OS DILEMAS DA ECONOMIA DOS ESTADOS UNIDOS NO NOVO KONDRATIEV Carlos Eduardo Martins* Introdução Alguns analistas da economia mundial tem defendido a tese de que o regime capitalista mudou a natureza de sua valorização dos anos 70 para cá. Ao invés de praticar um regime de acumulação onde a mais-valia origina-se em última instância da exploração do trabalho produtivo, o capitalismo haveria criado formas de valorização que se baseariam num movimento autônomo de acumulação das aplicações financeiras. Ao invés do clássico movimento descoberto por Marx em O Capital, D-M-D’, estariamos num contexto onde a valorização seria alcançada diretamente pela transformação de D-D’. Os Estados Unidos, como região que concentra os principais instrumentos financeiros do mundo, seriam o Estado-nação que alcançaria uma hegemonia inconteste nessa conjuntura. Sem negar a projeção que assumiu esse movimento de valorização dos ativos financeiros, entre os anos 70 e parte dos 90, queremos assinalar que a centralidade que assumiu nesse período da acumulação de capital refere-se ao ingresso da economia mundial numa fase B do ciclo de Kondratiev. Uma vez esgotada essa fase, ingressa-se num período A do Kondratiev, onde a acumulação de capitais mediada pelo investimento produtivo assume um papel central no desenvolvimento capitalista. Por outro lado, ao contrário do que alguns afirmam, a liderança dos Estados Unidos na criação de instrumentos de acumulação financeira não fortaleceu a posição de potência mundial desse país, antes a enfraqueceu. Os Estados Unidos vêm enfrentando, desde os anos 70, problemas pelo fato de que as taxas de produtividade crescem mais em outras partes da economia mundial, notadamente, no Leste Asiático. Nos anos 80, a exposição dos Estados Unidos às * Professor do curso de Relações Internacionais e do Instituto Politécnico da Universidade Estácio de Sá (UNESA), doutor em Sociologia/USP 1 políticas públicas neo-liberais e a confiança na força financeira do dólar como instrumento de atração de capitais agravaram esses problemas, transformando-os em déficits crônicos da balança comercial e da conta corrente. Como pretendemos demonstrar, o discurso, oriundo em última instância do reaganismo, de um poder financeiro inquebrantável dos Estados Unidos, capaz resolver indefinidamente os problemas de balanço de pagamentos dos Estados Unidos, não corresponde à realidade. O Novo Kondratiev Estadunidense Os ciclos de Kondratiev têm sido analisado como de 50 a 60 anos de duração média e divididos em duas fases. Uma fase A, de expansão, onde a associação de revoluções tecnológicas com inovações organizacionais permite sustentar a taxa de lucro em altos níveis por cerca de 25 a 30 anos. Nesses períodos, as crises que ocorrem são de curta duração e não contrariam, no conjunto do intervalo, os índices elevados da taxa de lucro. Durante a fase B, a taxa de lucro cai por período semelhante e os intervalos de recuperação não permitem modificar substancialmente a tendência de queda. As principais razões para essa queda são o esgotamento da trajetória de inovações vinculadas ao paradigma tecnológico da fase A e o surgimento de um novo paradigma tecnológico, sem que ele esteja acompanhado das modificações organizacionais necessárias para geri-lo. Em termos quantitativos, podemos localizar, entre 1939-67, o desenvolvimento da fase A de um Kondratiev na economia estadunidense. Não possuímos dados sobre a taxa de lucro1 para todo o período, por isso tomaremos como ilustrativo o intervalo de 1959-1967. Entre 1959-67, a taxa de lucro nos Estados Unidos se situa em 10,4%. Durante esse período o maior índice foi atingido em 1965, de 12,4%, e o menor em 1961, de 8,4%. Em 1967, se inicia uma queda que, em quatro anos, derruba a taxa de lucro em 47%, levando-a de 11% para 5,8%, em 19702. Essa queda dá lugar a fase B do Kondratiev estadunidense iniciado durante a 2ª Guerra Mundial, que podemos localizar no intervalo 1968-1991. Durante vinte e seis anos, a taxa de lucro não voltou mais a ultrapassar o nível mais baixo da fase A, feito alcançado em 1996. Nessa fase B, a taxa 1 A taxa de lucro corresponde a percentagem de lucros em relação ao produto bruto das corporações nãofinanceiras. No que tange aos lucros, tomamos em consideração seu valor após os impostos e o ajuste às variações de estoque e de consumo de capital fixo. No que se refere ao produto bruto, tomamos em consideração o seu valor, uma vez descontados os lucros. Ver apêndice. 2 Elaboração nossa a partir dos dados fornecidos pelo Economic Report of The President (2000). 2 de lucro média atingiu 6,5%, representando um índice 37,5% inferior ao alcançado entre 1959-67, e a taxa de crescimento per capita caiu de 2,9% a.a, entre 1939-67, para 1,7% (Economic Report of The President, 2000) e (Maddison, 1997). A partir de 1992, podemos verificar uma trajetória inversa a de 1967-70, mas similar quanto à intensidade de variação da taxa de lucro. Entre 1992-97, a taxa de lucro ascende de 5,8% a 9,9%, aproximando-se dos níveis precedentes a sua queda. Trata-se de uma elevação de 71% que configura por sua força e concentração temporal a entrada na fase A de um novo Kondratiev (Economic Report of The President, 2000) e (Economic Indicators, March 2000). O surgimento desse novo Kondratiev, não se faz sem amplas mudanças de gestão de políticas públicas e empresarial. Ele se articula aos superávits fiscais do setor público e ao desenvolvimento de trajetórias de investimento ligadas à microeletrônica. Os superávits fiscais não são no atual contexto econômico um fator de restrição da demanda. Pelo contrário, tem sido usados para diminuir o peso dos juros no orçamento público e liberar recursos para o setor real da economia. Entre 1992-99, o déficit público federal de 4,7% do PIB transformou-se num superávit de 1,4%. Esses superávits fiscais foram alcançados através de uma revisão profunda das políticas introduzidas pelo reaganismo. Os principais fatores que o explicam são o aumento da arrecadação, os cortes de gastos militares, a redução das taxas de juros e a desvalorização do dólar. Nesse período, as receitas fiscais do governo federal se elevaram de 17,5% para 20% do PIB e os gastos militares reduziram-se de 4,8% a 3% destas. Tais fatores combinaram-se com reduções significativas nas taxas de juros3 e no valor do dólar4, em relação as praticadas em nos anos 80, para reduzir de 18,3% a 12,6% o peso dos juros no orçamento público (Economic Report of The President, 2000). No período de 1992-99, as aplicações financeiras são substituidas pelas aplicações produtivas como forma mais rentável de investimento, pois os juros nominais sofrem uma significativa redução, variando suas médias anuais entre 3,5% e 5,8%. Uma expressão disso é a redução da dívida federal em poder do público de 48,2% para 39,9% do PIB, invertendo o crescimento exponencial que esta havia obtido desde 1981, quando parte de 25,8% (Economic Report of The President, 2000). 3 Entre 1979-90 as taxas médias de juros nominais do governo federal alcançam 9,9% e, entre 1979-85, 14,7%. Nesse período, as taxas médias de lucro foram respectivamente de 5,8% e 5,9%. 4 Durante a década de 80, o dólar atinge o índice médio de 111,6 (1973=100) em relação as moedas do G10 (inclui Canadá, Alemanha, Japão, Bélgica, França, Reino Unido, Holanda, Suécia, Suíça, Itália e a 3 As carteiras de ações valorizam-se, principalmente daquelas ligadas à alta tecnologia. O índice Dow Jones, apresenta a seguinte variação nominal: entre 19651970 cai, em decorrência da queda da taxa de lucro, de um índice de 910 para 753. A partir de 1982, volta a se valorizar de forma consistente, acompanhando a alta do dólar no período e a introdução de inovações tecnológicas ligadas ao paradigma microeletrônico. Passa de um patamar 884 para 2.508, em 1989. A partir da recuperação econômica de 1992, o Dow Jones se acelera. Ele salta de 3.284 para 5.742, em 1996, e desde então para 10.464, em 1999, alcançando nesse último período uma valorização nominal de 22,1%. Essa valorização é muito mais acentuada nas carteiras de ações industriais que vinculam-se a empresas de alta tecnologia, como o NASDAQ, que nos últimos dois anos valoriza-se em mais de 60% (Economic Report of The President, 2000). Uma parcela significativa dessa alta no preço das ações se vincula à elevação dos lucros empresariais. Entre 1989 e 1999, a participação dos lucros na rentabilidade das corporações não-financeiras aumentou, saltando de 108% para 338% do que corresponde a obtida através de juros. Nas firmas de alta tecnologia, as taxas de lucro têm sido ainda maiores que as da média empresarial, empurrando para cima os indicadores de bolsas. Todavia, uma parcela não desprezível desse movimento de preços das ações se vincula ao instrumento financeiro de valorização do dólar e apoia-se numa bolha especulativa. Mas para entender-se a presença dessa bolha há que se perceber os limites da fase A do novo Kondratiev que se desenvolve nos Estados Unidos. Trata-se de um movimento especulativo cujo sentido e alcance na economia dos Estados Unidos guardam diferenças significativas em relação ao realizado com títulos da dívida pública nos anos 80. Os Limites da Fase A do Novo Kondratiev Estadunidense A nova era de prosperidade da economia dos Estados Unidos possui especifidades para esse país, em relação aos anos dourados iniciados durante a 2ª Guerra mundial e consolidados no pós-guerra. Desde a Fase B do Kondratiev anterior surge um movimento de declínio da hegemonia econômica dos Estados Unidos. Esse movimento manifesta-se claramente, a partir de meados dos anos 60, por uma taxa de crescimento partir de 1999 a União Européia). Em 1995, ele atinge a cotação de 84,2 para depois valorizar novamente, 4 do PIB per capita inferior a da Europa Ocidental e Leste Asiático5, e a partir dos anos 70, pela crise do dólar e pela geração de significativos déficits na balança comercial e na conta corrente. Na base do declínio da hegemonia econômica dos Estados Unidos estão o esgotamento das trajetórias tecnológicas fordistas, desenvolvidas entre as décadas de 1910-60, e a alta difusão dos conhecimentos científicos e tecnológicos para países do núcleo orgânico da economia capitalista e segmentos restritos da semi-periferia, proporcionados pela consolidação do período de dominação dos Estados Unidos sobre a economia mundial e pela aceleração das inovações trazida pela revolução científicotécnica. A geração de importantes déficits comerciais durante a década de 70 impôs a flutuação para baixo do dólar e sua desvinculação do ouro, em 1971, e de qualquer sistema estável de paridades cambiais, em 1973. Produziu-se uma enorme liquidez de dólares provocada por sua desvalorização, pelos excedentes comerciais que determinados países passam a deter com os Estados Unidos e pela generalização da fase B do Kondratiev no núcleo orgânico da economia mundial, que conduz à exportações de capitais em busca de aplicações rentáveis na semi-periferia e periferia. A ampliação dos volumes de créditos numa taxa maior que a da desvalorização da moeda permitiu ao sistema bancário dos Estados Unidos obter ganhos de senhoriagem durante um determinado período (Beluzzo, 1999: 102). Entretanto, o declínio do dólar começou a impulsionar a redução de seu papel de moeda para transações e reservas e a ameaçar a brecha que havia para os ganhos de senhoriagem. Os setores financeiros que representavam nos Estados Unidos, nos anos 80, o conjunto dos interesses do capital, respondem a essa situação impulsionando políticas públicas que apoiam-se em instrumentos financeiros de atração de capitais para reverter a decadência econômica. Elevam-se as taxas de juros, o valor do dólar, as taxas de desemprego, avança-se amplamente na liberação dos fluxos de capitais, e na liberação dos fluxos de mercadorias para reduzir-se os custos trabalhistas e as taxas de inflação. O fortalecimento do dólar e a capacidade de atração de capitais do resto do mundo por e alcançar 98,8 em 1999 (Economic Report of The President, 2000). 5 Entre 1939-67, a taxa anual de crescimento do PIB per capita dos Estados Unidos (2,9%) supera amplamente a da Alemanha Ocidental (2,4%), Reino Unido (1,8%) e Países Baixos (2,4%) e eqüivale a da França (2,9%), que parte de um patamar bem mais baixo. Japão (3,8%) e Itália (3,3%) países, então semi-periféricos, que superam no intervalo as taxas de crescimento dos Estados Unidos, só vão fazê-lo a partir de 1963, no primeiro caso, e de 1962, no segundo (Elaboração nossa a partir dos dados fornecidos por Madisson). 5 parte dos Estados Unidos, que gerou sérios problemas de liquidez nos países endividados, foram entendidos por muitos analistas como uma retomada da hegemonia estadunidense e de sua capacidade de organizar uma economia mundial em crise. Entretanto, essa retomada foi apenas aparente. O seu custo foi o de agravar os desequilíbrios da economia dos Estados Unidos e os determinantes da sua trajetória de descenso. Entre 1983-89, recupera-se o crescimento econômico. Mas associa-se a ele um enorme agravamento dos déficits comerciais e em conta corrente, que passam a ser cobertos por ingressos na conta capital direcionados para a compra de títulos da dívida pública dos Estados Unidos. O resultado foi o crescimento a exponencial da dívida pública e do peso dos juros no orçamento público desse país. As crescentes necessidades da conta corrente, provocadas inicialmente pelos déficits comerciais, aumentaram significativamente o estoque de capitais estrangeiros nos Estados Unidos, estreitando cada vez mais, durante o período republicano, os superávits que os Estados Unidos obtinham na conta de serviços fatoriais (que inclui remessas de lucros e de juros) do balanço de pagamentos. Esses excedentes deixam de neutralizar os déficits em conta corrente em 1983 e, a partir dessa data caem de US$ 36 bilhões para US$ 14 bilhões em 1987, elevando-se ligeiramente com a redução dos juros, no início dos anos 90, para atingir US 24 bilhões em 1992. (Economic Report of The President, 2000). 6 Entre os resultados desse processo está a inviabilização dos termos da política militar estadunidense do pós-guerra que os governos republicanos tentam retomar. A enorme extensão geo-política das intervenções militares dos Estados Unidos teve seu fundamento econômico nos excedentes proporcionados pelos superávits das balanças comerciais e de serviços fatoriais do balanço de pagamentos norte-americano. Quando os déficits comerciais começam a crescer nos anos 70 e a neutralizar os efeitos positivos da balança de serviços fatoriais na conta corrente, o resultado é uma diminuição dos gastos militares e uma revisão da política externa de grande potência dos Estados Unidos. Os governos Reagan e Bush ao retomarem os gastos militares e as tradições de política externa norte-americanas da guerra fria, vão fazê-lo sob uma base econômica extremamente precária, o que levará à capitulação desses esforços no início dos anos 906. A substituição dos republicanos pelos democratas vem assinalar a impossibilidade dos Estados Unidos continuarem a praticar uma política pública imperial liderada pelos segmentos financeiros de sua burguesia. Era necessário reformular as políticas internas e externas. Se nos anos 80, o capital apoiou uma saída financeira para crise, a destruição dos marcos de regulação fordistas e da competição entre preços e salários que ela provocou, combinada com a disponibilidade crescente de inovações tecnológicas, permitiram uma mudança de enfoque. A estabilização dos salários e dos custos da hora de trabalho em níveis extremamente baixos7 e a imensa destruição de capitais provocada pelos altos índices de falências colocaram a necessidade de recuperar as taxas de investimento, de produtividade e de lucro. Para isso era fundamental reduzir as taxas de juros e recuperar a capacidade de intervenção do Estado, desvinculando-o segmentos improdutivos ou tecnologicamente obsoletos, como o militar, para criar uma oferta de insumos associados às trajetórias tecnológicas do paradigma microeletrônico. Entre esses insumos estão a educação e a saúde, para gerar uma oferta estável de força de trabalho qualificada. Em conseqüência desse giro na agenda política, as taxas de produtividade saltam a partir de 1996, quando a taxa de lucro se aproxima de seus níveis históricos de expansão, para situarem-se em torno de 3% a.a. A taxa de investimento se eleva, entre 6 Entre 1968-79, os gastos militares caem consistentemente de 8,7% para 4,6% do PIB. Na década de 80, esses gastos se elevam até 6,2% do PIB, em 1986, caindo para 4,6% durante a crise de 1990-91(Economic Report of The President, 2000). 7 Em 1992, a hora de trabalho, em dólares de 1982, equivalia a U$ 7,41, sendo inferior a de 1965(Economic Report of The President, 2000). 7 1992-98, de 15,9% a 18,8%, impulsionada pela recuperação fiscal do governo federal. O crescimento econômico se acelera e alcança 3,6%, entre 1992-99, e 4,1%, entre 199599. Todavia, permanecem e se aprofundam os déficits comerciais e em conta corrente como expressão e determinantes da perda de competitividade dos Estados Unidos perante o Leste Asiático e a Europa Ocidental (Economic Report of The President, 2000). Tais déficits, provavelmente, são parte da fase A desse novo Kondratiev e tendem a limitar a médio e longo prazo as possibilidades de crescimento econômico dos Estados Unidos. Em conseqüência suas taxas de lucro não devem alcançar níveis tão altos quanto os do pós-guerra. Diferentemente, da fase B do Kondratiev anterior, nessa nova etapa os ingressos de capital estrangeiro, necessários para cobrir os déficits da conta corrente do balanço de pagamentos, dirigem-se prioritariamente a ativos vinculados ao setor produtivo, como as carteiras de ações das empresas tecnologicamente mais dinâmicas e não a ativos eminentemente financeiros, como os títulos da dívida pública. Os resultados desses ingressos têm sido um aprofundamento do processo de desnacionalização da economia norte-americana e a inversão histórica dos resultados da balança de serviços-fatoriais, que passa de superavitária para deficitária. Assim, desde 1998, que as saídas de capitais por conta de remessas de lucros e pagamentos de juros ultrapassaram essas entradas, superando-as em US$ 12,2 bilhões. Tal tendência se amplia em 1999, quando apenas nos três primeiros trimestres as saídas superam as entradas em US$ 13,8 bilhões. Assim, a necessidade sistemática de ingressos de capitais estrangeiros para equilibrar o balanço de pagamentos acaba gerando o aprofundamento desses déficits (Economic Report of The President, 2000). Em 1999, os déficits em conta corrente alcançaram US$ 338,9 bilhões, e no último trimestre de 1999, alcançaram US$ 99,7 bilhões, Esse resultado anual assinala uma taxa de expansão de 53% em relação a 1998 e de 31% a.a em relação a 1992. O estoque desse déficit já alcança cerca 3,6% do PIB e a conservação dessa taxa de ampliação é insustentável a médio prazo. Hoje, apesar do ritmo aparentemente sustentado de crescimento da economia dos Estados Unidos, a expansão já dá sinais de esgotamento8. 8 Como mencionamos, isso não nega nossa postulação da existência de uma fase A do Kondratiev em curso nos Estados Unidos. O Kondratiev é um ciclo longo que comporta, em cada uma de suas fases, ciclos menores de expansão e recessão. 8 Para conter o potencial disruptivo dos déficits em conta corrente existem duas grandes alternativas de política: a) Mobilizar instrumentos financeiros, como a taxa de juros, para reduzir o crescimento econômico e diminuir as necessidades de financiamento externo da economia estadunidense. Essa alternativa tem sido defendida pelos monetaristas e grupos ligados ao FED, mas traz como resultado uma elevação do câmbio, o que reduz os impactos positivos sobre a redução do déficit, e a elevação dos estoques de dívida pública e do peso dos juros no orçamento do governo federal. Em conseqüência, reduzse o espaço para as trajetórias de desenvolvimento. Diminui a taxa de lucro, caem os superávits fiscais e a possibilidade de usá-los para sustentar uma política desenvolvimentista; b) Desvalorizar o dólar, aceitando a redução da competitividade da economia norte-americana na economia mundial. Essa aceitação permitiria desvincular a economia norte-americana da especulação com o juros e com o câmbio e sustentar o aumento das taxas de investimento e do crescimento econômico sem grandes desequilíbrios, elevando as taxas de lucro para os níveis do pós-guerra. Frente a essas possibilidades extremas, capital estadunidense, em seu conjunto, prefere soluções intermediárias. Ele se distancia tanto dos segmentos mais rentistas quanto dos mais dinâmicos tecnologicamente porque aceita o câmbio sobrevalorizado para maximizar os ganhos da acumulação, mas quer limitar essa valorização a um ponto que não inviabilize a recuperação da taxa de lucro e dos investimentos produtivos. Quando os desequilíbrios se acumulam, ele se aproxima com cautela da primeira alternativa, apoiando uma elevação moderada das taxas de juros para reduzir os custos de produção da economia dos Estados Unidos e, assim, reduzir os déficits na conta corrente. Entretanto, o resultado a médio prazo desse percurso é o aprofundamento dos diferenciais de competitividade entre a economia dos Estados Unidos e a de outros membros do núcleo orgânico e da semiperiferia da economia mundial. Isso levaria à necessidade cada vez maior de elevar as taxas de juros como fator de contenção do crescimento econômico, estreitando bastante as distâncias em relação à alternativa monetarista. A acumulação de efeitos negativos de médio e longo prazo desse percurso sobre os assalariados, pequenas e médias empresas e segmentos tecnologicamente mais dinâmicos do capital estadunidense tende, entretanto, a criar as condições para uma posição política mais agressiva em direção à segunda alternativa. Uma postura mais 9 contundente nesse sentido enfrenta riscos políticos porque traz como meta imediata um ajuste do nível de renda da população que, embora articulado a uma política virtuosa, pode ser entendido por grande parte dela como uma redução de seus padrões de vida. Só no contexto da aceleração da luta política e de classes nos Estados Unidos será possível evidenciar os limites do percurso em direção ao rentismo e discutir a distribuição dos custos do ajuste, sem perder apoio popular. A Economia Estadunidense em 1999 e as Perspectivas do Crescimento Embora, em 1999, os Estados Unidos tenham mantido um ritmo acelerado de crescimento econômico, começam a surgir no cenário os sinais de uma provável redução dessas taxas. O fundamento último desses sinais são os enormes desequilíbrios, gerados pela expansão econômica acelerada, que se concentram nos déficits da conta corrente. Para crescer sustentadamente em ritmo elevado, os Estados Unidos devem aceitar uma reavaliação do valor de seus ativos através da desvalorização do dólar, pois a decadência de sua hegemonia não permite que estabeleça uma expansão acelerada sem provocar desajustes macroeconômicos importantes. Todavia, no momento, essa alternativa não está colocada. O crescimento do PIB, de 4,2%, obtido em 1999, configura o oitavo ano de expansão econômica consecutiva e mantém a média acelerada dessas taxas dos últimos 5 anos. Todavia, a ele se articula ao enorme déficit em conta corrente que mencionamos. Para obter as divisas, os Estados Unidos têm elevado o câmbio9 e atraído para as bolsas de valores grande parte dos capitais externos de que necessita para equilibrar o seu balanço de pagamentos. Em consequência, avoluma-se uma enorme massa de recursos nas bolsas de valores, cujo crescimento não tem paralelos com a expansão dos lucros, deprimindo essas taxas10. Esses efeitos depressivos se agravam pelo fato de a alta do câmbio ser realizada mediante o aumento dos juros. O movimento de elevação do dólar é então acompanhado, desde 1998, por uma lenta e sistemática queda das taxas de lucro. Essa queda é apenas interrompida entre o 3º trimestre de 1998 e o 1º trimestre de 1999, quando o FED relaxa sua política monetária. A retomada do aumento dos juros e da valorização do dólar impacta 9 Entre 1995 e 1999, o dólar se eleva de um índice de 84.8 a 98.7 tomando-se em consideração a cesta de moeda do conjunto de países que comerciam com os Estados Unidos (Economic Report of The President, 2000). 10 negativamente os lucros e dão continuidade a redução dessas taxas em 1999. Assim, em 1997, a taxa de lucro havia alcançado 9,9 %. Em 1998, ela cai para 9,8% e em 1999 para 9,4%, sendo sua evolução nesse ano, a seguinte: no 1º trimestre alcança 9,7% e nos 2º, 3º e 4º trimestres 9,4%, 9,1% e 9,3%, respectivamente (Economic Indicators, March 2000)11. As altas sucessivas das taxas de juros em novembro, dezembro e março, levando-as ao patamar de 6%a.a, devem acentuar esse movimento de descenso suave e persistente da taxa de lucro. Essa queda nos lucros já se manifesta numa retração das taxas de investimento. Os investimentos não-residenciais, embora continuem crescendo, reduziram seu ritmo de expansão de 12,7%, em 1998, para 8,3%, em 1999 (Economic Report of The President, 2000). O FED justifica a elevação das taxas de juros como um instrumento de prevenção de pressões inflacionárias. Entretanto, esse discurso oculta a razão real dos desequilíbrios da economia norte-americana e os agrava. As taxas de inflação têm sido perfeitamente compatíveis com o crescimento de longo prazo. Entre 1939 e 1944, período em que os Estados Unidos cresceu a taxas recordes e consolidou sua posição de potência mundial, a inflação média anual foi de 4,1%. Caso tomemos o período de boom do pós-guerra como um todo, isto é 1939-68, a inflação média anual foi de 3,2%. Portanto, não há nenhum sentido em supor desestabilizante a inflação de 2,2% de 1999. Caso se excluam os itens referentes a energia, em função da variação dos preços de petróleo, verifica-se que o índice de 1999 foi de 2%, inferior aos 2,3% de 1999 (Economic Report of the President, 2000). Na base da contenção das pressões inflacionárias estão as altas taxas de produtividade da economia norte-americana, desde 1996, e a forte redução dos custos trabalhistas entre 1979-95. Nesse período, o preço da hora de trabalho nas indústrias privadas caiu de US$ 8,4 a US$ 7,39, em dólares de 1982. A queda é maior ainda para o salário semanal, em razão da redução da jornada de trabalho. Nesse caso, o salário semanal cai de US$ 300 para US$ 255. Posteriormente, esses índices se elevam, mas não o suficiente para compensar as perdas obtidas. Em 1999, a hora de trabalho alcança US$ 7,86 e o salário semanal US$ 271. Em conseqüência, os trabalhadores têm nesse ano uma remuneração por hora de trabalho inferior a de 1968 e um salário semanal abaixo do de 1962(Economic Report of The President, 2000). 10 Entre 1992 e 1997, os lucros após os impostos das corporações não-financeiras, ajustados às variações de estoque, cresceram 9,1% a.a. As necessidades de financiamento do comércio exterior, como vimos, crescem em ritmo bem mais intenso (Economic Indicators, March 2000). 11 O crescimento econômico tem impulsionado a arrecadação do governo federal e permitido a geração de expressivos superávits fiscais. Eles alcançaram, em 1998, US$ 46,8 bilhões e saltaram, no terceiro trimestre de 1999, para US$ 133.8 bilhões em taxas anuais sazonalmente ajustadas. Esses superávits tem sido a base de um giro na política estadunidense para uma ofensiva das políticas publicas ativistas. Isso se consubstancia nos States of Union que Clinton tem dirigido ao Congresso, que dão forte ênfase às políticas de saúde, educação e previdência pública e a temas como meio-ambiente, pesquisa científica, direitos civis, igualdade de condições de trabalho entre gênero, planejamento familiar, criação de licenças para compra de armas e fiscalização do porte de armas. Para os próximos 10 anos projetam-se superávits fiscais entre US$ 838 bilhões a US$ 1,8 trilhões e Clinton já fala em pagar a dívida pública dos Estados Unidos e liquidar o peso dos juros no orçamento (Economic Report of The President, 2000). Todavia, a força dessa agenda pode ficar comprometida pela redução do crescimento que a alta sistemática de juros patrocinada pelo FED tem buscado provocar. Os Sinais da Crise em 2000 Os primeiros meses de 2000 reforçam os sinais de uma provável contração do crescimento econômico estadunidense a curto prazo ou médio prazo. O índice Dow Jones, entre janeiro e 17 de abril, caiu 7,96% e o NASDAQ, no mesmo período, teve uma queda de 13,3%. Tais movimentos são extremamente dramáticos para a economia dos Estados Unidos, pois são os fluxos de capitais dirigidos às bolsas de valores que vêm possibilitando o equilíbrio do balanço de pagamentos desse país. Como vimos, na base da contração do crescimento do PIB está a lenta e progressiva queda das taxas de lucro, desde 1998, que a faz aproximar-se dos índices de 1959-61 – de 8,6% a.a.–, anos de desaceleração dentro da fase A de um Kondratiev norte-americano, quando o PIB per cápita cresceu 1,6%, bem abaixo da média desse período. A queda das taxas de lucro está sendo determinada por dois motivos: A) Pelo alto fluxo de recursos que dirigem-se às bolsas norte-americanas, superando amplamente o crescimento dos lucros empresariais. Esses fluxos acompanham as necessidades de financiamento da conta corrente norte-americana que, como vimos crescem em 31% a.a, entre 1992-99. Parte da alta rentabilidade dos 11 Elaboração nossa a partir dos dados fornecidos pelo Economic Indicators, March 2000. 12 investidores da bolsa deve-se a intertemporalidade entre as novas entradas de capitais e a realização dos ganhos nas carteiras de ações. Assim, a expressiva alta nas carteiras de ações tem sido, em boa medida, sustentada pelo movimento crescente de ingressos de capitais em ações, mas a falta de compatibilidade com o crescimento real dos lucros inclina a taxa de lucro para baixo e coloca essas aplicações em condições de vulnerabilidade crescente a ataques especulativos. B) Pela elevação dos juros da economia norte-americana. Esse movimento dos juros que visa conter o crescimento do PIB nos Estados Unidos e oferecer alternativas à bolsa em aplicações de capital é indispensável na ausência de uma desvalorização do dólar. Entretanto, como vimos, esse tipo de política pública cria um círculo vicioso que reforça a médio e longo prazo os desequilíbrios estruturais da economia norteamericana. O custo dessa desacelaração pode ser extremamente grave para a centroesquerda estadunidense, principalmente por tratar-se de um ano eleitoral. Alan Greenspan já indicou outra provável alta dos juros em 16 de maio, tomando como pretexto indicadores de inflação que refletiram a alta conjuntural dos preços de petróleo, atualmente controlada12. O que esta em jogo é a consistência da agenda ativista dos democratas e a sua capacidade de conviver com uma política monetária rígida. 12 Em fevereiro de 2000, os índices de inflação alcançaram 0.5%, sendo impulsionados pela elevação dos preços de energia que subiram 4,6%. Em março, os índices chegaram a 0.7% ou a 0,4% descontados os preços de energia. Tomando em consideração que os preços do barril de petróleo devem manter-se relativamente estabilizados e em níveis inferiores aos de março, não há razão para ver nesse índice mensal uma tendência (Economic Indicators, March 2000). 13 APÊNDICE Taxas de Lucro após impostos das Corporações Não Financeiras nos Estados Unidos (ajustadas às variações de estoque e ao consumo de capital fixo) Período Taxa de Lucro 1959 8,9% 1960 8,5% 1961 8,4% 1962 9,9% 1963 10,7% 1964 11,4% 14 1965 12,4% 1966 12,1% 1967 11,0% 1968 9,4% 1969 7,7% 1970 5,8% 1971 6,7% 1972 7,4% 1973 6,7% 1974 4,4% 1975 6,6% 1976 7,0% 1977 7,6% 1978 7,2% 1979 5,8% 1980 4,2% 1981 5,9% 1982 5,6% 1983 6,8% 1984 8,2% 1985 7,9% 1986 5,8% 1987 6,2% 1988 7,0% 1989 5,8% 1990 5,5% 1991 5,4% 1992 5,8% 1993 6,8% 1994 7,9% 1995 8,4% 1996 9,4% 15 1997 9,9% 1998 9,8% 1999 9,4% Fonte: Economic Report of The President (2000) e Economic Indicators: March 2000 Período Taxa de Lucro 1998(1) 10,0% 1998(2) 9,7% 1998(3) 9,9% 1998(4) 9,6% 1999(1) 9,7% 1999(2) 9,4% 1999(3) 9,1% 1999(4) 9,3% Fonte: Economic Report of The President (2000) e Economic Indicators: March 2000 16 17