Começou uma revolta popular no Brasil

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Começou uma revolta popular
no Brasil
Henrique Carneiro
Cada ônibus em São Paulo e em
todo o país tem algo de
camburão e de navio negreiro,
como diz um rap da periferia.
Ir ao trabalho como um
condenado,
esmagado,
brutalizado como gado, é a
regra dos ônibus, trens e
metrô de São Paulo.
E o preço disso é superior ao
das capitais europeias! Um dólar e meio, sem bilhete de um dia
inteiro ou desconto pra dez passagens. Nem bilhete válido
indefinidamente para o mês inteiro, garantido em muitos países
pelo próprio Estado ou pelas empresas para os funcionários.
O Passe Livre como direito social foi uma bandeira que o
próprio PT chegou a levantar na campanha da Erundina. Depois,
não só ela, como prefeita, abriu mão da proposta, como se
dedicou juntamente ao partido, a desmontar e a privatizar a
CMTC, que era a companhia municipal de ônibus urbanos.
Os empresários que tomaram o controle do transporte público o
tornaram um assunto privado, sem transparência, mas com apoio
do dinheiro público, por meio de subsídios. Mais recentemente
outros benefícios como isenções fiscais foram dadas pelo
governo federal.
Quanto lucram as empresas? Qual a margem de lucro com os 20
centavos de aumento e sem eles?
Por que não voltar a ter uma companhia municipal de
transportes? Não, ao contrário, até o metrô querem privatizar
e a linha amarela já é de uma concessionária privada.
Haddad foi eleito pelas promessas em relação ao transporte
público. Não só não veio ainda bilhete único, como a
modalidade que se promete não fará muita diferença no poder
aquisitivo popular devido ao preço elevado que terá.
O comportamento pusilânime do prefeito que no primeiro
conflito social preferiu, ao invés de se dirigir aos seus
eleitores, respeitá-los e atendê-los em suas justas
reivindicações, se juntar ao governador e a PM para lançar 400
bombas de gás e 300 tiros de borracha contra manifestantes
pacíficos em 13 de junho de 2013 desencadeou algo há muito não
visto na cidade e em todo o país: uma revolta popular!
O que está acontecendo agora saiu do controle de qualquer
movimento organizado e se tornou a expressão de um desabafo
secular. O povo pobre de São Paulo, as periferias, os rappers,
as torcidas organizadas, os motoqueiros, os estudantes, os
professores, os sem-teto e os sem-carro vão se juntar na
expressão de um grito de revolta que está há muito tempo
contido!
Foi um desafio ao povo de São Paulo, com velhinhas levando
balas de borracha, carros parados com crianças sufocados em
gás, jornalistas atingidos de propósito com tiros e
atropelamentos e o povo tratado a tiros, bombas, cassetetes,
prisões em massa arbitrárias e ilegais. Um verdadeiro estado
de sítio onde quem se mexesse ou ficasse parado recebia tiros
e pancadas do mesmo jeito!
O desabafo agora não é só por 20 centavos, mas contra a
polícia mais violenta do mundo, contra a maior taxa de
homicídios do planeta, contra o lucro empresário mais
selvagem, contra a predação da floresta e o assassinato dos
indígenas para o agronegócio, contra a repressão aos jovens,
negros, pobres, maconheiros, homossexuais, punks ou
rastafáris. E acima de tudo, contra a ausência de espaço.
Espaço físico, a própria cidade, sequestrada pela especulação
imobiliária, pelas máfias do transporte precário, pela PM
terrorista, e também o espaço político, sequestrado pela
privatização do Estado, pela loteria dos cargos e dos
partidos.
O caso brasileiro se agrava pelo fato do PT ter sido o
depositário das esperanças de uma geração e tê-las traído de
uma forma sistemática em todos os campos possíveis. Na
política financeira, deram metade do orçamento para os bancos.
Na política agrícola, abriram as porteiras para o agronegócio
derrubar a floresta, espalhar transgênicos, matar índios,
inundar de veneno os rios e construir barragens ecocidas na
Amazônia. Na política internacional, mandaram tropas ao Haiti,
defenderam empreiteiras na África e abriram o país para
multinacionais. Privatizaram o petróleo, os portos,
aeroportos, e deram verbas públicas para o ensino privado.
Aliaram-se com as oligarquias, todas elas! Sarney, Renan,
Alves, Barbalho, e com a direita evangélica. Deram ministérios
para bispos e distribuíram concessões de rádio e TV a rodo
para os piores fascistas travestidos de pastores.
Diante disso tudo, o mistério continua sendo por que a
juventude brasileira demorou tanto para se rebelar?
O clima internacional há muito ia nesta direção, o estranho
era um país com a tradição de luta estudantil e juvenil como o
Brasil ainda não ter entrado em massa nos protestos indignados
internacionais.
Pois agora entrou!
O curso que esse movimento vai ter depende como nunca de um
dia histórico. Um daqueles eventos que decidem o destino
nacional. Nunca uma passeata foi tão aguardada como a da
próxima segunda-feira.
Há uma ansiedade de final de campeonato, onde, pela primeira
vez as ruas são mais empolgantes do que qualquer campeonato de
futebol.
O futebol no Brasil, sempre tão bem usado como amortecedor
social, como narcótico social, chega agora no auge da sua
operacionalização político publicitária, com um aliado de
torturadores na CBF servindo pra uma presidente ex-torturada
gastar bilhões com seus aliados de construtoras, dando nomes
de marcas de cerveja para estádios, fazendo das regras da FIFA
uma verdadeira agressão à soberania nacional, serve de pano de
fundo para uma empreitada de especulação imobiliária,
higienismo e gentrificação urbana, mas, de repente, ocupa
também um espaço de rebelião social. Desde a abertura que a
Copa das Confederações está ofuscada na emotividade popular
por um conflito mais real que se desenvolve no país.
O ato de segunda-feira, 17 de junho de 2013, pode reunir
várias dezenas de milhares de pessoas que vão querer exercer o
seu direito constitucional de ocupar a rua e ir até a Avenida
Paulista. Se o ato não for reprimido ele vai ser uma linda
festa popular vitoriosa que antecipará a vitória do
cancelamento do aumento!
O governo municipal, se tivesse um mínimo de sensibilidade
oriunda dos tempos há muito passados da origem do PT, iria se
diferenciar do governo estadual do PSDB, recuar no aumento, e
Haddad poderia até ter o seu minuto populista de glória para
redimir o sangue que já tem nas mãos de feridos e mutilados da
repressão do dia 13 de junho que ele convocou e legitimou.
O governo estadual de Alckmin parece querer ter vocação para
Mubarak. Se houver nova repressão violenta, se a polícia
tentar a atitude fascista de buscar impedir dezenas de
milhares de manifestantes de marcharem pelas ruas com tropas
de choque, estarão desencadeando uma justa ira popular.
Segunda-feira será um momento chave de definições de campos e
posições. De qual lado das barricadas estarão os partidos e os
políticos vai definir se estarão ao lado do povo ou contra
ele.
Poucas vezes o povo brasileiro saiu em uníssono clamor popular
por uma causa. Quando isso acontece, é bom levar a sério a
determinação popular. Por isso, governantes, abaixem o preço
da passagem ou serão condenados pela história como os algozes
do povo!
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