Há tratamento além da camisa de força da PEC 241?

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Há tratamento além da camisa de força da PEC 241?
Fonte: Valor - Opinião, por Fabio Terra, 20/10/2016
A necessidade de um ajuste fiscal que resolva o descompasso entre a receita e o gasto público para
estabilizar a expansão da dívida bruta bem como regre perenemente as contas públicas é inconteste.
Eis o espírito da PEC 241. O governo, seu propositor, entende dois tipos de problemas fiscais: 1)
conjunturais, o forte desajuste entre as despesas, crescentes e insensíveis à queda do PIB, e as
receitas, que aumentaram em ritmo inferior aos dispêndios e são muito elásticas à queda do produto; e
2) estruturais, relativos ao elevado grau de vínculo das receitas a gastos determinados.
Para os propositores da PEC, a tempestade fiscal precipitou quando as questões estruturais uniramse
à desordem conjuntural de modo que a PEC, que define um ritmo de crescimento ao gasto igual ao
IPCA, seria o caminho para a solução de três problemas: 1) resolveria a crise fiscal, 2) abrindo
caminho para o país sair da estagnação e 3) auxiliaria a dirimir o mencionado problema fiscal
estrutural, pois para a regra ser exequível, diversas outras reformas fiscais precisam ser realizadas. Se
não, vários dispêndios vinculados/indexados não caberão no ritmo prédeterminado de crescimento das
despesas.
Pois bem, a PEC tem o mérito de trazer ao debate a necessidade de se ter algum regramento fiscal.
Porém, seu grande problema reside no método: ser um tratamento que, como uma camisa de força,
impede os movimentos do paciente à pretensão de curálo. Dentre diversas críticas que vêm sendo
tecidas à PEC, apontamse outras quatro. Primeiro, o nominalismo destoa da realidade dos custos
incorridos pela oferta de serviços públicos. O setor privado, de quem o Estado adquire bens
e serviços, não marca preço buscando a manutenção de sua renda real, mas sim ganhos reais. Em um
rude exercício, assumase uma eficiência constante no setor público e tomese a valorização do salário
mínimo por proxy do custo para que o setor público compre do setor privado.
Assumindose ainda que a lei da valorização real do salário mínimo permaneça pelos próximos 20 anos
e que, excluídos os anos de crise sem expansão real (2017 a 2019) o salário cresça em média 6,5% ao
ano (4,5% de inflação mais 2% do PIB), implicase um crescimento acumulado de 55,4% dos custos a
serem pagos ao setor privado versus uma possibilidade de expansão de 36% dos gastos públicos, de
2020 a 2026 (ano de revisão da PEC) e de 191% e 111%, respectivamente, entre 2020 a 2036 (ano
final da PEC).
Um segundo problema é o conflito distributivo que a PEC coloca no corpo do setor público. Dada a
discrepância mostrada acima, os diversos serviços públicos disputarão entre si por ganhos reais, o que
um âmbito da administração pública só conquistará às custas de outros. A se considerarem os 20 anos
da PEC, em breve a recomposição real relativa será impossível e cortes em vários serviços serão
inexoráveis. O terceiro problema resulta dos anteriores. A PEC é, de fato, inexequível no médio prazo,
o que traz duas sérias consequências: 1) uma possível perda de credibilidade da política fiscal, ao se
ter que alterar a regra (frequentemente)no futuro, o que já é dito pelo presidente Michel Temer.
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Em analogia, isso seria tal qual o uso recente da banda superior da inflação como "meta",
desancorando as expectativas de inflação futura e dificultando a queda dos juros mesmo com demanda
arrefecida. Ademais, 2) há riscos de que a
flexibilização da PEC se dê em períodos eleitorais, implicando ciclo político sobre as finanças públicas.
Por fim, a PEC não trata os investimentos públicos de forma especial. Inclusive, sendo o mais relevante
gasto discricionário no orçamento público, é bastante provável que esta rubrica seja a variável de
ajuste para se fechar o orçamento sob o novo regime fiscal.
Poiis bem: o que se poderia fazer para se permitir o ajuste fiscal e, também, disciplinarse o gasto
público, sem uma camisa de força? Uma proposta é que o gasto cresça um certo percentual da
variação real das receitas públicas, dando aumento real. Por exemplo, regrese que eles cresçam 30%
da média do crescimento real da receita dos últimos 3 anos. Assim, os gastos se adaptariam mais
suavemente ao forte caráter prócíclico das receitas, permitiriam a construção de superávit primário
cíclico e concederiam regrada flexibilidade aos gastos públicos, logo, deixando mais crível a própria
execução da política fiscal e financiando a expansão do estado de bemestar social brasileiro. Em
tempos de queda real de receita, cortes de gasto seriam necessários, mas entraria em cena o
investimento público contracíclico.
Pela mesma fórmula de cálculo acima, se deveria permitir que o investimento público crescesse em
termos reais algum percentual da variação real das receitas. O investimento precisa ser contracíclico,
mais modesto quando há aquecimento do investimento privado e mais despendido em momentos de
contração econômica. Neste sentido, parcerias públicoprivadas são interessantes para que o
investimento público, ao ser concluído, não fique a custo público, mas seja explorado pela iniciativa
privada e retorne tributos ao Estado, retornando o custo do investimento.
Nesta lógica, o resultado do investimento público não necessariamente convertese em gasto corrente.
Ambas as regras de expansão real dos gastos com base na variação real das receitas podem começar a
valer em alguns anos, para agilizar o alcance imediato do ajuste fiscal. Por fim, o momento sugere que
sejam revistos outros aspectos das finanças públicas pouco tratados à sombra da PEC, como as
reformas tributária e do mercado de dívida pública federal. Para este último, contudo, requerse a
recuperação da credibilidade fiscal, para o que são precisos ajuste e regramento fiscais, pois se não os
credores continuarão pedindo juros elevados para financiar o desajuste fiscal, constrangendo ainda
mais a delicada situação fiscal do país e tornando inviável qualquer medida que reduza o lado
financeiro dos gastos públicos.
Fábio Terra é professor do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal
de Uberlândia e pós-doutor pela Universidade de Cambridge, Reino Unido.
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