo e a vilegiatura marítima, em especial, têm se destacado como atividades com intensos índices de crescimento na última década. O espaço litorâneo tem tornado-se fundamental para o lazer das populações das grandes e médias aglomerações e, assim sendo, podemos dizer que o incremento da urbanização está intimamente relacionado ao desenvolvimento das práticas marítimas modernas. Para compreender esta dinâmica tomamos como objeto de estudo a expansão da vilegiatura marítima em direção ao espaço litorâneo de Tibau, cidade localizada no Estado do Rio Grande do Norte, no nordeste brasileiro. Esta é uma cidade de pequeno porte que compõe a região de influência de Mossoró, cidade de porte médio também localizada no Estado do Rio Grande do Norte. A metodologia para desenvolver esta pesquisa se constituiu das seguintes fases: pesquisa bibliográfica, pesquisa estatística (e documental) e sistematização dos dados colhidos para posterior análise, assim como trabalhos de campo. Mostrou-se clara a crescente demanda por espaços de ócio, de lazer, particularmente litorâneos e, conseqüentemente a grande valorização desses espaços que tem redefinido a urbanização e estabelecido uma rede urbana muito mais complexa. Evidenciou-se, portanto, a relação dialética entre vilegiatura marítima, valorização litorânea e urbanização. Palavras-chave: vilegiatura marítima, urbanização, Tibau e Mossoró. Introdução A relação do homem com o mar é bastante remota. Entretanto, o modo de conceber as paisagens litorâneas nem sempre foi o mesmo. A numerosa documentação analisada por Corbin (1989), por exemplo, demonstra que o mar, já foi razão de medo e pavor e que, nas fases iniciais do desfrute do litoral, as idas a esses espaços tinham objetivos exclusivamente medicinais e se davam de modo segregado, tanto do ponto de vista de gêneros como de classes sociais. Na atualidade, autores como Dantas (2004, 2006, 2010), têm demonstrado que o mar (e também o marítimo) tem se tornado, no final do século XX, importante fenômeno de sociedade, sobretudo com seu desdobramento associado a valorização dos espaços litorâneos intimamente relacionada a aspectos simbólicos e culturais. Pereira (2006) destaca que a complexidade desta valorização do litoral conquista intenso significado quando posta num âmbito urbano-metropolitano, mas acreditamos que tal valorização atinja e redefina também espaços urbanos menores. Por isso, o estudo ora apresentado busca complementar tais análises, apresentando a importante relação entre Mossoró, cidade não metropolitana, localizada no interior do Estado do Rio Grande do Norte e Tibau, cidade localizada no litoral deste Estado e espaço litorâneo mais próximo de Mossoró (distante aproximadamente 35 km). A forte relação entre estas cidades tem definido o processo de urbanização de Tibau a partir da vilegiatura marítima. Para entender tal processo, assim como a atual organização espacial desta cidade é fundamental relacioná-los a história econômica e expansão de Mossoró. Metodologia Segundo Santos (1988), teorizar sobre a ciência geográfica equivale a procurar caminhos para entendermos o fenômeno geográfico. Este autor prossegue dizendo que uma situação geográfica, ou seja, o que um lugar é, num determinado momento, sempre constitui o resultado de ações de diversos elementos, que se dão em diferentes níveis. Pensando nas categorias geográficas de análise, Santos trabalha a região e o lugar (1988) para destacar a singularidade dos lugares e ainda para se compreender a realidade global. Este autor destaca que: “se para a compreensão de uma qualquer fração do planeta, a totalidade do processo que a molda há de estar presente, assim também, para a compreensão da realidade global, é indispensável o entendimento do que é a vida nas diferentes regiões” (p.47) As diferentes regiões ou diferentes lugares, os subespaços, são áreas contínuas do acontecer complementar. Para Santos (2005), é o acontecer solidário que define um subespaço, região ou lugar. Ressalte-se que solidariedade aqui é entendida como a execução de tarefas comuns, mesmo que o projeto seja diverso. Importante destacar que o acontecer complementar supõe certa contigüidade como fundamento da solidariedade. Em nosso estudo, estamos pensando um subespaço que envolve Mossoró e Tibau. Não pensamos somente a região ou o lugar, pois entendemos que a distinção entre ambos passa, como afirmou Santos (2005) a ser menos relevante do que antes, “quando se trabalhava com uma concepção hierárquica e geométrica do espaço geográfico” (p. 159). Para este autor, respeitando a regra da unidade e da contigüidade do acontecer histórico, a região pode ser considerada como um lugar e os lugares também podem ser regiões. Santos (2005) entende que cada subespaço inclui frações dos sistemas de objetos e sistemas de ações que indissociáveis formam o espaço geográfico. Cada subespaço se define conjuntamente por uma tecnoesfera e uma psicoesfera, funcionando de modo unitário e também por sua existência material e relacional, os diferenciando uns dos outros. Para compreender cada subespaço tomamos a sugestão de Santos (1985) quando este trabalhou a compreensão das regiões produtivas, isto é, “primeiro, a compreensão do presente, isto é, o entendimento de como elas são hoje. Segundo, a reconstituição de sua evolução, de maneira a ajudar uma melhor compreensão desse hoje”. Portanto, para estabelecer o reconhecimento da organização de nossa unidade espacial de trabalho, iremos privilegiar aqui, o estudo de alguns elementos que participam do processo dialético de construção deste subespaço. Estudar tal subespaço significa detalhar sua organização social e econômica, que possibilitará o entendimento de como este se organiza e se insere na ordem estabelecida pelos auspícios do processo de globalização. Contudo, para que possamos apreender a realidade regional e local, é indispensável à compreensão do funcionamento da economia mundial e seu reflexo na Formação Econômica Social1 brasileira, que não se estabelecem sem as intervenções do Estado, das instituições e de todo um conjunto de agentes sociais e econômicos hegemônicos. Segundo Santos (1988), para que o estudo possa alcançar os seus objetivos, isto é, interpretar o presente como resultado de um processo e indicar possíveis linhas de evolução, um esforço de periodização se impõe. Dessa forma, nosso recorte temporal privilegiará a década de 1980 para compreender o impacto da dinâmica econômica de Mossoró, considerada marco do incremento tanto do agronegócio como do petróleo nesta cidade (componentes da tríade de sustentação econômica da cidade – sal/petróleo/agronegócio), mas ao mesmo tempo daremos atenção a década de 1990 quando Tibau desmembra-se do município de Grossos. É importante acrescentar que não conseguiremos trabalhar todas as questões frutos da nova realidade existente, assim como também se torna impossível abarcar todo o leque de variáveis que podem ser pesquisadas. Dessa forma, privilegiamos aquelas que nos possibilitem reconhecer a especificidade do novo e do velho; assim como as variáveis internas e externas que cada lugar tem e que promovem a organização da vida em qualquer parte do território. (Santos, 1985, 1988). Nossa intenção é ainda compreender a produção do espaço urbano em Tibau, a partir, sobretudo, da dinâmica econômica de Mossoró. 1 Segundo Santos, 2005, p. 22, “esta categoria diz respeito à evolução diferencial das sociedades, no seu quadro próprio e em relação com as forças externas de onde mais freqüentemente lhes provém o impulso”. Temos trabalhado a partir de questões norteadoras da pesquisa, considerando, principalmente, a importância que as mesmas têm para a compreensão do processo de urbanização que se estabelece em Tibau a partir de sua relação com Mossoró. Abaixo temos algumas destas questões: - Como pensar o atual papel de Mossoró na rede urbana a qual pertence? - Houve redefinição nos extratos de renda e emprego da cidade nas últimas décadas? - A chegada da PETROBRÁS alterou os extratos de renda e emprego da cidade? - Podemos associar o estabelecimento de uma nova classe média (elite) a partir do incremento das atividades associadas ao petróleo? O poder de compra da população que “consumiu/consome” os espaços litorâneos de Tibau pode estar associado a essa nova dinâmica econômica? - Após todo o período de ocupação por segundas residências e expansão dos parcelamentos urbanos, como se pode caracterizar a expansão do tecido urbano em Tibau? E em outros municípios como Grossos e Areia Branca? - Atualmente, quem são os veranistas que têm segunda residência em Tibau, cidade mais representativa desta atividade? - Que relações são estabelecidas entre o espaço litorâneo de Tibau e Mossoró? - Quais são as singularidades traçadas na zona costeira de Tibau mediante a relação de valorização dos espaços litorâneos com a urbanização do litoral do Rio Grande do Norte? - Podemos associar a urbanização do município de Tibau ao veraneio promovido pela dinâmica econômica de Mossoró? Estamos levantando os dados que nos parecem os mais representativos das transformações do processo de urbanização que se estabelece em Tibau. Ressalte-se que parte destes dados foi coletada em trabalho de campo2. Sobre a realização do trabalho de campo e aplicação dos questionários, faz-se necessário destacar como os mesmos foram organizados e aplicados. De início dividimos a sede municipal em três setores, delimitados a princípio, a partir de sua distância da faixa litorânea. Denominamos, desta forma, de SETOR 1 toda a faixa edificada mais próxima a costa. O SETOR 2 foi pensado a partir da visualização 2 Trabalho de campo realizado em os dias 17 e 21 de janeiro de 2011. de fotografias aéreas, que nos apresentavam a área mais adensada da sede. Por fim, classificamos de SETOR 3 a área que consideramos, em um primeiro momento, ser aquela em expansão. A figura abaixo apresenta tal divisão. FIGURA 1 – Setorização da Sede municipal de Tibau (RN) Fonte: Imagens do satélite GeoEye, disponível no Google Earth (2011) Com os questionários, tínhamos o objetivo de verificar informações tais como: 1) se a maioria das residências existentes em Tibau seriam de uso ocasional (segundas residências); 2) se os veranistas, em sua maioria, residiam em Mossoró; 3) qual o perfil dos veranistas e das segundas residências de Tibau; 4) os principais motivos pela escolha de estar em Tibau, entre outras. Importante também mencionar nossa tentativa de cartografar todas as informações obtidas, desta forma, georreferenciamos todos os questionários aplicados. Buscamos ainda, a partir das informações obtidas, localizar no espaço urbano de Mossoró, os proprietários de residências em Tibau, com o objetivo de compreender a influência dos mossoroenses no espaço litorâneo de Tibau, a idéia seria relacionar os proprietários mossoroenses aos imóveis de Tibau, destacando onde aqueles residem. A organização prática da pesquisa tem se constituído das seguintes fases: reuniões individuais com o orientador, pesquisa bibliográfica, pesquisa estatística (e documental) e trabalho de campo. Lembramos que se trata de uma pesquisa em andamento3. A pesquisa bibliográfica é uma etapa que nunca se esgota, mas inicialmente trabalhamos com temas relevantes para a pesquisa, onde os livros, as dissertações e monografias foram buscados a partir de cada um dos temas selecionados. A pesquisa estatística tem sido um de nossos maiores problemas, pois devido ao município de Tibau ter sido desmembrado a pouco tempo e ainda por ter passado nos dois último anos pela troca de dois prefeitos, os dados não estão organizados ou simplesmente inexistem. A pesquisa documental está sendo realizada através da busca de material que já foi em parte obtida na pesquisa bibliográfica (teses, artigos, dissertações, livros, jornais etc) e que tem se tornado indispensável para o estudo, tais como, os Planos de Governo, etc. Esta etapa da pesquisa necessita dos trabalhos de campo, pois muitos dados estão em documentos pertencentes a instituições públicas e privadas (tais como instituições de planejamento, de educação, administrativas etc) que só podem ser obtidos através de visitas para coleta. O trabalho de campo é indispensável para apreender a paisagem geográfica do objeto de estudo e conhecer os objetos inseridos no espaço que tem alterado a organização do mesmo. As entrevistas nos possibilitam através dos relatos estabelecidos pelos entrevistados uma maior compreensão daquilo antes tomado apenas através das leituras científicas a cerca do subespaço em estudo. Esta etapa de trabalho de campo também não é uma fase concluída e precisamos retornar outras vezes as cidades em análise para avançar em nossa compreensão da organização das mesmas e reforçar nossas hipóteses levantadas na pesquisa. Além do mais, necessitamos realizar trabalho de campo em outras cidades que acreditamos vivenciar dinâmicas muito próximas da vivida em nosso objeto de estudo. Seriam elas, Camocim (CE) e Luis Corrêa (PI). 3 A tese vem sendo desenvolvida sob orientação do profº. Dr. Eustógio Wanderley Correia Dantas, junto ao Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal do Ceará - UFC, com o apoio da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FUNCAP. Transformação nos espaços urbanos não metropolitanos Buscando compreender as relações que se estabelecem entre Mossoró e sua região de influência, sobretudo com Tibau, julgamos necessário entender o próprio processo de urbanização do Brasil, pois com as complexas características territoriais deste país, suas divisões administrativas legais e os clássicos esquemas de classificação da rede urbana encontram-se desatualizados e exigem uma rápida revisão e reflexão. Pensar as mudanças que estão ocorrendo no processo de urbanização no Brasil é refletir, entre outros aspectos, sobre a formação de áreas de urbanização dispersa (REIS, 2006), e nestas valorizar os estudos sobre as cidades não metropolitanas (SPÓSITO, 2007). Estas cidades têm apresentado, nas ultimas décadas, níveis de crescimento demográfico superior aos dos espaços metropolitanos e, ainda, taxas superiores às de crescimento da população total do país. Segundo Elias e Pequeno (2010), um dos caminhos para avançar na revisão dos estudos sobre a rede urbana no Brasil, seriam os estudos não apenas sobre as metrópoles ou suas regiões metropolitanas, mas também sobre os espaços urbanos não metropolitanos que apresentam grande dinamismo econômico nas últimas três décadas e ainda sobre as complexas relações que estes espaços estabelecem com sua região de influência direta. O Nordeste brasileiro tem assumido, sobretudo a partir da década de 1980, uma nova dinâmica na divisão internacional do trabalho, apresentando grandes transformações socioespaciais. Sobre tais metamorfoses podemos ressaltar que a rede urbana nesta região tem se redefinido completamente promovendo novas relações entre as cidades de diferentes tamanhos e ainda que, estas transformações seriam em parte frutos do novo imaginário social evidenciado nesse período, redefinindo, por exemplo, a região que passa daquela de terríveis secas e totalmente dependente dos azares climáticos (Castro, 1997) para aquela que iria ser o refúgio das novas gerações que diversificariam as atividades dos antigos grupos empresariais de base familiar, com atividades tais como o turismo, por exemplo. Contribuíram para esta dinâmica todas as políticas promovidas pelo governo federal que visou incrementar a infra-estrutura básica tanto para garantir o sucesso da atividade turística como para desenvolver novas empresas em todos os setores da economia. Para Fonseca e Taveira (2009) o turismo se configura como uma das principais atividades econômicas do Nordeste do Brasil, promovendo o surgimento de empresas especializadas, postos de trabalho e intensa geração de divisas. Parte considerável dos investimentos associados ao turismo beneficia ou beneficiaram a vasta zona costeira do Nordeste brasileiro. Para Dantas (2006), a elaboração de políticas de desenvolvimento econômico associadas, sobretudo, ao turismo litorâneo e à agricultura irrigada privilegiam partes do espaço como o litoral, as zonas de várzea, os tabuleiros e o cerrado. Dessa forma, o litoral nordestino, como um dos espaços em que se materializaram tais políticas, se transforma em zona turística, evidenciada na importância econômica atribuída a esta atividade, principalmente nos Estados do Ceará, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Norte. O Turismo no Rio Grande do Norte não difere do modelo adotado pelos demais estados do Nordeste nem do modelo hegemônico nacional disposto pelo Ministério de Turismo através do Plano Nacional de Turismo (PNT). Desde que este Estado adentrou no rol nacional de importância turística, tem se comportado de modo similar a outros núcleos receptores de turismo e se identificado com a racionalidade apresentada pelo modelo de desenvolvimento vigente. Inseridas no Estado do Rio Grande do Norte temos as cidades de Mossoró e Tibau. A primeira apresenta uma situação sui generes, isto é, a mesma tem se beneficiado tanto pelas políticas de desenvolvimento econômico associadas ao turismo litorâneo como aquelas associadas a agricultura irrigada. Isto se explica por seu importante papel regional polarizador e pela dinâmica econômica que apresenta como destaque, atualmente, três atividades econômicas que se processam no seu território: a salineira, a fruticultura irrigada e a petrolífera. Esta diversidade permite a mesma manter fortes relações com municípios eminentemente agrícolas e, ao mesmo tempo, com outros litorâneos. Mossoró apresenta características bem singulares no contexto de outras cidades médias brasileiras, demonstrando sua importância crescente e seu relevante papel regional. Esta é a segunda cidade mais importante e mais populosa do Rio Grande do Norte, possuindo uma população de 259.886 mil habitantes (IBGE – Primeiros resultados Censo 2010). A cidade possui uma localização privilegiada na área de transição entre o litoral e o Sertão. Está situada entre duas capitais (Fortaleza e Natal), podendo ser alcançada pelas BR s 110, 304 e 405, além de rodovias intermunicipais. Já Tibau se apresenta como uma pequena cidade que conta com uma única avenida cruzando a sede municipal e que pode ser conhecida por completo em meia hora de caminhada, mantendo sua tranqüilidade na maior parte dos meses do ano. Entretanto, em alguns momentos, como a cada início de ano, é alvo de um fenômeno bastante interessante. Eleita como a praia dos mossoroenses, antes mesmo de assumir a condição de cidade, tem sua população multiplicada com a chegada dos mossoroenses para passar férias. Com uma população de 3.687 habitantes (IBGE - Primeiros resultados Censo 2010), a cidade chega a acomodar neste período até cinqüenta mil pessoas, num fenômeno de multiplicação que cresce a cada ano com a instalação de novas residências e novos residenciais e expansão imobiliária da zona periférica do município. Tal dinamicidade se dá, entre alguns elementos, pelo incremento da elite mossoroense e sua busca pelo lazer na segunda metade do século XX, pela construção de novas obras relacionadas à infra-estrutura dos transportes que possibilita trocas das mais diversas naturezas entre os municípios, assim como pela proximidade que também representa relevante variável para consolidação da valorização dos espaços litorâneos. A importante relação entre Mossoró e os espaços litorâneos de Tibau A relação estabelecida entre Mossoró e os espaços litorâneos de Tibau, na atualidade, ocorre a partir de uma nova variável, isto é, o lazer, que possui importante papel na zona costeira mesmo antes das políticas regionais de planejamento turístico. Desse modo, para explicitar como compreendemos o que vem a ser este lazer, destacamos a vilegiatura marítima e a residência secundária, que segundo Panizza e Pereira (2009) seriam respectivamente, “prática de lazer constituída pelo desejo dos citadinos e forma espacial relacionada à prática mencionada”. Assim sendo, pensamos que estas, juntamente com o incremento do turismo litorâneo, contribuíram para a dispersão das estruturas urbanas pelo espaço litorâneo do Nordeste e, em especial do Rio Grande do Norte e de algumas de suas cidades litorâneas ao longo do século XX. Entretanto, para compreender a relação de Mossoró com os municípios litorâneos precisamos apreender um pouco da história econômica deste município. Na realidade as relações de Mossoró com o litoral remontam ao século XVIII, inicialmente com as fazendas que se estabeleciam a ribeira de Mossoró e que se estendiam ao que hoje seriam os municípios de Grossos e Tibau e, posteriormente, no final do século XIX com as exportações realizadas pelo Porto de Areia Branca. Foi justamente o privilégio de estar a apenas uma légua do Porto de Areia Branca que a freguesia de Santa Luzia (Fazenda que deu início ao que hoje seria Mossoró), pôde escoar com facilidade suas mercadorias e, ainda, incrementar a instalação de alguns armazéns nessa localidade. As mercadorias, por exemplo, em 1845, já eram comercializadas com Aracati, Natal e Cunhaú. (SOUZA, 2001) Um fato histórico marcante para a expansão das atividades realizadas pelo Porto de Areia Branca foi o assoreamento do porto fluvial de Aracati, em 1857. Para Felipe (1982), esse foi um fato histórico de grande relevância para o desenvolvimento econômico de Mossoró durante a segunda metade do século XIX, favorecendo as relações de Mossoró com várias cidades e a tornando importante Empório Comercial. É relevante destacar que, assim como em todo o Nordeste, em Mossoró, por conta da dinâmica de economia do açúcar, desenvolveram-se as fazendas de gado, isto é, surgiram a partir das rotas de escoamento dos rebanhos das ribeiras para os mercados consumidores. Desse modo, a expansão da criação de gado e os diversos fatores naturais (alto teor de salinidade das águas do litoral potiguar, condições topográficas favoráveis aliadas aos índices de evaporação e aos ventos secos que sopram sobre as áreas de salinas), permitiram a instalação das oficinas de carne seca nas ribeiras de Mossoró e conseqüentemente o incremento das salinas da região. Importante destacar também que a extração do sal foi uma das primeiras atividades econômicas do Rio Grande do Norte. A descoberta das jazidas naturais na região vem desde o início da colonização, mas a exploração artesanal e extensiva das salinas de Mossoró, do litoral dos municípios de Areia Branca, de Açu e de Macau data apenas de 1802. Deste modo, podemos perceber como a economia de Mossoró sempre esteve relacionada à produção do sal e, conseqüentemente, a relação entre esta cidade e os espaços litorâneos. No século XX, várias são as transformações associadas a esta atividade produtiva. Toda a economia salineira do Rio Grande do Norte se redefine com o processo de mecanização das salinas, que se processou em meados da década de 1960. A chegada das empresas multinacionais nas salinas potiguares demarca a modernização. Santos (2010) em estudo recente aborda a questão das dinâmicas e transformações da economia salineira de Mossoró. Enfatizamos, entretanto, que estas transformações não reduziram as relações desta cidade com o litoral. Em meados do século XX, surge uma nova variável para dinamizar estas relações de Mossoró com seu litoral, isto é, a busca pelo lazer, pois a sociedade urbana mossoroense absorve as influências externas e, passa a demonstrar novo interesse pelo mar. Haveria uma propagação do fenômeno marítimo, sobretudo em Tibau, seu município vizinho e as práticas marítimas modernas, afirmar-se-iam inicialmente como sinônimo de um modo elegante de vida para população que habitava Mossoró e a elite mossoroense descobriria Tibau através dos loteamentos e do crédito imobiliário. (Felipe, 2002) A valorização dos espaços litorâneos de Tibau Sobre Tibau destacamos mais especificamente que se trata de um município litorâneo que faz divisa com os Estados do Ceará e do Rio Grande do Norte. Este município conta hoje com uma área de 162,40 km², equivalente a 0,32% da superfície estadual e sua distância até a capital é de 328 km. Apesar da tímida população, Tibau guarda uma característica bastante curiosa. A contagem do IBGE mostra que dos 3.168 domicílios particulares existentes em 2010, um total de 2.025 são de uso ocasional (IBGE, Primeiros Resultados do Censo 2010), isto é, 63,92% do total de domicílios é de uso ocasional. Tal levantamento nos leva a compreender o pseudônimo de “cidade fantasma” que muitos moradores e veranistas costumam dar a Tibau em alguns meses do ano. Ocorre que fora do período de veraneio, a cidade recebe outra dinâmica. Se em alguns dias dos meses de dezembro a fevereiro, a avenida principal chega a apresentar congestionamentos, nos outros meses do ano, poucas são as pessoas vistas circulando por Tibau. Se comer em alguns restaurantes pode ser bastante demorado nos meses de veraneio, fora deste período alguns simplesmente nem funcionam. Uma questão nos surge: devemos entender Tibau em toda sua dinâmica particular do período de veraneio quando a população da cidade chega a quase 50 mil pessoas ou nos meses que vão de abril a dezembro, sobretudo nos dias da semana, quando seus pouco mais de três mil moradores circulam timidamente pela cidade? Estas indagações surgem quando as potencialidades turísticas começam a ser viabilizadas através de elementos como asfaltamento de estradas, melhoria nos serviços energéticos e de abastecimento de água etc. em contrapartida, quando também já se destacam a perda de parte de suas belezas naturais, com a degradação de suas falésias, assim como, a falta de planejamento urbano que torna caótica e inadequada a construção de casas mais distantes do centro e sem acesso a todos os serviços citados anteriormente. (Felipe, 2002) A vilegiatura marítima intensifica o processo de incorporação da zona de praia à tessitura urbana. Desse modo, percebe-se que, nos últimos anos, o desenvolvimento do turismo e da vilegiatura no Nordeste Brasileiro tem transformado bastante a realidade de muitas cidades localizadas à beira-mar, tendo em vista que essas duas atividades trazem consigo elementos capazes de integrar diversas atividades dentro do município, como é o caso de Tibau, incrementando seu processo de urbanização. Sendo assim, sobre o processo de urbanização, percebe-se que o veraneio ocupa posição de destaque entre os fatores que levam a tal processo no contexto das cidades litorâneas nordestinas. O veraneio e a urbanização possuem íntima relação, pois esta prática marítima, na sua forma atual, é um fenômeno social que funciona como um dos elementos de constituição da sociedade urbana. Intrinsecamente ao veraneio, o movimento sazonal da população urbana origina ligações entre espaços. Este aspecto a diferencia de outras práticas, como o turismo e a excursão. É na análise da forte relação entre veraneio e urbanização litorânea que podemos refletir sobre a citada cidade de Tibau, uma pequena vila de pescadores que se transformou rapidamente em um conglomerado desorganizado de casas de veraneio. Conglomerado esse responsável por severas mudanças na organização espacial de Tibau e na valorização de seus espaços litorâneos. As transformações no espaço urbano de Tibau começam a se destacar ainda na década de 1950. Porém, a partir da década de 1960 e 1970 esse processo se intensifica devido o grande número de pessoas oriundas de Mossoró e mais timidamente de outras localidades do Rio Grande do Norte e Ceará, que procuravam Tibau com o objetivo de passar temporadas ou fins de semana. Outros fatores, como já citamos, também foram fundamentais para o aumento populacional e conseqüentemente para o incremento do processo de urbanização. Segundo Felipe (2002), Tibau expande seus limites praieiros que deixam de ser a falésia para avançar tanto do lado do Ceará como em direção a Grossos, no Rio Grande do Norte, local onde surgem localidades como “Gado Bravo” e “Areias Alvas”, como se fossem na realidade, bairros de Tibau. Esta expansão também se dá para o interior, cujas construções de casas atingem desde os cumes dos morros ocidentais até as áreas dos sítios de Norte e trechos da “Estrada Hotel” ao Sul. Como, então, refletir tal processo? Como pensar esta dinâmica que, em parte, é singular à forte relação entre Tibau e Mossoró? Outros espaços não metropolitanos vivenciam semelhante dinâmica? Felipe (2002) nos lança outros desafios, isto é, como estudar Tibau em outros termos, tal como os urbanísticos? Vila ou cidade? Muitas outras indagações ainda nos surgem. Considerações finais Assim como outras zonas de praia, a cidade em análise tem sido transformada em mercadoria, modificando totalmente a paisagem litorânea atual. Para Dantas (2006) com o turismo litorâneo, associado à vilegiatura marítima, as antigas paisagens tendem a desaparecer. Inserem-se nestes novos espaços, novos atores e há uma tentativa de expulsão dos antigos habitantes, embora haja paralelamente, segundo este autor, um fortalecimento dos movimentos de resistência. Em Tibau, por exemplo, o veraneio tem promovido transformações de todas as naturezas, entre elas, aquelas associadas à apropriação da natureza pelo homem, que não poupa o homem local (elemento social), isto é, o pescador desapropriado do seu lugar e do seu instrumento de trabalho (a jangada, o mar e sua casa) também aquela associada aos fortes impactos ambientais. Pois, além daqueles citados anteriormente, destacamos um sério problema associado a água das chuvas que se infiltra nas chamadas dunas quaternárias e vai se acumular nas barreiras terciárias constituídas de arenito, sabendo que esta taxa de infiltração em solos arenosos é bastante considerável e sabendo que o escoamento superficial só ocorre quando a taxa da água que cai excede essa taxa, ou quando as camadas das dunas se saturam totalmente da água, este autor levanta a hipótese sobre a possibilidade daquelas águas subterrâneas que alimentam ‘os pingas’ deixarem de existir ou reduzirem bruscamente sua capacidade armazenadora da água. O que ocorre em Tibau, em termos de depredação dos morros, é a destruição dessas elevações naturais, pela retirada de areias para construção de estradas e, sobretudo, pela construção indiscriminada das casas de veraneio no topo e encostas daqueles morros. Certamente o veraneio tem provocado mudanças no espaço. A valorização dos espaços litorâneos e, sobretudo, a prática marítima moderna do veraneio, processo social historicamente constituído, destacam o marítimo como elemento inserido no cotidiano da sociedade urbana. A vilegiatura marítima é praticada pelas populações citadinas, sendo assim, podemos dizer que há um forte elo entre o veraneio e a urbanização. Com a implantação dos aglomerados de veraneio, chegam também a eletrificação, as vias de transporte rodoviário, os eletrodomésticos, os novos costumes, e, sobretudo o padrão diferenciado de acesso à terra que se desdobram em indicativos da chegada da expansão urbana ao espaço litorâneo em análise. Cabe uma análise mais apurada cada um destes elementos. Tem se Mostrado clara a crescente demanda por espaços de ócio, de lazer, particularmente litorâneos e, conseqüentemente a grande valorização desses espaços que tem redefinido a urbanização e estabelecido uma rede urbana muito mais complexa. Evidenciou-se, portanto, a relação dialética entre vilegiatura marítima, valorização litorânea e urbanização. Referencias Bibliográficas ANDRADE, Manuel Correia de. A produção do espaço Norte-rio-grandense. Natal: Editora Universitária, 1981. CASTRO, Iná Elias. Imaginário político e território. Natureza, regionalismo e representação. In: CASTRO, Iná Elias de; GOMES, Paulo Cesar da Costa; CORRÊA, Roberto Lobato. (Org.). Explorações geográficas. 1 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997, v. , p. 155-196. CORBIN, Alain. O território do vazio. A praia e o imaginário ocidental. Tradução de Paulo Neves. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. DANTAS, Eustógio Wanderley Correia. Mar à Vista: estudo da maritimidade em Fortaleza: Fortaleza: Museu do Ceará, Secretaria de Cultura e Desporto, 2002. _____. O mar e o marítimo nos trópicos. GEOUSP. Espaço e tempo, São Paulo, nº 15, pp. 63-76, 2004. ______. 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