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CAUSA REVELADA
Pesquisadores descobrem mutação que
provoca leucemia infantil e já estudam
novos medicamentos para tratar a doença
U
ma equipe de pesquisadores do
Brasil e de Portugal, em colaboração com outros dos Estados Unidos e
da Holanda, descobriu nos linfócitos
T, células de defesa do organismo,
uma mutação que provoca a leucemia
linfoide aguda, caracterizada pela proliferação anormal dessas células. A
doença é o tipo de câncer mais comum
entre crianças e adolescentes e faz
cerca de 2 mil novas vítimas por ano
no país, de acordo com o Ministério
da Saúde.
A causa desse tipo de leucemia não
é bem definida, mas sabe-se que ela é
provocada por várias mutações nas
proteínas das células de defesa presentes no sangue. A descoberta e a
identificação de uma dessas mutações, além de esclarecer os mecanismos da doença, abre caminho para
novos tipos de tratamento.
Durante a pesquisa, foram examinados 201 pacientes com leucemia
linfoide; 68 deles crianças, do hospital
Centro Infantil Boldrini, de Campinas
(SP). O estudo mostrou que cerca de
10% dos doentes tinham uma mutação na proteína IL7R, que fica na superfície dos linfócitos. Essa proteína
é a receptora da interleucina-7, substância que estimula o desenvolvimento e a proliferação dessas células.
O receptor IL7R já era conhecido por estar envolvido na imunodeficiência combinada severa, doença
conhecida como ‘síndrome da bolha’,
em que a mutação faz com que o sistema imunológico perca a capacidade de produzir os linfócitos que
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defendem o corpo de infecções. Sabendo disso, os pesquisadores brasileiros resolveram estudar as mutações dessa proteína com a hipótese
de que algumas delas poderiam estar
envolvidas no processo contrário,
ou seja, de hiperativação da produção
de linfócitos, que levaria à leucemia.
A suposição se mostrou verdadeira.
Os pesquisadores descobriram que a
mutação encontrada nas células leucêmicas dos pacientes estudados faz
com que o receptor IL7R fique constantemente ativado, independentemente da oferta ou não da interleucina-7. A ativação ininterrupta do
IL7R age como um ‘energético’, deixando a célula superativa e acelerando sua multiplicação.
“Por causa da mutação, os linfócitos recebem mais estímulo do que
precisam, com isso não amadurecem corretamente, proliferam e começam a se infiltrar nos órgãos, substituindo as células saudáveis, como é
típico da leucemia”, explica o geneticista Andrés Yunes, pesquisador
do Centro Infantil Boldrini, que divide a coordenação da pesquisa com
João Barata, do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa.
Testes com ratos em laboratório
confirmaram esse processo. Os animais que receberam células com o
receptor IL7R mutante desenvolveram a leucemia. No entanto, Yunes
lembra que a doença é resultado de
mais de uma mutação e que o desenho de drogas contra o IL7R mutante
pode não ser suficiente para a cura.
“Ainda precisamos descobrir que
outras mutações colaboram com o
IL7R mutante para o surgimento da
leucemia”, afirma.
NOVOS TRATAMENTOS Ainda assim, a
descoberta da mutação leva ao desenvolvimento de medicamentos
que podem ser usados em conjunto
com a quimioterapia para um combate mais eficiente da leucemia. A equipe já testou drogas com essa finalidade com bons resultados.
“Nossos experimentos in vitro
mostram que drogas que já são usadas para tratar outras doenças, como
a artrite reumatoide, têm a capacidade de desativar as proteínas que sofreram mutação e deter a proliferação
de linfócitos”, afirma o pesquisador.
Yunes também aponta para outra
possibilidade de tratamento usando
o próprio sistema imunológico como
arma. A ideia é usar anticorpos para
reconhecer e atacar a proteína com
mutação. “Muitas pesquisas com
câncer já recorrem a esse artifício”,
diz o geneticista. “Desse modo, é possível eliminar apenas as células malignas e deixar intactas as células normais do organismo.” Antes de serem
aplicadas em humanos, ambas as
formas de tratamento precisam ser
testadas em animais, o que deve
ocorrer ano que vem.
SOFIA MOUTINHO | CIÊNCIA HOJE | RJ
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