DO AMOR AO CASAMENTO: ANÁLISE DE UM MANUAL DE PREPARAÇÃO DAS MOÇAS PARA ASSUMIR OS DEVERES DE ESPOSA, MÃE E DONA-DE CASA, EM CIRCULAÇÃO NO NORDESTE DO BRASIL NA DÉCADA DE 1940 Patrícia Helena Carvalho Holanda FACED-UFC [email protected] Maria Juraci Maia Cavalcante FACED-UFC [email protected] Palavras-Chave: Casamento, Família, Educação sexual Introdução O presente trabalho traz um recorte da pesquisa em andamentoi, a qual tem objetivo maior compreender a constituição de sujeitos, no âmbito de uma família, que deixou de ser patriarcal, para ingressar numa configuração de crescente ascensão do papel do feminino em sua regulação social. É seu intuito analisar o discurso contido em livro publicado em 1948, intitulado, Do Amor ao Casamento: a comunhão de vida segundo a natureza, escrito por Hans Wirtz, autor alemão refugiado na Suíça e membro da Ordem Terceira de São Francisco, que opera como um manual de costumes e civilidade católica para casais, com vistas, sobretudo, a preparar as moças para assumir os deveres de esposa, mãe e dona-de-casa. Este livro circulou também em Fortaleza, tendo sido encontrado na biblioteca de uma casa de família, hoje composta por pessoas idosas, acima de oitenta anos de idade, e já falecidas. Wirtz é considerado um intelectual da Igreja, sendo que suas obras começaram a circular entre as famílias brasileiras, no Jornal do Brasil, em fevereiro de 1942, sob o título, Eros ao Casamento, por intermédio do Frei Pedro Sing, que publicava partes Página 1 do livro em sua coluna. No seu artigo intitulado, Uma Carta a Hanz Wirtz, Sing comentava que as idéias de Wirtz sobre o casamento vinham sendo bem recebidas por representantes de famílias brasileiras, atribuindo isso à sua estratégia de divulgação, feita “em doses homeopáticas”. Ressalta, ainda, o valor da contribuição do trabalho do autor em foco, acrescentando outras obras que deveriam ser lidas pelas famílias, dentre elas, O grande escândalo: Cristo e os Cristãos e a Viúva. O interesse da Igreja católica pelos livros de Wirtz deixa visível a preocupação com a manutenção da família patriarcal, uma vez que as décadas de 1940 e 50 vão se caracterizar como um marco do aumento da incorporação da mulher ao mercado de trabalho, justo quando há uma diversificação do tipo de ocupações por elas assumidas. Estudos investigativos sobre o caráter educativo da instituição familiar explicitam a importância do seu caráter histórico, por ser fruto de condições tipicamente culturais, que a firmaram como princípio de ordenamento social, no interior de inúmeras coletividades humanas. Portanto, é sensato nos referirmos à família, como uma instituição situada, no tempo e no espaço, o que recomenda fazermos algumas escolhas em relação às suas possibilidades de análise. Nesse sentido, demarcamos aqui, por um lado, a sociologia brasileira considerada clássica, por apresentar algumas iniciativas de entendimento do assunto, como é o caso de Gilberto Freyre (1987) e o conservador Oliveira Vianna (1987), quanto às matrizes de configuração patriarcal da família brasileira, entre o período colonial e o século XIX; por outro, na vertente de estudos europeus, onde destacamos alguns estudos sociológicos e a contribuição de Freud (1908), cuja perspectiva psicológica, sustenta a constituição do inconsciente, por meio da recorrência metafórica ao mito de Édipo, um drama que se desenrola, necessariamente, no seio de um triângulo, que é familiar, sabendo-se de sua semelhança com a estrutura burguesa de família. Família, Casamento e Sexualidade Ao traçarmos uma breve genealogia da família ocidental, com a ajuda de Giddens (2005), vemos que esta passou de um formato patriarcal de base rural, herdado de séculos passados, alcançou em espaços urbano-industriais um delineamento nuclear e esteve inserida num processo de mudanças intensas, ao longo do último século. Passa, portanto, de uma modelagem caracterizada por prole numerosa e submissão da Página 2 mulher ao poder masculino, com a vida econômica ocorrendo, dentro ou fora do espaço doméstico, mas, sendo ainda possível uma convivência mais intensa e demorada, entre pais e filhos; até chegar a uma separação mais nítida desse convívio cotidiano. Tais mudanças vão repercutir na forma como a sociedade vai regular a dinâmica da família, do casamento e das relações conjugais, que lhe são inerentes. Ao abordamos temáticas, tais como, família, casamento e educação moral de moças, estamos tratando de história cultural e religiosa, em especial, quando são estudadas a partir do enfoque das relações entre educação e Igreja católica, no quadro da vida social e urbana da sociedade brasileira, nas décadas de 1940 e 50, em confronto com os dias atuais, através de um manual de regulação de costumes, caso da obra supracitada, que bem poderia ser relacionado com os manuais de educação sexual, que circularam, fartamente, entre nós, como mostra o estudo de Bassalo (1999), o que não será possível fazer no espaço reduzido deste trabalho. Nesse sentido, estaremos atentas, tanto à perspectiva de evolução histórica da família, como também aos seus valores herdados e presentes no contexto de cada época. Vale destacar, que a obra em questão, produzida por um intelectual leigo da Igreja Católica é um manual para ensinar casais a superar as crises da vida conjugal, no sentido de moralizar a família católica, o que é explicitado, logo na sua apresentação, quando o Wirtz (1948) fala sobre a intenção da sua obra para com os seus leitores Todo o nosso ser – pensar e agir – se encontra constantemente no perigo de se tornar inatural, de se desprender da obediência das leis fundamentais, postas pela sabedoria do Criador para dirigir o rumo de nossa vida. O perigo de pretendermos caminhar por estradas próprias. Também a nossa vida amorosa e a vida no matrimônio estão ameaçadas desse perigo. Daí a miséria do amor e do matrimônio. (....) Quem como experiente escreve sobre amor e matrimônio, escreve confissões de ordem pessoal a história de sua própria fraqueza, que em cada capítulo trata da antiquíssima experiência de que, se bem que o espírito esteja pronto, a carne quase sempre é fraca. E é por isso que este livro, longe de formar um juízo ou uma sentença lavrar uma sentença sobre a fraqueza dos outros é apenas a expressão de erros e defeitos de que ninguém está isento. Ao mesmo tempo é um chamamento é um guia para, aparando-lhes os golpes, vencê-los e Página 3 formar um matrimônio natural e perfeito segundo os planos de seu fundador divino, isto é, vivê-lo bem! “Vitznau, aos 9 de janeiro de 1938 (na Festa da Sagrada Família) Wirtz deixa transparecer sua estratégia de controle sobre o comportamento dos casais, particularmente, das moças, ao imprimir a auto-restrição. Tal estratégia de socialização vai possibilitar uma disposição individual para desenvolver um comportamento obediente, uma vez que fica bem determinado ali, o que é certo e o que é errado, bem como o quanto é vantajoso desenvolver a capacidade de ter um controle interno. Para que isso ocorra, destaca o papel da Igreja e da fé, como guia e guardiã, a cuidar que a mulher, em especial, seja vigiada, com constância, para que as regras sejam preservadas; um cuidado que envolve desde a educação recebida por sua família, conforme o autor (op. cit.) alude, ao falar sobre os requisitos necessários para preparação da moça para o matrimonio: Muitos casamentos de amor naufragam nos primeiros seis meses, pelo simples fato de que a jovem esposa não sabe desempenhar as suas funções nem psíquica nem tecnicamente. Por algum tempo a falta de habilidade da dona de casa é ainda coberta com o manto da caridade, surto de impaciência e de desilusão, ainda será vencido por uma indulgência imposta pelo afeto. Por algum tempo.... Mas depois! Quando se desencadeia uma verdadeira revolução dentro de casa, tirando todo o conforto com o nascimento do primeiro filho...então se irritam os nervos. E com o descontrole dos nervos vai-se a paz e foge o amor. (....) Felizes aquelas que se empenham no sentido de preparar a filha para o casamento, zelosa e praticamente quanto possível. Se for preciso o pai dirá uma palavra decisiva e enérgica. O rigor será nesses casos o melhor sinal de amor paterno, ainda que a incompreensão da filha não o leve a bem (pág. 37-38). Analisar o modo que o autor propõe para as famílias educarem as moças, nos permite visualizar o comportamento considerado mais adequado para a sociedade, no período enfocado, qual seja, pautado na obediência ao pai, que era suposto o seu melhor regulador e conselheiro para arranjar um “bom casamento”. A este é atribuído ainda, o que zela por suas virtudes, que seriam investigadas para conseguir um bom marido; isto é, um rapaz considerado “um bom partido”. O papel da moça dessa época é de recitar o código social da união amorosa, que deve ser sacramentada no altar e ser Página 4 eterna. Esses comportamentos procedimentais levam a moça a assumir um estado de não sujeito, onde o seu papel consiste em cumprir e obedecer com precisão sua função passiva de filha obediente e de dona-de-casa. Vale ressaltar que, nesse período, ocorreu no Brasil a proliferação dos colégios de congregações religiosas, onde as freiras se dedicariam a educar, sobretudo, as moças de classe mais abastadas nos internatos, ensinando-as a bordar, cozinhar e tocar piano. Dessa forma, de acordo com o pensamento de Biasoli-Alves (2000), essa era importante estratégia de se manter uma sociedade estratificada, com a ajuda conservadora da Igreja, pois a mulher sabia que o seu lugar era o lar e a sua ocupação mais valiosa se restringia ao marido, filhos, pais, sogros e tios, como pode ser evidenciado, na seguinte passagem da obra de Wirtz (1948): O campo próprio da mulher é o lar. Verdade corriqueira! Assim mesmo deve ser frisada. Pois, sempre andam mulheres – e seu número parece hoje em dia aumentar – a que essa atividade dentro de casa não satisfaz, que se julgam chamadas para desígnios melhores e nutrem planos “mais altos”; tudo a aquilo de casa lhes parece simplório, pouco “espiritual”: essa eterna repetição das mesma ocupação no quarto das crianças, nos dormitórios, na cozinha e na despensa. Dizem que essas ocupações não as preenchem e que por consegüinte, as deixam profundamente insatisfeitas. (...) Quanto haviam desejado poderem desempenhar sua “missão de mulher” na maternidade e nos cuidados da família. Mas isso já vai tão longe! Entrementes ficaram interiormente desbotadas ou frias qual lareira apagada. Porque não compreendem a grande arte de ser dona de casa (p. 120). Essa passagem do livro nos remete ao estudo de Freyre (2004) ao se referir à educação que a mulher recebia nessa época, mostrando que havia uma intencionalidade de afastar a mulher dos domínios econômicos e políticos, os quais eram considerados mais apropriados à estrutura patriarcal. No seu trabalho, vamos encontrar uma análise do papel secundário das mulheres na sociedade, pois estas eram consideradas incapazes de fazer uma reflexão. Como via de conseqüência, a imagem da mulher era sempre vinculada às atividades mais fúteis e tinha que apresentar como característica ser ingênua e inofensiva. Adicione-se a isso, que a mulher deveria ser acomodada e comedida, quando fosse externar seus afetos, pois não podia sentir paixão e sim amor; não podia permitir ao noivo ou ao namorado liberdades antes do casamento; devia ser criteriosa na escolha dos parceiros; e prestar conta dos seus atos à sociedade e aos pais, ao noivo ou marido, à Igreja e a Deus. Página 5 Isso vai ser destacado, no estudo de Freyre (1987) e Oliveira Vianna (1987), ao abordarem as matrizes sociais da família brasileira, para explicar a predominância do seu contorno patriarcal, rural e extensa, até o século XIX, passando a se configurar como nuclear, ao imigrar para o ambiente urbano, no século XX. No intuito de atender ao objetivo primordial proposto por esta comunicação que consiste em analisar a concepção moral e sexual implícita no manual de preparação das moças - vamos aludir à caracterização dada pela Psicologia da época, quando o ser feminino da mulher, como está evidente, por exemplo, no ideal de feminilidade caracterizado por Freud, está associado à representação de uma mulher burguesa, que vive em Viena; sua formulação é feita, entre finais do século XIX e começo do XX, onde a maternidade é vista como o representante maior da feminilidade, uma vez que a “natureza da mulher” era tomada por frágil e passiva, atributos considerados adequados, portanto, para o desempenho da função de esposa e mãe. Podemos dizer que essa visão corresponde a um modo de entender a mulher, largamente difundido em sociedades ocidentais, e que tem sido propragada, mesmo hoje, em alguma medida, seja para moldá-la pela educação, seja para avaliar os comportamentos distanciados desse padrão. No caso do Brasil, como sociedade que recebe o padrão europeu patriarcal, segundo Freyre (op. cit), a Igreja Católica não vai poupar esforços, como educadora, para manter a moral do patriarca, à medida que compactua com um padrão duplo de moral vigente na sociedade, que outorgava ao homem todas as iniciativas de ação social, enquanto as mulheres ficavam restritas aos serviços domésticos, aos contatos com os filhos e parentes e ao seu confessor. Para ele, o papel do confessor, junto a essas mulheres, visava o saneamento mental e a ação terapêutica ideal contra os recalques e as patologias que acometiam as mulheres. Para enriquecer esta nossa análise, quanto à força do conservadorismo patriarcal e católico, mas também de estudiosos da psicologia da mulher, não podemos deixar de destacar as contribuições de Freud, em relação às doenças mentais de que são acometidas as mulheres que ele atende em seu consultório, que serão conhecidas como histéricas. Para Neri (2005), ao escutar com atenção e curiosidade o mal-estar Página 6 feminino, Freud “funda a própria Psicanálise, ao dar crédito e ouvidos à histeria como portadora de uma verdade que subverte a racionalidade filosófica e feminina” (p.11). Vale destacar que a modernidade, sobretudo, entre o século XVIII e XIX, na Europa, se caracteriza pelo “surgimento do feminino” na cena social. O discurso freudiano vai abordar a patologização da mente e histerização do corpo feminino, o que pode ser visualizado na passagem citada acima. Ao abordar o descontrole dos nervos das mulheres, ele nos remete à forma discursiva como eram feitos os entendimentos e diagnósticos das mulheres histéricas, no cotidiano, pelas pessoas de sua convivência, e até por alguns médicos, como aquela que vive “doente dos nervos”. No início de sua obra, Freud vai defender que a neurose at inge mais as mulheres do que os homens – embora, por via de consequência, aquela esteja também presente neles, pois apenas elas são o alvo principal de atuação dessa moral repressora. Desse modo, a restrição da sexualidade, condicionada ao casamento, na sociedade do início do século XX é ordenada para colocar a mulher no âmbito do espaço privado, distante da tentação polít ica, que pode ocorrer na vida pública, onde vai estar situada a fonte de saber e autonomia. Voltando à análise do conteúdo da obra de Wirtz, esta nos fornece elementos para uma melhor compreensão do que significa a chamada crise da família contemporânea. Uma vez que, essa família, sob o impacto de diferentes fases da industrialização, vem atravessando grande transformação, face ao crescimento da urbanização, do êxodo rural, do consumo, da educação escolar, do ingresso da mulher no mercado, dos meios de informação e comunicação e da mobilidade geográfica. Sayão (2011), ao abordar os aspectos concernentes ao papel da mulher, nos lembra que, por imposição da estrutura familiar e da sociedade, à mulher coube assumir junto à família as responsabilidades do lar, como a organização cotidiana e a administração do lar. A autora reitera, ainda, que essa imposição era decorrente do papel de provedor atribuído ao homem, que tinha que sair em busca de construir seu espaço no mercado de trabalho. No entanto, as transformações supracitadas, particularmente, as Página 7 econômicas foram imperiosas para a subsistência da família, pois a mulher precisava sair de casa em busca de um emprego para contribuir no orçamento doméstico, o que trouxe como conseqüência uma sobrecarga de atribuições para a mulher que veio a acumular ao tradicional trabalho doméstico, uma carreira profissional e a participação efetiva das responsabilidades do sustento da família. Tais processos formam um conjunto articulado de fatores, que têm contribuído para a quebra dos padrões tradicionais, no modo de organização das famílias, que resultam, por exemplo, na diminuição da autoridade paterna, na expectativa de aumento da responsabilidade do Estado como poder disciplinador das relações sociais básicas; além disso, no âmbito jurídico-social, a responsabilidade da família vem sofrendo um movimento de transferência para instituições como a escola, os institutos de previdência social, o juizado de menores, dentre outros. Araújo (2003) contribui para esse debate, apresentando uma compreensão de família, que começa por defini-la como uma instituição que possui processos e práticas sociais, que delimitam sua dinâmica e organização. Para ele, a família encontra-se em crise devido à mudança de seu modelo, antes patriarcal, ocorrida mais fortemente nas últimas décadas, apontando como causa dessas mudanças os processos sociais, econômicos, culturais, inerentes a uma instituição, que sofre constantes mutações em sua função social. Para ele, esses fatores vão interferir na dinâmica familiar, provocando alterações na sua organização, em especial, à medida que tenta assimilar a nova função social da mulher, que muda a representação dos papéis que os diversos membros da família vão assumindo, sendo tudo isso relacionado ao perpassar de gerações e da mudança de valores envolta nessa dinâmica. Destarte, ao estudarmos sobre a configuração familiar é possível perceber que ela passou por transformações apresentando novos modelos que não ficam mais restrito no clássico modelo homem e mulher que se casam, tem filhos e ficam juntos “para sempre” até que a morte os separe, surgem novas configurações em função do divórcio, que vão ocasionar novos casamentos e das uniões homossexuais. Portanto, ocasionado mudança na função de seus atores. Holanda (2012) concorda com esse pensamento ao afirmar que, “vista em perspectiva genealógica, a instituição familiar Página 8 passou do formato patriarcal para o modelo burguês de família até chegar aos dias atuais, em que são múltiplas as configurações e os arranjos”(p.448). Considerações Finais O ritmo acelerado de mudanças que vem ocorrendo na sociedade atual influencia, diretamente, o significado da família como instituição social, de modo que não podemos alimentar a ilusão de que as famílias passem à margem disso, ou seja, que deixem de interagir com esses fluxos e tendências. Fica cada vez mais evidente que a tradicional configuração da família burguesa - constituída pelo pai provedor, a mãe infatigável, carinhosa, dedicada aos trabalhos domésticos e à educação dos filhos, que, por sua vez, brincam e aprendem felizes e despreocupadas, entre o aconchego do lar e a escola - vai deixando, rapidamente, de fazer parte do repertório moral da nossa sociedade atual. Para tentar vislumbrar o seu rumo e horizonte social, vale perguntar como fica a educação, nesse novo contexto social. Embora este seja um campo de conjecturas, acreditamos que, para podermos entender hoje o seu significado social, é necessário, seguramente, reconhecer os pontos de conexão e ruptura entre as três instituições modernas que a delinearam: família, escola e estado. Afinal, no tempo contemporâneo, já não parece haver lugar para as certezas de um passado, onde a mulher estava subjugada à vontade patriarcal, a escola era a fonte de todo o saber e modelo de educação; e o estado republicano buscava o controle padronizado e a proteção em massa de todos os cidadãos, nem que para isso precisasse da ajuda da Igreja católica, de quem no começo se apartara. Concluímos que o conteúdo principal do manual aludido são regras morais e disciplinares, dirigidas à conduta sexual, usadas com maior força, entre o final do século XIX e início do XX, como requisito da honra familiar e condição para ser esta defendida pelo homem. Essas regras são estratégias encontradas pela Igreja católica para manter a moral a patriarcal imune às repercussões do desenvolvimento do capitalismo no Brasil, em meados do século XX, ante um processo de intensa migração interna, em escala regional e inter-regional, que, por sua vez, vai gerar uma inquietação incontrolável, em meio à crescente urbanização e industrialização, quando a condição urbano/rural será o critério para a configuração de um tipo de família, que Página 9 embora ainda conserve traços do poder patriarcal, dominará por algumas décadas e dará lugar, pouco a pouco, a novos arranjos familiares, onde a questão de gênero e de definição de papéis será posta como indicador de uma grande mudança de valores em curso. Referências AQUINO, Julio Gropa, SAYÃO, Rosely, RIZZO, Sérgio, La Taille, Yves. Família e Educação: quatro olhares. São Paulo: Papirus, 2011. BASSALO, Lucélia de Moraes Braga. Os Saberes em torno da Educação Sexual na Primeira Metade do Século XX no Brasil. 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