ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING (ESPM – SP) GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL COM ÊNFASE EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA ALESSANDRO FERNANDES GROMIK DO IT YOURSELF: Movimento punk e a sociedade de consumo SÃO PAULO 2 / 2015 GROMIK, Alessandro Fernandes. Do It Yourself: Movimento Punk e a Sociedade de consumo. São Paulo: Escola Superior de Propaganda e Marketing, 2015. Agradecimentos Agradeço ao meu orientador, Tiago Andrade, por toda paciência e dedicação em meu suporte. Aos professores Marcello e Rosi, que também acompanharam e apoiaram meu processo, à ESPM em geral pela oportunidade de realizar tal trabalho. Agradeço aos meus pais, por todo suporte financeiro e emocional, sem vocês nada disso seria possível. Ao meu irmão Thomas por ter me introduzido ao movimento punk e por toda a ajuda durante o processo. A minha irmã Gabriela, por toda ajuda com as entrevistas e apoio geral. Agradeço a Kurt Cobain, por ter me ensinado que punk é liberdade e que é possível fazer algo diferente. A todos os músicos e músicas que sustentam o movimento e o reproduzem. Aos entrevistados, Ricardo, Victor e Gerson, pela ajuda e tempo oferecidos. Agradeço aos meus amigos e amigas. Ao 3 mil, Thaís, Nath, Ana, a todos e todas pessoas que me guiaram e apoiaram nos momentos mais difíceis. E por fim agradeço a duas pessoas que me inspiram e me ajudam em tudo, seja vida, seja ESPM. Daniel e Giovanna, Gratidão por tudo. Ao Djo agradeço a parceria constante por todos estes 4 anos. À Giovanna agradeço também pelas fotos e materiais fornecidos, que me ajudaram a chegar até aqui, e por existir. 2 RESUMO Nessa pesquisa colocamos lentes no movimento punk com o objetivo de compreender de que maneira essa contracultura juvenil coexiste e relaciona-se com as marcas de uma sociedade de consumo, um dos principais rótulos conferidos à nossa contemporaneidade. Para isso, lançamo-nos em uma pesquisa de estratégia multimetodológica, combinando revisão bibliográfica, pesquisa documental. analise discursiva e entrevista e profundidade. A partir de autores como Baudrillard, Adorno, Roszak e Morin mobilizamos conceitos como sociedade de consumo, indústria cultural e contracultura, alinhando-as ao movimento punk. PALAVRAS-CHAVE: Comunicação e práticas de consumo, cultura e contracultura, indústria cultural, movimento punk, Sex Pistols. 3 ABSTRACT In this research put lenses in the punk movement in order to understand how this youth counterculture coexists and relates to the marks of a consumer society, one of the leading labels conferred on our times. For this, we launch ourselves us in a multimethodological strategy research, combining literature review, document research, discursive analysis and in-depth interview. From authors such as Baudrillard, Adorno, Roszak and Morin, we mobilized concepts as consumer society, culture industry and counterculture, lining them up to the punk movement KEY WORDS: Communication and consumption practices, culture and counterculture, culture industry, punk, Sex Pistols. 4 SUMÁRIO Índice de Bandas......................................................................................................................................6 1. INTRODUÇÃO.............................................................................................................................9 1.1 – Contextualização...........................................................................................................................9 1.2 – Objeto...............................................................................................................................................21 1.3 – Problema.........................................................................................................................................21 1.4 – Objetivo Geral...............................................................................................................................21 1.5 – Objetivos Específicos...............................................................................................................22 1.6 – Metodologia...................................................................................................................................22 1.8 – Quadro Referencial Teórico....................................................................................................23 2 – COMUNICAÇÃO, PRÁTICAS DE CONSUMO E O MOVIMENTO PUNK...........24 2.1 – A sociedade de consumo e a criação de identidade....................................................25 2.2 – A cultura do consumo como cultura contemporânea.................................................30 2.3 – Contracultura e o movimento punk.....................................................................................33 2.4 – Juventude como cerne da contracultura..........................................................................35 2.5 – O consumo de arte dentro da cultura de massa............................................................37 3. A INDÚSTRIA CULTURAL E A PRODUÇÃO MUSICAL PUNK..............................39 3.1 – A indústria cultural e sua relação com o punk...............................................................39 3.2 – Do It Yourself: A produção musical punk.........................................................................42 3.3 – Sex Pistols: A expressão dos valores punks liricamente..........................................46 4. ENTREVISTAS EM PROFUNDIDADE: A REALIDADE E OPINIÃO PUNK.........52 4.1 – Questionário: Instrumento de pesquisa............................................................................52 4.2 – A entrada no movimento e suas características contraculturais...........................56 4.3 – O cenário de consumo punk..................................................................................................58 4.4 – O consumo da música punk e a Indústria Cultural.......................................................60 4.5 – O movimento D.I.Y e o legado punk....................................................................................61 4.5 – Conclusão......................................................................................................................................63 5. REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS.................................................................................65 6 – ANEXOS...................................................................................................................................65 6.1 – Letras...............................................................................................................................................65 6.2 – Entrevistas.....................................................................................................................................71 6.2.1 - Ricardo Quattrucci - guitarrista da banda Olho Seco........................................................71 6.4.2 - Victor Oliveira - membro do movimento em São Paulo....................................................83 6.4.3 - Gerson Santana - membro do movimento em São Carlos.............................................90 5 Índice de Bandas The Dictators - Banda criada em 1973, em Nova Iorque, liderada por Richard Manitoba, foi uma das percursoras do movimento punk, mesmo sem atingir o mainstream. The Stooges - Liderados por Iggy Pop, os Stooges surgiram em 1967 em Detroit e que ainda realiza esporádicos enontros. Faziam o chamado proto-punk, tendo em Iggy o ícone energético do movimento The Velvet Underground - Grupo de rock alternativo criado em 1964, pertencente a cena criada por Andy Warhol dentro de seu estúdio The Factory. Lou Reed (vocalista e guitarrista) e John Cale (tecladista e produtor) se tornariam figuras inspiradoras da cena underground nova iorquina, que mais tarde seria incorporada pelo movimento punk. The New York Dolls - Formados em 1971, em Nova Iorque, se tornaram icônicos pela maneira de se vestir e a atitude. Considerada a primeira banda punk americana, inspirando os Ramones e o Television. MC5 - Banda criada em 1964, em Detroit. Influenciadores dos Stooges, possuíam ligação política forte, promovendo shows em protestos e se ligando a movimentos como os Panteras Negras. The Ramones - Ícone do movimento punk dentro dos Estados Unidos, os Ramones se formaram em 1974 e traziam o surf rock com batidas mais agitadas que os deixaram eternizados em canções como Blitzkrieg Bop e Sheena is a Punk Rocker. The Doors - Banda de rock psicodélico formada em 1965, em Los Angeles, composta por Ray Manzarek, Robby Krieger e o vocalista Jim Morrison, inspirador de muitos dos vocalistas do movimento punk. 6 David Bowie - Cantor e produtor americano, ícone da cultura underground e responsável pelo principal álbum do protopunk, Raw Power, dos Stooges. Ao lado de Lou Reed e Patti Smith um dos principais inspiradores da arte alternativa americana. Patti Smith - Artista americana fortemente ligada ao teatro underground nova iorquino. Primeira figura feminina do movimento punk, ainda se apresenta na música. Television - Ao lado dos Ramones, uma das pioneiras do punk nos Estados Unidos. Formada em 1973, contava com Tom Verlaine no vocal e Richard Hell no baixo, figura base do punk, segundo Malcom McLaren. Sex Pistols - Criada em 1975, em Londres, é a banda referência do movimento, principalmente na Inglaterra. Idealizada por Malcom McLaren, teve apenas um álbum lançado devido a brigas e à morte de seu baixista Sid Vicious, ícone imagético do movimento. 7 “Punk rock should mean freedom, liking and excepting anything that you like. Playing whatever you want. As sloppy as you want. As long as it's good and it has passion.”1 Kurt Cobain 1 Punk Rock deveria significar liberdade, apreciar e aceitar tudo o que se gosta. Tocar o que se quiser. O quão desleixado quiser. Com tanto que seja bom e tenha paixão - tradução própria 8 1. INTRODUÇÃO 1.1 – Contextualização Nesse trabalho monográfico, tal como nos convida Antônio Severino (2007), fazemos um exercício de transformar o familiar em exótico. Partimos, por assim dizer, de um interesse pessoal, mas, de antemão, imponho-nos o desafio de nos aproximarmos de nosso objeto – o movimento punk - para além de juízos de valores, para além, portanto, do senso comum. Nesse sentido, nesta contextualização, apresentamos a historicidade e as peculiaridades que gravitam em torno de nosso objeto baseados, majoritariamente, em pesquisa documental. A partir de então, vamos iniciar a análise diante da formação do movimento punk. Como tem início a manifestação comportamental e artística, como a cena musical de locais como Nova York, Detroit e Londres foi se desenvolvendo e como vem se entrelaçando com a cultura vigente, como é recepcionada por quem frequentava casas como o CBGB´s, Mercer Arts Center e lojas como a SEX. (MCNEIL, 2006, p.65). O termo punk, advindo de origens desconhecidas em 15962, para descrever madeiras velhas e desgastadas, teve nova significação a partir de uma série de acontecimentos que serão trazidos abaixo, ocorridos entre a década de 1960 e 1970, nos Estados Unidos e na Inglaterra. O termo foi trazido de volta à linguagem popular por meio de uma revista, de nome Punk, criada por Legs McNeil, John Holmstron e Ged Dunn, em 1975. Inspirados pelo album recém lançado “Go Girl Crazy,” da banda The Dictators3 e por um desejo de terem seus interesses representados, o trio queria trazer em seu material aquilo que agradava aos três – cerveja, cheeseburguers e certas bandas de Rock’n Roll, que fugiam do mainstream, como Iggy e os Stooges, Velvet Underground e New York Dolls. (MCNEIL, 2006, p.232) 2 Webster Dictionary: punk = “wood so decayed as to be dry, crumbly, and useful for tinder”;. Disponível em: http://www.merriam-webster.com/dictionary/punk 3 Banda americana formada em 1973; Disponível em: http://www.thedictators.com/ 9 Punks em Londres - por Giovanna Gebrim Entre os anos de 1965 e 1966, na cidade de Nova York, o artista Andy Warhol, já reconhecido dentro do cenário cultural, controlou uma casa de espetáculos chamada The Factory, para onde trazia os artistas que o interessava e combinava em eventos de cinema, música, poesia e artes plásticas. (MCNEIL, 2006, p.33) O local era frequentado por, além dos jovens artistas, entusiastas da popculture produzida por Warhol, membros de classes altas de Nova York, sendo atraídos pela cada vez mais alternativa cena, formada pelo consumo de drogas e relações sexuais com diferentes parceiros(as). Simultaneamente, na cidade de Detroit, jovens de classe baixa, interessados em carros e Rock ‘n roll, expulsos de suas escolas, formaram o MC5. Com um som rápido e agressivo, a banda, apoiada pelos movimentos sociais que afloravam na época no meio-oeste americano, começou a ganhar espaço e servir de exemplo para outros garotos, mostrando que o necessário para se ter uma banda era apenas formá-la. (MCNEIL, 2006, p.43) Começamos neste ponto a traçar uma relação entre características presentes na juventude, como um expoente da contracultura. “A contracultura nasceu do confronto entre a cultura, reconhecida como doença, e a visão juvenil.” (BARBOSA, 10 1992, p.23). Tal confronto é recorrente no momento em que a juventude encara valores já estabelecidos de uma sociedade. Mesmo não sendo exclusivamente tema da juventude, “ela encontra no jovem seu interprete principal e o seu motivo mais forte.” (BARBOSA, 1992. p.24) Um dos jovens de Detroit, Iggy Pop, junto com os irmãos Asheton (Scotty e Ron) e Dave Alexander formaram a banda Iggy e os Stooges, que chamavam a atenção devido a seu alto volume e ao comportamento de seu vocalista, Iggy, que usava macacões femininos e pintava a cara para os shows, onde ficava se contorcendo, rolando em cacos de vidro e insultando a plateia. Toda aquela energia logo chamou a atenção de empresários locais, que foram assistir aos Stooges e ficaram maravilhados com toda aquela energia e agressividade. (MCNEIL, 2006, p. 73-79). Porém com o envolvimento político do MC5 logo o grupo se separou, após a prisão de seu vocalista Wayne Kramer por porte de maconha. Com isso os Stooges ganharam espaço, assumindo o papel de principal banda do meio-oeste. Com o sucesso de público, apesar da não compreensão do som em si por parte de muitos dos críticos, Jim Silver, empresário da banda, conseguiu uma conexão com a Elektra Records através de Danny Miller (futuro empresário dos Stooges e dos Ramones), gravadora responsável por bandas como The Doors, e levou os Stooges para Nova York. Chegando lá, encontraram uma já desmotivada Velvet Underground, que, por uma briga entre seu vocalista, Lou Reed e o guitarrista John Cale, se separou, abrindo espaço para a chegada dos Stooges, que, chamando a atenção de John Cale (que viria a produzir o álbum dos Stooges), entraram no cenário nova iorquino que se formava. (MCNEIL, 2006, p. 79-83). Com um contrato assinado, os Stooges voltaram para Detroit onde, sob uso intenso de drogas, gravaram seu segundo disco, Fun House. As apresentações dos Stooges traziam as mais diversas reações do público. A juventude agora possuía símbolos fortes e estabelecidos, que pareciam corresponder a raiva sentida. No fundo acho que foi isso que criou a raiva – a raiva era simplesmente por causa do dinheiro, porque a cultura tinha se tornado corporativa, porque a gente não a possuía mais, e todo mundo estava desesperado para tê-la de volta. Essa era uma geração tentando fazer isso. (MCNEIL, 2006, p. 319) 11 A música passou a ser uma plataforma de combate de uma camada populacional cansada de bandas de rock‘n roll que se comportavam de acordo com o que consumiam. O uso de tal plataforma nos atrai o olhar, ajudando a evidenciar a relação que o movimento punk com aqueles que o consumiam. Os jovens haviam perdido o controle de sua cultura e agora, pouco a pouco, passavam a tê-la de volta. Porém logo com o envolvimento de Iggy com Andy Warhol4, frequentando o The Factory5, chegando a shows em limousines, a tal conquista social parecia mais uma vez adiada. Tal comportamento era mal visto por aquele que acompanhavam o movimento. A ‘’traição’’ dentro do movimento logo pode ser vista: Acompanhar pela imprensa a escalada social daqueles que até há pouco eram pobres como eles e faziam parte da mesma irmandade e que diziam batalhar pelos mesmos ideais. Mas agora... milionários e com comportamento de playboys, enquanto que estes (os rockeiros pobres, em sua maioria) continuavam morando em quartos infectos e sem perspectivas - e quanto deles na fila de desemprego! (BIVAR, 1992 p.28) Também em Nova York, com o movimento LGBTT6 ganhando representatividade, o teatro alternativo, composto majoritariamente de drag queens, começou a receber a visita de músicos como David Bowie e Patti Smith, que passaram a introduzir traços da cultura drag, como o uso do glitter, sobrancelhas raspadas e purpurina em seus shows. Um dos impressionados com a cena teatral foi Andy Warhol, que, ao ver uma obra inspirada nele, chamada Pork, comprou a ideia e usou sua influência comercial para que o espetáculo viajasse pela América e depois para Londres. Seguindo a tour de Pork, David Bowie e os Stooges foram excursionar na Inglaterra, trazendo toda aquela cultura alternativa para um novo território, que não conhecia tal cena e que logo se impressionou, principalmente com as performances cada vez mais distintas de Iggy Pop, que vomitava e rolava em sangue durante seus espetáculos. (MCNEIL, 2006, p.132) Com o fim da temporada de Pork, os Stooges voltaram para Detroit, onde, com Iggy viciado em drogas pesadas, voltaram a permanecer no anonimato. Enquanto isso, em Nova York, uma nova banda que usava vestidos, se maquiava e 4 Pintor, cineasta e empresário norte-americano, importante componente da pop-art e mecenas da arte suburbana Nova York. 5 Estúdio de Andy Warhol de 1962 a 1984, que abrigava boa parte da cena suburbana de Nova York. 6 Movimento responsável pelas reinvidicações sociais de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis. 12 voltava com o rock‘n roll de três minutos começou a se popularizar. O New York Dolls começou a chamar a atenção da mídia especializada, que foi a seus shows e enxergou algo antes nunca visto. Nas palavras do vocalista, David Johanssen, os Dolls eram: ‘’Um bando de caras que ensaiava em uma loja e passou a tocar juntos.’’(MCNEIL, 2006, p.158). Já nas palavras de Nancy Spugnen, futura namorada de Sid Vicious e participante do movimento: Os NY Dolls deram início a uma cena. Eram o centro das atenções. Tudo aconteceu depois deles. Eles eram diferentes. Ninguém jamais tinha se vestido do jeito que eles se vestiam ou falado do jeito que eles falavam, ou tocado música do jeito que eles tocavam. (MCNEIL, 2006, p.200) Em nosso projeto a união do movimento punk como música a outros componentes culturais, como a moda, nos ajuda a reforçar o contato com não só membros do movimento, mas também a disseminação para a sociedade. Uma mistura entre o visual escandaloso teatral, com o comportamento de Iggy Pop e acordes de rock clássico, que, em meio a um cenário vazio, obteve grande repercussão. Ou seja, a união de dieferentes compostos culturais. E aí começamos a ter os primeiros contatos do que, acreditamos, se tornaria o movimento punk com uma sociedade de consumo. Aonde quer que os Dolls tocassem, seria o lugar que o movimento estaria. ‘‘Foi uma das raras vezes em que o lugar da moda era de fato o lugar certo para se estar.’’ – Afirma Leee Childers, fotógrafo e posteriormente funcionário da MainMane, gravadora que levou os Dolls para a Inglaterra. (MCNEIL, 2006, p. 161). O começo do interesse da mídia pelo movimento punk é necessário em nosso estudo. A maneira como se moldou a cobertura, saindo do âmbito artístico e partindo para os valores sociais da sociedade nos coloca de frente a estudos de formação da cultura e de como a relação entre cultura e consumo (por parte da mídia) é formada. Aqui começamos a nos aproximar do conceito de cultura do consumo, como atuante na ligação entre os valores do movimento e da sociedade. “Cultura do consumo é um termo contraditório para grande parte do pensamento ocidental moderno. A expressão chega até nos repleta de ironia.” (SLATER, 1997 p.67). Tal ironia passou a ficar mais explícita com a chegada do New York Dolls em Londres, com cobertura midiática e pública nunca antes alcançada pela banda. No retorno aos Estados Unidos, a banda retornou com prestígio de personalidades 13 como Bob Gruen, fotográfo especializado em bandas, voltavam fascinados dos shows cada vez mais originais e reais. “O grande lance dos Dolls é que eles eram as mesmas pessoas dentro e fora do palco”, afirmou o fotógrafo (MCNEIL, 2006, p. 179). Tal fato será abordado no projeto em meio à análise da sociedade de espetáculo, que promoveu seus ídolos em estágios olimpianos e, que ao encontrar uma contracultura como o movimento punk, tem tal valor invertido. O ídolo passava a ser aquele que também era humano, que era palpável, que mostrava que aquilo poderia ser feito por qualquer um que quisesse. Com a saída do empresário dos Dolls, Dani Miller, a banda passou a ser representada por um inglês, recém-chegado de Londres, onde havia uma boutique chamada Sex, Malcom McLaren. Tendo observado o efeito causado pelo New York Dolls em Londres, Malcom enxergou na banda uma oportunidade para representar alguns de seus ideais e projetos comerciais. Os Dolls começaram a excursionar pelos Estados Unidos, mas o grande assédio seguia sendo em Nova Iorque. Foi em um dos shows em Nova Iorque, que Richard Hell e Tom Verlaine assistiram maravilhados ao espetáculo e decidiram que também queriam ter sua banda. Juntos eles formaram o Television, que logo ganhou espaço e começou a abrir para os shows dos Dolls, impressionando McLaren. (MCNEIL, 2006, p.224) Punk em Londres - por Giovanna Gebrim 14 O Television precisava de um local para se apresentar e, depois de reuniões seguidas, decidiu-se que seria em um bar chamado CBGB’s7, que mal recebia shows na época, e foi escolhido por ser uma opção barata e que aceitava os públicos do Television, jovens punks. O local recebeu lotação máxima numa série de seis fins de semana em que a banda realizou shows. Eram uma novidade as roupas rasgadas e o cabelo curto e espetado que Richard Hell apresentava, acompanhada de uma antipatia para com o público, assumida pelo baixista (Hell). A partir de então, jovens inspirados pelo que viam no CBGB começaram a aparecer em bandas, e uma delas foram os Ramones. Com músicas de um minuto, jaquetas de couro e jeans rasgados e um vocalista de dois metros de altura, os Ramones começaram a ocupar a cena com o Television dentro do estabelecimento que era o centro da cena em Nova York. (MCNEIL, 2006, p.265) Os Ramones eram compostos por Joey, Johnny, Dee Dee e Tommy inicialmente. Dee Dee, que compunha todas as letras, era usuário constante de drogas pesadas, muitas vezes durante os shows e foi visto como o primeiro dos modelos dos jovens ditos punks. O autor da revista que trouxe o termo de volta, Legs McNeil, descreve após ir a um show dos Ramones no CBGB, “foi naquela noite em que tudo aconteceu” (MCNEIL, 2006, p. 269). A concepção, imagem do rock’n roll, tinha uma nova definição e isso motivou muita gente a fazer o mesmo. Gerou também muita controvérsia, pelo suposto gosto de Dee Dee por nazismo, gosto compartilhado por muitos dos músicos da cena (como Ron Asheton dos Stooges e Sid Vicious, dos Sex Pistols), que, no entanto, se diziam apenas interessados, não simpatizantes. Dee Dee afirma: ‘’Veja, toda cultura dos anos 70 era baseada em ser “legal”, você tinha que ser legal. Não foi por acaso que as carinhas de smiley viraram símbolo dos anos 70. Então quando os Ramones cantavam que eram Nazis, na verdade estavam dizendo: Nos recusamos à sermos legais” (MCNEIL, 2006, p. 305). A mídia especializada encarava um grande mistério ao assistir a cada show dos Ramones. 7 Casa de shows em Nova York que abrigou os primeiros shows de Television e Ramones e se tornou icônica no movimento punk. 15 Tem a ver com encenação e tática de choque… Mas é isso que fez a coisa ser tão interessante, você não conseguia escrever uma análise, você não sabia que p*** estava acontecendo, estava acontecendo muito rápido. ” (MCNEIL, 2006, p. 322-323). – afirmou Lester Bangs, editor da revista 16 e que realizou diversas análises de discos da época, como o renomado ‘’ Kick out the Jams’’ (disco da banda MC5, de Detroit, contemporânea dos Stooges) Ao mesmo tempo, os New York Dolls começaram a entrar em conflito, o posicionamento político dado pelo empresário Malcom McLaren não se adequou ao dos integrantes, o guitarrista Johnny Thunder e o vocalista Dave Johannsen brigaram e a banda teve seu fim. Vemos aí a primeira tentativa intencional de introdução de contextos políticos dentro do movimento punk, que foi falha, a banda não se identificava com o ideal passado pelo empresário. O movimento perdia e ganhava membros com o passar do tempo. Sendo essa uma característica das tribos modernas, das quais falaremos mais no decorrer do próximo capítulo, no caso do punk tais características se aliaram ao fato do movimento ser auto-destrutivo, com alto consumo de drogas e violência, fazendo com que a rotação de membros se acelere, como pode ser visto na letra de Richard Hell em “The Blank Generation”- “I belong to the blank generation and I can take it or leave it each time/Eu pertenço à geração vazia e posso sair e entrar a hora que eu quiser.” (Tradução nossa) Tal frase nos traz a análise comportamental, com a qual iremos conectar os conceitos da sociedade de consumo, sob olhar de Baudrillard (1929-2007), analisando também a efemeridade, como defende Bauman (1925) em sua obra “Vida para Consumo”. Bauman (2007) defende a ideia de que a atual sociedade, pós-moderna, apelidada de “Sociedade do Efêmero” possui um fluxo de informações e signos tão intensos que conceitos se formam e se rompem com velocidade, aumentando assim, por exemplo, o número de bandeiras levantadas por jovens que, com acesso a diferentes ideologias e conceitos, não permanece em nenhum por muito tempo. Se somarmos isso ao já intenso estilo de vida dos punks, percebemos que a rotatividade é essencial para a disseminação do movimento. Malcom McLaren decide então partir de volta para a Inglaterra, levando aquela cena (punk) que achou nos Estados Unidos e inspirado principalmente na imagem de Richard Hell, baixista do Television, a quem Malcom diz que: “O que eu trouxe foi isto: a imagem daquela coisa angustiada e estranha chamada Richard 16 Hell. E essa frase, “the blank generation”. O movimento vai se tornando palpável, conduzível. Somando o comportamento visto nos Estados Unidos, à cultura de moda que McLaren tinha em sua boutique, chamada Sex, um grupo de jovens que começava a se destacar foi procurado pelo empresário. Eu era apenas esse sujeito estranho com aquele sonho louco. Estava tentando fazer com os Sex Pistols o que fracassara ao fazer com os Dolls. Estava pegando as nuances de Richard Hell, a veadagem pop de NY Dolls, a política do tédio e misturando tudo para fazer uma afirmação, talvez a minha afirmação final. E irritar aquela cena rock n roll, era isso que eu estava fazendo. – McLaren (MCNEIL, 2006, p.322) Os Sex Pistols traziam a combinação de tudo que a cena já tinha visto, e em seus primeiros shows já causaram um impacto tremendo na imprensa: Nesta lista havia um nome – os Sex Pistols, que significavam todos os tipos de coisa pra mim. Ele surgiu a partir da ideia de uma pistola, uma pin-up, uma coisa jovem, um assassino com visual legal – uma pistol de sexo. E lancei essa ideia na forma de garotos que podiam ser considerados maus era perfeito, especialmente quando descobri que esses garotos tinham a mesma raiva que eu. E possivelmente podiam me ajudar a continuar sonhando e me fazer recusar pra sempre a volta pro que me aterrorizava – a normalidade. – McLaren. (MCNEIL, 2006, p.317) Patrocinados por uma grande empresa, os Pistols partiram em direção aos Estados Unidos, onde encontrariam seus grandes ídolos, os Ramones. Ao chegarem o impacto foi grande: Foi muito bizarro, porque, a medida que os Pistols seguiam a viagem pela América e a histeria era transmitida pelos telejornais todas as noites, garotos em Los Angeles, e imagino que no resto do país, estavam subitamente se transformando, comalfinetes, cortes de cabelo espetados e feiura.” – Bob Gruen. (MCNEIL, 2006, p.422) Também foram alvo intenso da imprensa, seja para elogiar o impacto da chegada seja para noticiar envolvimentos da banda com a polícia. Porém dentro da cena americana a chegada da versão inglesa do punk não foi bem vista – “Punk se tornou algo ingles, popular e perdeu seu sentido original. Saiu dos músicos e passou 17 a pertencer à cultura de massa, indo contra seus ideiais iniciais.” – Jerry Nolan – baterista do New York Dolls. (MCNEIL, 2006, p.425) A rejeição à própria contracultura é característica do movimento punk. Á medida que o tempo se passa, novas gerações são confrontadas por gerações anteriores, por romper com os valores antes estabelecidos, fato esse também presente à juventude de maneira geral: Calcule o tempo médio que leva para ser substituído a geração anterior pela nova vida pública e especialmente em encontrar o ponto de partida natural, onde passamos a fazer, no curso da história, uma ordem judicial apropriada para começar a contar. (MANNHEIM, 1967, p.195) Na volta para a Inglaterra a banda fez uma entrevista com Bill Grundy – apresentador de televisão inglês – que gerou manchetes como “O horror e o escândalo dos Sex Pistols” e, segundo o empresário Malcom McLaren foi o momento em que o punk rock foi reconhecido pela cultura de mídia e à sociedade em geral. Grupo de Punks - por Giovanna Gebrim Neste momento tornamos nossa reflexão para os conceitos referentes a tal cultura de mídia e principalmente a sociedade de consumo por trás. Enxergando o consumo pela ótica de Baudrillard (1998), o analisamos sob dois aspectos: como 18 processo de significação e comunicação, ou seja, como maneira, linguagem de expressão da sociedade, analisado de maneira estrutural; como processo de classificação e de diferenciação social, onde os objetos de consumo representam e compõem uma hierarquia, refletindo tal valor diante do consumidor, podendo valer como significantes sociais, como a cultura, abordada nos tópicos anteriores diante do movimento punk e de toda expressão contida no público ao se vestir de maneira semelhante e da banda ao rolar em vidro, há uma expressão por trás. Também vale ressaltar na análise que o consumidor, no ato de consumir, não se enxerga se diferenciando socialmente, mas sim como maneiras de se libertar e se posicionar dentro de um sistema, uma hierarquia já estabelecida. Baudrillard nos apresenta a visão de que uma sociedade pautada na abundância e no mito da felicidade, que condiz em enxergar a prosperação de todos como objetivo e necessidade, tem como consequência a criação da desigualdade. (BAUDRILLARD, 1998, p.23) É necessário para que tal sistema se mantenha vigente que haja uma taxa de desigualdade presente. Daí tornamos o olhar e analisamos tais não beneficiados nas condições do sistema e de como se expressam parte de tais membros. E também como idolatram certas mensagens expostas por pessoas do grupo desfavorecido, como o fã punk ao ver uma mensagem de confrontação dos valores vigentes em “Anarchy in the U.K.”, da banda Sex Pistols. A cidade, como centro da produção social é, segundo o autor, um grande centro influenciador da tal visão desigual, visão do crescimento de todos a ritmo de uma minoria. Com grande projeção de informação, violência, publicidade e mensagens culturais, o ser urbano se projeta em direção ao consumo e tem sua moral influída de diferentes signos. Cidades como Londres e Nova York, com a evolução de tal sociedade foram se tornando e concentrando diferentes culturas e níveis de julgamento e percepções, como os jovens que frequentavam The Factory, com interesses em comum, consumindo diferentes substâncias e informações. (MCNEIL, 2006, p.31) Ao investigarmos o aspecto da juventude como componente da contracultura e presente na sociedade de consumo, temos a seguinte análise de Baudrillard: A sociedade de consumo é ainda a sociedade de aprendizagem do consumo e de iniciação social ao consumo – isto é, modo novo e 19 específico de socialização, em relação à emergência de novas forças produtivas. (BAUDRILLARD,1998 p.47) Podemos enxergar a forte incisão da juventude em torno de um caminho de consumo que lhes abrace desde a primeira instituição. A juventude de baixa renda, raivosa, influenciada pelo consumo daquele seu ídolo, que se baseava em violência e drogas, fazia com que a chegada do jovem ao movimento punk fosse quase que natural em algumas vizinhanças, como investigaremos sob o olhar de Manheim (1967) e Barbosa (1995). Para englobar tais conceitos, como a juventude, as grandes cidades e a desigualdade, abordademos em seguida o que discorreremos durante o segundo capítulo, que é a contracultura e sua representação dentro do movimento punk. De acordo com o Doutor em Comunicação e mestre em Antropologia pela UFRJ, Carlos Alberto Pereira, o termo contracultura começou a ser abordado na década de 1960, pela imprensa americana que desejava analisar a existência de uma cultura marginal, avessa à vigente, que se alimenta do que o autor chama de “doenças de nossa cultura tradicional” que geram opressão e então a expressão daqueles que se sentiram oprimidos em torno disso, a contracultura. O autor também afirma que é determinante para a contracultura a visão juvenil, que procura novos caminhos e encontra novas mazelas. A contestação dos valores se dá no interior da família, no comportamento patriarcal e também em outros centros sociais, como escola, igreja e música. Música que é nosso caso de estudo, forte canal expressional e inspiracional. Crescendo diante do desdobrar do american way of life, os nova iorquinos possuíam em sua infância uma cartilha de valores que se tornou altar do ódio despejado diante da música punk. O conteúdo musical era de fácil acesso, visto que nesse caso o expressar era um rebater dos valores morais. Com o cenário aquecido por beatniks8 e hippies9, a contracultura já era algo imagético dentro da juventude americana, que viu no punk sua versão mais intensa e violenta. Juventude essa que “explicitavam, cada vez mais claramente, a ênfase na busca não apenas da liberdade, mas fundamentalmente do prazer” (PEREIRA, 1995 p.29) – tendo na contracultura punk um exemplo de tal procura. 8 9 Movimento social-literário do final dos anos 1950 que pautava o antimaterialismo. Movimento social que pregava contra os valores contemporâneo, como capitalism e guerras. 20 O uso excessivo de drogas e relações sexuais demonstravam um desejo de prazer intenso e instantâneo, ao lado do posicionamento contra-cultural que se apresentava em shows e outras manifestações. A música, representada pelo rock’n roll em tal caso, foi uma ferramenta utilizada para a aproximação do público juvenil com a contracultura. “Foi, finalmente, este som do rock‘n roll que acompanhou e embalou o dia-dia de uma juventude que então começava a descobrir a força e o alcance de seu potencial de contestação.” (PEREIRA, 1995 p.35). Após o movimento hippie, no final dos anos 1960, a sociedade analisou sua contracultura como morta, como afirmava John Lennon em sua canção God ‘”O sonho acabou, o que eu posso dizer”10. Coube ao punk trazer de volta a visão de vida para tal sociedade, a contracultural. (PEREIRA, 1995 p.37) Dessa forma iniciamos tal projeto, com uma aproximação dos temas que serão tratados nos capítulos a seguir, de forma mais detalhada e analítica. A análise dos respectivos valores e a interação ou não dos mesmos será discorrida. No primeiro capítulo partiremos dos conceitos da sociedade de consumo, cultura de consumo e da inserção dos valores do movimento punk diante de tal cenário. 1.2 – Objeto O objeto escolhido para análise neste projeto é o consumo punk. O que e como consome o punk, com base em seu consumo cultural, que será expressado por entrevistas de profundidade com simpatizantes do momento. 1.3 – Problema A questão problema analisada se apresenta de tal maneira: como se constitui o movimento punk em meio a uma sociedade de consumo? 1.4 – Objetivo Geral 10 Disponível em: http://letras.mus.br/john-lennon/79778/traducao.html 21 Temos como objetivo geral em nosso projeto a missão de compreender como os ideais do movimento punk coexistem com os ideais da sociedade de consumo. 1.5 – Objetivos Específicos Para que então seja possível tal compreensão, foram escolhidos três objetivos específicos. São eles: 1. Investigar a relação entre comunicação, práticas de consumo e movimento punk. 2. Refletir sobre a relação entre indústria cultural e a produção musical punk. 3. Entrevista em profundidade com membros do movimento 1.6 – Metodologia Para desenvolvermos todo processo de análise será realizada uma pesquisa multimetodológica. O composto dela utilizado no projeto foi adotado a partir de uma análise de cada objeto específico, que corresponde aos capítulos que discorremos: No primeiro deles, que tem como intuito a investigação da relação entre comunicação, práticas de consumo e o movimento punk, serão estudadas obras bibiliográficas, como Sociedade de Consumo (BAUDRILLARD, 1998); Cultura do Consumo & Modernidade (SLATER, 1997) que se dedicam em detalhar tais conceitos, para então ser estudado o papel do movimento punk, a partir das obras Please Kill me (MCNEIL, 2006) e em O que é Punk (BIVAR, 1982). Para o segundo objetivo específico nos apresentaremos diante do conceito de indústria cultural, através de estudos bibliográficos de autores como Theodor Adorno (1903-1969), Max Horkheimer (1895–1973) e Gabriel Cohn (1938-), que colaboraram para a definição do conceito de indústria cultural. Em seguida será analisada a inserção da produção musical punk, através da análise discursiva de obras produzidas pela banda Sex Pistols. 22 Para o terceiro e último objetivo específico serão realizadas entrevistas em profundidade, para que possamos alinhar e relacionar aquilo que foi pesquisado bibiliograficamente com a vivência e opinião de membros do movimento. Foram escolhidos 3 entrevistados, com experiências diversificadas dentro do movimento, que nos trouxeram um campo de referências e análises para reflexão. 1.8 – Quadro Referencial Teórico Indústria ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do Cultural esclarecimento: fragmentos filosóficos. p. 11-17; p. 99-139. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. TEIXEIRA, José. O que é Indústria cultural. p. 11-18. São Paulo: Brasiliense, 1993. PUTERMAN, Paulo. Indústria Cultural: Um conceito em agonia. p, 916. São Paulo: Perspectiva, 1994 Movimento MCNEIL, L; MCCAIN,G.. Please Kill me. Grove Press. 2006. Punk BIVAR, A.. O que é Punk. São Paulo: Brasiliense. 2002 Sociedade BAUDRILLARD, Jean. Sociedade de Consumo. Sage. 1998 de consumo BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin (orgs). Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: FGV, 2006. BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo. Zahar. 2007. SLATER, D. Cultura do consumo & modernidade. São Paulo, SP: Nobel, 2002. ROCHA, Everardo. Sociedade do Sonho: Comunicação, Cultura e Consumo. Mauad Editora. 1995 Contracultur ROSZAK, Theodore. The Making of a Counter Culture. Doubleday. a 1969. 23 PEREIRA, Carlos Alberto M. O que é contracultura. Brasiliense. 1983 MORIN, Edgar. Cultura de Massas no Século XX - Vol. 1 - Neurose. Forense, 2009 Juventude MANNHEIM, K. “O problema da juventude na sociedade moderna”. In: Diagnóstico de nosso tempo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. ABRAMO, H. Cenas juvenis: punks e darks no espetáculo urbano. São Paulo: Ed. Scritta, 1994. Do It MORAN, Ian P (2010) “Punk: The Do It Yourself subculture” Social Yourself Sciences Journal: Vol 10 http://repository.wcsu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1074&context= ssj 2 – COMUNICAÇÃO, PRÁTICAS DE CONSUMO E O MOVIMENTO PUNK Neste capítulo discutimos o primeiro de nossos objetivos específicos, que consiste em “refletir sobre a relação entre a comunicação, as práticas de consumo e o movimento punk”. Para tal, recorremos principalmente nesta etapa à pesquisa bibliográfica, articulando autores como Baudrillard, Barbosa, Slater e Pereira, que refletem sobre conceitos como sociedade de consumo, cultura do consumo, construção de identidade e contracultura. Para que possamos entender o comportamento presente no movimento punk a análise de tais temas é essencial, partindo do preceito de que, como pertencente a uma cultura, produz signos que são consumidos e representados dentro do movimento. A transformação da sociedade a partir do final do século XIX, a necessidade de expressão da mesma e a maneira como as práticas de consumo são abordadas serão assuntos retratados em tal capítulo. 24 2.1 – A sociedade de consumo e a criação de identidade Para darmos início a compreensão das características da sociedade de consumo devemos nos voltar às origens, às transformações que deram lugar ao que hoje entendemos como sociedade de consumo. Para tal análise iremos abordar dois pontos - quando ocorreu e o que ocorreu, para a sociedade ser caracterizada como tal. Nos voltamos ao período pré-revolução industrial, ao final do século XIX onde ocorrera uma revolução comercial, que originou a criação de uma demanda para que a revolução industrial, com seu modo de produção acelerado, pudesse ocorrer. (BARBOSA, 2004, p.14-15) Séculos antes, devido à expansão territorial ocidental, houve a chegada de novos produtos, tidos como especiarias, vindas do oriente. Tal demanda, coberta por temperos e produtos manufaturados fomentou o crescimento do comércio e deu espaço para o que viria a ser a revolução industrial. (BARBOSA, 2004, p.15). Com a formação de um mercado que vai além das necessidades básicas humanas, o consumo se tornou diferenciado e sendo acompanhado de mudanças substanciais na maneira de como consumiam. A passagem do consumo familiar para o consumo individual, dando poder de compra a pessoas antes não atuantes no mercado fez com que a produção acompanhasse tal ritmo e se propusesse a atuar em abundância, dando uma projeção ao produto que ia além de suas funcionalidades (BARBOSA, 2004, p.19). Na sociedade de consumo contemporânea as necessidades adquirem uma nova plasticidade, que nos eximem de justifica-las por referência a qualquer critério. O prazer que elas proporcionam lhes confere legitimidade. Na sociedade de consumo o consumo é o seu próprio fim, sendo assim autopropulsor. (BAUDRILLARD, 1998, p.77). Porém até os anos 1980, os estudos relacionados à atuação da sociedade como consumidora eram vistos apenas pela ótica econômica e não inspiracional e social. O consumo passara a ser uma forma de expressão, não antes analisada. A existência de uma insaciabilidade no ser humano, que tende a consumir sempre mais e de maneira natural, foi uma das características analisadas para justificar a entrada do consumo como instituição social. (BAUDRILLARD, 1998, p.68) 25 A ampliação da presença de imagens no cotidiano social, seja em conteúdos midiáticos, novos comércios e a busca por lazer formou um sistema de consumo, hierarquizado, onde cada artefato consumido de posicionava. Porém ressaltaremos dois pontos, que sob nossa visão vão de encontro à formação posterior do movimento punk. O crescimento do individualismo, tirando o consumo da família e passando para o indivíduo e a transformação do consumo baseado na tradição em consumo de moda. Ambos os fatores pluralizaram o potencial de consumo da sociedade, tanto para mais pessoas como para mais fins. O consumo se diversificava e atingia novas necessidades, novas demandas, logo atendidas pelos produtores. A substituição do status como definidor do consumo para renda também foi importante para tal diversificação. A nova estruturação social era abrangente e mais efêmera. Tendo a renda como variável principal, o consumo se torna mais democrático, produzindo para os mesmos significantes, diferentes significados. (BARBOSA, 2004, p.23) Tornamos o olhar então para as diferentes facetas que o consumo assumiu na sociedade. Sob análise de Baudrillard, enxergamos duas atuações do consumo: - Como processo de significação e comunicação, onde expressa algo diante do consumidor e é usada para que o consumidor se comunique com outras esferas sociais. - Como processo de classificação e diferenciação social, onde os signos ganham ordem e proporcionam a diferenciação entre aqueles que o consomem. Alvo de análise estratégica social. Mesmo o consumidor não colocando o produto como alvo da hierarquia, mas sim como expressão emocional, o mesmo possui um sistema independente que o posiciona. (BAUDRILLARD, 1998, p.59-60) Sob o segundo olhar, o consumo se posiciona como uma instituição social, provendo diferenciação e identificação, simultaneamente. Práticas sociais, valores culturais, ideias, aspirações e identidades são definidas e orientadas em relação ao consumo ao invés de e para outras dimensões sociais como trabalho, cidadania e religião entre outros (BARBOSA, 2004, p.29) 26 Ao mesmo tempo que se busca diferenciar-se consumindo algo, como no caso de nosso projeto com o movimento punk e seu consumo musical, estético e ideológico, cada um dos pertencentes se alinhava a outros padrões. “Os bens sempre podem significar identidade social, mas nos processos flúidos de uma sociedade pós-tradicional, a identidade parece ser mais uma função do consumo” (SLATER, 1997, p.37) Faz parte de sua característica de sistema englobar diferente vertentes e transformar conflitos em diferenças, ganhando abrangência. É a formação de personalidade a partir do consumo de signos. Em tal relação somos ativos. Temos no consumo a linguagem de nossas emoções, podendo transmitir através de um corte de cabelo ou roupa utilizada, algo que nos identificamos. “A diferenciação pode então assumir a forma da recusa dos objetos e da recusa do consumo.” (BAUDRILLARD, 1998, p.95) Trazendo para o cenário punk, ao rejeitar as convenções existentes, ao causar o choque a partir de signos interpretados de outra maneira, como no caso da utilização da suástica nazista, que, desviada de seu usual sentido, era absorvida de maneiras diferentes por cada pessoa, causando espanto e identificação. Tal alternância de sentidos a partir do contexto e conteúdo do interpretante é uma característica da sociedade do consumo. Necessidade do indivíduo em se diferenciar (através do consumo) e assim acaba se similarizando a outros modelos. (BAUDRILLARD, 1998, p.72) A utilização de produtos para além de sua função original e funcional é vista no movimento punk através de alfinetes usados nas orelhas, roupas rasgadas e outros acessórios prensados a jaquetas. O corpo humano se tornou alvo intenso da expressão de identidade através do consumo. Como bem exclusivo de cada um, diferentes abordagens do corpo passam a expressar mais e mais signos, tornandose uma face importante do consumo e alvo de diferentes mercados. (BAUDRILLARD, 1998, p.136) São signos, componentes de uma cultura hierarquizada e exterior a quem a use. A reciclagem de tais significados é constante, transformando o que é “ser um punk” e atrelando o movimento a características superficiais e materialistas. Em tal sistema de signos podemos observar outra característica que proporcionou a análise de nossa sociedade atual como a do consumo. A substituição da moda de pátina, ou 27 seja, baseada na tradição, nos valores passados, para a moda contemporânea, que efêmera, se prende ao presente e constrói novos significados a cada instante. Com o chamado efeito trickle-down, que é a absorção de valores pautada na ideia de que a partir do consumo de classes mais altas, tal consumo naturalmente atingirá as outras classes, a moda contemporânea desliza das camadas produtoras e quando chega a camadas mais baixas já se encontra modificada. (BARBOSA, 2004, p.21) O movimento punk que foi visto nos Estados Unidos em seu início, por volta de 1976, quando chegou a Inglaterra, em 1977, já possuía diferenças e não era mais identificado como genuíno por aqueles que o viram em seu início. (MCNEIL, 2006, p.425). Tal reflexo nos mostra o grau de efemeridade sofrido pela cultura atual. Com maior alternância de produtos o ciclo de vida do mesmo caía e o consumo se acelerava, como vemos até hoje. A sociedade de consumo se estabeleceu e ainda sofre transformações. Para trabalharmos a questão da efemeridade dentro do movimento devemos analisar como a formação da identidade foi se alterando e como ela é expressada na sociedade atual. Tendo inicialmente uma configuração Iluminista, antropocêntrica e fixa, o ser humano era tido como uma figura unificada, com interesses claros e um núcleo de informações que pouco se alterava durante sua existência, dependente totalmente do ser e não do meio. (HALL, 2006, p.3) Porém com os avanços dos estudos sociológicos no século XX, logo tal análise se modificou, passando a tratar a identidade como a interação entre o ser e a sociedade na qual ele vive, uma resposta que damos a aquilo que nos é apresentado. Assim a identidade além de definir o ser, define o meio no qual ele se insere. Com a chegada da modernidade, ampliação das fontes de informação e contestação das estruturas estabelecidas, se percebeu uma troca rápida e constante das pessoas em relação a aquilo com que se identificam, tornando a relação sermeio mais complexa e variável. Com os meios se alterando repetidamente as identidades foram se pluralizando, muitas vezes se tornando paradoxais e concomitantes. (HALL, 2006, p.4) Trazendo para o cenário de formação do punk, quando tais ampliações e renovações dos signos sociais se acelerava, o movimento tem por característica tal efemeridade. Mesmo tendo ideais sólidos e ativos, seus membros transitavam entre outros grupos e o movimento punk e o próprio movimento se reformava. Por 28 exemplo, com a chegada dos Sex Pistols aos Estados Unidos, a cara do movimento no país se alterou profundamente, passando a ter na moda seu principal componente e trazendo dúvida para os punks americanos sobre o que era o movimento, mudando a cara do que era ser punk. (MCNEIL, 2006, p.233) Ao aliarmos tais pontos ao fato da juventude ser o componente principal de todas as contraculturas, vemos que a mudança, a transformação é intrínseca ao movimento, e a evolução do mesmo só se dá por tais transformações. (HALL, 2006, p.4) Para entendermos melhor a relação entre juventude e formação de identidade, entraremos na questão das tribos e neo-tribos, e como tais conceitos foram se renovando e como o movimento punk se encaixa dentro deles. Tendo como referência a obra de Maffesoli (1944), enxergamos como tribos pequenos grupos presentes na sociedade, com interesses e ideais semelhantes. Com a presença da cultura de massa e a multiplicação das fontes de informação, as pessoas passaram a se identificar com grupos de signos que passaram a definir as tribos, como o movimento punk. Tal surgimento bate de frente com a teoria de que o individualismo se espalha na sociedade, pregando então que as pessoas buscam cada vez mais a identificação com algum grupo. Porém como já discutimos, a efemeridade dos signos sociais é grande, e com isso a troca de integrantes entre tribos também. Mesmo muitas vezes sendo contraditória a assimilação de certos valores, um punk pode compactuar com valores skinheads, que pode compactuar com valores do heavy-metal. (MAFESOLI, 1998, p.108) Esta liberdade é que permite a efemeridade das tribos e a troca constante de membros entre cada uma. Na pós-modernidade, com a ampliação ainda maior de signos podemos ver o paradoxo do pertencimento. Ao mesmo tempo em que o jovem (na maioria das vezes) se identifica com alguma tribo, ele já se diferencia dela por outros consumos, sendo assim pertencente a diferentes tribos e diferentes grupos sociais. Tal fenômeno é abordado por Mafesoli como socialidade, ou seja, o pertencimento a diferentes tribos que vai definindo a identidade de cada um, e não mais apenas uma. (MAFFESOLI, 1998, p.108) Além disso ocorre uma mudança na forma como o ser dialoga com os signos, já que com a expansão das tribos o ser passa a escolher a qual quer pertencer, como no caso do punk, e não mais é taxado de acordo com suas condições, como a 29 análise por classe social, na qual independe da vontade do ser o pertencimento, sendo do estudioso o poder de decisão. (MAFfESOLI, 1998, p.111) A questão estética também é abordada, vista como algo concreto dentro das abstrações do ideal de cada tribo. No punk, com ideologias contrariadas, com o surgimento no underground e a passagem para o mainstream muitos punks deixaram de se identificar, porém o visual se mantém até hoje, sendo assim um dos marcos do movimento e o mesmo se aplica a diferentes tribos, que usam de signos estéticos para fortalecer sua ideologia. (MAFFESOLI, 1998, p.108) Temos assim uma compreensão de como, dentro da sociedade de consumo, a criação de identidade se promoveu e como influenciou os movimentos contraculturais que se passaram no último século. Entraremos então na questão da cultura do consumo, da maneira como a sociedade lida com ela e como ela se desenvolve em cada um de nós e nos grupos sociais pertencentes, inclusive o punk, que mesmo sendo contracultura, é consumido e se apresenta como cultura. 2.2 – A cultura do consumo como cultura contemporânea Tendo a compreensão do surgimento da sociedade de consumo e de como o consumo desempenha seu papel dentro da sociedade, nos movemos para a cultura que vem sendo criada em volta do consumo e como a mesma se expressa dentro da sociedade com papel institucional e reflexivo do comportamento social. A cultura do consumo, diferentemente do consumo em si, é singular e específica. Além disso está ligada a valores e práticas que ajudam a definir nossa sociedade. Tem como característica a autocriação, ou seja, um processo no qual se renova constantemente a partir de si mesma, através de novas modas e tendências. Com o passar do tempo o método de consumo em massa foi substituído, se aliando a ideais individualistas, a marketings de nicho e públicos específicos. (SLATER, 1997, p.32-35) O controle das principais instituições, como a mídia, são fatores relevantes em tal autocriação individualizada. Se alcançam mercados globais que atendem a diferentes interesses através de conexões comunicativas e materiais que facilitam o compartilhamento de informações. (SLATER, 1997, p.38) 30 Porém ao mesmo tempo que enxergamos tal cultura como fonte de expressão da sociedade, a vemos como detentora da diferenciação existente na sociedade, que é responsável pela manutenção da mesma como pilar social. (BARBOSA, 2004, p.35). Bens materiais como não apenas utilidades, mas maneiras de comunicação dentro da economia cultural. Além disso termos como oferta, demanda, competição e monopólio passam a operar dentro do estilo de vida, através dos bens culturais. (BARBOSA, 2004, p.32) Na cultura burguesa pós revolução comercial o fenômeno encarado é o do operário, além de fabricante dos produtos, agora atua como novo consumidor. “Além disso, é o comércio que fornece muitas das novas imagens e conceitos por meio dos quais aquela sociedade é compreendida”, ou seja, signos que refletem o comportamento da sociedade e são responsáveis por sua produção. (SLATER, 1997, p.18). Com o enfraquecimento de outras instituições sociais, como a Igreja e a família, o consumo, atuante não só em sua funcionalidade, mas também na formação de uma linguagem e construção de identidade assume o papel de cultura vigente. Se forma um ciclo, onde a cultura do consumo produz e é reproduzida constantemente. A disseminação dos valores sociais de mercado para a sociedade em geral ocorre primeiramente porque o próprio consumo se torna um foco crucial da vida social... e em segundo lugar porque os valores da cultura do consumo adquirem um prestígio que encoraja sua extensão metafórica a outros domínios sociais (SLATER, 1997, p.42) Diante de tal cultura transformadora observamos o surgimento do movimento punk. Seja em Nova Iorque, Detroit ou Londres, a diferenciação causa pelo movimento, tanto por sua postura agressiva como por sua composição musical mais enxuta e direta, o movimento foi ganhando espaço dentro da própria mídia de massa, que até o surgimento do movimento, promovia valores opostos ao que viria a ser ressaltado. No entanto, com o viés efêmero que a cultura do consumo apresenta, a novidade logo foi tida como notícia e abordada pelos canais proprietários da notícia. (MCNEIL, 2006, p.462) Em tal ponto é interessante trazer outra característica da cultura de consumo. Aquele que a consome não se enxerga como consumidor, mas sim como uma personalidade a ser preenchida por emoções e valores (SLATER, 1997, p.33). No 31 caso do movimento punk a cena se repete. O início do movimento é livre de qualquer posicionamento político, porém a maneira como seus significados foram abordados acabou posicionando o movimento contra a cultura vigente. (MCNEIL, 2006) Vemos então a maneira como o consumo passou a representar uma expressão do ser humano. Através do consumo e do não consumo, nos posicionamos contra e a favor de conceitos e políticas. Assim o consumo se abrange para todas as esferas sociais, como na política onde o consumo ou não de certos signos indica determinado posicionamento. Se abrange também a um valor cívico, onde se consome com a noção de que é necessário para que a economia avance. (BAUDRILLARD, 1998, p.82) A sociedade se ensina através do consumo, onde a pessoa se torna consumidor e passa a ter voz onde antes apenas certas camadas possuíam acesso. A produção musical, antes exclusiva de profissionais, vê no movimento punk tal característica. Passa a ser possível a produção de signos e significados de qualquer parte. O querer se expressar passa a ser a única exigência e assim o consumo se propaga e se difere, mas sempre criando modelos a serem seguidos. Tais modelos, controlados de forma monopolista por grandes mídias, são constantemente renovados, e aqueles que não se adaptam são superados. (SLATER, 1997, p.38) O confrontamento de uma cultura de consumo é um dos principais conteúdos do movimento punk. Porém tal pensamento, que enxerga um paradoxo entre os termos “cultura” e “consumo” é anterior ao movimento. Estudiosos como Jean Baudrillard (1998) e Don Slater (1997) tocam o ponto, com a análise de que o termo cultura ao qual sempre estivermos expostos tem em sua própria etimologia a questão do culto, da tradição, que vão no caminho contrário ao consumir, ao efêmero. A tradição de cultura e sociedade surge em oposição à sociedade comercial moderna, atacando sua racionalidade formal, seu materialismo e seu egoísmo, assim como o vazio e a banalidade cultural de seus grandes deuses, o “interesse individual” e a “utilidade” (SLATER, 1997, p70) Ou seja, uma cultura que promova a transformação constante, o consumo e absorção de signos reproduzidos a cada instante vai contra os conceitos 32 tradicionais. E por isto mesmo que substitui tais conceitos, se torna orgânica. (SLATER, 1997, p.69) Porém outra visão apresentada nos mostra que o consumo é, no entanto, democrático, por oferecer a diferentes camadas sociais o acesso à cultura e o molde de significados para as respectivas realidades. Mas a hierarquia presente em tal sistema, em tal cultura é fixa e está sob poder daqueles que a reproduzem inicialmente. A igualdade oferecida pelo consumo é rapidamente rejeitada por aqueles que estão no topo da pirâmide, nos levando a um próximo ponto estudado, a contracultura que surge da negação de uma cultura vigente. Contracultura esta também consumida, também com valores e hierarquias claras. (BAUDRILLARD, 1998, p.80) 2.3 – Contracultura e o movimento punk Com o entendimento da função do consumo em nossa sociedade e da cultura em torno dele construída nos dirigimos a compreender como a desigualdade existente no sistema gera valores contrários, valores combatentes a cultura vigente, mas que muitas vezes acabam englobados pela mesma. Para isso entendemos contracultura como “certamente propiciada pelas próprias doenças de nossa cultura tradicional. Tais doenças condicionaram seu surgimento, como um antídoto, ou anticorpo, necessário à preservação de um mínimo de saúde existencial.” (PEREIRA, 1983, p.34) Dentro do contexto de uma cultura de massa já existente e atuante, as aparições de contradições dão espaço a criação constante de contraculturas, que apresenta A tendência à despersonalização da criação, à predominância da organização racional de produção (técnica, comercial, política) sobre a invenção, à desintegração do poder cultural. No entanto, essa tendência exigida pelo sistema industrial se choca com uma exigência radicalmente contrária, nascida da natureza própria do 33 consumo cultural, que sempre reclama um produto individualizado, e sempre novo. (MORIN, 2009, p.15) Vemos então que a concentração monopolista das diferenças produz modelos a serem seguidos e, portanto, marginaliza outros, que quando articulados podem tanto serem vistos como resistência, também como – especialmente dentro da sociedade do consumo – como complementar, como uma renovação a ser utilizada. (BAUDRILLARD, 1998, p.95) Tal ambiguidade nos faz ver a contracultura como subcultura dentro de algo maior, a cultura. Tal fato pode ser justificado pelo consumo que os pertencentes à contracultura fazem para se diferenciar, se assemelhando a outras subculturas não contrárias. (MORIN, 2009, p.133) A distinção entre subcultura e contracultura, conforme já evidenciamos, diz respeito ao fato da primeira consistir em alternativa restrita a esfera do lazer, enquanto que a segunda em uma forma global de vida. (MORIN, 2009, p.119) Temos aí um dos dilemas do movimento punk, que visto como contracultura incialmente, logo foi repercutido dentro da mídia de massa e posto ao lado daquilo que lutava contra, uma transformação de signos exterior a quem se dizia punk. Com a significação alterada muitos se desligam do movimento e passam a propor outras resistências, visto que aquela já fora “corrompida”. Com raízes artísticas, dentro do movimento beat e posteriormente com os hippies, a contracultura possui uma forte aglomeração de signos, relacionados muitas vezes ao não consumo, à recusa da cultura vigente, baseada no individualismo e na efemeridade. Porém o consumo da contracultura, como ideologia, nos mostra o quão intrínseco está o consumo em nossa sociedade, permeando até mesmo valores contrários e os re-transformando para que passem a serem aceitos na mídia de massa e na sociedade em geral. É o uso de valores já existentes na sociedade de consumo, transformando seus significados. Temos um exemplo na busca de identidade libertária, vista primeiramente dentro da sociedade burguesa, com a não aceitação aos valores dos feudos, e depois reutilizada exatamente contra a burguesia, pelo movimento punk na busca pela liberdade de expressão. (MORIN, 2009, p.134) 34 Morin também nos aponta o motivo de tal insatisfação que gera a crítica à cultura de massa. “A crítica radical tem por objetivo o estatuto residual e superficial destes valores sua incapacidade de assumir a vida cotidiana e de interessar todo o ser”. (MORIN, 2009, p 135) Analisaremos a contracultura a partir da crise social que invadiu a cultura de massa nos anos 1950. Com um cenário pós-guerra, a insatisfação diante de uma cultura modelada foi proclamada pela juventude, para onde tornaremos o olhar. Assim como no surgimento do movimento hippie, no movimento punk a juventude foi responsável por dar voz às mensagens passadas. 2.4 – Juventude como cerne da contracultura Tratando da adolescência, temos no período analisado uma grande transformação. “Na maioria das sociedades históricas, a ausência da escolaridade e a precocidade do trabalho fazem da adolescência uma realidade mais ou menos clandestina privada de estatuto cultural” (MORIN, 2009, p.137) Transformação essa que caracteriza a adolescência. Dividida entre o mundo da infância e o mundo adulto, confrontado por ambos valores, tende a apresentar e representar a revolução, a ressignificação de valores antes não contestados. (MORIN, 2009, p.139) 35 Punks em Festival - por Giovanna Gebrim Vemos assim a ponte existente entre contracultura e juventude. Por exemplo, é de dentro da cultura de massa, mais especificamente do cinema Hollywoodiano, que nascem os primeiros símbolos idealizados pela juventude insatisfeita. Porém a identificação deixa de ser com heróis e passa a ser com vilões, ou mesmo antiheróis, que, jovens, representam a insatisfação e o tédio que tal camada populacional passava. (MORIN, 2009, p.138) Com tal relevância da juventude, passamos a mergulhar em como juventude e contracultura se entrelaçam, tendo como cenário o mesmo pós-guerra, no início dos anos 1950, onde os meios de comunicação se difundiam trazendo informação para as mais diversas camadas populares, e entre elas, a juventude. O 36 individualismo idealizado faz com que tais informações comecem a traças modas novas, desapegadas do que era tradicional e inovando a cultura, muitas vezes quebrando com seus valores. “Descrente do futuro e desencantada com o presente, o que tentava criar era um mundo alternativo, underground, situado nos interstícios daquele mundo desacreditado.” (PEREIRA, 1983, p.22) Tendo tal acesso aliado à difusão das universidades, que se compunham essencialmente de jovens de classe média alta e promoviam a discussão dos valores atuais. Com isso estava criado o ambiente para o surgimento de uma cultura avessa à cultura de massa, combatente de seus ideais e valores. Esta realidade se apoia sobre uma recusa fundamental, explícita ou implícita, de alguns dos valores mais sagrados e prezados por aquela cultura. (PEREIRA, 1983, p.22) E a contestação de tais jovens também inova da maneira de se expressar, fugindo de contextos políticos tradicionais e indo para outras formas de manifestação, como a música, que através de movimentos como o hippie e o punk, trazia mensagens de conotação política, de insatisfação, através de bandas, como no caso do punk, os Sex Pistols e The Clash, entre outras. Mas não era apenas no interior da família que o jovem se constituía num foco de contestação. O mesmo acontecia na escola, nos campi universitários, na música, nas manifestações de rua, em grandes movimentos sociais... (PEREIRA, 1983, p.23) 2.5 – O consumo de arte dentro da cultura de massa Relacionada à expressão humana e pertencente a contracultura, a arte tem dentro da sociedade de consumo transformações em seu modo de reprodução. Os signos representados dentro de uma pintura ou canção, signos relacionados a objetos, pessoas ou situações, signos consumidos a cada execução são constantemente ampliados e realimentados. O objeto atrelado a arte, excede o homem, se ampliando ao sistema cultural formado por seus signos, elementos autônomos de uma análise de espaço. Com isso, se a sociedade de consumo é pautada em si própria, sem contestação, a arte condizente da mesma só pode existir como cúmplice de tal sistema, por isso trazem 37 os objetos em sua forma “real”. Vemos aí a pop-art, representada por Andy Warhol, um dos primeiros incentivadores do movimento punk. Warhol retratava o consumo, objetos cotidianos, midiáticos, sobre uma diferente visão, fazia a ponte entre arte e consumo e por isso sofreu críticas, referentes à quebra da visão sagrada da arte. (BAUDRILLARD, 1998, p.121) “A lógica do consumo elimina o estatuto sublime tradicional da representação artística.” (BAUDRILLARD, 1998, p.122) Porém em uma sociedade de retratos e imagens, o que retrataria a arte senão a cultura vigente? Seja de forma crítica ou não, cabendo mais uma vez ao contexto e conteúdo daquele que a recebe. Ambas teorias convivem no cenário de discussão, uma vez que não podemos generalizar o consumo, uma vez que, mesmo sendo padronizado, é único a cada vez que é realizado. Assim como no punk, a sinceridade e transparência das obras aponta para nada mais que o retrato de uma sociedade espelhada em si própria, com autocríticas consumíveis, fato semelhante em diferentes contraculturas, como no movimento beat e sua representação nos cinemas através de James Dean, que trazia o combate a aquilo que vinha sido pregado, mas inserido dentro do mesmo cenário, consumindo signos da mesma maneira. Durante os anos 1970 a revista High Times foi a primeira a trazer a cultura hippie e alternativa à mídia impressa, fazendo assim uma voz para a contracultura dentro da cultura de massa. Tanto a revista como uma revista de fofocas poderiam ser encontradas num mesmo estabelecimento, pondendo serem consumidas da mesma maneira. (BAUDRILLARD, 1998, p.125) Analisamos em tal capítulo a maneira como a sociedade se pauta sobre o consumo, sendo qualificada como sociedade de consumo e produzindo um sistema de linguagens e expressões pautadas no consumo dos mais diversos signos, que são efêmeros e auto propulsores, se retro-alimentando e produzindo diferentes significados exteriores ao ser humano e hierarquizados dentro de tal sistema. Investigamos também a atuação da contracultura, como resultado de uma cultura monopolista e pautada nos interesses da massa. Exemplos como o movimento punk, analisado mais a fundo em nosso projeto, nos mostram que o consumo está tão disseminado que mesmo em tais contraculturas, com valores anticonsumo, acabam sendo consumidas e produzindo novos significados. Por fim analisamos a 38 produção artística dentro de uma sociedade de consumo, retratando os mais repletos signos e por isso sendo vista como vazia de sentido. Porém investigamos que é natural, dentro de uma sociedade de imagens, que as mesmas sejam fonte de análise e criação. Partiremos a seguir para um estudo de como a Indústria Cultural permeia a sociedade de consumo e como o movimento punk se relaciona com tal conceito, com seus respectivos paradoxos e valores. 3. A INDÚSTRIA CULTURAL E A PRODUÇÃO MUSICAL PUNK Neste capítulo abordaremos o conceito de indústria cultural, como ferramenta de análise da produção de arte dentro de nossa sociedade, para que então possamos entender como o punk se configurou dentro da mesma. Partiremos incialmente de uma análise de qual é a proposta, as críticas utilizadas em referência ao termo, para após isso adentrarmos o universo musical e a forma de produção impulsionada pelo movimento punk, o Do it Yourself11. 3.1 – A indústria cultural e sua relação com o punk O termo indústria cultural começou a ser utilizado em 1947, através da obra de Adorno, O Iluminismo como mistificação das massas, para criticar uma maneira de consumo que se tornou presente na sociedade após o período pós revolução industrial, no fim do século XIX, onde a sociedade de consumo estabelecia sua cultura de massa. Promovendo um consumo padronizado e de longo alcance, tanto populacional quanto em meios de produção, logo o consumo da arte se transformou, se assemelhando ao consumo de outros signos, se generalizando e tendo o viés comercial, do lucro, como propósito final. Dentro da obra de Adorno e Hockheimer,a leitura de indústria cultural nos leva à perda de algo humano dentro da arte - “A cultura passa a ser vista não como instrumento livre, expressão, crítica e conhecimento, mas como produto trocável por dinheiro e que deve ser consumido como se consome qualquer outra coisa” (COELHO, p.11, 1999) 11 Ideologia de consumo pautada na produção própria da arte, sem dependência externa, propaganda através do movimento punk 39 Para entendermos tal visão, temos que nos atentar a alguns fatos que ocorriam na época. Com a transformação nos meios de produção, promovido pela revolução industrial e o alcance em massa da informação, que ocorreu com o surgimento da televisão e a populrarização do rádio, criou-se uma economia de bens de consumo, que, associada a uma sociedade de consumo, criaram uma cultura de massa, com o apego à padronização e a modelos de produção. “A cultura contemporânea a tudo confere um ar de semelhança”(ADORNO;HOCKHEIMER, 2002, p.7) Tudo passa a ser visto como algo a ser consumido e logo a arte passa pelo mesmo campo, quebrando com seus valores iniciais sagrados e se tornando de mais fácil acesso, nos trazendo dois tipos de análise, um alienante e outro integrador. O alienante, tratado por Adorno e Hockheimer como o único, nos traz o viés da padronização como aceitação de uma realidade imposta e um não questionamento dos valores. A cultura passa a agir como ferramenta de manobra para que a sociedade siga padronizada, com seus ciclos de consumo. Com isso a arte passa a ter a ideologia do lucro como única e perde sua razão expressiva de existência. E ainda tal postura comercial é imposta, e como possui longo alcance, força a participação do modelo, asfixiando outras expressões que, numa indústria capitalista, não consegue sobreviver. A arte sai do povo e para na mão de diretores e presidentes de empresas. Adorno e Hockheimer acreditavam que, em sociedades antigas, as artes nasciam espontaneamente do povo; na sociedade controlada pela organização empresarial de grande porte, apagava-se essa forma de criar” (PUTERMAN, 1994, p.16) Porém com o passar do tempo outras análises foram sendo feitas, para retratar qualquer processo de transformação de um bem social em mercadoria. Porém nem todas tem apenas o viés negativo, como a de que a cultura de massa integra o ser a aquilo que ele vive. Esta teoria toca o lado da democratização da informação e da informação como método de análise do próprio ser humano, servindo assim de exercício para a evolução social e do intelecto do ser. Dentro de tal visão, a transformação do bem em mercadoria é natural e não asfixis ou aliena aquele que a consome necessariamente (ADORNO;HOCKHEIMER, 2002, p.8) 40 Para entendermos a visão crítica de Adorno e Hockheimer devemos mergulhar no contexto vivdo por ambos estudiosos. Formados nos conceitos da Escola de Frankfurt, um projeto da Universidade de Frankfurt que estudava a sociologia dos séculos XIX e XX com enfoque na comunicação de massa, ambos traziam a crítica a mesma com base nos fenômenos ocorridos principalmente durante o Nazismo, onde a propagação da comunicação em massa teve grans conquistas, que levaram o país a endossar uma mensagem passada por uma fonte única, assim como no caso de grandes grupos midiáticos que controlam a produçãoo de informação mundialmente. Aliando tais conhecimentos a estudos Marxistas, sobre alienação e imperialismo, os estudiosos de Frankfurt contestavam as mudanças sociais recentes e os caminhos que a produção e controle da informação tomavam. Com a expansão do nazismo ambos autores se mudaram para Nova Iorque, onde encontraram um modelo de sociedade diferente mas que também se encaixava e contribuía para seus estudos. Com o american way of life, um modelo de comunicação governamental em massa pós guerra que implantou exemplos de comportamentos dentro da sociedade norte americana, se desdobrando e produzindo seus efeitos, ambos autores vivenciaram de perto o contato da arte com tal pensamento em massa. Ligados principalmente a indústria fonográfica incialmente, ambos perceberam uma transformação que alienava a maneira como o cidadão e a cidadã recebia o conteúdo artístico. Passando depois também ao cinema, que representava bem tal produção em modelos e a reprodução em massa e em diferentes contextos, a crítica foi se firmando até chegar no conceito de indústria cultural que apresentamos no início do capítulo, ou seja, transformando expressões sociais e mercadorias. Olhando de maneira mais genérica podemos perceber que as relações sociais em geral passaram a serem pautadas ou recheadas pelo consumo. De bens, de informação, de arte, o consumo atua como fato social e intrínseco à sociedade, porém de maneira desigual e sem trazer a tona as principais mudanças sociais que enfrentamos. Temos então nas contraculturas, e em nosso caso de estudo, o movimento punk como algo que também contesta tais relações e opressões, fazendo com que entre na própria indústria cultural a crítica a ela mesma. 41 A partir de tais análises, e focando no punk como objeto de estudo dentro da indústria, podemos retirar camadas de análise, primeiramente com a música, que agora reproduzida instantaneamente, sem a necessidade do autor em cada execução e com seus cenários e contextos saindo de orquestras e passando por comerciais de cerveja, ganhou uma universalidade, que gerou diferentes combinações e inovações, além de permitir o acesso à música para mais pessoas. Ao mesmo tempo, com a produção sendo mercadoria, direcionada pela venda, pela procura, e não mais exclusivamente pelo artista, a música perde em crítica e análise, uma vez que tudo passa a se assemelhar. No domínio da música, o interesse pela execução viva dos artistas passava para segundo plano, uma vez que poderia ser substituída pela execução mecânica. (PUTERMAN, 1994, p.11) Dentro da música chegamos ao rock, gênero que se formou juntamente com movimentos contraculturais que combatiam tal visão alienadora da indústria cultural. Tendo surgido como oposição, num período pós guerra onde as estruturas sociais se mostravam frágeis e opressoras, logo foi também fagocitada pela indústria e passou a funcionar da mesma maneira que o tão questionado pop, com produções milionárias, influência das gravadoras e de empresários. Estando dentro de um sistema consolidado, o rock é consumido diariamente, mesmo mantendo seu aspecto ideológico e imagético de contracultura forte. Analisemos então como uma sub cultura, que mesmo sendo contrária, é uma delas, como tratamos anteriormente ao definirmos a contracultura. Funcionando como um ciclo, logo o combate à postura mercantilizada do rock apareceu dentro do próprio rock. O movimento punk trouxe ideologicamente uma resposta ao negócio que havia se tornado ao rock. Discorreremos a seguir a maneira como a forma de produção fomentada durante o movimento punk foi combativa, inspiratória e como a mesma acabou se tornando o que combatia, sendo consumida e reproduzida como um bem de consumo. 3.2 – Do It Yourself: A produção musical punk 42 Dentro de um cenário de grandes produções, muito dinheiro e glamour, o rock nos anos 1970 passou por uma transformação, surgida a partir de uma insatisfação. Cansados de todo o ritual mercantilizado envolvido na produção das músicas e principalmente graças ao afastamento entre artista e público, o movimento punk trazia como mantra a simplicidade sonora, que assim voltaria a democratizar a música e conectá-la de volta com a juventude. O conceito Do It Yourself (faça você mesmo; tradução própria) trazia como mensagem a independência que cada artista poderia ter para compor suas obras seus discos e seus shows. “D.I.Y. is a social movement as well as a mobilization of resources that support the core of the punk subculture.12” (MORAN, 2010) O movimento excedeu a música e se tornou uma manifestação social, uma quebra com a maneira massificada que havia se firmado. Dentro da música, a quebra com grandes gravadoras, acompanhada de uma fuga das características vigentes da época, como músicas longas, com longos solos, trouxe ao movimento punk uma cara nova, com uma energia visível e que chamava a atenção de quem a ouvia. “Era muito óbvio o que a gente estava fazendo no rock & roll – estava levando-o de volta pra rua” (MCNEIL, 2014, p.162) Com esta nova percepção da música e o consumo da juventude, o DIY se espalhou e passou a criar um mercado próprio que permitiu a propagação da cultura punk. Editoras e gravadoras independentes, casas de show de pequeno porte e principalmente um conteúdo especializado deram corpo ao movimento e ainda hoje são responsáveis pela manutenção da sub-cultura. (MORAN, 2010) Através do movimento DIY, conseguimos enxergar a relação de quebra que o punk estabeleceu com a cultura de massa. Com a criação passando a ser própria, se desapegando da ideia de massificação que é comum em nossa sociedade, o punk deu uma voz nova e uma voz que teve sua própria divulgação e consumo. “The D.I.Y. record labels and independent press reinforce the social networking which allows the subculture to survive.13”(MORAN, 2010) E isso se manteve mesmo após o movimento, principalmente musicalmente, se assemelhar ao que vinha lutando contra. Mesmo com grandes bandas punks 12 "D.I.Y é tanto um movimento social quanto uma mobilização de recursos que fomenta a cena sub cultural punk" (tradução própria) 13 "As gravadoras D.I.Y e a imprensa independente sustentam a rede de contatos que permite a sobrevivência da subcultura." (tradução própria) 43 aderindo a grandes gravadoras e turnês mundiais, bandas de menor fama se mantinham independentes, e ainda se mantém, assim como outros movimento hoje em dia que, partindo do pensamento DIY, produziram sua cultura independentemente. “Being able to produce and distribute ideas and art without the interference of major corporations seems to be the main idea within the punk subculture.”14 (MORAN, 2010) Porém o fato das grandes bandas punks terem se assemelhado ao restante, ao mercado mainstream, é um dos paradoxos mais visíveis dentro do movimento e que nos faz analisar o quão isso pode ser relevante e como certas bandas, como Sex Pistols, ao representarem o movimento e se venderem ao capital, mostram a efemeridade dos valores com os quais vivemos, uma vez que, mesmo tendo o visual estético punk, já não representavam seus ideais. “Punk se tornou algo ingles, popular e perdeu seu sentido original. Saiu dos músicos e passou a pertencer à cultura de massa, indo contra seus ideiais iniciais.” (MCNEIL, 2014, p.425) A crítica constante, que pode ser considerada uma característica da pós modernidade e que traz a transformação rápida e efêmera do movimento era feita principalmente de dentro do movimento, das alas mais politizadas que prezavam pelos ideais do movimento. A força de tal ala foi verbalizada pelo movimento DIY. (MORAN, 2010) Mas ao lembrarmos das características da cultura de massa conseguimos entender o porque de tais bandas terem cedido à cultura de massa. Ela fagocita outras culturas marginais, quase que naturalmente, na medida em que a mídia retrata e que os empresários analisam a tal segmentação como representativa e não atendida. A partir de então passa a ser interessante para o mainstream atender a subculturas. Vai além da vontade ou não do movimento em integrar-se, o que se comprova pela continuidade do movimento DIY mesmo o punk se tornando um bem de consumo e da visão de que para muitas bandas, para manter-se saudável, precisavam aderir à cultura de massa. (MORAN, 2010) Devemos notar que, em uma sociedade onde os movimentos contrários (contraculturais) acabam sendo englobados pela cultura de massa, aquilo que ele deixa de legado para a sociedade é o que o diferencia. É o caso do ativismo 14 "Sendo capaz de produzir e distribuir arte e ideias sem a interferência de grandes corporações parece ser a ideia principal dentro do movimento punk." (tradução própria) 44 ecológico vindo juntamente do movimento hippie e é o caso do movimento DIY dentro do punk. O movimento DIY passou então a inspirar todo um comportamento, tanto de artistas como de fãs, trazendo assim de volta a tal conexão que vinha se perdendo. Crianças criando suas próprias camisetas, bandas marcando suas próprias tours, ações que traziam a autonomia de volta à via artista-público e tirava o foco de grandes empresários e seus negócios. É um fato representativo dentro de uma indústria cada vez mais massificada e controlada por poucas mãos. E foi um começo do que hoje temos no movimento indie e até na internet, que também proporciona tal autonomia para o indivíduo, não necessitando se atrelar ao corporativismo. Com a chegada dos anos 1980 e a queda de fama e interesse do mainstream no movimento punk, aquilo que havia sido criado independentemente foi necessário para que muitas bandas ainda tivessem onde tocar, onde gravar suas canções e o público tivesse onde e como ficar sabendo das novidades de suas bandas favoritas. E não ficou só no movimento punk, passando para gêneros como New Wave e o Hardcore, que aproveitaram tudo que havia sido criado no final dos anos 1970. (MORAN, 2010) O movimento DIY também foi responsável por grande parte do caráter político que o punk agregou a sociedade. Além da mensagem que bandas como The Clash promovia, contra o imperialismo e a opressão a camadas pobres, o ato de se recusar a fazer parte da cultura de massa e produzir seu próprio conteúdo foi o que levantou a bandeira política do punk e seu posicionamento ideológico. “Even if The Ramones did not understand the original nature of their rebellion, it has influenced the D.I.Y. punk subculture drastically.15” (MORAN, 2010) Para que possamos ter um entendimento maior do que foi vocalizado através do punk, analisaremos a seguir um conjunto de obras da banda Sex Pistols, uma das principais e mais influentes bandas punks, que traziam a instatisfação em suas letras, mesmo que depois tenham se alinhado aos interesses capitalistas. Até por isso se torna interessante a reflexão, para que possamos averiguar tal paradoxo. 15 "Mesmo que os Ramones não tenham entendido a origem natural de sua rebeldia, ela influenciou drasticamente a subcultura punk D.I.Y" 45 3.3 – Sex Pistols: A expressão dos valores punks liricamente Neste sub capítulo realizaremos uma análise discursiva de um dos canais de expressão mais marcante e famoso do movimento punk, uma análise lírica de quatro músicas da banda Sex Pistols, lançadas em seu álbum Nevermind the Bollock’s Here’s the Sex Pistols, em 1977. Entendemos tal ferramenta, segundo Severino (1941) como “Análise de informações constantes de um documento, sob forma de discursos pronunciados em diferentes linguagens” (SEVERINO, 2007, p. 121). Uma vez que o material analisado ainda não fora trabalhado anteriormente, cabe a nós colhermos as informações relevantes e ordená-las em um material que fomente a discussão proposta. Sendo assim analisaremos tanto a questão epistomológica dos termos usados quanto a conexão com o contexto que circulava a banda quando compôs as canções. (SEVERINO, 2007, p.121) “ As linguagens, a expressão verbal, os enunciados, são vistos como indicadores significativos, indispensáveis para a compreensão dos problemas ligados às práticas humanas e a seus componentes psicossociais” (SEVERINO, 2007, p. 121) Para que a análise realizada seja relevante ao trabalho, uniremos à interpretação dos fatos o conhecimento já adquirido e o conteúdo bibliográfico já abordado anteriormente. “ Para compreender – como se propõe a análise de discurso – o leitor deve-se relacionar com os diferentes processos de significação que acontecem em um texto.” (ORLANDI, 2003, p. 70) As mensagens passadas através das letras compostas por Johnny Rotten expressavam os ideais e pensamentos cotidianos da juventude inglesa da época. Portanto o material analisado é visto como documental “análise de documentos organizacionais, governamentais ou mesmo de um indivíduo que ainda não tenham sido trabalhados nesse sentido” (ALMEIDA, 2010, p. 34) Ou seja, mesmo que as letras já tenham sido ouvidas e interpretadas por fãs e críticos, o viés acadêmico de análise, baseado, justificado e integrado ao trabalho é inovador, conectando a análise a uma abordagem documental. Além disso escolhemos obras que conversassem diretamente com instituições sociais como o Estado, a Igreja e até mesmo uma gravadora musical. As canções escolhidas foram Anarchy in the U.K (letra em anexo), Pretty Vacant (letra em anexo) e E.M.I. (letra 46 em anexo). A seguir compreenderemos melhor cada uma e suas correlações com aquilo que o movimento expressava. Para que possamos traçar uma linha clara com o diálogo de sociedade de consumo, vamos nos focar no viés do consumo como criador de identidade, e da identidade como um conjunto de signos consumidos. "Como processo de classificação e diferenciação social, onde os signos ganham ordem e proporcionam a diferenciação entre aqueles que o consomem. "(BAUDRILLARD, 1998, p.59-60) Primeiramente trabalharemos com a canção Anarchy in the U.K, primeiro single da banda e que alcançou maior fama, sendo considerada pela revista Rolling Stone a 56ª melhor canção de todos os tempos. Em tempos de instabilidade política, ela traz como tema a promoção da anarquia, a força de uma juventude insatisfeita, que, dentro de um país monárquico, buscava promover seus ideais antes escondidos. É a voz da contracultura que atingiu a cultura de massa. Mesmo que a voz já existisse, era restrita ao cenário underground, não antes tendo sido popularizada. Além disso é visto um tom irônico sobre a Anarquia em si, sobre as ações tomadas e ideias promovidos, trazendo a ideia de que algo precisava ser feito, mesmo sem se saber exatamente o que. “I'm an antichrist, I'm an anarchist Don't know what I want But I know how to get it I wanna destroy the passerby” Na primeira característica intrínseca a contraculturas e ao movimento punk em específico. A rejeição ao Estado e a Igreja com a promoção de valores contrários, em um país cristão e ligado estrofe da música já uma mensagem forte de confrontamento dos valores estabelecidos socialmente, a tradições reforçavam a mensagem “A crítica radical tem por objetivo o estatuto residual e superficial destes valores sua incapacidade de assumir a vida cotidiana e de interessar todo o ser”. (MORIN, 2009, p 135) Em seguida uma análise interessante da postura idealista da banda, que afirma “Não sei o que quero, mas sei como o quero”, ou seja, um desejo pelo confronto, pela quebra, porém sem uma resposta pronta, demonstrando que aquilo 47 não era um posicionamento político radical, mas sim uma manifestação social de quem via uma sociedade de valores enfraquecidos e precisava se expressar, é o viés transformador que soma contracultura à juventude, dentro de uma sociedade efêmera também em constante mudança. “Anarchy for the U.K. It's coming sometime and maybe I give a wrong time, stop a traffic line Your future dream is a shopping scheme” Os versos seguintes tomam tons de ameaça, atitude bastante presente nas canções punks e nas reinvidicações sociais juvenis, trazendo a tona que a juventude iria se mexer, que existia uma força que ameaçasse o sistema vigente. E no último verso temos a representação daquilo que o punk vê na sociedade em geral. E mais irônico é o que viria a acontecer com a banda, que se envolveu com diversos esquemas comerciais após o sucesso. Is this the M.P.L.A. or Is this the U.D.A. or Is this the I.R.A.? I thought it was the U.K. Or just another country Another council tenacy Em seguida Johnny Rotten entra de vez na questão política. Citando grupos armados de resistência de outros países, Angola, Irlanda do Norte e Irlanda, respectivamente, o punk projeta um cenário de conflitos que a insatisfação juvenil traria ao Rein Unido, continuando o tom de ameaça e se aliando a valores contrários aos da sociedade, que via tais grupos como terroristas. Mais um ponto de expressão contracultural. “A diferenciação pode então assumir a forma da recusa dos objetos e da recusa do consumo.” (BAUDRILLARD, 1998, p.95) A canção foi lançada ainda em 1976, quando o movimento começava a se firmar e a imagem da banda aparecer em jornais e programas de TV. O excesso de atitude tanto da letra quanto dos acordes foi responsável por consolidar a imagem da banda e a transmitir ao mundo pelas primeiras vezes o que foi o movimento punk. 48 A segunda obra que analisaremos será Pretty Vacant, canção lançada em julho de 1977, quando os Sex Pistols já tinham sua fama consolidada por toda Inglaterra. A canção trata da figura do punk visto como vagabundo, onde ao demonstrar sua indiferença, o punk se afirma. Com isso conseguimos enxergar partes da identidade punk, sua maneira de ver e reagir ao mundo e suas ambições. A identidade dentro da sociedade de consumo é a afirmação do ser, o reflexo dos signos que o mesmo consome, e no caso do punk, a expressão de tal identidade contracultural, do vagabundo, é uma forma de mostrar a contrariedade. “Os bens sempre podem significar identidade social, mas nos processos flúidos de uma sociedade pós-tradicional, a identidade parece ser mais uma função do consumo” (SLATER, 1997, p.37) There's no point in asking us You'll get no reply Oh, just remember, I don't decide I got no reason it's all too much A abertura da canção, também contida de ironias, traz a visão que o jovem tinha de si próprio em uma sociedade que ainda não o dava voz. "Oh, apenas se lembre, eu não decido; eu não tenho razão, tudo é demais". É um mundo alheio ao jovem que estava se encerrando, o jovem agora possui voz e poder e podemos perceber isso exatamente pela proporção que músicas como esta tomaram. Don't ask us to attend Cos we're not all there Oh don't pretend Cos I don't care I don't believe illusions Cos too much is real So stop your cheap comment Cos we know what we feel 49 Rotten trata então de uma das frases mais icônicas de todo o movimento, "I don't care"(Eu não me importo) é o comportamento pregado por jovens punks diante dos valores contrários. E a partir de tal comportamento se desenrolam atitudes como o abuso de drogas e violência inclusive durante as apresentações. Um desapego geral a aquilo que é pregado como correto, buscando se opor ao usual, se expressar através do comportamento visto como ruim. Os punks tratam do usual como algo ruim. Tendo em vista o movimento como contracultura, é característica do mesmo ter como origem uma revolta com a situação vivida, com uma sociedade que exclui, um sistema que orpime. “Certamente propiciada pelas próprias doenças de nossa cultura tradicional. Tais doenças condicionaram seu surgimento, como um antídoto, ou anticorpo, necessário à preservação de um mínimo de saúde existencial.” (PEREIRA, 1983, p.34) Diz então que "Não acredita em ilusões, pois muita coisa é real" mais uma vez reinvindicando os direitos e ideais da juventude, que agora tem voz ativa e crítica diante daquilo que lhe é imposto. A relação de tais versos com a postura da banda após o lançamento do álbum nos dá o caráter paradoxal do movimento. Mesmo se diferenciando inicialmente, a banda acaba se agregando a um sistema maior e contradizendo muitas de suas frases. Partimos então para a análise da terceira e última canção, a que nos traz uma reflexão diante da indústria cultural e da maneira como o punk lidou com a indústria musical e grandes gravadoras. A canção é E.M.I, nome de uma das gravadoras pelas quais os Sex Pistols passaram, sendo que nessa a banda teve seu contrato rescindido em 90 dias, graças a imagem que a banda estava gerando. A música foi criada após a saída, e após também a saída de outra gravadora, A&M. There's an unlimited supply and there's no reason why I tell you it was all a frame they only did it 'cause of fame Who? E.M.I. E.M.I. E.M.I. Nos primeiros versos da canção a mensagem central já fica esclarecida. Uma crítica direta sobre as políticas e atitudes de uma das principais gravadoras inglesas. Tendo a gravadora como referência de um processo de produção musical e de 50 contato da música com o corporativismo, conseguimos enxergar uma semelhança entre a crítica realizada por Adorno e Hockheimer e a de Johnny Rotten. “A cultura contemporânea a tudo confere um ar de semelhança”(ADORNO;HOCKHEIMER, 2002, p.7) A diferença é que Rotten faz a crítica de dentro da tal indústria, tendo experienciado suas atitudes, enquanto os acadêmicos foram quem criaram a análise crítica diante de tal processo. We are an addition we're ruled by none ever never ever Juntamente à crítica à indústria, o letrista nos apresenta traços da identidade política do movimento, que possui ligações ideais com o anarquismo, apontando que não são controlados por ninguém, Estado, Igreja ou família, rejeitando tais instituições sociais. Além disso, no primeiro verso, confirma a visão contributiva do movimento, que é, idealmente, uma soma de indivíduos independentes. And you think that we were facking that we were all just money-making you do not think that we're for real or you would lose your cheap appeal Em seguida Rotten reinvindica a integridade do movimento, ou ao menos da banda, ao dizer que eram reais, iriam existir e agir, agradando ou não a opinião da gravadora, que na época em que a música foi lançada já havia se desvinculado da banda pela má fama que a banda adquirira no país. Trazemos então a discussão para uma análise de tal estrofe com a realidade contemporânea. Há poucos meses, o banco Virgin Money anunciou o lançamento de cartões de crédito e débito com a logomarca da banda Sex Pistols além da arte de capa do álbum da banda, Nevermind the Bollocks Here're the Sex Pistols. Ironicamente ou não, a imagem da banda fará dinheiro literalmente para os ingleses. Além disso a banda se tornou um bem consumível como qualquer outra banda pertencente ao mainstream, sendo possível encontrar desde camisetas até cartões de crédito com a estampa da banda e seus integrantes. Mas ao mesmo tempo é possível ver o surgimento de bandas punks formadas com muitas dificuldades e com expressões de liberdade em suas músicas. 51 Para que possamos trazer tal reflexão mais a dentro, partiremos para um grupo de entrevistas realizadas com pessoas conectadas ao movimento de alguma forma, que nos ajudarão na análise da relação que o movimento punk tem com a nossa sociedade de consumo. 4. ENTREVISTAS EM PROFUNDIDADE: A REALIDADE E OPINIÃO PUNK Para o quarto capítulo desta monografia iremos estabelecer uma entrevista em profundidade, que entendemos como a “ Técnica de coleta de informações sobre um determinado assunto, diretamente solicitadas aos sujeitos pesquisados.” (SEVERINO, 2007, p. 124) Tal opção pela entrevista foi escolhida uma vez que nos permite uma análise das experiências obtidas pelas pessoas selecionadas, que, possuindo uma vivência dentro do movimento punk, podem alimentar nossa discussão. Para tal, primeiramente, foi elaborado um questionário, que entendemos como “ Conjunto de questões, sistematicamente articuladas, que se destinam a levantar informações escritas por parte dos sujeitos pesquisados.” (SEVERINO, 2007, p. 125) 4.1 – Questionário: Instrumento de pesquisa 1. Qual foi seu primeiro contato com a música? 2. Quando você começou a querer tocar? 3. Como foi seu primeiro contato com o movimento punk? 4. O que você considera ser punk? 5. O que significa para você tocar em uma banda punk? 6. O que você busca expressar nas músicas que toca? 7. Você se informa sobre outras bandas do movimento? Como? 52 8. Como você enxerga o movimento dentro do Brasil? 9. Você considera o movimento punk uma contracultura ainda atuante? 10. Como você vê a relação entre o movimento aqui e lá fora. Bandas que se tornaram populares, como Sex Pistols e Ramones, mais comercializadas que as bandas daqui? 11. Como funciona o contato de vocês com as gravadoras? São independentes? 12. Como funciona a internet dentro da cultura underground da música? 13. Quem frequenta os seus shows? 14. Você acha que existem roupas punks? Um visual punk pode ser comprado? 15. Em tempos de pregação de um discurso de ódio dentro da sociedade, do não respeito a liberdade individual das pessoas, como você vê o Punk articulado em tais assuntos? 16. Você acha que a violência está presente dentro do movimento atualmente? 17. Qual a principal diferença que você enxerga entre o movimento hoje e há 10 anos? 18. Você possui ídolos dentro da música? Quem são? 19. Você enxerga uma função política no punk hoje em dia? 20. Você acha que a música punk perde seu valor ao se popularizar? 21. Como você enxerga o legado do movimento punk? 22. Você se considera punk? Se sim, porque? A seguir explicaremos a razão da existência de cada pergunta, uma vez que “ As questões devem ser pertinentes ao objeto e claramente formuladas, de modo a serem bem compreendidas pelos sujeitos” (SEVERINO, 2007, p. 124) As três primeiras questões abordam o início da relação do entrevistado tanto com a música quanto com o movimento. Colocadas logo no início, tem como intuito filtrar como cada um teve seu contato com o punk, para que mais a frente possa se entender melhor a relação de cada um com o movimento. Sendo o movimento relacionado a juventude, é necessário entender como tal conexão foi feita. Em seguida, nas três questões seguintes (4, 5 e 6) abordamos a compreensão do entrevistado sobre o movimento, para que possamos estabelecer as relações de consumo do movimento. As duas outras questões entram no âmbito 53 musical, já que os três selecionados são músicos e a música uma forma de contato e consumo do movimento. Durante as questões 7 e 8 focamos na conexão do indíviduo com outros pertencentes ao movimento. Uma vez que o movimento se configura como uma tribo, a relação entre os participantes configura uma das maneiras de expressão do mesmo. Estando cada um dos entrevistados em um ponto de referência diferente, a visão do movimento tende a se diferenciar, propiciando um diálogo de interpretações. Em seguida mergulhamos nas teorias trabalhdas durante o trabalho. Na questão 9 exploramos a noção e opinião dos entrevistados diante do conceito de contracultura, no qual reside o movimento. Uma vez em que situações paradoxais afrontam o movimento, a questão 10 trata de tal visão crítica de bandas que, representando um movimento contracultural, chegaram ao mainstream. Tal abordagem coloca os entrevistados em uma posição de análise crítica, da qual nós partiremos para realizar a nossa. Na questão 11 chegamos à relação dos entrevistados com gravadoras, um agente que concentra muitas das críticas do movimento, por muitas vezes tornar a arte um produto, como vimos nas análises de Indústria Cultural, construída por Adorno e Hockheimer. Em seguida abordamos um tema que hoje constitui uma das principais formas de consumo do movimento, a Internet. O funcionamento da mesma dentro da cultura underground nos propicia a experiência do consumo de música online, os debates que são realizados na mesma e a questão do movimento D.I.Y, que tem suas relações com a internet, uma vez que a internet propicia a produção individual de informação e a democratização da mesma, pautas tratadas pelo movimento. Nas questões 13 e 14 voltamos a questão do consumo dentro do movimento. A questão estética, icônica dentro do movimento é uma fonte de consumo que nos conecta aos signos originados do movimento. Conectada à questão do público que os entrevistados enxergam dentro dos shows, podemos obter a formação do cenário de um show punk, com seu público e aquilo que o mesmo consome. Novamente, com a diferente visão de cada um, que nos proporciona um diálogo para ser analisado. 54 Durante as questões 15 e 16 trabalhamos com a questão da agressividade e violência, fatos conectados pela mídia ao movimento e que, sob a visão interna, pode nos trazer uma outra versão, outro ponto de vista para um tema que é tratado como verdade absoluta. Para a questão 17 trazemos uma análise temporal ao entrevistado. Usando como base o conhecimento que cada um tem do movimento e a maneira como cada um o viu evoluir, utilizamos a comparação como método de análise de questões gerais do movimento. Na questão 18 abordamos um ponto específico do mundo artístico e de destaque para os punks. A questão do ídolo e da relação do indivíduo com o mesmo coloca em prova a existência de modelos de comportamento dentro do movimento, além do aspecto passional de cada um dos entrevistados, que através se signos comuns se identificam. A questão 19 traz a tona a política, componente presente desde a criação do movimento como pauta de músicas e protestos punks. Com a saída do movimento do mainstream a questão política é atuante na ideologia punk. Mas como na atualidade? Para a questão 20 voltamos a nos relacionar com os conceitos de Indústria Cultural. Fato abordado por seus principais estudiosos, a popularização da música é ainda mais icônica dentro de uma contracultura, que procura de distinguir da cultura vigente. Na questão 21 abordamos o legado punk. Ocorrendo em diferentes campos e áreas, a influência do movimento demonstra como seus signos foram levados a frente, além da importância de cada um na sociedade de consumo. Para a última questão, um aspecto geral e ponto de discussão onipresente aos indivíduos. Como se definir punk? A utilização e relação de signos funciona como ponte para identificar ou não os entrevistados com o movimento e os leva a uma abordagem pessoal e exclusiva. Através de tal questionário procuramos trabalhar por todo o campo de interesse punk e suas relações com a sociedade de consumo, tema principal de nosso projeto. Com a opinião e conhecimento de cada entrevistado será possível trazer a conclusão para todos os estudos já realizados durante tal jornada. 55 Realizamos o diálogo com membros do movimento punk, que através de suas experiências nos forneceram material para que possamos encerrar as análises propostas durante o trabalho. Foram realizadas entrevistas em profundidade com três membros do movimento, que foram escolhidos de acordo com suas vivências dentro do cenário punk. A primeira delas foi realizada com Ricardo Quattrucci, guitarrista da banda Olho Seco, uma das primeiras bandas punks nacionais. Ricardo entrou na banda há 5 anos e nos trouxe a vivência de quem está dentro do movimento como músico de sucesso e como um ídolo para vários jovens. A segunda foi feita com Victor Oliveira, ex-membro da banda Carnificina, morador de São Paulo, que nos trouxe a visão do fã, do punk paulistano e de alguém que hoje não está tão vinculado ao movimento e que traz pontos de contestação do que é o movimento para quem toca em bandas sem muita expressão. A terceira entrevista foi feita com Gerson Santana, o Bidu, morador de São Carlos, no interior de São Paulo, que nos contou sobre como é a experiência no interior e compartilhou de sua visão como músico longe do interesse da mídia. O conjunto das três entrevistas, unidas pelo instrumento de pesquisa que foi formado com base no que o trabalho apresentou, nos proporcionou um encontro de análises, relacionadas abaixo. 4.2 – A entrada no movimento e suas características contraculturais Para entendermos qual a relevância e razão da escolha dos entrevistados mergulhamos inicialmente nas razões que os trouxeram até primeiramente à música e depois ao movimento, visto que possuem realidades diferentes e motivos diferentes para o terem feito. Depois de um tempo fiquei com vontade e comprei um violão mas não queria fazer aula. Já fiz uma aula ou outra mas o grosso foi comigo mesmo. (Nas palavras do Victor) A simplicidade da música punk é uma das principais características do caráter transformador do movimento. Sem necessidade de muita teoria o fã se torna autodidata, espelhando a manifestação D.I.Y, o faça você mesmo. Com a música sendo 56 um canal de expressão juvenil, a união entre poder se expressar e o fazer com autenticidade traz o jovem até o movimento. Quando você tem uma mensagem importante a ser passada a música se torna um canal de revolução importantíssimo. E o punk sempre fez essa relação ser muito natural, por ter esse mesmo viés libertário. (Nas palavras de Gerson) Entendendo a entrada no movimento com base na sua representação musical, percebemos que apenas o início do contato foi feito com base na música, tendo os três se aprofundado nos ideais do movimento. Punk pra mim é, acima de tudo uma atitude. Uma atitude de contestar e lutar contra tudo aquilo que está errado no mundo. As injustiças e desigualdades sociais, às falacias economicas, e os abusos ecológicos que a humanidade impôs contra si mesma. Essa atitude pode se dar de diferentes maneiras, pode ser um protesto, uma música, uma ação, um ensinamento. É no campo ideológico que entendemos o caráter contracultural do movimento. Caráter este que está também presente na música, na rejeição ao usual, ao que já vem sendo feito. E a representação do que é ser punk entra em tal visão, na projeção de signos vindos do comportamento punk. Pra mim Punk Rock é mais estilo de vida, que se aplica na música. Sabe, é um ideal, uma filosofia, de você não estar encaixado num padrão. Então pra mim é, além da música, a atitude. "Eles tão fazendo isso, vamos fazer o contrário, porque eu estou de saco cheio disso. Pra mim o punk é sempre um contramovimento. (Nas palavras de Ricardo) Esta relação, entre música e ideais punks fica clara nas palavras do entrevistado ao ser perguntado sobre a atuação do movimento como contracultura. A facilidade que a música trás derrubando barreiras existentes entre quem aprecia o movimento e o músico. Sendo os três entrevistados jovens, possuem a visão pós mainstream do movimento (ocorrida no final dos anos 1970 com o surgimento de bandas como Ramones e Sex Pistols). E o principal é que acho que trouxe muita gente que não achava que seria músico a ser. Deixou a música mais humanizada, fez ser algo ao alcance de quem amasse aquilo. Como contracultura acho que é 57 a questão de ter sua voz ouvida. Para tudo, é possível você mostrar algo verdadeiro seu, algo que seja você e não um produto de outras pessoas. (Nas palavras de Victor) 4.3 – O cenário de consumo punk Tratando da relação entre o movimento e a música e sendo os três músicos, o ambiente da cena e seus pertencentes nos ajudaram a figurar melhor o cenário em que o punk é consumido, com suas conexões naturais, indicações e a relação músico - fã. E tais declarações demonstram como a integração do movimento é responsável pela manutenção do mesmo. "A partir disso você acaba conhecendo mais gente, em diferentes rolês e quando eu vi eu já fazia parte de algo que já estava presente no meu dia-dia." O caráter efêmero do movimento, motivado pela sociedade em si e pela intensidade do movimento faz com que se forme um ciclo de membros atuantes, mas a fidelidade do público e sua devoção ao movimento faz com que figuras centrais sigam sendo relevantes. Perguntado sobre a composição do movimento, um dos entrevistados nos trás tal reflexão. O que eu vejo é a galera que já está dentro da cena. Tem gente mais nova, tem tiozão, mas uma galera ativa, que cola sempre e sabe como é importante estar por dentro da cena. E aí sempre tem um outro novo, galera que começa a envelhecer, que começa a ter banda, é um ciclo que vai juntando e tirando gente. (Nas palavras de Gerson) A simplicidade musical também é ponte para que um dos principais diferenciais apontado pelos entrevistados para apontar a união do movimento E o punk tem esse negócio de não cantando e quem está assistindo, são junto, galera de outras bandas colam Existe a cena, e ela se auto alimenta, (Nas palavras de Victor) ter fronteira entre quem tá seus amigos, tá todo mundo pra dar um suporte mesmo. dessa relação mais próxima. Partimos então para a análise dos fatores que compõem o movimento, desde à agressividade e indo até a opinião dos entrevistados sobre a formação de um visual punk, fato que analisamos durante o trabalho como um dos pilares da 58 construção identitária do movimento. A visão dos entrevistados é de que a violência e a agressividade não representam o movimento, mesmo fazendo parte de suas características musicais e com a briga entre punks e skinheads. A questão da agressividade é abordada como reflexo da expressão existente no movimento, mas diferenciada da violência relacionada ao movimento. " Queria me expressar, colocava pra fora, por ser um som mais agitado, acabava sendo sentimentos mais pesados, cantava com raiva, mas uma raiva minha, um expurgo." Perguntados sobre a formação de um visual punk e sua relação com o movimento a linha de pensamentos das respostas foi uma só. Existe uma imagem estética projetada, mas que para quem é do movimento é irrelevante frente a atitude tomada. Sendo a estética uma das pricipais fontes de consumo do movimento, a rejeição dos entrevistados à mesma nos mostra a diferença entre aquilo que é imagem e aquilo que é realidade dentro do movimento. Padrão existe, mas você não precisa seguir para ser punk, e nem seguindo essa estética você vai ser punk. Não é o resultado de uma roupa, nem de um prego na tua cara, não é o grampo na bochecha que te faz punk, é sua atitude, como você enxerga a cena. (Nas palavras de Ricardo) É apontado então um adendo de relevância. Existe uma clara diferença para os entrevistados entre aquilo que a banda ou o sujeito é e aquilo que é feito com sua imagem. E tal diferença permite nos ver uma preocupação recorrente aos membros do movimento, o apego a realidade, a aquilo que realmente é feito e não apenas falado. E que todo mundo carrega o símbolo (da banda Ramones), você vai em uma Riachuelo, Marisa, e você acha aquela camiseta, o pessoal pode até usar sem saber qual é a banda, mas a banda foi punk. O que se fez com a imagem é outra coisa. A validade da questão estética nos levou a reflexão do uso da mesma como expressão. Um dos entrevistados trouxe o ponto da quantidade de maneiras (veículos e ferramentas) de se expressar. " Esteve junto no início porque era uma afronta, uma das únicas que a pessoa podia ter com a sociedade. E hoje você tem muitas outras maneiras de se expressar, expressar sua indignação, então não é o que faz o punk mais, e sim sua atitude." 59 Estando dentro do assunto estético foi natural a condução da entrevista para o consumo da música punk e pudemos ter a visão tanto do músico como do fã, de quem produz e quem consume. A devoção do público, o surgimento da internet e os canais independentes mantém o consumo da música punk mesmo sem o interesse das grandes mídias. "E mesmo quem não tem dinheiro, vejo gente pedindo uns trocados na fila, pedindo uma intera, ou gente que gasta a grana no ingresso e não tem como beber, aí um compra uma garrafa e divide com todo mundo." 4.4 – O consumo da música punk e a Indústria Cultural A mudança na forma de consumo, que antes era exclusiva a CDs e shows e agora se abrange para toda a internet nos mostra como o punk, sendo uma subcultura pertencente à cultura de massa se adapta conforme os meios de divulgação e promoção se alteram. Se mostra dependente, mesmo que não das grandes mídias, daquilo que foi criado pela sociedade de consumo. "A internet teve um papel muito importante nisso. É onde a galera toda consegue se divulgar, então acabo encontrando muita coisa lá. E dentro da internet foram várias fases, desde uma época de blog, depois fotolog e hoje tá em todo lugar." Tais mudanças não agradam a todos entrevistados. Com uma visão semelhante à trazida pelos estudiosos da Indústria Cultural, a facilidade e pluralização da produção musical é vista também como prejudicial, por tirar o valor e emoção da obra por completa, mostrando aí uma rejeição da entrada do punk nos moldes comerciais. Uma coisa é você ir na galeria atrás do disco, e procura, e não acha, e volta na semana seguinte, e no dia que você acha, parece que é uma realização pessoal, você comemora. Hoje em dia não tem mais essa emoçao, você vai no youtube e você acha tudo, Vai no Spotify e tem tudo. Dificilmente algo está por fora. A relação do punk com a sociedade de consumo pode ser trabalhada melhor sob a visão das gravadoras, da relação do músico punk com a produção da música e sua necessidade ou não de envolvimento com grandes empresas. Um dos entrevistados, Ricardo Quattrucci, guitarrista da banda Olho Seco nos explicou como funciona a produção da banda. " Quem que produziu o disco? A gente. Quem que 60 prensou o disco? A gente. Quem fez a arte? A gente. Que gravadora a gente vai atrás? Nenhuma. A gente faz isso." A razão para tal distanciamento fica clara sob depoimento dos outros entrevistados, que colocam o desinteresse e a pressão imposta pelas grandes gravadoras como principais barreiras, mais uma vez ilustrando o caráter contracultural, de combater aquilo que é imposto, dentro do movimento É muito dificil gravadora grande parar pra ouvir banda punk aqui no Brasil [...]O jeito é fazer o som independente mesmo, dentro do próprio movimento tem a galera que produz o som, com o tempo você vai conhecendo e vai descobrindo como gravar. (Nas palavras de Gerson) E vem de tal combate um dos legados do movimento, a criação de uma cena independente de gravadoras. "O punk promoveu a criação de muitas gravadoras que fizeram um trabalho diferente do que era feito." 4.5 – O movimento D.I.Y e o legado punk Abordando os legados do movimento chegamos ao tido como principal por todos os entrevistados. O movimento D.I.Y e a voz dada ao indivíduo. Além de ser visto como legado é também abordado como uma das motivações para a entrada no movimento. "O que mais me conectou foi a questão do Do It Yourself, porque me motivava a fazer algo, mesmo sem manjar, sem ser a coisa mais bonita, mas era algo seu, uma mensagem sua, nada muito aprimorado, e o punk proporcionou isso." E a liberdade propocionada pelo movimento extravaza o campo musical e até subcultural. Ao analisarmos a internet, por exemplo, enxergamos uma quebra de hierarquia da produção de informação, que antes saía de grandes centros e hoje pode sair de cada um. Esta visão é tida também como legado do movimento. " Eu acho que a atitude punk, o DIY, pode estar em todo tipo de coisa. Em negócio também, se você que banca tudo, faz por você, você tá sendo punk, acho que o Punk vem muito desse pensamento." Dentro da questão do movimento D.I.Y temos como reflexo da simplicidade e praticidade a proximidade entre público e músico. Abordando as diferenças entre o movimento punk e outros gêneros e subculturas tivemos como resposta exatamente 61 tal relação. "O punk tem 3 acordes porque isso aproxima quem está começando do ídolo do cara, o punk traz de volta essa conexão. Um cara empenhado, apaixonado, em pouco tempo consegue estar em um palco. Aproxima o público. Essa interação é a coisa mais legal que existe." Tendo os entrevistados pontos de vista diferentes, sendo um deles pertencente a uma grande banda, onde desempenha o papel de ídolo, e os outros com a visão de fã mais apurada, vemos que tal proximidade realmente existe. Tem pessoas com personalidade forte, mas tem muita gente aberta a trocar uma ideia, coisa que em outros gêneros não tem tanto. Os caras não falam com você como um ídolo, mas como um cara como você, acho que essa sinceridade difere também. (Nas palavras de Ricardo) Conseguimos então, ao tratar da imagem do ídolo, estabelecer uma conexão com a banda Sex Pistols, que, como trouxemos durante o trabalho, representou ao mesmo tempo a explosão e imagem do movimento como também um de seus principais traidores, como mostra a visão dos entrevistados. "Então, opinião pessoal, sob o Sex Pistols, eu não considero punk. Musicalmente sim, pouca nota, atitude rebelde, contra sistema, mas como você pode ser contra o sistema se está estampando um cartão de crédito? Como se você usa roupa de grife?" A traição da banda com o movimento nos mostra o viés transformador e ideológico que conduz a discussão sobre o que é ser punk. Porém a separação entre aquilo que a banda fez em prol do movimento e o que fez depois é bem clara, é uma visão consciente. E como justificativa é usada exatamente a liberdade que o movimento prega. Mas foram esses caras que criaram muito da identidade, e mesmo eles não estando presos ao punk não significa que eles não sejam importantes. Seria zoado você pregar o anarquismo e ter que se prender a regrinhas do punk. Você tem que viver como quiser e o punk é liberdade, não nenhum padrão a ser seguido sempre. Perguntamos então aos entrevistados como eles, com opiniões esclarecidas, enxergam a presença do indivíduo punk. Um balanço entre os assuntos antes tratados, como o visual punk, o movimento D.I.Y e a relação com grandes bandas. 62 Eu dou mais valor ao cara que tá na cena, mesmo estando de roupa social, depois do trabalho, pode não ter moicano porque o trabalho não permite, e ele tem conta pra pagar. Ele é muito mais punk que o garoto que sobe o moicano, pinta de verde, usa o coturno e fica ouvindo no youtube e não quer ir no show. Perguntados sobre a atuação do punk hoje dentro de questões sociais e políticas enxergamos mais uma vez a auto-crítica que pudemos observar constante dentro do movimento. Desde a época do surgimento, quando os punks ingleses eram vistos como equivocados pelos norte-americanos até os dias atuais onde a pregação de ódio gratuito é vista como vazia. "É fácil ser anarquista, não de verdade, agora é fácil, dizer que anarquia é zona, é bagunça e que você odeia o sistema sem nem saber o que é sistema. Ter opinião política sem saber de política." Fechamos as entrevistas com o quesitonamento do papel do punk na sociedade hoje, como contracultura, como música e manifestação social. Em uma sociedade vista como cada vez mais problemática e sistemática "O papel do punk é justamente questionar e mudar esse estado, por isso, acho que existe cada vez mais motivo pra se ser punk.". E tal questionamento é tido como missão do punk, que, ainda dentro da auto-crítica, não o faz da maneira correta, mas ir atrás é o que define o movimento."E isso é a diferença que vejo no Punk Rock, é buscar algo melhor, algo diferente, mesmo que em 80% da vezes seja da maneira errada, é música de protesto e isso é algo que dou muito valor. Com a soma das entrevistas ao que já havíamos analisado e pesquisado foi possível constatar a seriedade com que o movimento é tratado ainda hoje em dia, sua relevância dentro da sociedade e principalmente as relações entre a sociedade que consome o movimento punk e os ideais dos integrantes atuantes 4.5 – Conclusão Chegamos ao fim de nosso trabalho. Durante os últimos meses foram estudados e analisados bibiliografias, pesquisas e entrevistas que girassem em torno do universo punk com a visão do consumo como base. Pudemos constatar a influência que o movimento causou na sociedade e o efeito que causa no movimento. A atitude autêntica e contracultural do indivíduo punk, a chegada do movimento ao mainstream, a visão de músicos e fãs diante das relações 63 estabelecidas e o confrontamento de situações paradoxais, como a própria existência de um movimento contracultural dentro de uma cultura de massa. O movimento punk se firmou como uma oposição, tanto dentro da música, com acordes simples e músicas rápidas, como ideologicamente, com o apoio a movimentos sociais oprimidos e a recusa aos meios de produção tradicionais. O movimento D.I.Y é visto cada vez mais forte em nossa sociedade, com a produção pluralizada de informação e opinião, e o movimento punk, mesmo tendo em seus idealizadores e principais figuras uma controvérsia, mantém seus ideais claros para jovens que querem fazer algo próprio e que busca se expressar. Foi criado um contexto subcultural, com imprensa independente, gravadoras independentes e uma cena mundial que se auto-sustenta e se mantém em transformação. "A cena ainda existe, pode estar fraca, mas está lá, e não vai morrer. não precisa ter muito, precisa ter um que acredita, que leva a palavra, enquanto tiver um, o punk tá vivo, vivo pra cac*, a chama existe." A realização do trabalho nos trouxe uma visão diferenciada do movimento, proporcionou uma fuga ao senso comum para que pudéssemos nos aprofundar nas relações formadas entre o punk e a sociedade de consumo. O último ano foi de dedicação intensa para que o resultado fosse satisfatório e para que a análise fosse frutífera tanto para nós tanto para quem se interessar pelo movimento. Esperamos ter fomentado o cenário de estudo social de nossa sociedade e as relações que a arte exerce com a mesma. O movimento punk já fazia parte de nossas vidas e após a conclusão de tal projeto nossa visão se ampliou e proporcionou diversos entendimentos. A realização das entrevistas reforçou muito do que havíamos dito e a sensação final é a de ter realizado um trabalho relevante para a Escola e para o mundo acadêmico, trazendo uma visão analítica a um assunto ainda não totalmente compreendido por nossa sociedade. 64 5. REFERÊNCIAS BIBILIOGRÁFICAS ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. p. 11-17; p. 99-139. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. ALMEIDA, M. Elaboração de Projeto, Tcc, Dissertação e Tese. Atlas, 2011 BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin (orgs). Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: FGV, 2006. BAUDRILLARD, J. Sociedade de Consumo. Sage. 1998 BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo. Zahar. 2007 BIVAR, A. O que é Punk. São Paulo: Brasiliense. 2002 COELHO, J. HALL, A S. O Que identidade MAFFESOLI, M. MCNEIL, MCCAIN,G.. L; O é Indústria cultural na Tempo Cultural. pós das Please Kill 1996. modernidade. Tribos. me. Brasiliense 2006. 2006. Grove DP&A Forense Press. 2006. MORAN, Ian P (2010) “Punk: The Do It Yourself subculture” Social Sciences Journal: Vol 10 http://repository.wcsu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1074&context=ssj MORIN, E. O espírito do Tempo. Vol 1. Neurose. Forense. 2009 ORLANDI, E. SEVERINO, A. Análise de Metodologia Discurso. Pontes. 2009 Científica. Cortez. 2010 PEREIRA, C.A.M. O que é contracultura. Brasiliense. 1983 PUTERMAN, P. Indústria Cultural: A agonia de um conceito. Perspecitva. 1994 SLATER, D. Cultura do Consumo & Modernidade. 1997. Nobel WELLER, W. Karl Mannheim: Um Pioneiro Da Sociologia Da Juventude. 2007 6 – ANEXOS 6.1 – Letras Anarchy in the U.K (Anarquia no Reino Unido) I'm an antichrist, I'm an anarchist Don't know what I want But I know how to get it I wanna destroy the passerby 65 'Cause I want to be anarchy No dog's body Anarchy for the U.K. It's coming sometime and maybe I give a wrong time, stop a traffic line Your future dream is a shopping scheme 'Cause I wanna be anarchy In the city How many ways To get what you want I use the best, I use the rest I use the enemy, I use anarchy 'Cause I want to be anarchy It's the only way to be Is this the M.P.L.A. or Is this the U.D.A. or Is this the I.R.A.? I thought it was the U.K. Or just another country Another council tenacy I wanna be anarchy And I wanna be anarchy Oh, what a name And I wanna be an anarchist I get pissed, destroy Eu sou um anticristo, eu sou um anarquista Não sei o que eu quero Mas sei como conseguir Eu quero destruir transeuntes Porque eu quero ser a Anarquia Não o cachorro de alguém Anarquia para o Reino Unido Virá em algum momento e talvez Dou o tempo errado, paro o fluxo de trânsito Seu sonho futuro é um esquema comercial Porque eu quero ser a Anarquia Na cidade 66 Quantas formas existem Para conseguir o que se quer Eu uso o melhor, eu uso o resto Eu uso o inimigo, eu uso a Anarquia Porque eu quero ser a Anarquia É a única maneira de ser Isso é a M.P.L.A. ou É o U.D.A. ou É o I.R.A.? Eu pensei que fosse o Reino Unido Ou apenas um outro país Outra propriedade do Conselho Eu quero ser a Anarquia Eu quero ser a Anarquia Oh, que nome E eu quero ser um Anarquista Ficar bravo, destruir Pretty Vacant (Belos Vagabundos) There's no point in asking us You'll get no reply Oh, just remember, I don't decide I got no reason it's all too much You'll always find us Out to lunch Oh, we're so pretty Oh, so pretty vacant Oh, so pretty vacant But now and we don't care Don't ask us to attend Cos we're not all there Oh don't pretend Cos I don't care I don't believe illusions Cos too much is real So stop your cheap comment Cos we know what we feel Oh we're so pretty Oh, so pretty vacant Oh, so pretty vacant Oh, so pretty vacant 67 But now and we don't care There's no point in asking us You'll get no reply Oh, just remember, I don't decide I got no reason, it's all too much You'll always find us Out to lunch Oh, we're so pretty Oh, so pretty vacant Oh, so pretty vacant Oh, so pretty vacant But now and we don't care We're pretty, a pretty vacant We're pretty, a pretty vacant We're pretty, a pretty vacant We're pretty, a pretty vacant And we don't care Não há razão em perguntar Você não terá nenhuma resposta Oh, apenas se lembre, eu não decido Eu não tenho razão, tudo é demais Você sempre nos encontrará Saindo pra almoçar Oh, nós somos tão belos Oh, tão belos vagabundos Oh, tão belos vagabundos E a gente não se importa Não nos peça para comparecer Pois não estamos nem aí Oh, não finjo Porque eu não me importo Eu não acredito em ilusões Porque muita coisa é real Então pare com seus comentários sem valor Porque sabemos como nos sentimos Oh, nós somos tão belos Oh, tão belos vagabundos Oh, tão belos vagabundos Oh, tão belos vagabundos E a gente não se importa Não há razão em perguntar 68 Você não terá nenhuma resposta Oh, apenas se lembre, eu não decido Eu não tenho razão, tudo é demais Você sempre nos encontrará Saindo pra almoçar Oh, nós somos tão belos Oh, tão belos vagabundos Oh, tão belos vagabundos Oh, tão belos vagabundos E a gente não se importa Nós somos belos, uns belos vagabundos Nós somos belos, uns belos vagabundos Nós somos belos, uns belos vagabundos Nós somos belos, uns belos vagabundos E a gente não se importa E.M.I. There's an unlimited supply and there's no reason why I tell you it was all a frame they only did it 'cause of fame Who? E.M.I. E.M.I. E.M.I. Too many people had the suss too many people support us an unlimited amount too many out-lets in and out Who? E.M.I. E.M.I. E.M.I. And sir and friends are crucified a day they wished that we had died we are an addition we're ruled by none ever never ever And you think that we were facking that we were all just money-making you do not think that we're for real or you would lose your cheap appeal Don't judge a book just by the cover unless you cover just another and blind ecceptance is sign 69 of stupid fools who stand in line like.... E.M.I. E.M.I. E.M.I. Unlimited edition with an unlimited supply that was the only reason we all have to say good-bye Unlimited supply (E.M.I.) There's no reason why (E.M.I.) I tell you it was all a frame (E.M.I.) They only did it 'cause of fame (E.M.I.) I do not need the pressure (E.M.I.) I can't stand the useless fools (E.M.I.) Hello E.M.I., Good-bye A&M !!! Há um estoque ilimitado Não há uma razão Eu digo a você que tudo era uma armação Eles apenas fizeram isso por causa da fama Quem?E.M.I., E.M.I., E.M.I. Muitas pessoas tem o sucesso Muitas pessoas nos suportam Uma quantia ilimitada Muitos saídas dentro e fora Quem?E.M.I., E.M.I., E.M.I. E senhor e amigos são crucificados Um dia eles desejaram que nós tivessemos morrido Nós somos uma soma Nós não somos comandados por ninguém Nunca, sempre, sempre E vocês acharam que estavámos fingindo Que nós todos só queriamos dinheiro Você não acreditam que somos pra valer Ou você perderia sua atração barata? Não julgue um livro pela capa A não ser que você cubra apenas outro E aceitação cega é um sinal de trouxas que ficam na linha Como a.... E.M.I., E.M.I., E.M.I. Edição ilimitada Com um estoque limitado Esta foi a única razão Para nós todos termos de dizer adeus 70 Há um estoque ilimitado (EMI) Não há uma razão (EMI) Eu digo a você que tudo era uma armação (EMI) Eles apenas fizeram isso por causa da fama (EMI) Eu não preciso de pressão Eu não posso esperar os trouxas sem valor (EMI) Oi, EMI Tchau, A & M 6.2 – Entrevistas 6.2.1 - Ricardo Quattrucci - guitarrista da banda Olho Seco 1 - Qual foi seu primeiro contato com a música? Primeira vez, eu lembro direitinho que tinha uma loja de disco no meu bairro que era ao lado de um restaurante que minha familia comia. Isso eu tinha 5, 6 anos. Quando o pessoal ia pedir os pratos, naquela espera de chegar, eu ia na loja de disco do lado e ficava olhando as capas, não conhecia nada, e lembro que o primeiro CD que me chamou a atenção foi um do Kiss, que tinha aquela maquiagem e eu ficava pegando sempre os discos, eles tinham umas armaduras, eu adorava, cara. E acho que esse foi o primeiro contato. Comprei o CD do Kiss pela imagem, pela estética, e lembro quando começou a tocar era a música Firehouse, se não me engano, e tinha uma sirene, uma loucura, ali foi quando fodeu tudo pra mim (risadas). 2 - E interesse em tocar algo, quando foi? Eu lembro que depois do CD do Kiss, uma semana depois eu comprei o do Black Sabbath e uma semana depois o do Ozzy. Eu lembro que minha mãe deixava eu comprar um disco por semana. Eu tinha sei lá, 6, 7 anos naquela época. Chegava e perguntava "Qual tem igual a esse?" e foi assim que depois que comprei o do Black Sabbath ele me ofereceu o do Ozzy. O gosto musical veio daí, de querer tocar o que ouvia nestes cds. 3 - Como foi seu primeiro contato com o movimento punk? 71 Então, o Punk Rock veio pra mim sem eu saber que era Punk Rock. Veio com Ramones. Pra mim Ramones era uma banda de rock'n roll, eu era garoto, não sabia o que era punk, só sabia da parte estética, moicano, jaqueta, calça rasgada, coturno. E eu não via isso no Ramones. Via um bando de cabeludo, de óculos escuro, falando de romance, de amor, de música pra namorada, então eu não enxergava Ramones como punk rock. Eu fui ter essa concepção depois de entender que era um embrião, de música simples e pouca nota. Mas eu lembro que assim. Ramones era uma banda que eu gostava muito mas não sabia que era punk, talvez foi daí o início. Mas a primeira banda consciente de punk rock que eu me interessei e vi "Isso é punk, isso eu gosto"foi Misfits e Black Flag, essas duas foram a entrada, até antes do hardcore, de outras coisas, foi um divisor de águas, porque eu tava mais acostumado com rock'n roll, música comprida, e o Ramones, que na minha percepção era rock'n roll, um rock mais simples, mas o Punk Rock que entendi como Punk foi Misfits e Black Flag. 4 - O que você considera ser punk? Pra mim Punk Rock é mais estilo de vida, que se aplica na música. Sabe, é um ideal, uma filosofia, de você não estar encaixado num padrão. Por exemplo, quando o Punk surgiu, tava no auge o Rock psicodélico, progressivo, musica longa pra c*. Enquanto todo mundo tava fazendo música de 10, 15, 20 minutos, eles iam lá e faziam de 2, 1. Então pra mim é, além da música, a atitude. "A, eles tão fazendo isso, vamos fazer o contrário, porque eu estou de saco cheio disso". Então eu sempre entendi que o conceito punk era ir contra alguma massa, ou uma regra assim, "O rock é desse jeito, o rock tem que ser longo e ter solo. Não. Então pra mim o punk é sempre um contramovimento. 5 - O que significa para você tocar em uma banda punk? Então, eu, cara, eu entrei no Olho Seco porque viram vídeos meus tocando, Hardcore. Então era um pouco mais pesado, um pouco mais trabalhado, mas eu já gostava muito de punk rock. O Olho Seco eu já era fã, tinha pôster na porta e nunca 72 imaginei que iria entrar pra banda. Então foi muito engraçado. Eu recebi um email do nada, falando que iam trocar a formação e que era pra eu tirar 4 músicas. "Nada", "Eu Não sei", "Caminho Suicida" e "Isso é Olho Seco". Eu lembro que eu tirei 20 sons, porque pra mim eu já sabia, eu já tocava brincando, mas eu sempre, eu me não considero punk, hardcore, me considero guitarrista. Então eu sempre tentei aprimorar minha guitarra. Apesar de eu não querer fazer música gigante. Eu tocava Hardcore porque ele exige mais que o Punk Rock. E talvez por eles verem que eu já tinha esse treinamento, o punk rock era mais fácil de tocar pra mim. Mas não que por ser fácil seja menos importante, pelo contrário, punk rock me firmou como guitarrista. Não o Hardcore, rock'n roll, nem o Kiss, o que o pessoal olha pra mim e fala "Você é guitarrista" é graças ao Olho Seco. Isso foi graças ao punk de 2 minutos, notas simples. Então volta naquilo que te falei, não precisa fazer solo, firula, o que me define como guitarrista é estar tocando punk rock. 6 - E com o Olho Seco você já compos algo? Olha, no começo do ano que vem vai sair o primeiro disco desde, se não me engano, 1994 (Haverá Futuro) e desde então a formação do disco saiu, entrou uma outra formação que não criou nada, e faz uns 3 anos entrou outra formação, comigo, e desde que cheguei já apresentei ideias, elas foram bem aceitas, então tem três anos que a gente está compondo, mas não como prioridade, a gente tá vivendo uma agenda, que está bem grande, então até o ano passado composição não era prioridade. Esse ano, como a gente diminuiu a agenda. Na verdade esse ano a gente diminuiu a agenda para compor mais músicas. E ano que vem sai disco inédito, 14 faixas, totalmente inéditas. 7 - O que você busca expressar nas músicas que toca? Olha, eu ouço os discos do Olho Seco, logo do começo e ouço eles tocando ao vivo, o que está no disco e o que está ao vivo, já não é a mesma coisa. Entrou outra formação, o som já mudou. Então, querendo ou não, nunca teve uma linha exata a seguir. Eu quando entrei, o pessoal , como eu disse, já tinha me visto tocar, então eu dei minha cara como guitarrista, então por exemplo, eu treino bastante, de 4 a 5h 73 por dia, então eu acabo deixando o som mais preciso, sem tanta sobra, tento deixar mais reto. Mas não deixo fugir do que o som é. É punk rock, é curto, bastante distorção, bastante barulho, sem solo aprimorado, e isso pra mim são pequenas regras que eu sigo, agora, querendo ou não, desde o orimeiro guitarrista do Olhos Seco até eu, todos deixaram sua cara, e eu não farei diferente. Não quero falar pelos outros, mas acho que de peso e velocidade, eu sou um dos guitarristas que mais aplicou isso no Olho Seco. O peso pelo hardcore que eu ja tocava, que já tinha bastante peso, e a velocidade porque eu sempre gostei de punk rock e sempre foi um treino de velocidade. O Punk é a melhor escola que você pode ter, pra treinar velocidade. Então eu tento deixar minha cara, mas não quero roubar a cena. O Olho Seco tem 35 anos e é uma banda já formada. Eu não entrei para mudar isso. No disco novo tem bastante coisa minha, mas pensado no Olho Seco. 8 - Você se informa sobre outras bandas do movimento? Como? Eu tinha um contato muito pequeno com bandas de punk, sempr etive um contato maior com o lado do hardcore, do metal, do Punk eu conhecia só Ratos de Porão, Periferia, que é um projeto do João, guitarrista do Ratos, Traças, que tem um vocal feminino que é legal demais, ela canta muito e é bacana demais ver o punk com mulher. Só que eu não tinha conhecimento, amizade, isso veio com o Olho Seco, que me jogou nessa cena, a partir daí eu criei uma amizade com outras bandas da cena. Antes era uma visão de fã, de guitarrista, "Que afinação você usa?"e tal, mas nunca d epoder contar, ligar, bater um papo, isso veio também com o Olho Seco. Quando eu entrei eu era o integrante mais novo da banda. Hoje eu já não sou mais, mas quando eu entrei eu lembro que o mais novo tirando eu tinha 10, 15 anos a mais que eu, eu era bem um garoto, e isso foi uma coisa que o pessoal reparou, a banda tinha 10 anos a mais que a minha idade, eu tenho 25 a banda tem 35, de estrada. Eu não tava nem nascido e a banda já tava tocando há 10 anos. Então, eu acho que isso até ajudou minha relação com outras bandas, e por eu ser novo o pessoal me acolheu muito bem. Diferente do que muita gente falava, que iam pegar no meu pé, que eu ia ser zoado, que iam querer me tirar, e isso não aconteceu, fui muito bem recebido. 74 9 - Como você enxerga o movimento dentro do Brasil? Tem banda pra c*. Tem muita banda. Tem, eu lembro que toquei no Sul, no ano retrasado e a gente fez uma turnê de quase 3 semanas, e cara, tem muita banda. Não só lá, no Brasil inteiro. Acho que o problema nem é esse, é que essas bandas não conseguem gravar com qualidade e divulgar bem. Fica famosa no bairro, na cidade, mas não sai disso. E por uma dificuldade que, punk rock não toca na rádio, não tem vídeoclipe, o próprio Olho Seco não tem. Então é muito escassa a divulgação, só no boca-boc,a então eu acho que se existisse um espaço maior pra gravar com qualidade esse som e divulgar, a gente descobriria muito mais bandas por aí. Mas gravar custa dinheiro e ganhar dinheiro no Brasil é uma m*. Como músico então... 10 - Você considera o movimento punk uma contracultura ainda atuante? Então, se toca fora de São Paulo, você vê o pessoal com visual carregado, muita jaqueta, muito patch, muita calça com costura, com rasgo, coturno. Aqui em São Paulo você já não vê tanto. Talvez porque os punks envelheceram e foram trabalhar em outras áreas , onde não permitem esse visual. Ou os Punks que são das antigas e continuam no movimento, no lifestyle, não vão pagar 10, 20 reais pra entrar, e isso é algo que bate muito de frente. Porque eles não entram no show, porque não tem o dinheiro, ou se tem preferem gastar em bebida. No interior é completamente diferente. No interior a gente vê muita molecada com o visual, levando a cena a sério. E mesmo quem não tem dinheiro, vejo gente pedindo uns trocados na fila, pedindo uma intera, ou gente que gasta a grana no ingresso e não tem como beber, aí um compra uma garrafa e divide com todo mundo. É diferente de SP, aqui o pessoal não quer gastar, mas o pessoal esquece que a banda gasta pra gravar, pra ensaiar, gasta pra fazer um disco legal. O show é uma ajuda de custo, não pra gente ficar rico, mas pra gravar. O interior entende isso bem. Talvez por essa necessidade de ter um estúdio bacana, de querer gravar, eles tenham essa concepção um pouco mais aberta. 75 11 - Como você vê a relação entre o movimento aqui e lá fora. Bandas que se tornaram populares, como Sex Pistols e Ramones, mais comercializadas que as bandas daqui? Bom, agora um papo um pouco mais complicado, mas vamos lá. Você pega o próprio Sex Pistols, o único punk, de lifestyle, que morreu, foi o Sid, com 21 anos. O Sid nem tocava direito. Tem show que o ampli dele tá desligado e ele nem se liga disso. Porque, ele vivia o movimento, a atitude, o lifestyle. O resto da banda não, eram músicos. O guitarrista tocava muito. O vocal, você vê, hoje em dia tá lançando disco com a P.I.L e meu, você vai ver eles gravam nuns p* estúdio, estúdio que aqui no Brasil custaria R$5000 a faixa, isso é fora de condição. Eles até lançaram clipe, o cara com roupa de grife, o cara deve ter até cabelereiro para fazer o spike dele. Então, opinião pessoal, sob o Sex Pistols, eu não considero punk. Musicalmente sim, pouca nota, atitude rebelde, contra sistema, mas como você pode ser contra o sistema se está estampando um cartão de crédito? Como se você usa roupa de grife? Se você consegue dinheiro gravando qualquer bobeira, o próprio P.I.L não é punk rock, é mais um new wave, pop, com uma guitarrinha, e os caras falam que é punk rock. Então é isso, eu tenho um pé atrás com Sex Pistols. Tudo que eu não tenho com o Ramones, que pra mim é uma banda que começou e terminou punk. E que todo mundo carrega o símbolo, você vai em uma Riachuelo, Marisa, e você acha aquela camiseta, o pessoal pode até usar sem saber qual é a banda, mas a banda foi punk. O que se fez com a imagem é outra coisa. Você pega o Dee Dee morreu, com sei lá, 40 anos, mas você vê o vídeo dele com 40 anos e ele era louco, ele era punk. O Joey era Punk. Todo mundo era punk, fazia punk rock, vivia o lifestyle. Pra mim totalmente diferente do Sex Pistols. Eu acho que o Ramones conseguiu ter uma visão maior pelo Sex Pistols, que divulgou muito bem a imagem de punk, mas não pelo guitarrista, pelo vocalista, mas pelo baixista que era um nóia, que tinha a Nancy namorada dele que tinha um puta papel dentro da cena. Isso pode ter impulsionado o Ramones. Mas Ramones é mais antigo, mais fiel ao som. 12 - Como funciona o contato de vocês com as gravadoras? São independentes? D.I.Y total. Pelo menos desde que eu entrei na banda, é total Do it Yourself. Dia 31, sábado, vamos fazer um show divulgando um disco ao vivo. Quem que produziu o 76 disco? A gente. Quem que prenssou o disco? A gente. Quem fez a arte? A gente. Que gravadora a gente vai atrás? Nenhuma. A gente faz isso. E a gente não faz pensando que vai ficar rico, a gente faz porque a gente sabe que o pessoal tá com saudade de um disoc ao vivo. Isso motiva a gente. Agora não com gravadora, que vai querer sugar nossa energia, nosso potencial nem nada. A gente faz por nós mesmos. Pensando no fã. Por isso que, voltando numa outra questão, eu falo que é importante entrar no show, porque é o dinheiro do show que faz a gente gravar esse disco. Se eu te falei que estou há 3 anos na banda. A gente tá há 3 anos pra grvaar um dicos de qualidade. Você não vai gastar dinheiro num disco de punk rock com o som ruim. Isso te desanima, te brocha da banda. Então assim, quando a gewnte fala que é importante todo mundo dentro show é por isso, cada pessoal que paga e entra, pra gente, a gente aplica totalmente na banda. Pra fazer uma bandeirona, na capa do disco, equipamento pro show ficar mais legal, ou pra investir no disco, sabe, disco de qualidade, pra quando você por o disco do Olho Seco no rádio, não estar ruim, tosco, amador, a gente quer entregrar o melhor produto para o fã. Por isso que eu falo que é importante estar no show. A cena não se move por internet. Por bocaboca, tem que estar lá, presente. 13 - Como funciona a internet dentro da cultura underground da música? Cara a Internet tá aí e tá aí para ser usada. Querendo ou não, diferente de 10 anos, hoje um computador é acessível. Ou senão você cola numa lan house e fica 1h, 2h, então a gente vê muito punk de verdade tem perfil no Facebook. Mas não tem para ficar mandando recadinho, mas pra ver onde o Olho Seco vai tocar, Traças, Ratos, Cólera, onde Periferia vai tocar, então onde eu acho que a Internet entra? Divulgação. É muito bacana. Hoje quando você entra na página de uma banda você sabe quando vai lançar disco, quando vai ter show, onde, você pode mandar uma pergunta e você sabe, que em 2 dias, se a página for ativa, ele te responde. Antigamente era uma carta, que com sorte chegava ao cara e mesmo que chegasse demorava uns 2 meses pra você ter a resposta. Hoje em dia não, e ahco isso válido, você náo é menos ou mais punk por usar a internet. É usar da maneira correta. Uma coisa é você usar com fim de mostrar como você é bacana, rol6es, bebidas, outra coisa é, grandes bandas, quase todas na verdade tem uma rede social, isso é 77 bacana que você vê quantas pessoas se interessam no som, onde tem lugar que o pessoal curte pra você tocar. É muito bom você saber que você pode achar as bandas que você gosta em 2, 3 cliques. Ao mesmo tempo, perde aquela emoção. Uma coisa é você ir na galeria atrás do disco, e procura, e não acha, e volta na semana seguinte, e no dia que você acha, parece que é uma realização pessoal, você comemora. Hoje em dia não tem mais essa emoçao, você vai no youtube e você acha tudo, Vai no Spotify e tem tudo. Dificilmente algo está por fora. Por um lado eu vejo que perde emoção, mas quem gosta, quem sabe como era gostoso comprar um disco, a gente usa a Internet a nosso favor, mas nada vai substituir a vontade própria de buscar um som, que é a mesma que eu vejo na molecada do interior de gravar, mesmo sem dinheiro, mesmo sendo tosco, é o que eu tenho pra investir, mas ele investe, e grava. Aí já não é bem aceito, mas só de você ir atrás e investir, já é demais, e aí você chega e joga no youtube e o cara trata como um produto sem valor. Você clica e "Ah, gravação tosca", mas você não está pensando por trás, e o cara não tinha dinheiro para uma gravação melhor, cara fez dívida, então você perde esse valor, você não tem o carinho pela obra. Diferente de quando você comprava um disco, sem saber as músicas que tem, era tudo lançamento "Como que vai ser o novo disco do Kiss? Do Black Flag?" Você não sabe, não tava na Internet. Você ia comprar para ouvir. Podia gostar ou não, mas as pessoa souviam o disco, do começo ao fim. Hoje você ouve duas, três músicas e foda-se, não vou ouvir.Então a Internet, por um lado é muito bom, você snde todo mundo toca, quanto que você atinge, mas ao mesmo tempo as pessoas não dão muito valor, que davam na época da surpresa, de buscar, acho isso muito importante, eu sou um dos poucos caras hoje em dia, que quando a banda lança um disco, eu dificilmente vou ouvir antes, eu gosto da emoção de chegar e comprar e ouvir e olhar o encarte e aí ver, "Ah, essa música é legal, essa é um lixo" sabe, e você olhar pro disco, e olhar com carinho, saber que é o resultado de um esforço dos caras, você foi atrás, estava interessado. Hoje com a Internet acho que não tem tanto esse apelo. Você ouve 2, 3 músicas e fala que o disco é uma bosta. Não, você nem ouviu o disco. QUando você compra o disco você vai ouvir da primeira a ultima, e isso vai te fazer dar um outro valor ao cd, a arte, a gravação, aí sim você dá valor. 78 14 - E você acha que dentro do movimento punk houve essa mesma mudança na atitude do fã, de deixar de ir atrás? Eu acho que hoje em dia, quem está dentro do punk as vezes não tem dinheiro para comprar o ingresso, como eu disse, as vezes compra o ingresso e não tem pra bebida, então a internet ajuda bem a ouvir, as vezes o cara não comprou o CD, mas ouviu no youtube e gostou pra caramba, sabe, agora a gente continua fazendo disco, porque existe gente que compra, enquanto tiver 1 fã comprando, a gente vai fazer. Nem que eu venda 1 e guarde 1000 em casa, eu vou fazer, valeu a pena, porque tem um cara que acredita nisso. Eu acredito. Um dia que uma banda parar de fazer cd, vai cair no meu conceito, porque eu acredito, eu faço isso. Dificilmente você via lucrar, vender rápido, as vezes você fica com disco que vendeu há anos. Mas só de saber que vendeu 2, 5, 10, 1000, você já fica satisfeito e com vontade de fazer o próximo. Eu vejo gente que do mesmo jeito que pede um trocado pra cerveja, pede para comprar um CD do Olho Seco., um bottom. É um movimento que, mesmo sem dinheiro, compra, o que ele pode, ele faz 15 - Quem frequenta os seus shows? Aqui em SP a gente vê muita gente de mais idade, gente que nem usa mais o visual, nem se denominam mais punks, mas chegam nos shows e falam "Caramba, eu vi a banda tocar em 1983, 1984, eu tava lá na gravação desse ao vivo" Ele lembra de toda época que ele era punk. Era não, é, ele ainda está lá, colando nos shows. No interior você já vê garotada que quer levantar a cena na cidade, com o visual pesado, pra mostrar que o punk existe lá. Aqui em São Paulo, a cena forte mesmo foi nos anos 1980. A gente vê a galera dessa época, sem visual, mas lembrando daquela época. E o pessoal que ainda mantém o visual não quer pagar e tem aquele discurso "Eu via o Olho Seco, o Cólera há 30 anos e não posso entrar de graça?"O pessoal esquece que a gente continua fazendo disco, não tem ensaio de graça, disco de graça, a gente gasta em tudo. E se a gente ainda faz CD, é pro cara comprar, não pra gente ficar rico, mas pra ele saber que a cena ainda existe, pode estar fraca, mas está lá, e não vai morrer. não precisa ter muito, precisa ter um que 79 acredita, que leva a palavra, enquanto tiver um, o punk tá vivo, vivo pra cac*, a chama existe. 16 - Você acha que existem roupas punks? Um visual punk pode ser comprado? Você vai na Renner, na Marisa, tá cheio de roupa do Ramones. Mas eu dou mais valor ao cara que tá na cena, mesmo estando de roupa social, depois do trabalho, pode não ter moicano porque o trabalho não permite, e ele tem conta pra pagar. Ele é muito mais punk que o garoto que sobe o moicano, pinta de verde, usa o coturno e fica ouvindo no youtube e não quer ir no show. E quando vai acha que tem que ser de graça, acha que punk rock é baderna, zueira, e não é nada disso. Existe, existe um padrão, uma estética, agora, eu não sigo essa estética, mas em atitude, eu acho que sou muito mais punk que muito cara que sobe o visual e fica nessas. Padrão existe, mas você não precisa seguir para ser punk, e nem seguindo essa estética você vai ser punk. Não é o resultado de uma roupa, nem de um prego na tua cara, não é o grampo na bochecha que te faz punk, é sua atitude, como você enxerga a cena. 17 - Em tempos de pregação de um discurso de ódio dentro da sociedade, do não respeito a liberdade individual das pessoas, como você vê o Punk articulado em tais assuntos? Acho que ter raiva hoje em dia tá na moda, é bonito. Você faz mais sucesso chingando que dando suporte. Então hoje em dia é moda, xingar, bater, odiar todo mundo, agora o difícil é apoiar, correr junto. O movimento sempre teve uma conexão, mas ao mesmo tempo você vê banda pregando liberdade mas na atitude indo contra isso. É fácil ser anarquista, não de verdade, agora é fácil, dizer que anarquia é zona, é bagunça e que você odeia o sistema sem nem saber o que é sistema. Ter opinião política sem saber de política. Falar de relações sociais sem se interar. Isso acho que atrasa a cena, falar de coisas que não se sabe sobre. Todo mundo sabe que o país tá um lixo, agora porque está um lixo, o que você faz? É fácil erguer o cabelo e mostrar o dedo do meio, mas o que você faz para mudar? Talvez o punk que não está de moicnao, que está de camiseta social, ajuda muito mais que 80 quem só propaga ódio gratuitamente. Uma coisa é estar com ódio de uma coisa, por um motivo e com uma solução, outra é só chamar tudo de lixo e achar que não precisa fazer nada além disso. É fácil xingar, difícil é resolver o problema, as vezes a raiva não é a solução, é a atitude de solucionar. 18 - Você acha que a violência está presente dentro do movimento atualmente? Vou contar uma história que acho que responde. Pessoal não consegue me ver, mas eu sou careca, de não ter cabelo mesmo. Então sempre usei a cabeça raspada. Teve um show, eu tinha 1 ano de Olho Seco, que eu tava esperando do lado de fora da casa, tomando uma cerveja e fumando um cigarro e passou uma multidão duns 7, 10 punks, olharam pra mim e já soltaram o discurso de ódio - "Ih, tem skinhead aqui hoje, já sabemos em quem vamos bater, nazista" Eu fiquei quieto, terminei a cerveja e entrei na casa. Olho Seco era a ultima banda, e tinha umas 5 outras bandas. E os caras iam passando e trombando. Eu fiquei queto, levando esbarrão. Aí começou o show e a galera viu que eu era guitarrista da Olho Seco e já pensaram "Opa, acho que fiz m*" Acabou o show, sempre vem um pessoal trocar ideia, tirar foto, e veio aquele mesmo grupo, elogiar, perguntar se podiam tirar fotos. Eu falei "Você vem esbarrar, xingar, chamar de skinhead e agora vem me pedir foto só porque sabe que eu toco no Olho Seco. Porque, eu não estou de moicano, de coturno. É a galera que acha que punk é uma roupa que se veste e galera de cabelo raspado sofre sim preconceito nos shows, porque é automaticamente skinhead. Então não tirei foto com os caras, porque aquilo não é punk, punk prega respeito, união, não fica xingando pelas costas sem saber. Nem vieram me perguntar nada, só julgam pelo estereótipo. Fico pensando quanta gente já não apanhou de graça, por não ser considerado punk. Aí entra naquilo que falei, fala muito e faz pouco, isso rola muito na cena. Punk não é zoeira. 19 - Qual a principal diferença que você enxerga entre o movimento hoje e há 10 anos? Desde que eu entrei, acho que as coisas seguem iguais. Talvez a galera já não tormbe em mim, já saiba que sou guitarrista do Olho Seco. Mas não mudou muita 81 coisa, esse episódio que te falei aconteceu exatamente a mesma coisa com o baterista novo da Olho Seco. Mesma coisa. Talvez isso não acontecesse nos anos 1980, talvez lá as pessoas soubessem o porque estavam e o que estavam odiando. Ódio direcionado, sem violência. Punk não é motivo pra ser violento. 20 - Você possui ídolos dentro da música? Quem são? Cara, é o que falei no começo, eu era fã de Olho Seco antes de entrar, então antes de tocar e eu era o cara que ia nos shows. E continuo indo. Então acho que seria muito errado um estrelismo, porque era eu que tava pedindo autógrafo, indo trocar uma ideia. E muitas vezes não me tratavam como eu esperava, faltava com respeito e isso me desanimava. Então desde que eu entrei pro Olho Seco a cena mudou pra mim. Deixei de ser o cara de fora do palco pro cara em cima dele. Então quando qualquer pessoa vem falar comigo eu penso nas vezes que vi um estrela, um cara que tratou mal, eu já fico feliz de ter alguém falando comigo e dou 100% da minha atenção. Show que acaba 00h, eu fico até 2h batendo papo e tomando uma cerveja, trocando ideia na mesa, numa boa. Porque a última coisa que quero que aconteça é gente vir falar comigo e eu tratar mal. Eu posso estar irritado, a pessoa não tem nada com isso, ela me vê como guitarrista, então não posso descontar na pessoa que veio me assistir. O cara me admira, como eu poderia tratar mal? E acho que muita banda tinha que entender isso. Que você só está fazendo sucesso porque tem gente indo no show, comprando seu CD. Caras como o Axl Rose, que deixa o público esperando 3h e faz um show com cara de m*, e trata mal o fã. E tá cheio de Axl Rose no punk rock. Que acha que pode ser esnobe por fazer sucesso. O mínimo que um artista deve fazer é ter respeito pelo fã, que é quem sustenta a banda. Deixa de ser músico quem trata mal o fã, passa a ser um estrelinha. 21 - Você enxerga uma função política no punk hoje em dia? Olha cara, vou te dizer que nem é totalmente descartável o cara que reclama. Ele busca uma melhora. Muita gente procura, sem saber como, e aí vai pelo caminho errado. Mas não por isso é descartável. E isso é a diferença que vejo no Punk Rock, é buscar algo melhor, algo diferente, mesmo que em 80% da vezes seja da maneira 82 errada, é música de protesto e isso é algo que dou muito valor. E muitas vezes a banda é lega, passa uma mensagem legal, mas o cara é escroto, é aqui que falei, quebra com todo o resto bom. Mas sim, existem bandas legais, com ideais bacanas, que empurram uma massa. O problema é quando o cara falta com respeito. E dentro do punk isso fica mais paradoxal. O punk tem 3 acordes porque isso aproxima quem está começando do ídolo do cara, o punk traz de volta essa conexão. Um cara empenhado, apaixonado, em pouco tempo consegue estar em um palco. Aproxima o público. Essa interação é a coisa mais legal que existe. 22 - Como você enxerga o legado do movimento punk O punk trouxe de volta uma energia que a música tinha perdido. Depois dele a batida de muito estilo mudou, a forma de fazer música, do músico se comportar. Acho que diretamente e indiretamente o movimento influenciou muita coisa e ainda é responsável por manter de pé essa conexão entre o artista e o público. 23 - Você se considera punk? Se sim, porque? Cara, acho musicalmente, sim, mas foi como te disse, me considero um guitarrista, além de qualquer estilo. Na atitude eu acho que sou mais punk que muito cara de moicano, mas é difícil definir quem é ou não. É quem tá na cena, no apoio, acho que eu apoio da minha maneira. 6.4.2 - Victor Oliveira - membro do movimento em São Paulo 1 - Qual foi seu primeiro contato com a música? Desde pequeno, ouvia o que meus pais colocavam. MPB, Tema de novela, são coisas que minha Mãe escutava, e eu achava daora, mas eu era mais atraído para as músicas mais rápidas, agitadas, ficava batendo o pé e o pessoal até achava engraçado. Aí depois eu comecei a frequentar loja de disco, aí eu ouvia uma música daora no rádio e ia na loja ver o que eles achavam. Eu curtia comprar coletânea, dessas bem vagabundas, eu achava daora. 83 2 - E interesse em tocar algo, quando foi? Demorou um pouco. Eu fiquei um bom tempo só escutando e achando legal, mas nunca pensei em botar a mão na massa. Depois de um tempo fiquei com vontade e comprei um violão mas não queria fazer aula. Já fiz uma aula ou outra mas o grosso foi comigo mesmo. Aí fui conhecendo outros instrumentos conforme fui conhecendo uma galera que tocava. Formei a banda e me interessei por tudo que era tocado. 3 - Como foi seu primeiro contato com o movimento punk? Eu não lembro de ficar impactado pelo visual. A parada foi mais pela música, eu comecei a escutar coisa mais pesada e aí fui caindo para o punk, e começou pelo nacional, mais tradicional, Cólera, Olho Seco, e nessas de comprar coletâneas sempre vinha um Ramones. Aí eu fiquei bem interessado pelo movimento. Via um documentário, e ficava o dia inteiro atrás de coisa do movimento, como funcionava, outras bandas, ocupava meu dia. E o Hardcore sempre me chamou muito a atenção, sempre vi uma atitude muito grande em bandas como Dance of Days e Dead Fish. O que mais me conectou foi a questão do Do It Yourself, porque me motivava a fazer algo, mesmo sem manjar, sem ser a coisa mais bonita, mas era algo seu, uma mensagem sua, nada muito aprimorado, e o punk proporcionou isso. Comecei a fazer banda e eu era o único que topava cantar e topei. Meu contato com o movimento foi pela música, os punks eram quem tocava comigo e o rolê era esse, com essas pessoas, e a partir disso você acaba conhecendo mais gente, em diferentes rolês e quando eu vi eu já fazia parte de algo que já estava presente no meu dia-dia. 4 - O que você considera ser punk? Era essa coisa de não ter frescura, eu achava que para fazer uma banda metal, rock, é muita frescura, tem que ter muita coisa antes do seu som. Fazer um som que se identificasse com o punk pra mim era natural, saía. Depois de um tempo você vai 84 usando suas influências com algo novo seu e começa a ver sua cara no som. E o punk tem esse negócio de não ter fronteira entre quem tá cantando e quem está assistindo, são seus amigos, tá todo mundo junto, galera de outras bandas colam pra dar um suporte mesmo. Existe a cena, e ela se auto alimenta, dessa relação mais próxima. 5 - O que significa para você tocar em uma banda punk? Cara, acho que pessoalmente nunca foi por uma ideologia política. Posso até me alinhar mas dentro da música sempre foi algo pessoal, o que é até meio paradoxal. Mas era aquilo, queria me expressar, colocava pra fora, por ser um som mais agitado, acabava sendo sentimentos mais pesados, cantava com raiva, mas uma raiva minha, um expurgo. Tocar punk sempre teve muito a com uma libertação. 6 - Você se informa sobre outras bandas do movimento? Como? A internet teve um papel muito importante nisso. É onde a galera toda consegue se divulgar, então acabo encontrando muita coisa lá. E dentro da internet fora várias fases, desde uma época de blog, depois fotolog e hoje tá em todo lugar, é tudo mais limpo e fácil, ajuda bem quem tá começando a ter algo mais limpo, apesar de estar em todo lugar. E claro, por estar dentro da cena você consegue conhecer quem está tocando com você. Eu pessoalmente curto bandas pequenas, dar um apoio, comprar um disco, mostrar que tem alguém que curte, seja nacional ou gringo. E aí conforme shows acontecem você vai conhecendo mais e tendo mais contato, entra no rolê. 7 - Como você enxerga o movimento dentro do Brasil? Acho que o movimento aqui está fechado dentro dele. Tem uma galera que corre atrás, que faz de tudo, galera que ama a ideologia e vive por ela. O movimento já passou por diferentes momentos, hoje acho que você ainda vê uma molecada inspirada no punk clássico, e da cena também, crossover, pessoal sem frescura sempre se junta. E os shows grandes são de bandas mais antigas, da galera 85 icônica, e a galera nova é a de abertura, não recebe tanta atenção, existe um revesamento de bandas pequenas abrindo para as grandes. 8 - Você considera o movimento punk uma contracultura ainda atuante? Sim, com certeza. Foi bastante deturpada, o que é natural com a passagem de tempo, mas o comportamento punk está vivo. Pega o Pussy Riot na Rússia, punk ativista puro. E você tem bandas punks boas em rádios. Mas o punk passou por uma fase difícil, de se misturar com outros estilos, ficar aguado. Mas sempre teve gente fazendo com atitude. E os fãs se mantém, são fiéis, aqui no Brasil a galera enquanto tiver show vai colar. E cara, o Hardcore no Brasil ficou muito forte. Veio diretamente do punk e estourou com Dead Fish, Dance of Days, Rancore e segue forte criando vários subgêneros, bastante ativo. 9 - Como você vê a relação entre o movimento aqui e lá fora. Bandas que se tornaram populares, como Sex Pistols e Ramones, mais comercializadas que as bandas daqui? Cara, parece hipocrisia né. Você falar algo e pregar algo tão importante para as pessoas, tem muita gente que doa a vida pra ideologia, e aí você vê que é da boca pra fora e dói um pouco. Mas não sei até que ponto o pessoal ainda se apega nisso. Hoje geral já sabe que Sex Pistols foi uma banda formada, estética. O Ramones começou punk mas depois variou para outros estilos, os caras sempre estiveram abertos dentro da música e sempre com respeito dos fãs, que aceitavam as mudanças. O Clash explodiu né. Eram personalidades muito fortes e eles de desgarraram. Mas foram esses caras que criaram muito da identidade, e mesmo eles não estando presos ao punk não significa que eles não sejam importantes. Seria zoado você pregar o anarquismo e ter que se prender a regrinhas do punk. Você tem que viver como quiser e o punk é liberdade, não nenhum padrão a ser seguido sempre. 10 - Como funciona o contato de vocês com as gravadoras? São independentes? 86 Hoje em dia todo mundo tem medo de entrar em uma gravadora grande. O caminho é ou fazer tudo seu, DIY, ou entrar em gravadora pequena, tem muito selo bacana, de gente que era do movimento e que faz um trabalho daora e bem feito. O punk promoveu a criação de muitas gravadoras que fizeram um trabalho diferente do que era feito. Então acho que hoje em dia ficar longe de gravadora grande é tranquilo e muito graças ao punk, ao que a cena deixou de legado. 11 - Como funciona a internet dentro da cultura underground da música? Hoje em dia é o canal principal. Não tem muito como fugir. E nem tem, a Internet faz com que você descubra coisas incríveis que antes nunca poderiam ser descobertas e ajuda muito o movimento punk. Acho que o movimento não pode se prender, tem que somar, e tudo que ajuda nisso é bem vindo. É a mentalidade do DIY, de você poder fazer aquilo seu, mesmo que não seja de grande qualidade e investimento, o punk e a internet promoveram isso. 12 - Quem frequenta os seus shows? O que eu vejo é a galera que já está dentro da cena. Tem gente mais nova, tem tiozão, mas uma galera ativa, que cola sempre e sabe como é importante estar por dentro da cena. E aí sempre tem um outro novo, galera que começa a envelhecer, que começa a ter banda, é um ciclo que vai juntando e tirando gente. 13 - Você acha que existem roupas punks? Um visual punk pode ser comprado? Você pode se fantasiar de punk. Existe lá na loja uma roupa escrito punk. Mas não faz ninguém punk. Esteve junto no início porque era uma afronta, uma das únicas que a pessoa podia ter com a sociedade. E hoje você tem muitas outras maneiras de se expressar, expressar sua indignação, então não é o que faz o punk mais, e sim sua atitude. Cara, eu acho que a atitude punk, o DIY, pode estar em todo tipo de coisa. Em negócio também, se você que banca tudo, faz por você, você tá sendo punk, acho que o Punk vem muito desse pensamento. Mas a marca usar a imagem 87 punk para promover sem ser punk é a mesma história do Sex Pistols, é algo muito claro que foge do ideal, acho errado mas não prejudicial ao movimento. Quem sabe o que é punk, sabe do ideal, não se engana com esse tipo de mensagem. 14 - Em tempos de pregação de um discurso de ódio dentro da sociedade, do não respeito a liberdade individual das pessoas, como você vê o Punk articulado em tais assuntos? O punk sempre foi contra a cultura de ódio. Teve a invasão dos skinheads, que confundiu uma galera, teve João Gordo falando besteira, mas o movimento sempre foi contra essa pregação. Hoje tem muita gente que fala as coisas da boca para fora, e fala muito, então é algo que irrita quem realmente está no movimento, mas é uma diferença clara de quem é verdadeiro e quem só fala. As pessoas vem e vão no movimento, quem é verdadeiro fica, é natural. 15 - Você acha que a violência está presente dentro do movimento atualmente? Movimento punk e violência só são associados aqui no Brasil por causa da briga com skinheads. Que foi uma briga para exatamente disassociar o movimento punk desse comportamento violento. Mas o punk é um canal de emoções, de muita intensidade, então acaba sendo algo agressivo, mas isso é diferente de violência. Faz parte da ideologia colocar algo intenso e de quem a segue seguir com fervor, e com o punk não foi diferente, mas acho que violência não representa o movimento. 16 - Qual a principal diferença que você enxerga entre o movimento hoje e há 10 anos? Cara, acho que os anos 2000 tiveram um renascer do punk, do hardcore, e isso não se vê mais hoje, então acho que diminuiu. Mas a cena se mantém, como disse, tem um número de pessoas fixo, que sustentaram o movimento até hoje e o pessoal que vai e vem e não estimula. Hoje em dia o Indie é que está crescendo, o punk perdeu espaço. Mas diferente do Indie, que ninguém sabe o que é, o punk se firmou, tem pontos concretos, como a música simples, direta, fácil, que o indie não tem. A internet já existia, já era usada, mesmo de outras formas. Talvez o acesso diminuiu 88 por não estar em alta, como eu disse, como o Indie. Hoje você tem que ir bem mais atrás, mas ao mesmo tempo tem muitas ferramentas.. 17 - Você possui ídolos dentro da música? Quem são? Vários. Todos os Ramones, passando por todos os bateristas. Danzig e principalmente o Henry Rollins, do Black Flag, tudo que ele faz eu gosto. Dentro do punk você consegue ter muito contato com os caras que você vai nos shows. Tem pessoas com personalidade forte, mas tem muita gente aberta a trocar uma ideia, coisa que em outros gêneros não tem tanto. Os caras não falam com você como um ídolo, mas como um cara como você, acho que essa sinceridade difere também. 18 - Você enxerga uma função política no punk hoje em dia? Bastante. Desde o The Clash, a política sempre foi muito presente. E hoje continua na garotada, as pessoas continuam putas com a situação e continuam cantando por isso, por essa mudança. Nem que seja num show para seus 10 amigos, você canta o que pensa para eles. E hoje o país está zoado, cheio de problema, então mesmo não tendo muita mídia, continua presente. 19- Como você enxerga o legado do movimento punk? Musicalmente influenciou muita gente. De níveis diferentes, grandes artistas, pequenos artistas, gente de outros gêneros que se espelharam na batida, e claro, dentro do rock, com hardcore, new wave. E o principal é que acho que trouxe muita gente que não achava que seria músico a ser. Deixou a música mais humanizada, fez ser algo ao alcance de quem amasse aquilo. Como contracultura acho que é a questão de ter sua voz ouvida. Para tudo, é possível você mostrar algo verdadeiro seu, algo que seja você e não um produto de outras pessoas. Acho que ajudou muito movimento social, lutando contra homofobia, ditaduras, racismo, feminismo. Mulheres punks são as maiores punks. O punk foi a ferramenta para elas poderem falar tudo isso que tem de ser dito. 89 20 - Você se considera punk? Se sim, porque? É difícil, é uma presunção grande se dizer punk. E isso é um paradoxo, algo tão livre que é difícil ser. Eu me sinto dentro do movimento, mas não é um rótulo que eu procuro, ser punk. Mas acho que mesmo sem moicano eu me dedico ao punk e faço parte da cena, e é isso que se pede de um punk. 6.4.3 - Gerson Santana - membro do movimento em São Carlos 1. Qual foi seu primeiro contato com a música? Foi em casa, meus pais sempre gostaram muito de ouvir música então estava sempre tocando. Tocava muito rock, mpb e até música classica, mas não tocava punk, o punk mesmo eu fui ter contato mais tarde, com alguns amigos. 2. Quando você começou a querer tocar? Quando comecei a conhecer melhor a música, conhecer as bandas, os músicos, ai veio a vontade de fazer música também. Juntava a galera na escola que curtia aquele som, cada um tocava alguma coisa e ai a gente fazia um som. 3. Como foi seu primeiro contato com o movimento punk? Eu ia muito com alguns amigos em algumas festas na USP lá em São Carlos, quando tinha uns 15, 16 anos. O role era ira pra USP, independente do que estivesse rolando. Ai, um dia colamos lá e tava tendo uma sonzera punk. Eu já conhecia algumas músicas e algumas bandas mas foi a primeira vez que eu fui em algum role punk, tive um contato maior com o movimento 4. O que você considera ser punk? 90 Punk pra mim é, acima de tudo uma atitude, Uma atitude de contestar e lutar contra tudo aquilo que está errado no mundo. As injustiças e desigualdades sociais, às falacias economicas, e os abusos ecológicos que a humanidade impôs contra si mesma. Essa atitude pode se dar de diferentes maneiras, pode ser um protesto, uma música, uma ação, um ensinamento. 5. O que significa para você tocar em uma banda punk? A música te da a chance de transmitir sua mensagem de uma maneira mais direta e mais forte. Quando você tem uma mensagem importante a ser passada a música se torna um canal de revolução importantíssimo. E o punk sempre fez essa relação ser muito natural, por ter esse mesmo viés libertário. 6. O que você busca expressar nas músicas que toca? Busco expressar minhas ideias, sobre o que acho certo e o que acho errado, a maneira como as coisas deveriam ser. 7. Você se informa sobre outras bandas do movimento? Como? A gente acaba conhecendo muita gente do movimento nos shows e nos roles, entao acaba sendo tudo muito natural, na conversa os caras falam do que ta rolando de novo. Mas também tem a internet, da pra ficar sabendo de muita coisa nos sites e facebook 8. Como você enxerga o movimento dentro do Brasil? O punk não morreu, mas ele tá perdendo relevancia fora do movimento. Muito por que é algo mais underground, você não ve na midia a galera falando de punk. For a isso falta união pra galera aqui, é muita treta, muito ponto de vista diferente que acaba enfraquecendo o movimento. 9. Você considera o movimento punk uma contracultura ainda atuante? 91 Atuante sim, mas pouco atuante infelizmente.A galera tá mais preocupada em ficar tretando entre si do que lutar por bens conjuntos. 10. Como você vê a relação entre o movimento aqui e lá fora. Bandas que se tornaram populares, como Sex Pistols e Ramones, mais comercializadas que as bandas daqui? O que muda de Sex Pistols e Ramones pro que a gente tem aqui não é só o país, mas a época que a gente tá. Quando essas bandas tavam no auge havia um interesse da mídia no movimento punk. Hoje em dia não tem esse interesse. Se você quer ganhar dinheiro e vender cd você tem que ter uma pegada mais pop mesmo, é isso que a maioria do povo quer ouvir. 11. Como funciona o contato de vocês com as gravadoras? São independentes? É muito dificil gravadora grande parar pra ouvir banda punk aqui no Brasil. Mesmo se a banda já tem um certo tempo de Estrada é foda, imagina pra quem ta começando agora. O jeito é fazer o som independente mesmo, dentro do próprio movimento tem a galera que produz o som, com o tempo você vai conhecendo e vai descobrindo como gravar. 12. Como funciona a internet dentro da cultura underground da música? A internet é foda. Tanto pra você conseguir divulgar seu som, seus shows, pra entrar em contato com os fãs e pra manter o contato com a galera do movimento mesmo. Ela deixa as coisas mais fáceis, acaba sendo uma alternativa às outras mídias. 13. Quem frequenta os seus shows? Geralmente é sempre a mesma galera. Tem o povo que cola em todos, ta com a gente onde a gente for, a galera do movimento que ta sempre colando também. Sempre tem uns perdidos, que você não sabe direito o que ta fazendo lá, mas esses são minoria. 92 14. Você acha que existem roupas punks? Um visual punk pode ser comprado? Quem tem que se vestir de punk pra ser punk nunca vai ser punk. É Claro que se você colar no role vai ter uma galera vestida de uma maneira parecida, mas não é que tem uma moda punk. O punk é justamente você vestir o que acha daora, o que fica confortável. Ninguem vai ficar gastando grana pra fica no visu. Você faz você mesmo com o que tem e boa. 15. Em tempos de pregação de um discurso de ódio dentro da sociedade, do não respeito a liberdade individual das pessoas, como você vê o Punk articulado em tais assuntos? Acho que tudo isso é um sintoma do estado doentio que nossa sociedade se encontra. O papel do punk é justamente questionar e mudar esse estado, por isso, acho que existe cada vez mais motivo pra se ser punk. 16. Você acha que a violência está presente dentro do movimento atualmente? Sempre esteve. São muitos pontos de vista diferentes e pouco interesse emu ma discussão sadia sobre o que é certo e o que não é. Infelizmente na maioria das vezes a galera prefere resolver na porrada que na conversa 17. Qual a principal diferença que você enxerga entre o movimento hoje e há 10 anos? Acho que hoje, por todo mundo estar conectado na internet, criou-se um novo espaço pra discussão, atuação e divulgação do punk. Acho que fora da internet não mudou muita coisa, ainda tem gente que faz, tem gente que só fala e gente que só quer saber de treta. Mas agora com a internet a gente tem mais opções e mais gente acaba se interessando pelo que a gente tem a dizer 18. Voce possui ídolos dentro da música? Quem são? Vários! Dentro do punk tem o Henry Rollins, o próprio Johnny Rotten, Danzig, fora do punk curto o Ozzy, John Lennon 93 19. Você enxerga uma função política no punk hoje em dia? Infelizmente não. Devido a falta de união do movimento não temos força suficiente para conseguir interferer na política do país, o punk acaba mais por apoiar outros movimentos que questionam a política brasileira, sem ter uma proposta própria 20. Você acha que a música punk perde seu valor ao se popularizar? A música punk perde seu valor quando se torna hipócrita. Se o cara ta cantando sobre injustiças sociais enquanto vive numa puta mansão e não sabe nem o nome do porteiro ai é zuado. 21. Como você enxerga o legado do movimento punk? Pra quem é punk o principal legado é a cultura punk, os livros, as zines, as músicas, os roles. Pra quem tá de fora acho que é mostrar que a gente pode questionar. Não precisamos aceitar tudo do jeito que nos é imposto. 22. Você se considera punk? Se sim, porque? Eu tento aplicar toda a filosofia punk no meu dia-a-dia, guio minhas atitudes e comportamentos dentro daquilo que prego em minhas músicas e passo pros meus fãs. Então sim, eu me considero punk e pretendo morrer assim. 94