CONTAGEM TOTAL E DIFERENCIAL DE LEUCÓCITOS NO

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Ciência Animal, 11(2):73-77, 2001
CONTAGEM TOTAL E DIFERENCIAL DE LEUCÓCITOS NO LEITE DE CABRA DA RAÇA
SAANEN SEM SINAIS CLÍNICOS DE MASTITE
(Total and differential leukocyte count in milk of Saanen goats without clinical signs of mastitis)
Gláucia Maria de Oliveira BARBOSA1, Diana Célia Sousa NUNES-PINHEIRO 1*, Raimundo
Nonato Braga LÔBO2, Erika Kelly Silva SANTIAGO1 & Luís Antônio Coutinho COSTA 1
Faculdade de Veterinária da Universidade Estadual do Ceará, 2 Departamento de Zootecnia da Universidade Federal do Ceará.
1
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi caracterizar a contagem total e diferencial dos leucócitos no leite e no sangue de
cabra da raça Saanen na terceira lactação, durante 16 semanas de lactação. O número de leucócitos e seu
percentual diferencial foram avaliados a partir da segunda semana da lactação. A contagem de leucócitos no
leite variou de 391,67 a 1.470,83 cel/mL, enquanto os granulócitos variaram de 57,89 a 88,91%, os linfócitos
de 5,91 a 17,62% e os macrófagos de 5,16 a 24,47%, e diferiram (p<0,05) entre as semanas de lactação. A
média dos leucócitos totais no sangue foi de 20.277,34 cel/mL, apresentando uma variação nos granulócitos de
65,25 a 83,78% e nos linfócitos de 16,21 a 33,75%, que diferiram (p<0,05) entre as semanas de lactação.
Verificou-se no leite que os granulócitos aumentavam enquanto as outras células diminuiam ao longo da lactação.
A presença de granulócitos e macrófagos no leite focaliza a ação dessas células contra patógenos locais, onde
exercem o mecanismo da fagocitose. Esses resultados mostram que a variação no número de leucócitos do leite
é influenciada pelo estágio da lactação, indicando que a imunidade inata mediada pelas células de defesa se
mantém durante todo o período da lactação.
PALAVRAS-CHAVE: cabra, Saanen, leite, sangue, leucócitos, lactação, imunidade inata.
ABSTRACT
The aim of this study was to characterise the total and differential leukocyte count in Saanen goat milk and blood
samples in the third lactation, during the sixteen weeks of lactation. The leukocyte count, and the percentage of
differential count was evaluated starting from the second week of lactation. The leukocyte count in milk varied
from 391.67 to 1,470.83 cell/mL, while the differential count varied from 57.89 to 88.91% in granulocytes, from
5.91 to 17.62% in lymphocytes and from 5.16 to 24.47% in macrophages. They differed (p<0.05) according to
the week of lactation. The average of the total leukocytes in the blood was 20,277.34 cell/mL, and the variation
in granulocytes was from 65.25 to 83.78% and in lymphocytes from 16.21 to 33.75%, and they differed (p<0.05)
within the lactation period. It was verified that in milk the granulocytes increased while other cells decreased
within the same period. The granulocytes, polymorphonuclear neutrophils, and macrophages in milk play a crucial
role in defending the mammary gland from the aggression of pathogen microorganisms, where they carry out the
mechanism of the phagocytosis. The results show that the variation in the number of leukocytes in milk is influenced
by the state of lactation, indicating that the innate immunity mediated by these cells keeps acting during the whole
period of the lactation.
KEY WORDS: goat, Saanen, milk, blood, leukocyte, lactation, innate immunity
*Autor para correspondência:
Av. Paranjana, 1700,
60740-000 Fortaleza-CE.
Fone: 0**85 299-2754 – Fax 0**85 299-2740
e-mail: [email protected]
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INTRODUÇÃO
A glândula mamária secreta colostro e leite que
são utilizados para alimentação das crias na vida pósnatal. Essas secreções são ricas em glicídios, lipídios,
proteínas, enzimas, eletrólitos, sais minerais, água e
constituintes celulares, os quais têm as funções de nutrir
e proteger os recém nascidos, além de manter a
integridade do leite e da glândula contra patógenos.
Esses constituintes estão associados também com a
qualidade do leite.
As secreções da glândula mamária caprina
contêm vários tipos celulares que constituem as células
somáticas, leucócitos polimorfonucleares, linfócitos e
macrófagos, oriundos do sangue periférico, e as células
epiteliais. Por características da glândula esta libera
corpúsculos citoplasmáticos, os quais não contêm DNA
(ROTA et al., 1993), mas que se assemelham a células,
prejudicando a contagem total das mesmas.
As mudanças na composição do leite são
caracterizadas por sua descoloração, presença de
coágulos e aumento do número de células,
principalmente dos neutrófilos (BLOOD &
RADOSTITS, 1991; JELINEK et al., 1996) e estão
relacionadas com inflamações na glândula mamária
(PAAPE & WERGIN, 1977; CORRÊA & CORRÊA,
1992). Vem sendo sugerido que o aumento dessas
células podem ser utilizadas como método de
diagnóstico em infecções intramamárias subclínicas
(DULIN et al., 1982; POUTREL & RAINARD,
1982), pois a sua migração do sangue para o leite,
representa um mecanismo de defesa celular inespecífico
na glândula mamária contra os patógenos (PAAPE et
al., 1979; POUTREL & LERONDELLE, 1983).
Portanto, o objetivo deste trabalho foi
determinar o número total de leucócitos e sua
diferenciação no leite, ao longo de dezesseis semanas
de lactação, em cabras da raça Saanen, sem sinais
clínicos de mastite.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizadas oito cabras da raça Saanen
procedentes da região de Caucaia, Ceará, adultas, com
idade variando entre 3 e 4 anos, pesando entre 30 e
40 kg, pertencentes a terceira ordem de parição e
criadas em um sistema intensivo, recebendo uma dieta
composta de volumoso, concentrado, sal mineral e
74
água ad libitum.
As coletas de leite e de sangue das cabras
foram realizadas a partir da segunda semana de lactação.
Amostras de sangue foram coletadas uma vez por
semana, antes da ordenha da tarde, e amostras do leite
ordenhado manualmente foram obtidas, pela manhã e
a tarde, durante 16 semanas, após assepsia das tetas.
Foram colhidos 5 mL de sangue, em frascos contendo
EDTA e 10,0 mL do leite total homogeneizado, em
frascos estéreis.
As amostras de leite e de sangue foram
acondicionadas adequadamente, mantidas sob
refrigeração e processadas imediatamente após
chegarem ao laboratório. Para a determinação do
número total de leucócitos/mL, as amostras de leite
foram homogeneizadas, retiradas alíquotas de 20 µL e
adicionadas a 380 µL do diluente Turk, para a contagem
das células ao microscópio óptico, usando o retículo
da câmara de Neubauer. Em seguida, as amostras de
leite foram centrifugadas durante 5 min a 2.500 rpm a
temperatura ambiente. O sobrenadante foi desprezado
e do precipitado foi preparado um esfregaço para
coloração pelo método do May-Grünwald-Giemsa,
para diferenciação do padrão celular leucocitário em
neutrófilos, eosinófilos, basófilos, linfócitos e monócitos
(macrófagos), ao microcópio óptico. A contagem total
dos leucócitos no sangue foi realizada em aparelho de
automação (Cell-Dyn, 1400) e a diferencial dos
leucócitos foi feita em esfregaços corados pelo MayGrünwald-Giemsa, para diferenciação do padrão
leucocitário ao microscópio óptico.
As variáveis estudadas (número total de
leucócitos no leite e no sangue) foram analisadas por
meio do procedimento PROC ANOVA (SAS, 1990),
utilizando o seguinte modelo linear:
Yij = µ + Fi + eij
Onde: µ = média geral;
F i = conjunto de efeitos fixos (efeito de
ordenha, semana de lactação e interação ordenha x
semana para número total de leucócitos no leite, e
semana de lactação para este número no sangue).
Para atender as pressuposições da análise o
número total de leucócitos no leite passou por uma
transformação logarítmica. Para comparação das
médias utilizou-se o teste de Duncan ao nível de 5%
de probabilidade.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
saudáveis, em 210 dias de lactação, foi demonstrado
que a média de polimorfonucleares foi de 63,0%,
macrófagos de 16,2%, linfócitos de 7,2% e outras
células 13% (ROTA et al., 1993). Em outras raças, foi
verificada uma variação nos neutrófilos de 63,0 a
79,0%, nos linfócitos de 5,0 a 15,0% e nos macrófagos
de 15,0 a 25,0% durante a lactação (DULIN et al.,
1983). Os resultados encontrados neste trabalho estão
compatíveis com os encontrados na literatura para a
espécie caprina, embora com metodologias diferentes.
Utilizou-se cabras Saanen na terceira lactação,
e segundo a literatura esse é um dos parâmetros que
deve ser observado na avaliação da contagem de células
somáticas no leite. Em cabras da raça Verata,
saudáveis, entre a primeira e a quarta lactação, foi
demonstrado um aumento nos polimorfonucleares de
45,8 a 70,3% e uma diminuição nos macrófagos de
20,0 a 14,4%; nos linfócitos de 12,5 a 4,7% e nas
células degeneradas de 16,3 a 13,0%, respectivamente
(ROTA et al., 1993). Os resultados deste trabalho estão
de acordo com essas observações, pois os
granulócitos, onde estão incluídos os neutrófilos
polimorfonucleares, aumentaram enquanto as outras
células diminuíram. Além disso, a média de granulócitos
O número de leucócitos totais no leite e no
sangue de cabra está representado na Fig. 1. A
contagem de leucócitos no leite variou de 391,67 cel/
mL a 1.470,83 cel/mL e diferiu significativamente
(P<0,05) entre as 16 semanas da lactação.
A média dos leucócitos totais no sangue foi de
20.277,34 cel/mL, durante o mesmo período, diferindo
dos valores normais para a espécie (KELLY, 1986),
no entanto esse aumento pode estar associado ao
horário da coleta de sangue, que foi à tarde. Portanto,
consideramos normal, em virtude dos animais não
apresentarem sintomas de processos inflamatórios que
pudessem justificar tal aumento.
Quanto a diferenciação celular do leite em
esfregaço (Fig. 2), verificou-se uma variação média nos
granulócitos de 57,89 a 88,91%, nos linfócitos de 5,91
a 17,62% e nos macrófagos de 5,16 a 24,47%, que
diferiu significativamente entre as semanas de lactação.
Observou-se também a presença de partículas coradas
semelhantes a células, mas com ausência de núcleos,
que provavelmente seriam as partículas citoplasmáticas
(dados não mostrados). Em cabras da raça Verata,
30.000
a
ab
a
abc
abc
Leucócitos totais/mL
c
abc
1.000
abc
abc
25.000
abc abc abc
20.000
bcd
bc
ed
abc
abc abc
bc
bcd
abc ab
15.000
bc
cde
10.000
e
ed
e
e
e
500
f
0
2
4
f
leite
sangue
6
8
10
Leucócitos totais/mL
1.500
5.000
f
0
12
14
16
18
Semanas de lactação
Figura 1. Leucócitos totais no leite e no sangue de cabra da raça Saanen durante 17 semanas de lactação.
75
e
d
80
g
f
i
h
i
i
i
i
j
j
k
c
a
100
b
Granulócitos
60
80
Linfócitos
40
Macrófagos
a
20
a
0
a
a
b
c
d
d
d
ef ef
60
e gh ij hi
j
g ef fg ef fg de ef ef
g
fg
40
b
c
de d
ef fg
Macrófagos (%)
Granulócitos e linfócitos (%)
100
20
0
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
Semanas de lactação
Figura 2. Contagem diferencial dos leucócitos no leite de cabras da raça Saanen durante 17 semanas de lactação
65,25 a 83,78% e nos linfócitos de 16,21 a 33,75%,
que diferiram significativamente entre as semanas de
lactação. A média de granulócitos foi de 74,52% e a
de linfócitos foi de 25,48% durante as dezesseis
semanas de lactação. Esses valores estão de acordo
com os de referência para a espécie, em que os
foi de 73,4%, de linfócitos 11,76% e macrófagos
14,8%, durante as dezesseis semanas de lactação (Fig.
4 e 5).
Quanto a diferenciação celular em esfregaço
do sangue (Fig. 3) das cabras da raça Saanen,
verificou-se uma variação média nos granulócitos de
Número de células (%)
100
abc abc
a ab ab
80
bc
c
bc
a ab
abc
a
a
a
a
a
d
d
d
60
bcd
40
d bcd
abc
bcd bcd
cd
bcd
abc
ab a
20
ab
abc
Granulócitos
Linfócitos
0
2
4
6
8
10
12
Semanas de lactação
14
16
18
Figura 3. Contagem diferencial dos leucócitos no sangue de cabras da raça Saanen durante 17 semanas de lactação
76
granulócitos predominam em animais adultos, mesmo
os livres de inflamações.
Vale salientar que o percentual dos diferentes
tipos celulares não permite que se estabeleça um padrão
de glândula mamária saudável, pois para tanto se faz
necessário avaliar outros parâmetros ao longo da
lactação, tais como a influência hormonal e o estágio
da lactação.
A presença de granulócitos e macrófagos no
leite é justificada para impedir a ação de patógenos
locais, onde exercem o mecanismo da fagocitose. Os
neutrófilos em processo de morte liberam elastase e
colagenase, e assim geram fatores quimiotáxicos
monocíticos. Os neutrófilos no tecido alcançam e
atacam primeiro o material estranho, fagocitam-no e
ao morrerem, atraem os macrófagos para o local da
invasão. Os macrófagos são atraídos não somente pelos
produtos bacterianos e pelos produtos da ativação do
complemento, mas também pelas moléculas liberadas
pelas células e tecidos danificados. Os macrófagos
destroem os microrganismos invasores tanto por meio
de mecanismos oxidativos como por não oxidativos, e
também removem as células mortas e as que estão em
processo de morte (TIZARD, 1998).
Os leucócitos polimorfonucleares, células com
função fagocítica, associados a fatores humorais
presentes na glândula mamária, representam
importantes meios de defesa do canal das tetas e das
cisternas do úbere, estando presente e em maior
concentração no leite independente do estado da
glândula mamária.
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TIZARD, I. R. Imunologia Veterinária. 5 ed., São
Paulo, Roca, p. 545, 1998.
Recebido para publicação em 18.12.2000
Aceito em 21.06.2001
AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Francisca Sônia Martins Crisóstomo, pela
preciosa ajuda na elaboração dos gráficos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
77
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