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Ensaios sobre Educação e Universidade
Durmeval Trigueiro Mendes
Ensaios sobre Educação e Universidade
Organizadores
Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero
Jader de Medeiros Britto
Brasília | DF
Inep
2006
COORDENADORA-GERAL DE LINHA EDITORIAL E PUBLICAÇÕES (CGLEP)
Lia Scholze
COORDENADORA DE PRODUÇÃO EDITORIAL
Rosa dos Anjos Oliveira
COORDENADORA DE PROGRAMAÇÃO VISUAL
Márcia Terezinha dos Reis
EDITOR EXECUTIVO
Jair Santana Moraes
REVISÃO
Jader de Medeiros Britto
Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero
Jair Santana Moraes
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Regina Helena Azevedo de Mello
PROJETO GRÁFICO, CAPA, DIAGRAMAÇÃO E ARTE-FINAL
Marcos Hartwich
TIRAGEM
1.000 exemplares
EDITORIA
Inep/MEC - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo I, 4º Andar, Sala 418
CEP 70047-900 – Brasília-DF – Brasil
Fones: (61) 2104-8438, (61) 2104-8042
Fax: (61) 2104-9812
[email protected]
DISTRIBUIÇÃO
Inep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo II, 4º Andar, Sala 414
CEP 70047-900 – Brasília-DF – Brasil
Fone: (61) 2104-9509
[email protected]
http://www.inep.gov.br/pesquisa/publicacoes
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
Mendes, Durmeval Trigueiro.
Ensaios sobre educação e universidade / Durmeval Trigueiro Mendes ;
organizadores, Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero, Jader de Medeiros
Britto. – Brasília : Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira, 2006.
218 p.
ISBN 85-86260-29-0
1. Ensino superior. 2. Universidade. 3. Brasil. I. Fávero, Maria de Lourdes
de Albuquerque. II. Britto, Jader de Medeiros. III. Título.
CDU 378.4
SUMÁRIO
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Prefácio
O caminhar do educador:
reflexões e propostas .......................................................... 7
1
Realidade, experiência, criação .......................................... 17
2
Fenomenologia do processo educativo .............................. 35
3
Expansão do ensino superior no Brasil ............................ 73
4
Governo da universidade ................................................... 105
5
A Universidade e sua utopia ............................................. 133
6
Pesquisa e ensino no mestrado de Educação ................... 143
7
Desenvolvimento, tecnocracia e universidade ................. 163
8
Anotações sobre o pensamento educacional
no Brasil .............................................................................. 181
Biobibliografia do educador .............................................. 193
PREFÁCIO
O Caminhar do Educador:
reflexões e propostas
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Para se falar dos escritos de Durmeval, será pertinente
ressaltar que, em seus estudos e trabalhos, não há uma
exposição linear. Em diversos momentos de sua atuação
como pensador, professor, pesquisador, profissional que
exerceu diversos cargos públicos, portanto, homem de ação,
ele volta, de vez em quando, aos mesmos temas para
aprofundá-los, ampliá-los e enriquecê-los com novas reflexões e propostas.
Feita essa ressalva, destacamos de sua produção teórica alguns textos concernentes à educação e à universidade, que certamente oferecerão subsídios para se pensar a
educação brasileira e as instituições educacionais, ontem
e nos dias atuais, a partir da visão teórica e do testemunho
concreto de sua percepção dialética da realidade, que
vivenciou com decisão, ciente de suas contradições e limitações, sem, no entanto, jamais perder a esperança.
Com vistas à elaboração desta edição, pareceu-nos também pertinente destacar alguns momentos-chave da atuação de Durmeval, ao longo de seu itinerário.
•••
Ensaios sobre Educação e Universidade
7
Em 1951, aos 24 anos, inicia sua vida pública, exercendo o cargo de
Secretário da Prefeitura de Campina Grande, no Estado da Paraíba, e no
ano seguinte, o de Diretor do Departamento de Educação do mesmo Estado. No exercício desses cargos, inicia, também, sua carreira no magistério,
como catedrático de Sociologia da Educação da Faculdade de Filosofia da
Paraíba e como professor de História e Filosofia da Educação no Instituto
de Educação. Tinha 26 anos, quando o governador José Américo de Almeida
o convida para dirigir a Secretaria de Educação e Cultura dessa unidade
federativa.
Esse cargo marca os primeiros passos de uma carreira bastante expressiva em organismos educacionais. Como Secretário de Estado, organiza a Universidade da Paraíba, sendo escolhido, em 1956, como seu primeiro Reitor. Afastado desses cargos, em 1957, a convite da Alemanha,
Durmeval realiza viagem à Europa, para observar o sistema educacional
daquele país, assim como o da França, visitando também universidades
inglesas.
Em 1958, transfere-se para o Rio de Janeiro atendendo a convite de Anísio Teixeira, diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), a
fim de exercer o cargo de Supervisor da Campanha de Educação Complementar, em nível federal. Nesse ano, tem seu primeiro contato com a Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), lecionando Filosofia da
Educação no curso de Pedagogia. A partir daí, concentra suas atividades profissionais como professor, pesquisador, administrador e sobretudo como educador, no Rio de Janeiro. Por indicação de Anísio ao Ministro da Educação
Oliveira Britto, é nomeado Diretor do Ensino Superior do Ministério da Educação e Cultura (MEC), num período bastante conturbado (1961-1964), na
história do País. De sua gestão nessa Secretaria, destacam-se várias iniciativas
criadoras como as comissões de especialistas em todos os campos do saber
universitário, tendo em vista a elaboração de currículos mais adequados às
necessidades da sociedade brasileira e à evolução do conhecimento. Em 1964,
um pouco antes do golpe militar, é indicado para integrar o Conselho Federal
de Educação (CFE), onde permaneceu até setembro de 1969. Tem-se observado que é justamente ao longo desse período que seu pensamento educacional
atinge a maturidade, como se pode verificar nos pareceres que então emitiu.
Assume em 1965 a cadeira de História do Pensamento Econômico,
na Faculdade de Ciências Econômicas, e mais tarde a de Sociologia, na
Faculdade de Administração e Finanças da Universidade do Estado da
Guanabara, atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Em
1968, obtém a transferência da Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
para a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), assumindo a
cadeira de Sociologia da Educação na Faculdade de Educação, da qual
é afastado, em setembro de 1969, em pleno regime militar, quando o
Ato Institucional nº 5 (AI-5) o atinge, aposentando-o de suas funções
8
Durmeval Trigueiro Mendes
públicas. Durante cerca de dez anos, não exerce qualquer atividade em
instituição ligada à esfera governamental. Somente em 1980, é reintegrado como técnico do Ministério da Educação e professor universitário. Nesse período, prestou assessoria à Universidade Cândido Mendes
e dedicou a maior parte de seu tempo aos Mestrados de Educação do
Instituto de Estudos Avançados em Educação da Fundação Getúlio
Vargas (Iesae/FGV) e da PUC-Rio.
Embora Durmeval afirmasse que "não sabia precisamente o fato
determinante de sua aposentadoria", imposta pelo referido Ato, tudo leva
a crer que deve ter pesado seu posicionamento, no CFE, explicitamente
contrário à inserção nos currículos da disciplina Educação Moral e Cívica,
solicitada pelo Ministério do Exército. Segundo depoimento dele,
[...] o CFE capitulou frente ao poder, materializado pela presença intimidadora de
militares fardados assistindo a sessão plenária do Conselho. [...] Todos os conselheiros votaram favoravelmente à inserção no currículo dessa disciplina. Todos,
menos eu.1
Em 1980, juntamente com outras eminentes personalidades de nosso
meio acadêmico-científico, que foram afastados pelo AI-5, é reintegrado no
serviço público federal, em virtude da Anistia política então iniciada. Aceita o desafio de recomeçar a trabalhar no MEC, como Técnico em Educação,
e na Faculdade de Educação da UFRJ, como docente-pesquisador, onde sempre se fez presente, especialmente na Pós-Graduação em Educação.
Para uma visão mais completa de sua trajetória pessoal e profissional,
arbitramos, também, por colocar no final desta edição sua biobibliografia,
contendo uma cronologia com seus dados pessoais e uma bibliografia de
sua produção.
•••
Num levantamento dos textos elaborados por esse educador, selecionamos alguns publicados em periódicos. Esses textos contêm elementos
das matrizes teóricas, trabalhadas por Durmeval Trigueiro Mendes em seus
estudos e oferecem subsídios valiosos para se pensar a educação e a universidade no Brasil da década 60 aos dias atuais.
Dentre eles, chamamos a atenção para o primeiro texto, "Realidade,
experiência, criação", publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 59, n. 130, p. 227-240, jul./set. 1973, no qual o autor delineia uma
visão filosófica de como se lhe apresenta o mundo e, nele, os percursos e
1
Ver Trigueiro Mendes, Durmeval. Depoimento concedido à Revista ANDE. São Paulo, n. 6, p.32, 1983.
Ensaios sobre Educação e Universidade
9
o papel dos seres humanos. Inicia com uma análise sobre os pressupostos
socráticos da racionalidade e o pensamento carente de conteúdo. Faz uma
análise crítica ao fato de o método criado por Sócrates, a maiêutica, ser
considerado como criação livre, assinalando que [nos diálogos platônicos] acabava aprisionado [o discípulo] na verdade do mestre. Em
contraposição, Trigueiro Mendes defende a criatividade como liberdade e
fonte de renovação constante. Para ele, se com Sócrates o que se buscava
era descobrir o homem, com Heidegger o que se buscava era inventá- lo
(p. 228). Assim sendo, o sujeito passa a ser entendido como um ser-aí, um
ser livre que escolhe e é responsável pela sua escolha. Para Durmeval,
mais do que nunca, era preciso que o sujeito, ao usar a criatividade, pudesse por meio dela se construir de maneira qualitativa. Observa, também, que a educação já tinha passado da fase do logos e se encontrava na
fase da tecné e futuramente entraria na fase do eros , na qual se processaria a integração dialética entre logos e tecné. Em seu entender, a educação
do futuro deveria se caracterizar pela busca do humano. Busca essa que
necessariamente deveria passar pelo crivo da experiência.
Tendo presente essa concepção de homem, propõe uma didática educacional que se apóie num conceito de educação em seu sentido mais
profundo: educere, que significa extrair, deixar sair de dentro, consentir
que o aluno construa e junto com o professor interrogue a si mesmo e ao
mundo. Enfim, que use sua capacidade de criação.
O estudo "Fenomenologia do processo educativo", publicado, também,
na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 60, n. 134, p. 140-172,
abr./jun. 1974, contém uma análise sobre os temas: Faculdade de Educação, metodologia educacional e legislação do ensino de 1º e 2º graus, vigente a partir do início dos anos de 1970. Nesse estudo, Durmeval apresenta sua concepção de educação, entendida como uma atividade criadora vinculada ao desenvolvimento que favorece a "realização de um projeto
pedagógico", envolvendo vontade e colaboração de todos os integrantes
do grupo social, ou seja, uma "arte da práxis humana", viável e
instrumentalizada pela consciência dos participantes. Reconhece que a
educação não deve ser isolada e distanciada da realidade social. Para tanto, caracteriza a Faculdade de Educação como instituição responsável por
esse fazer devendo constituir, no plano intelectual, uma das principais
fontes de planejamento.
Aqui, Trigueiro Mendes trabalha conceitos importantes, tais como:
interdisciplinaridade, qualidade/quantidade do ensino; relações entre teoria e prática; pesquisa como suporte ao ensino superior etc. Leitura atenta deixa perceber que a concepção do autor sobre educação, ensino e papel da Faculdade de Educação no desenvolvimento educacional permite a
ramificação de outras idéias também relevantes. No entanto, para
Durmeval, qualquer ação da Faculdade de Educação necessitaria de um
10
Durmeval Trigueiro Mendes
planejamento, pois no seu entender "qualquer sociedade moderna precisa
planejar sua educação reconhecendo nela a mais fecunda instrumentalidade
para o projeto de seu desenvolvimento. Por isso, a Faculdade de Educação
deveria ser uma das principais fontes de tal planejamento" (p. 141). De
forma reiterada, ao longo do estudo, há uma sugestão no sentido de distinguir perspectivas futuras com os olhos do presente, sem nenhum tipo de
acomodação, mas usando o que é permitido: o trabalho, o lazer, o agir e o
fazer (p. 143-144), isso porque para ele: "o fazer e o agir se cruzam
dialeticamente, de modo que os valores saem das mãos do homo faber
tanto quanto entram no espírito do homo sapiens" (p. 144)
No tocante à pesquisa na Faculdade de Educação, considera que esta
deveria basear-se em compromisso e responsabilidade, representando "o
instrumento de ligação entre as ciências da educação e a realidade social"
(p. 165); deveria ser uma prática globalizante abrangendo sistema de ensino e sociedade e os resultados em termos de pesquisa seriam os de
integração entre teoria e prática (p. 166). Após analisar e considerar diferentes aspectos e conceitos concernentes à educação e ao ensino, além de
tecer algumas críticas ao processo educacional brasileiro, Trigueiro Mendes reconhece que "o maior problema da educação consiste em fazer germinar e formar profissionais sob padrões já estabelecidos, sem questionar
aquilo que fazem, como fazem e para que fazem" (idem).
Num levantamento das matrizes teóricas que criaram as bases para se
pensar a universidade no Brasil, incorporamos a esta edição algumas contribuições de Durmeval do período em que atuou como Diretor do Ensino
Superior do MEC e, depois da segunda metade da década de 60, como
membro do Conselho Federal de Educação. Entre os estudos produzidos
nesse período, destaca-se "Expansão do ensino superior no Brasil", publicado, inicialmente, na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 48, n.
108, p. 209-234, out./dez. 1967. Nesse ensaio, Trigueiro Mendes sinaliza a
expansão do ensino superior alicerçada nestes postulados: a) constitui
um processo ambíguo capaz de dilatar mediocridades ou provocar a ruptura do status quo, mediante novos marcos qualitativos, tornando-se caminho para o desenvolvimento; b) constitui fator de democratização, segundo a clientela a que vai beneficiar, com vistas à elevação dos padrões
de vida da comunidade; c) pode realizar-se sob forma de interiorização
geográfica.
O eixo de sua tese consistia em articular a expansão universitária
com o desenvolvimento nacional. Propõe duas condições para realizá-la:
explorar até os limites as possibilidades de utilização dos núcleos de ensino superior qualitativamente sólidos e criar novos núcleos consistentes
mediante implantação programada.
Defende, também, uma autonomia eficiente, a começar pela
reformulação do planejamento do ensino superior, com a criação de novo
Ensaios sobre Educação e Universidade
11
sistema de articulação entre governo e universidades, sobretudo quanto
ao financiamento. Observa que a autonomia universitária deve ser respeitada, evitando-se impor às universidades programas de trabalho, mas,
por outro lado, o planejamento deverá ser obedecido com a fixação de
objetivos, segundo prioridades do desenvolvimento nacional. Adverte
que "a expansão do ensino superior somente será legítima se se processar sobre um lastro de qualidade, de efeito criador no sentido keynesiano.
Fora disso, o que se faz é emitir sobre o vazio, é inflação negativa" (p.
216). Assinala que o esforço de uma sociedade e democrática consiste
em trocar o laissez-faire pelo planejamento. E deixa claro que a universidade deve ser como uma totalidade dinâmica que se forma pela convergência de todas as partes, distinguindo na educação permanente sua
adequada expressão.
Outro estudo relevante do autor, que destacamos para incluir nesta
coletânea, é intitulado "Governo da Universidade", publicado na Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 47, n. 105, p. 68-90,
jan./mar. 1967. Fruto de conferência pronunciada pelo autor no Seminário
sobre Ensino Universitário, de 3 a 5 de novembro de 1966, promovido
pelo Conselho Federal de Educação, foi editado logo a seguir pela Revista
Documenta, n. 64, p. 74-98, dez. 1966.
Trigueiro Mendes inicia esse trabalho assinalando que o "o problema
do governo na universidade é o problema do poder no mais original dos
regimes políticos" (p. 68) Focaliza o diálogo universitário, bem como as
responsabilidades do governo desse espaço, ao mesmo tempo que reconhece ser "a autonomia inerente ao governo da universidade e cujo sujeito
é a própria instituição, [devendo estender-se ] a todos os níveis da gestão
universitária, não devendo constituir-se em monopólio de nenhum deles"
(p. 69). Para Durmeval, "cada instância deve gozar de autonomia, no sentido de autogoverno: as faculdades, os institutos, os departamentos." (idem),
acrescentando: "A subordinação de cada um à instância superior não a
vincula ao arbítrio dos dirigentes desta, mas a uma vontade comum, expressa numa política a que todos se subordinam, inclusive os órgãos mais
altos do poder universitário" (idem).
Analisando essa concepção de autonomia, inferimos que o autor preconiza a consolidação efetiva da autonomia e democracia nas instituições
universitárias, apoiando-se no pressuposto de que uma universidade apresenta sempre diversos graus de poder, configurando o sistema político como
uma pirâmide. Mas, para que uma instituição universitária seja de fato democratizada, em sua visão, o poder deve fluir da base ao vértice. Ou seja, a
defesa da universidade autônoma e democrática, segundo ele, deve apoiarse no princípio da gestão democrática em todas as instâncias: reitoria, centros, faculdades, escolas institutos, departamentos, etc. Assim sendo, impõe-se que o governo da universidade traduza "uma concepção ministerial
12
Durmeval Trigueiro Mendes
do poder, que é a antítese da vontade de poder" (p. 88). E complementa que
"dessa forma, deverá subordinar-se a dois princípios: o da vontade comum,
elaborada e executada através de métodos adequados, e o da gestão acadêmica, pelo qual as instâncias de poder nos assuntos científicos serão providas por delegação do corpo acadêmico, segundo os interesses do ensino e
da pesquisa" (idem).
No texto "A Universidade e sua utopia", publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 50, n. 112, p. 223-231, out./dez.1968,
Durmeval reflete sobre a multiplicidade dos saberes, assim como a possibilidade de sua conciliação, que constitui outro aspecto dramático da crise universitária (p. 223). Chama a atenção para a expressão "crise da universidade", que no seu entender significa "a crise de uma instituição, ou
seja de uma idéia" (p. 225). Nessa perspectiva, essa crise pode ser entendida como uma "fratura numa substância" (idem). Mas, "não se trata de
rearrumar os pedaços de uma estrutura decomposta, nem de compor nova
estrutura para salvar velhas idéias" (idem). Para o autor, a crise de uma
instituição universitária, "é uma questão de objetivos, de funções e de
métodos". E, se não houver mudança nesses aspectos, nada mudará efetivamente. Como saída, ele observa que "o único instrumento apropriado
para tratar de uma crise, é a crítica, tomada no sentido filosófico, como
investigação fundamental da realidade, entendida como "saber radical e
re-instaurador na ordem objetiva" (idem), acrescentando: "é preciso reconhecer que a universidade contemporânea tem vivido de ideologias, e que
ela precisa , urgentemente, construir sua utopia" (p. 225).
O autor conclui o texto tecendo alguns comentários e levantando questões que ajudam a pensar a universidade no País: "No umbral da universidade se encontram os seus guardiães", e assinala: "dentro dos muros, há
uma enorme e quase disparatada quantidade de coisas heterogêneas que
lhe cabe reunir na unidade de seu comando" (p. 231). Em face dessa realidade, coloca as questões: "Que se deve deixar entrar? Como arrumar o
desconexo que está lá dentro?", oferecendo elementos para se pensar a
universidade ontem e ainda hoje.
Entre os textos produzidos por Durmeval, especial destaque merece
ser dado ao estudo "Pesquisa e Ensino no Mestrado de Educação", publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 68, n. 128, p. 249-264,
out./dez., 1972, contendo a proposta inicial de um programa de pesquisa a
ser desenvolvido pelo Instituto de Estudos Avançados (Iesae/FGV), criado
em 1º de junho de 1971, mediante a Portaria nº 33, assinada pelo presidente da Fundação Getúlio Vargas.2
2
A respeito consultar Fávero, Maria de Lourdes de A. O autoritarismo institucional e a extinção do Iesae. Educação e
Sociedade, Campinas, v. 4, n. 85, p. 1257-1275, dez. 2003.
Ensaios sobre Educação e Universidade
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Essa proposta, a ser desenvolvida pelo Instituto, abrangia três aspectos: "a filosofia, a estratégia e a articulação com o ensino" (Trigueiro Mendes, 1972, p. 250). Segundo esse pensador/educador, a pesquisa seria considerada a substância da pós-graduação, devendo priorizar a análise da
política educacional e do progresso das ciências da educação no país. Sem
menosprezar a pesquisa empírica, Durmeval insiste que a pesquisa no
Iesae deveria caracterizar-se "pela reflexão filosófica, em busca de raízes
de inteligibilidade da educação, de suas categorias e de seu processo, bem
como pelo esforço de síntese", advertindo em seguida que: "Não imaginamos, entretanto, a obra de pensamento separada da pesquisa teórica e da
pesquisa empírica" (p. 252). A pesquisa educacional no Iesae, para ele,
"deveria centrar-se nas áreas da pós-graduação: filosofia da educação (incluindo uma parte histórica), administração educacional (no sentido
macroestrutural) e psicologia educacional" (p. 253). Não significando porém três disciplinas, mas três campos bastante abrangentes, cuja integração
poderia oferecer uma base para o trabalho interdisciplinar, desde que procurasse incorporar, sempre que necessário, a contribuição de pesquisadores de outros institutos, dentro e fora da FGV (p. 250 e 253).
Com base nesses pressupostos, Durmeval defende a existência de duas
grandes linhas de pesquisa: uma motivada pelas necessidades educacionais do País e pelas eventuais encomendas das instituições (por ele denominada "linha A") e a outra, requerida pelos programas dos cursos ("linha
B"). A primeira estaria ligada à realidade dos fatos, enquanto a segunda se
ordenaria de acordo com a lógica e o ritmo do currículo (idem).
Nesse texto, mostra também a necessidade de "substituir uma administração burocrática da educação, por uma educação técnica", assim como
em vez de um ensino alienado, se procurar oferecer "um ensino capaz de
produzir uma visão criadora da educação" (Trigueiro Mendes, 1972, p.
249). Por essas razões, no seu entender, "há necessidade permanente da
pesquisa educacional, que constitui a substância da pós-graduação" (idem).
Nessa proposta, para ele, a pesquisa em educação, no Iesae, deveria
obedecer a três postulados básicos: a) desenvolver-se em função da política educacional e do progresso das ciências da educação no País; b) compreender, além da pesquisa empírica, a obra do pensamento, caracterizada pela reflexão filosófica; c) ser analítica mas também prospectiva, isto é,
deverá se preocupar não somente com a explicação das estruturas existentes, mas também com sugestões e indicações de outras formas e modos
de funcionamento requeridos pelo desenvolvimento brasileiro (p. 250).
Quanto ao ensino, o autor observa "que a característica essencial
da pós-graduação é a elaboração e não a informação" (p. 257),
complementando: "o ensino, assim entendido, consiste no trabalho autônomo do aluno (mesmo em equipe), sob a orientação de docentespesquisadores, principalmente do professor orientador." Em suma, de
14
Durmeval Trigueiro Mendes
forma clara nesse texto, Durmeval defende que na pós-graduação, em
vez de o aluno receber um saber feito, deveria ser levado a fazê-lo por
conta própria.
Outro estimulante ensaio de Durmeval Trigueiro Mendes sobre educação e universidade é seu texto "Desenvolvimento, tecnocracia e universidade", publicado na Revista de Cultura Vozes, Petrópolis, ano 69, v. 49,
n. 6, p. 5-18, 1975. O autor, de início, tece comentários que refletem suas
preocupações, como pensador dedicado, em diferentes momentos de sua
vida, às tarefas e às práticas da educação e da universidade. Observa que
"o exame das instituições envolve necessariamente o exame da ação do
Estado. A liderança deste tem como uma de suas vantagens decisivas antecipar-se à evolução espontânea das instituições ou das estruturas sociais e sobrepor ao jogo errático dos fenômenos uma vontade normativa" (p.
5). No entanto, assinala que, naquela época, "a marcha do desenvolvimento – como idéia e como processo – vinha se realizando em cima de contradições e que nos últimos anos, de forma cada vez maior, tinha afetado o
governo das universidades" (idem).
Ressalta que "o grande problema do governo da universidade é o da
conciliação entre a autonomia e a heteronomia, entre sua vontade e a do
Estado" (p. 6) e acrescenta: "simplificando os termos do problema, poderíamos dizer que, teoricamente, se revestem de extrema importância, como
o confronto do que deveriam ser duas expressões de síntese nacional"
(idem). Uma como estrutura de poder e a outra, como estrutura de saber.
Prosseguindo suas análises, assinala que "uma nação moderna não
pode viver de um pequeno grupo de superdotados, mas da eficiente educação do povo" (p. 10). De forma clara, defende a "universidade pluralista"
(p. 16) e indaga: até onde as universidades no País – públicas e privadas –
caminham nessa direção? Finalizando seu trabalho, observa que o
"facciosismo deve ceder lugar ao pluralismo. O método da violência ao da
investigação racional" (idem). Finaliza seu texto com uma frase que reflete
sua concepção de pesquisa, quando observa: "a pesquisa universitária significa a busca de um novo cogito: instaurador" (p. 16).
Encerrando essa seqüência de estudos, incluímos um de seus últimos
escritos, intitulado "Anotações sobre o pensamento educacional no Brasil", em que oferece uma perspectiva histórica de suas matrizes a partir da
emergência do ideário da Escola Nova na educação brasileira e seus protagonistas mais eminentes, numa análise sempre independente. Em seguida, considera tendências em curso nos anos 80 do século passado. Esse
trabalho foi publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 68,
n. 160, set./dez. 1987, logo após sua morte.
•••
Ensaios sobre Educação e Universidade
15
Passadas quase três décadas, acreditamos que as reflexões e propostas desse pensador/educador continuam válidas, oferecendo subsídios para
novos estudos e pesquisas na área de educação e, especialmente, no que
se relaciona à questão universitária, como parte expressiva da realidade
brasileira. Por essas razões, pareceu-nos oportuno incluir nesta edição a
biobibliografia do educador, contendo sua cronologia que visualiza a trajetória pessoal e profissional nos sessenta anos de sua breve existência,
completada pela bibliografia de sua produção acadêmico-científica.
Os estudos aqui reunidos visam recuperar, para a reflexão contemporânea, o pensamento de um educador brasileiro no auge de sua elaboração
teórica, alicerçada em sua experiência de trabalho, ao vivenciar as complexas realidades educacionais quando exerceu funções relevantes na administração pública, na jurisprudência do ensino, bem como na prática
do magistério e da pesquisa.
Este trabalho é um dos produtos da pesquisa Durmeval Trigueiro Mendes e a questão da Universidade: 1960 a 1980, apoiada pelo CNPq. No
levantamento e na ordenação da biobibliografia, bem como na digitação
dos textos, foi de grande valia a contribuição dos bolsistas: Fabiana Alivato
Gomes, Renata Antunes Gonçalves e Vinicius Neves Sabbadim.
Rio de Janeiro, junho de 2005.
Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero
Coordenadora do Proedes/FE/UFRJ e do
Mestrado em Educação/FE/ UCP
Jader de Medeiros Britto
Pesquisador do Proedes/FE/UFRJ
16
Durmeval Trigueiro Mendes
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
1
Realidade, experiência,
criação*
O tema criatividade é próprio para com ele se proceder a
uma porção de desmistificações. Por exemplo: qual o valor
real da tradição, da autoridade, da norma externa, da sociedade, do "nomos", enfim? Qual a significação de ensinar e
de aprender, de educar e de educar-se, de alteridade e de
autonomia? O que caracteriza a nossa época, do ponto de vista histórico, é exatamente a necessidade de rever essas instâncias. Não que o valor e a forma a elas atribuídas no passado
constituíssem mistificação, pois, ao contrário, durante longo
período da história, esse valor e essa forma desempenharam
uma função necessária. A sua perduração é que representa
uma impostura, agora que a criatividade foi finalmente erigida
em instância maior da cultura e da sociedade.
Sócrates, criação livre?
A nossa época adquiriu a consciência de que a cultura e o próprio homem têm de ser re-inventados, enquanto
*
Publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 9, n. 130, p. 227-240, jul./set. 1973.
Ensaios sobre Educação e Universidade
17
outras épocas acreditaram que devia ser conservada a cultura, e descoberta – ou redescoberta – a imagem do homem segundo a qual ela foi
criada. Sócrates inventou a razão, como já se disse, mas apenas para
descobrir, dentro dela, uma essência eterna, que o seu discípulo Platão
veio a consubstanciar, depois, nos Arquétipos. Razão para conhecer-se
– "conhece-te a ti mesmo" – e, no fundo de si mesmo, sob a forma de
reminiscência, o rastro das idéias. Para Platão, por isso mesmo, aprender era recordar: não o legado do homem, mas a pegada das essências.
O seu mestre, Sócrates, por mais que lhe devam a cultura e a educação,
foi menos libertador do homem do que pode à primeira vista parecer: a
sua "maiêutica" representou muito mais o método de assimilação que
de criação livre. Se era verdade que, no método socrático, nada era
apreendido sem a adesão livre do discípulo, também era verdade que
se elaborava, através dele, muito mais que a criação de novas verdades
do homem, a adesão à verdade do mestre, como instância intermediária entre a razão individual do aluno e a razão universal. A razão
socrática abre o caminho para o absoluto, mas não para a história; ela
soube ir do contingente ao transcendente, do concreto ao abstrato, do
particular ao geral, do homem aos arquétipos, mas não conseguiu compreender que o absoluto se encarna na história, e que os indivíduos,
como seres particulares, não se opõem ao absoluto, mas representam
as suas multiplicadas aparições ao longo do tempo. Sócrates libertou o
educando da autoridade do educador, mas não dos valores que o educador representa.
A grandeza do mestre estaria:
1º) em purificar-se para poder contemplar as idéias (nisso consistia a
dialética de Platão) e;
2º) em criar um método que permitisse aos discípulos seguir o mesmo itinerário.
Os equívocos de Sócrates se devem às limitações inevitáveis da perspectiva de sua época. Antes de tudo, o mestre não chega, jamais, a ser a
transparência dos valores que o transcendem, e ao aluno, como objetivo
de ambos na educação. A purificação do indivíduo, alçando-se ao absoluto por cima da sociedade e da cultura constitui uma ilusão que a filosofia
e a psicologia moderna desbarataram, como o demonstram, por exemplo,
a teoria da personalidade básica, do antropólogo Kardiner, ou a teoria de
campo, do psicólogo social Kurt Lewin.
Em segundo lugar, o absoluto não existe só fora de nós, nós o construímos. Por isso, poderíamos dizer que Sócrates representou uma vertente
da cultura humana, e que nós estamos criando a outra. Ele descobriu o
18
Durmeval Trigueiro Mendes
homem – nós estamos tentando inventá-lo. Este seria o significado mais
profundo, por exemplo, do existencialismo.
A Arte: busca do absoluto no particular
Redescobrimos o particular, o concreto, o corpo, o indivíduo. A arte é a
busca do absoluto no particular, e mais: ela é a busca do absoluto no indivíduo e não na esfera do universal em que ele se perde, Sócrates criou o simesmo (uma espécie de antecipação do pour-soi) e libertou o homem da autoridade que não emerge da própria razão. Mas o si-mesmo do filósofo grego
era apenas o espelho em que as idéias se miravam. Para nós, hoje, o si-mesmo
é fonte de valores e de essências. Para Sócrates o si-mesmo era o Universal
que vinha habitar o homem; para nós ele é o particular que vai enriquecer a
história. A liberdade que Sócrates criou tinha um nome: razão.A nossa se
chama criatividade,que não só é fruto da razão (como instância da universalidade) mas da existência assumida pelo indivíduo como aventura de sua
consciência interrogativa. Para ele,a razão era a força necessitante por excelência. Entretanto, Freud descobre o eros, os filósofos modernos descobrem a
existência – isto que está contundentemente aí, o dasein de Heidegger, a vida
toda se abre em possibilidades que não são só as da liberdade, ancorada na
razão, como também as da existência, como intencionalidade e como originalidade radical. O indivíduo é, em certo sentido, o absoluto. Santo Tomás o
compreendeu, ao dizer que o geral não existe, só o indivíduo; e, ainda, que o
indivíduo é inefável pelas riquezas que encerra.
Se lhe dermos a solidão, o indivíduo redescobrirá a sociedade. Se lhe
assegurarmos a liberdade, o si-mesmo descobre a transcendência dentro
de sua própria obra. Se o deixarmos fazer, ele faz o ser. Se lhe concedermos o lazer, ele realiza o único trabalho que muda a qualidade da vida. Se
lhe dermos a autonomia, ele reinventa o mundo. Por tudo isso, o imaginário da criança – a ser preservado na idade adulta – constitui a única fonte
de renovação possível. Alfred Marshall - economista inglês do fim do século passado – com muito mais juízo que muitos dos economistas modernos, afirmava, sabiamente, que
[...] uma educação geral é preciosa, mesmo se não tem aplicação direta, porque
ela torna o indivíduo mais inteligente, mais preparado, mais seguro no seu trabalho corrente; eleva a qualidade de vida, durante e fora de suas horas de trabalho,
contribuindo, de maneira importante, para a produção das riquezas materiais;
[...] posta à parte a faculdade de percepção e de criação artística – acrescentava
ele – pode-se dizer que o que torna os trabalhadores de uma cidade ou de um país
mais eficientes que outros é, sobretudo, um nível superior de inteligência geral e
de energia, já que não são especializados numa função, qualquer que ela seja.
Ensaios sobre Educação e Universidade
19
Logos, tecné, eros
Muitos economistas modernos – embora não os mais lúcidos – só se
preocupam com a educação técnica, oposta à educação geral ou preponderante em relação a ela. Ora, a verdadeira significação da técnica, surgindo prospectivamente, da cultura moderna, consiste em converter todo agir
em fazer, e todo fazer em agir, mediante uma práxis integradora do espírito e da matéria. Se a técnica é o domínio do fazer, este, por sua vez, representa o ponto de encontro entre a matéria e o espírito, o ser e o mundo, a
contemplação e a ação. Por ele – o fazer – é que as coisas vêm a nós,
devidamente apropriadas pela nossa práxis, e são depois devolvidas ao
mundo externo com o selo de nossa criatividade. Nós só sabemos o que
fazemos e não fazemos senão o que sabemos.
O fazer é a experiência que retorna da percepção e se materializa na
criação. Percepção, concretização (isto é, redução do universo ao individual), expressão, eis o périplo realizado pelo processo criativo – na arte e
na educação. Graças a ele, arte e educação, como processos, se tornam
conceitos co-extensivos. Não existe arte na educação: existe arte-educação, a educação como consciência artesanal, como opus, como identificação do homo sapiens com o homo faber, do logos com a tecné. Enquanto a
educação tradicional se caracterizava como obra do logos, e a mais recente
se assinala como obra da tecné, prenuncia-se a do futuro como integração
dialética do logos, da tecné e do eros, este último reconciliando entre si os
dois primeiros, e indo além deles, como busca do humano como criação
gratuita, que não obedece aos a priori do logos, nem à mera funcionalidade da tecné.
Nível experiencial
Dentro desse quadro, é extremamente importante a função da experiência. O nosso fazer tem sempre o nível de nossa experiência, seja ela
qual for. Como o ser é a existência que se assume, a nossa praxis é a nossa
criação. Isso, tanto no plano imaginário como no plano real, na medida
em que os dois são um só. Através do fazer, a nossa existência se assume,
antes de mais nada, pela imaginação: o homo faber é o único em que o ser
e o fazer se confundem, imediatamente, com e pelo imaginário. Qualquer
pessoa se movimenta num universo construído pelas suas imagens, e enquanto alimentado por estas, num espaço de criatividade. É sempre nova
a imagem, originariamente, isto é, no momento em que ela está rente, sem
qualquer intermediário, com a percepção, e entregue ao dinamismo desta.
A imagem capta e ao mesmo tempo escamoteia o real; assimila-o e "falsifica-o". A arte é uma falsificação na medida em que ela não reporta os seres
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Durmeval Trigueiro Mendes
como são na natureza, mas como os faz o nosso imaginário que é, por isso
mesmo, o homem acrescentado à natureza e, em certa medida, à própria
cultura.1 Quando Fernando Pessoa julgava o poeta um mentiroso, e procurava "mentir" a si mesmo usando diferentes pseudônimos, em diferentes
obras, ele sabia que cada um desses pseudos, desses falsos, era a verdade de
uma fantasia múltipla e incansável. Quando Oscar Wilde dizia que a natureza imita a arte, mostrava a raiz desse processo pelo qual a natureza vista é
a natureza na qual estamos nós próprios – seus contempladores – investidos como seus criadores. Nós somos criadores do que vemos. Daí nasce a
ambigüidade dialética da cultura, e os seus movimentos contraditórios, de
descobrir e de ultrapassar. A cultura é um sistema de significações repassadas de tal ambivalência. Nós significamos o mundo que nos significa.
O mundo e o mito
Os mitos têm de comum a superfetação. A realidade é traída pela
cultura, da mesma forma que na cultura a realidade se traduz. A consciência dos fatos é imediatamente a superfetação dos fatos. A consciência
aperceptiva engendra, na própria percepção, o processo gerador do mito.
Toda obra de arte representa a reconquista da realidade fora dela, por assim dizer, no espaço da liberdade e da invenção que é a contribuição do
artista à elaboração da própria realidade. A cultura também é dialética.
Informa-a uma dupla intenção: a de descobrir e a de transcender; a de
refletir fatos e a de projetar arquétipos; a de ser, ao mesmo tempo, reflexa
e tensional. O mito e o mundo de certa forma se confundem, em conseqüência do caráter ao mesmo tempo intencional e interrogativo da consciência, simultaneamente reveladora escamoteadora da realidade.
Usando uma imagem de Sartre, a consciência é uma "pente glissante",
pela qual ela corre, imantada, para o en-soi; o en-soi é o néant do pour-soi.
"O cogito conduz necessariamente fora de si; se a consciência é um declive escorregadio sobre o qual não é possível instalar-se sem logo se achar
inclinado para fora, sobre o se-em-si, é que ela não tem nenhuma suficiência de ser como subjetividade absoluta, ela reencaminha, de saída à coisa".
Mas, por outro lado, a realidade do pour-soi, é a neantização do ser "e o
pour-soi aparece como uma miúda neantização que toma a sua origem no
seio do ser; e basta essa neantização para que um bouleversement total
aconteça no En-soi. Esse bouleversement é o mundo."
1
A cultura se refere ao imaginário que, entretanto, ultrapassa o próprio imaginário.
Ensaios sobre Educação e Universidade
21
Entretanto, a nossa concepção diverge da de Sartre. Ao bouleversement
(o mundo), eu preferiria o mito (realidade e cultura), e a temporalidade
(ser e tempo), com outra óptica. Voltaremos à análise da temporalidade.
Liberdade de olhar
Depois de tudo isso, temos de reconhecer que a pedagogia é, antes de
tudo, liberdade de olhar. Deixar ver, deixar expressar-se, consentir no
tateamento, na busca fora dos trilhos dogmáticos, reconhecer-se, cada um,
enfeudado numa visão a longo termo viciada, que precisa libertar-se pelo
contato com outras visões, especialmente as mais virgens, que são as mais
jovens. Precisamos revolver a didática, substituindo o método que
institucionaliza a indução professor-aluno, pelo método que promove o
encontro dos dois no espaço da consciência interrogativa. Veremos que a
interrogação é mais vigorosa nos jovens porque sobre eles não se acumulou ainda a poeira das capitulações; o jovem é bravamente fiel ao universo
que ele cria. Para reflorescer a árvore da civilização só a enxertia de suas
inquirições cheias de radicalidade e originalidade na velha cepa ameaçada
de apodrecer. Veremos que temos tanto de aprender com a pergunta das
crianças e dos jovens, quanto eles, com as nossas respostas. Terminamos
nós próprios perguntando mais que respondendo, e isto é a vitória final da
juventude, de sua audaciosa ignorância, expressão apenas de sua procura
confiante e enérgica do futuro. É isso o que quer dizer Margaret Mead, no
seu livro mais recente, sobre a geração jovem em nossos dias, ao declarar
que, ao contrário do que a caracterizava noutros padrões de sociedade, ela
está destinada a ensinar e a conduzir as velhas gerações.
Voltemos à imaginação. Quando apenas reproduz, ela é, basicamente,
memória. O que acrescenta a esta, em tal caso, é a subjetividade que a
colore, que a singulariza, fazendo da própria imagem lembrada uma criação nova, segundo o dinamismo que acabamos de assinalar. Imaginação,
na raiz, é o que eu coloco de mim nas coisas e nas pessoas, no momento –
e na medida – em que eu as assumi pela experiência.
As coisas são apropriadas criadoramente pela percepção. Depois, como
tivemos a oportunidade de lembrar, elas são devolvidas ao mundo externo,
modificado pelo nosso filtro. Acontece que esse filtro é constituído de percepção e de ação, a primeira completada pela segunda. Um exemplo do poder
modificador da percepção pode ser extraído da aprendizagem de língua estrangeira. No laboratório de sons, percebemos o som emitido, e o repetimos.
As repetições são inicialmente defeituosas, mas vão-se aperfeiçoando até a
repetição limpa e exata. Por que gravamos nossa voz, repetindo o som que
ouvimos? Porque só o falar dá eficácia ao ouvir. Toda experiência é decisiva
quando é assumida pelo corpo segundo um processo operatório.
22
Durmeval Trigueiro Mendes
Conceito de criatividade
Resumindo, podemos dizer que educação é, filosófica e sociologicamente, criatividade, e que esta é um processo no qual estão envolvidos
fundamentalmente os seguintes conceitos:
a) o da existência assumida;
b) o da imaginação como força pela qual a existência assume os objetos, assumindo-se a si mesma, modificando-os e modificando-se;
c) o do nível experencial, como a linha de integração entre o exterior e
o interior, o objetivo e o subjetivo, o ser e o fazer;
d) o do fazer, como um artesanato da consciência aperceptiva e operatória;
e) o da dialética entre o agir e o fazer. O agir, na filosofia tradicional,
era o fazer, na ordem dos valores, e o fazer, o agir na ordem da
matéria. Ora, segundo a fórmula há pouco enunciada, o fazer e o
agir se fundem, de modo que os valores saem das mãos do homo
faber tanto quanto entram no espírito do homo sapiens. O ser é o
fazer;
f) finalmente, existência assumida é liberdade. Está associada a essa
liberdade a confiança, por vezes uma confiança trágica. Depois que
o aprovado, o estabelecido, o tradicional, trouxeram a estabilidade
e a segurança por décadas ou séculos, elaborar uma nova imagem
do homem e sobre ela construir novas esperanças constitui um ato
de coragem, semelhante àquele "otimismo trágico" de que falava
Mounier. É esse ato de coragem singela e trágica que pratica qualquer artista, e como ele, todo criador autêntico.
A criança vê deformidades
A professorinha que tem medo dos elefantes ou das flores inventadas
pela criança, porque destroem as suas harmonias, tem medo das imagens
novas que estão surgindo no único celeiro da criação – que é o imaginário.
A professorinha que desenha primeiro, para a criança desenhar depois,
segundo o seu risco – seja para reproduzi-lo, seja para colori-lo – é a autêntica representante da sociedade, que só sabe trabalhar com o estabelecido,
o que já aprovou, o que assegurou estabilidade. O medo às garatujas da
criança não é só o medo ao "feio" – embora também o seja – é o medo ao
novo: é a crença inconsciente de que o feio de agora poderá ser o belo de
amanhã; e também que as formas tortas saídas da mão da criança poderão
exprimir, amanhã, a recusa ao "certo" de hoje; mas também, algumas vezes, o medo de que as deformações sob o lápis da criança sejam as que
existem na realidade, escondidas nas formas "perfeitas" de uma arte
Ensaios sobre Educação e Universidade
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escamoteadora. A criança vê fraturas, deformidades, aleijões, que existem,
de fato, e que os bem-pensantes procuram dissimular. E, outras vezes, essas
fraturas representam a sua rebeldia contra os linearismos com que se exprime o estabelecido muito limado e polido pelo "senso comum", que é como
os bem-pensantes chamam o lugar-comum.
Os criadores não têm medo
Quando Picasso resolve fazer um rosto com dois rostos superpostos,
ele não infringe só os cânones da arte acomodada: ele agride os restos de
hipocrisia da sociedade vitoriana que, mesmo quando já tinha deixado de
ser bela, ou feliz, não teve a coragem de renunciar à aparência de que
ainda o era. Esse inconformismo de um pintor exige tanta coragem quanto
a do estadista que muda os rumos da história. Picasso vale De Gaulle.
Pode parecer que exagero. A coragem do estadista ou do guerreiro
seria infinitamente maior que a do pintor com o seu inofensivo exército
de pincéis. Sim, e não. Sim, porque os riscos aparentes do artista são
menores: alguns têm ido parar na guilhotina ou na cadeia, é verdade, mas
a maioria apenas irrita os conformistas, sendo que muitos os divertem.
Um fenômeno de nossos tempos (que aparentemente repete outros, como
o da Grécia do século V (a.C. ou a Renascença) é que o artista,
freqüentemente, se tornou parte e cúmplice da alta sociedade, exatamente
a camada mais densa do conformismo social. Para não ter de sofrer com os
artistas, a sociedade os incorpora – mas tem o cuidado de, antes, etiquetálos devidamente. Só porque são artistas, eles podem transformar a imagem do homem e do mundo. Com esse carimbo, adquirem o privilégio da
imunidade, mas a própria sociedade se imuniza do contágio da criatividade.
O emblema sorridente, colocado no peito dos artistas, na verdade arde
como um estigma de uma chaga. A sociedade condecora os criadores para
que a deixem em paz.
Pode ser simpático a muita gente, inclusive artistas, que se atribua a
estes o privilégio da criatividade. Mas a verdade é que a criatividade não
é especialização, mas a condição do homem. Os comunistas na Rússia
promovem, com perfeita eficiência, essa especialização: ficham os seus
artistas, escritores e intelectuais, separam-nos numa colônia ou numa
associação de escritores, e passam em volta dessas organizações, amavelmente, uma barreira de arame farpado. A associação e a colônia constituem, ao mesmo tempo, a caracterização da condição do artista e o
limite de sua liberdade. A criatividade, ao contrário de tudo isso, precisa
ser resguardada em todos os níveis e modalidades da educação.
Abaixo a formação profissional que opera, por exemplo, com as "séries
metódicas" – como as adotadas antigamente no Senai – pelas quais os
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Durmeval Trigueiro Mendes
adolescentes e jovens se tornavam escravos do projeto de seus patrões e,
liminarmente, demitidos de seus próprios projetos. Abaixo a visão estereotipada de Deus, do Estado, do homem, da sociedade – e de todo o trivial
em que nós gastamos esses valores supremos! Abaixo os caligrafistas, os
puristas, os burocratas! E bem haja as imperfeições que reconstroem a
imagem do mundo. As pontes tortas desenhadas pelas crianças de 4 e 5
anos – pontes que, entre uma margem e outra, têm a flexão do sonho;
sabe-se lá que arquitetos elas darão!
Pedagogia: arte do re-começo
A nossa pedagogia deve ter a coragem de ser a arte do re-começo.
Pedagogia da dúvida em relação ao constituído, da esperança em relação
ao que se está constituindo. De companheirismo entre mestres e discípulos, irmanados por essa dúvida de modéstia e de sabedoria. Ela deve incentivar a solidão, a experiência, a coragem, e a autenticidade. Esta palavra de que se usou, durante tanto tempo, com uma freqüência epidêmica,
essa palavra, autenticidade, significa existência assumida, para voltarmos,
mais uma vez, a essa expressão.
Precisamos instaurar a pedagogia do projeto, o qual não se situa apenas na escola, mas em todos os engajamentos de nossa práxis. Abaixo a
hegemonia da escola na educação. Somos a favor de uma paidéia secretada
da própria politheia e por esta articulada.
A cultura antiga achava que a sociedade deveria ser conservada,
1º) porque julgava que suas raízes eram eternas (Deus ou princípio
semelhante – como as idéias de Platão – , representado pelo Príncipe, na ordem política, ou pela legalidade interna das coisas, na
ordem cósmica);
2º) porque a cultura, tal como estava constituída, representava para
os que eram os seus detentores exclusivos – as classes dominantes
– a base dos privilégios em que se firmava essa dominação, e a
própria justificação deles; repasto de que eram os únicos usufrutuários e instrumento de racionalização.
Hoje, certo tipo de ignorância deliberada e audaciosa substitui a dependência erudita. Fenômeno que só se tornou possível no momento histórico em que se arruinou no indivíduo a adesão aos valores constitutivos
da sociedade. Nesse "corte espistemológico" (para usar a expressão de
Bachelard) vem a florescer a fé na criança como o mais descomprometido
dos seres do universo histórico – e por isso mesmo o mais apto a inventar
Ensaios sobre Educação e Universidade
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um outro. No mundo em que a Universidade agoniza, como instituição, as
escolas maternais despontam como uma nova aurora do homem.
Ignorância criadora
Parece-nos, em certa medida, que os criadores ignoram o en-soi (o
ser), interessando-se, sobretudo, pelo pour-soi (a consciência). Entretanto, na filosofia sartreana, brota a consciência como poder neantizante do
en-soi. Être ce qu'on n'est pas et n'être pas ce qu'on est. A temporalidade
significa projection de soi en evant de soi. Para Valery, o homem é o creux
toujours future.
Há outro saber da "ignorância" criadora, um saber contra ab alio, no
registro nietzschiano. Em vez de saber, o homem inventa a vida (espírito
dionisíaco).
A criatividade assinala a analogia, embora remota, entre o niilismo
(Nietzsche) e a neantização (Sartre), mas inclui dois momentos diferentes
da perspectiva existencial.
Nos séculos 18 e 19, a ignorância era a única coisa que não se perdoava ao indivíduo civilizado. Era exatamente importante saber tudo o que
os outros tinham feito e pensado e, quase nada, sobre o que cada um seria
capaz de pensar e fazer a despeito dos outros. Atualmente, superada a
obsessão erudita, e tida por arcaica a atitude que a gerou, nós vivemos
uma época de ignorância criadora.
No campo da educação, Dewey compreendeu o valor positivo da imaturidade. Ela não representa só ausência de acabamento (ilusório) – daquilo que, em termos relativos, é próprio do adulto – como sobretudo a
possibilidade de chegar a acabamentos diferentes e talvez melhores que
os atuais. Rejeitam deliberadamente o en-soi, para afirmar o pouir-soi. Esse
triunfo do si-mesmo se chama criatividade.
Todo o problema é o de saber como se faz a cultura de um homem. De
quanto ele precisa de si mesmo, dos outros e da norma que porventura
transcenda a ambos. Várias ideologias coexistem, com a predominância
eventual de uma ou de outra, segundo o momento histórico, que sustenta
a prioridade de cada uma dessas instâncias. Prioridade dos outros – Marx
e Durkheim; ou do si-mesmo – Freud, de um lado, e os existencialistas de
outro; da Norma transcendente, Deus ou qualquer dos mitos que o mascaram: a razão, o poder, a nação, a raça – como foi o caso do nazismo. Muitos
são os que hoje tentam uma síntese dialética entre o eu, a sociedade e o
nomos. A grande significação da arte na educação consiste, a meu ver, em
fixar, de modo concreto, o valor do indivíduo como fonte primária de
criatividade.
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Durmeval Trigueiro Mendes
Pode parecer contraditória essa observação, tendo em vista o caráter
notoriamente societarista de nossa época. Onde o valor do indivíduo numa
sociedade na qual ele está esmagado pela burocracia, pelo Estado, pela
massa? Antes de mais nada, não há necessariamente oposição entre o processo societário e o processo criativo que tem no indivíduo a sua fonte,
como podemos ver no exemplo histórico da polis ateniense do século 5
a.C. Quase todas as grandes filosofias sociais, de resto, procuraram essa
conciliação. Há contradição, sim, com um estilo societário estabelecido
de uma vez por todas e apoiado exclusivamente na autoridade das gerações adultas. A isso é que se chama, depreciativamente, o establishment.
E a prova de que não se comete contradição ao se sugerir que a nossa
época se caracteriza pela irrupção do indivíduo como fonte de criatividade
– contra todo o aparato coletivista e totalitário que, no entanto, constitui
sua aparência mais ostentosa – é notar que a grande luta que enfrentam
hoje todas as regiões do mundo é contra o establishment. O que se pretende é dar chance à consciência original que só pode surgir do corte no
"continuum" social, produzida pelo indivíduo e pela força aperceptiva das
novas gerações. Acho significativo o caso do Brasil. A nossa cultura temse desenvolvido sobretudo nas artes, onde os jovens, desaparelhados de
formação científica consistente, são impulsionados mais por forças vitais
que intelectuais. Como as gerações adultas se alienaram na cultura intelectual, em vez de a transformarem num meio de criação e de desenvolvimento, os jovens arrebataram-lhes, a liderança graças ao vigor de sua imaturidade descobridora.
Os artistas e os "hippies"
A ruptura com o establishment, considerado como sufocação do novo
e do original, do descomprometido e do gratuito, corresponde à ascensão da juventude ao protagonismo da sociedade, e vem sendo dramatizado pela rebelião dos hippies. O hippie, me parece, é o jovem que, não
tendo tido a chance de criar nada, tudo deseja destruir no establishment
– para preservar o direito de criar um novo mundo. Um jovem a quem
não foi dada a possibilidade de criar uma ordem humana flexível, modulada pelas diferenciações individuais, é compelido a "criar" a desordem.
Trata-se de uma criação, sim, do exercício de uma força que tentei definir como uma espécie de vitalismo dionisíaco. Embora haja artistas
hippies, a diferença entre os artistas e os hippies, me parece, é que os primeiros conseguem articular a sua criatividade – articulando o mundo ao
seu imaginário (assumir-se é assumir o mundo, convém reprisar), enquanto
os outros vêem destroçada a sua criatividade, já que o seu imaginário está
abafado pelos destroços do mundo. Eles renunciaram à função construtiva,
Ensaios sobre Educação e Universidade
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extremamente penosa, que está ligada ao novo protagonismo dos jovens – e
por isso fazem como os kamikases japoneses na 2ª Guerra: destroem-se,
contanto que destruam a carapaça desse velho navio que nos carrega a todos e do qual não conseguimos libertar-nos.
Individualismo comunicante
Indivíduo, entretanto, é um termo ambíguo. A afirmação de seu triunfo é perigosa sem a cautela de certas distinções. Há o individualismo
comunicante e o individualismo isolante, segundo o indivíduo é entendido como um ser diferenciado ou como um ser fechado sobre si mesmo. A
diferenciação pede complementaridade, as visões nascidas do poder criador de cada um se somam e se enriquecem mutuamente: através dos indivíduos e de suas diferenças se restaura – diria melhor, se instaura a unidade das coisas, não como unidade acabada mas como unidade tensional e
em movimento incessante. Há um individualismo de posse e um individualismo de doação; um de ter, outro de ser. O economista F. Perroux
distingue muito bem, a respeito do desenvolvimento econômico entre o
avoir plus e o être plus. O individualismo possessivo deseja atrair os bens
para usufruí-los no confinamento de seu casulo individual ou grupal, enquanto o individualismo criador apropria o que recebe, para devolvê-lo
re-criado e enriquecido. O primeiro tem mão única, mas o segundo se
realiza de acordo com o já referido vaivém dialético. Para usar imagens da
Biologia, o primeiro opera por fagocitose – aprisionando tudo ao seu apetite; o segundo trabalha como a glândula, que retém a torrente sanguínea
só na medida em que pode mudar-lhe a qualidade, enriquecendo-a. No
caso do individualismo possessivo, o indivíduo já está condicionado pelo
seu grupo, ou casta, que ele vê como projeção de si mesmo e de sua ambição possessiva. Instituições como a família, a propriedade, a Igreja, etc.,
para esse tipo de individualismo, não constituem instâncias intermediárias entre o seu dinamismo criador e a totalidade social a ser fertilizada por
ele, e, sim, instrumentos de enfeudamento que o enquistam na totalidade
e a desarticulam. Essas instituições, ao mesmo tempo que representam o
indivíduo, o sufocam, e então a religião se torna sectária, a propriedade
opressiva, e a família, uma fonte de discriminações sociais.
No outro caso, o indivíduo mantém o diálogo direto com o universo.
Ele é um ponto da circunferência, podendo contemplar toda a vastidão do
círculo. Esse tipo de individualismo, paradoxalmente, leva à totalidade, à
sociabilidade, à universalidade.
A filosofia da criatividade elabora novo padrão de sociabilidade através de redefinição do papel do indivíduo na sociedade. A sociedade, para
sobreexistir, tem de negar-se, continuamente, pela incidência polêmica da
28
Durmeval Trigueiro Mendes
consciência pessoal: pois a sua própria substância é dialética, formada
duma continuidade descontínua que nos faz lembrar o pólemos patér
pánton, de Heráclito. Por isso é que o rio em que voltamos a entrar, para
utilizar a sugestão pré-socrática, não é nunca o mesmo de antes. O filósofo
do devenir, porém, estava atento ao fato de que a dialética não destrói a
continuidade do humano, o que importaria destruir o homem; e mostra
em cada manifestação individual uma manifestação do humano mesmo,
tão rico e profundo que não tem limites: "Não poderás, escreve Heráclito,
descobrir os limites da alma, ainda que recorras a todas as direções, tão
profunda é a sua medida." É que o infinito do homem é o infinito, indivisível
em si mesmo, se revelando e realizando no tempo, in-finitamente, pela
multiplicidade dos homens, os quais, todos, como lembrava Pascal, marcham através do tempo como se fossem um só Homem. A reiteração suigeneris que o in-finito faz do inteiriço e indecomponível infinito, é toda a
ambigüidade da história e o paradoxo do homem. É a realização do Eterno, no modo do tempo, discursivo, ilimitado, suscetível de mudança e
crescimento contínuo. O tempo se tornou o método especial do homem,
de realizar os valores eternos. A existência concreta do homem é permeada
e fertilizada pelo eterno, não para concretizá-lo cumulativamente, mas
para exercer incessantemente a aventura de sua interrogação; para viver a
experiência de ser, em todas as direções e em cada uma delas, como uma
aventura válida, um caminho substancial, e não uma simples interrogação neantizante e frustrada. Não é só a aventura de interrogar, mas também a de responder por uma múltipla, diversificada e constantemente
renovada resposta.
Outro conceito de temporalidade
Creio que o infinito existe como dimensão a ser percorrida dentro do
tempo, pois está encarnado na pessoa. O infinito, insisto, é o in-finito, a
ilimitação, o "que é suficiente para todas as coisas, e as excede". Para nós,
o finito é o aliado do infinito. E só pelo homem e no homem, esses dois
planos irredutíveis de certa forma se fundem numa mesma substância. Só
pela pessoa humana se temporaliza o eterno, e o infinito se transforma em
in-finito, isto é, o infinito em discurso, não mais a simplicidade inatingível – insuscetível de ser medida pelo tempo – mas o ato puro transformado em fermento da história, fonte de sua permanente tensão
transcendentalizante. Eis o absoluto – entendido abstratamente como o
antitempo – realizado historicamente no tempo, o tempo qualificado que
é o da pessoa. O ilimitado, aqui, em vez de opor-se ao Infinito, é a sua
reiteração e como que a sua imitação temporal; o número deixa de ser a
antítese da perfeição, para seguir-lhe humildemente as pegadas. Pitágoras,
Ensaios sobre Educação e Universidade
29
através de Heráclito, encontra o caminho de Parmênides. O número abstrato
de Pitágoras, dialetizado pelo movimento de Heráclito, encontrou o eterno de
Parmênides. O sonho de atingir o infinito pelo número, que a visão estática de
Pitágoras não permitiu realizar, passando a encará-lo como entidade válida
em si mesma e subtraída ao seu próprio dinamismo – como uma espécie de
numerus clausus – se tornou possível pelo instrumento dialético do siracusano;
e assim também, a intuição de movimento, ao cabo do qual se descobre o ser,
ingressa na Filosofia, e faz com que a idéia generosa do Parmênides, do ser
perfeito, não precisa alimentar-se da ilusão escamoteadora do devenir.
A originalidade da experiência individual não impede, entretanto, que
os homens se reencontrem no corpo da história, como membros da mesma durée, e este é o sentido da sentença do Mestre de Éfeso: "Os homens
não compreendem como o que difere está de acordo consigo mesmo; é
uma harmonia de tensões opostas, como a do arco e a da lira. O contrário
é o que convém". E, de forma aparentemente mais desconcertante, acentua noutra passagem:
Comum é a todos o pensar. [...] Os que falam com inteligência devem apoiar-se no
que é comum a todos, como uma cidade em sua lei, e muito mais firmemente,
porque todas as leis humanas se alimentam duma só: a divina, que se impõe
quando quer e é suficiente para todas as coisas e as excede.
Aventura interrogativa
Sartre transforma a função catabólica e aventurosa do indivíduo em
função destruidora da humanidade mesma. O en-soi se neantiza em cada
nova aventura interrogativa. A liberdade destrói a humanidade, e o absoluto do sujeito não tem condições de ingressar na história. Sartre opera a
ruptura entre o ser e o tempo. A solidão de Sartre é irremediável; o indivíduo sartreano não se dá conta, como o de Heráclito, de que "o que difere
está de acordo consigo mesmo; e que há uma harmonia de tensões opostas."
Acreditamos que o indivíduo se encontra sempre no início de decisões instituidoras de seu ser. No existencialismo sartreano, a interrogação
do indivíduo não tem fecundidade no processo histórico consumindo-se
em si mesma, ao mesmo tempo que o pour-soi se neantiza. O mundo morre em cada interrogação. Penso, ao invés, que o mundo se revigora, em
cada interrogação.
A experiência segundo Dewey
Permanecer pela constantemente renovada inclusão do descontínuo
é a condição do social. Divergimos de Sartre, que leva o corte dialético até
30
Durmeval Trigueiro Mendes
a desarticulação da sociedade. E de Dewey discordamos exatamente pela
razão oposta, pelo seu contingencialismo, que é um fluxo experiencial
sem corte, sem a possibilidade de ascensão, dentro do próprio indivíduo –
emergente do cosmos mas acósmico por natureza, como lembrava Blondel
– da contingência para o valor que a transcende. Falta a Dewey a tensão
verticalizadora que atravessa a horizontalidade do tempo e o transforma
em temporalidade (no outro sentido da temporalidade, diferente do de
Sartre), tempo descontínuo, qualificado, heterogêneo. Ele não percebeu
que o absoluto, no tempo humano, está inviscerado na contingência e
emerge da contingência.
O Sujeito representa sempre o recomeço, enquanto a sociedade é uma
durée contínua. O indivíduo é uma consciência original, eis um ponto a
que desejaria chegar. O grande empreendimento, portanto, não é changer
la vie, mas, como dizia Rimbaud, recommencer la vie.
Nosso discurso
Nós outros admitimos um fundo substancial contra o qual se recortam
as nossas interrogações e no qual se situa o nosso discurso. O homem não
saca apenas contra si, mas contra o ser. O pour-soi, a consciência, está sempre em suspenso, admitamos com Sartre; seu ser é um perpétuo sursis,
concedamo-lo. Mas está em suspenso no sentido da incomplementação e
da indeterminação criadora, não no da neantização; no sentido de que jamais se transformará num tout-fait, como pretendiam alguns
transcendentalistas bisonhos. A insatisfação e o direito da aventura permanecerão até o fim. O tempo envolve uma polpa rica, mas não pode abrir-nos
todo o fruto. Mesmo na plenitude dos tempos, o Homem construído pelos
homens, ao longo daquela marcha a que se refere Pascal, o homem pleno
nos limites da temporalidade, ainda estará ávido do absoluto.
A tensão da consciência individual não se comunica, a rigor, à consciência coletiva: apenas se difunde, procurando, dentro dela, inserir-se
noutra consciência individual. A estrutura da sociedade é cristalizada, é a
sedimentação dos instantes criadores do indivíduo, reduzidos, depois da
crispação, da incisão do absoluto, a gestos institucionais, de significação
limitada e puramente temporal.
O corte no tempo que produz a consciência individual rompe a
contextura externa e contínua da sociedade, tendo esta, para sobreexistir,
de recompor imediatamente a sua unidade compacta. A sociedade só assimila o que é temporalizável, condicionável ao espaço e ao tempo, e qualquer fermento estranho a ele o digere – temporalizando-o – ou o sufoca.
Ela só funciona no modo do tempo, por via do discurso, por partes limitadas que se integram cumulativamente. Em suma, ela é material, pesada,
Ensaios sobre Educação e Universidade
31
incapaz, no seu peso e opacidade, desse gesto leve e livre que nos faz
coincidir com o ato puro.
A tensão vertical e transcendente da consciência individual que, num
momento, apanha o eterno, se transmite à coletividade, mas corre sobre ela
como a água sobre a superfície lisa, até encontrar uma fenda em que se
abrigue. Esse ângulo reentrante é outra consciência individual que a recolhe, não como sedimento mas como incitamento para a sua própria criação
interior. A vida ou o élan de uma alma jamais se transpõe a outra pela forma
de uma sedimentação: é uma semente que pode germinar em outro chão.
Trata-se, sempre, de uma recriação. Donde o fato de que a verdadeira influência do indivíduo só ocorre em relação ao outro indivíduo, cada um a sua
vez, pelo processo da conversão, no sentido socrático do conceito.
Privilégio da exemplaridade
Convém fixar-nos um pouco no problema da arte em relação à educação. Lembremos, para continuar a nossa reflexão, o que já foi anteriormente enfatizado: que a arte não tem, como processo criador, o privilégio
da exclusividade, mas sim o da exemplaridade. Ela constitui, apenas, um
modo privilegiado do fazer humano ligado ao ser, não como essência mas
como existência assumida. Esse se assumir, realizado pela consciência, é
paradoxalmente mais profundo onde esta é menos clara. Isso, no fim, porque no início assumir-se é uma proeza da consciência aberta, um compromisso desta que, no entanto, só se torna viável se, naquele húmus profundo, outros compromissos tiverem sido forjados. Entre o consciente e o
inconsciente, assim como entre o racional e o emocional, mas este só está
na dimensão do homem quando atinge o nível da racionalidade. Freud,
como se sabe, descobriu essa trama, sem contudo admitir plenamente a
reciprocidade dialética entre os dois planos. Na sua teoria das pulsões, a
relação entre o psíquico e o somático é comparada à relação entre o mandatário e o mandante, donde a censura do biologismo feita a essa teoria.
Linguagem
Ora, a linguagem constitui a fronteira móvel entre o consciente e o inconsciente, o somático e o psíquico, o racional e o emocional, o voluntário e
o involuntário. Ela não é uma construção da razão, como instância universal
e eterna projetada sobre o contingente das coisas. Não é a ordem do espírito
que o indivíduo consegue elaborar a despeito da ordem do mundo; não é
fabricada na retorta de uma subjetividade divorciada das coisas que a envolvem; nem uma razão separada, no interior do próprio indivíduo, de suas
32
Durmeval Trigueiro Mendes
instâncias não-racionais (sejam quais forem as classificações que a estas atribuam as diferentes doutrinas).
Não, a linguagem é fina, transparente e imaterial, e, ao mesmo tempo,
carregada de todos os engajamentos espirituais e físicos que constituem o
nosso ser. É racional e irracional; nós e os outros; essência e existência,
isto é: significação das coisas para uma existência que se assume como
destino e como história. A expressão é a experiência quando se torna criação. Pela linguagem nós esculpimos os seres, mas simultaneamente, o
mundo dos seres – com os seus valores e estruturas, com a sua semântica
e a sua sintaxe – nos modela a nós. O erro do estruturalismo, nos parece,
consiste em interromper essa corrente dialética, acentuando, excessivamente, o poder estruturante da sociedade em detrimento da criatividade
do indivíduo e da própria sociedade.
A verdade da imaginação
O que gostaríamos de destacar, em conclusão, é a necessidade de ensinar a ver, como fez admiravelmente Aldous Huxley em seu livro A arte
de ver. Aliás, alguns historiadores da filosofia têm acentuado a característica da cultura ocidental de ser, antes de tudo, visual, a começar pelo tipo
de imagens que freqüentemente utiliza. Daí a tendência a espacializar o
que não é espacializável – como o tempo – e, quem sabe, a tornar o entendimento prisioneiro do geometricamente claro. Não se pode esquecer,
entretanto, que o fenômeno varia com as culturas e as épocas. Existem
épocas "parnasianas", em que os objetos são recortados contra a claridade,
e épocas românticas, em que o espírito volve à obscuridade e à esperança
em que reside o mistério das coisas. Há povos que não resistem à visão
constante dos céus nublados e, como observa Mme. De Stäel a respeito
dos escritores alemães, terminam fazendo da introspecção o seu próprio
método literário.
De qualquer modo, é preciso ensinar a ver, a ouvir, a tocar, a recolher
no olfato, como fazia Proust, as imagens da própria durée. Às vezes, ficamos pensando na pobreza dos que nunca ouvem música – eu digo música
empaticamente, densamente, existencialmente. Temos pena, sobretudo,
dos doutores, dos "técnicos", de toda a fauna dos pedantes que não sabem
música (saber significando sabor), e como é fácil ver claro essa lacuna
onde se situa a sua esterilidade. A limitação dos especialistas a que se
referia, em termos mais polidos, Ortega Y Gasset, ou o linearismo dos
técnicos, resultam de um logos sem raízes no mundo.
Porém, essas raízes estão plantadas nos sentidos, seja qual for a altitude da obra realizada pelo homem. A fórmula de Santo Tomás: "Nada
está na inteligência que antes não tenha estado nos sentidos" representa o
Ensaios sobre Educação e Universidade
33
reconhecimento dessa verdade. A verdadeira dialética da educação não é
da libertação do homem em relação aos seus sentidos – segundo a parábola da caverna, de Platão – mas a da encarnação, em que a infinita platitude
do espírito desce à anfractuosidade de um corpo através do qual ele se
torna história e destino.
Agora, no fim, pode-se compreender melhor porque uma vertente do
espírito nasceu em Sócrates e Platão, mas a outra está nascendo em nossa
época. Entretanto, todos nós – os antigos filósofos e os homens de nosso
tempo – se quisermos sobreviver, precisamos reconhecer a mesma verdade, expressa pelo poeta Keats:
Eu de nada tenho certeza, a não ser da santidade das afeições do coração e da
verdade da imaginação. A beleza apreendida pela imaginação deve ser verdade.
A imaginação pode ser comparada ao sonho de Adão. Adão despertou e viu que
era verdadeiro.
34
Durmeval Trigueiro Mendes
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
2
Fenomenologia do processo
educativo*
A Faculdade de Educação
numa abordagem fenomenológica
A Faculdade de Educação é o órgão de educação da
Universidade, do mesmo modo que esta é o mais
categorizado órgão de educação da sociedade. 1 Isto é,
sua consciência aperceptiva e operativa: uma forma de
intencionalidade estimulada e disciplinada por um projeto. A educação é a arte da práxis humana: o método
de sua orientação e de sua eficiência. Vinculados, por
essa forma, os conceitos de educação e do projeto social,
de intencionalidade e de eficiência, é fácil compreender
por que estão igualmente vinculados à educação e ao
*
Publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 60, n. 134, p.140-185, abr./jun., 1974.
1
Simplificando os termos do problema, poderíamos dizer que, teoricamente, as relações entre a
universidade e o Estado se revestem de extrema importância, como o confronto do que deveriam
ser as duas expressões da síntese nacional, porque são os dois "universos" que a representam de
maneira mais global e mais ordenada: um, como estrutura de poder, e outro, como estrutura de
saber. Um deve constituir a expressão suprema da Nação, como lembrava Deloz (La Nation se
personnalise s'étatisant), e a outro, a suprema expressão da cultura, como a consciência que a
Nação forma de si mesma e do seu projeto (Trigueiro Mendes, Durmeval. O Governo da Universidade. Documenta, n. 64, Separata, n. 27, p. 25, 1966, com pequena alteração).
Ensaios sobre Educação e Universidade
35
desenvolvimento. Nessa perspectiva, cremos adquirir pleno sentido a
afirmação de Dewey: "Educar é extrair do presente a espécie e a potência
de crescimento que este encerra dentro de si".
O desenvolvimento, com efeito, não consiste no simples movimento
linear da sociedade, mas na realização de um projeto cuja interiorização
na consciência dos que a integram e cuja viabilidade, através dos instrumentos que essa consciência promove, constituem o objeto da educação.
Está ligado, portanto, à idéia de planejamento, do mesmo modo que está
situado dentro deste, como seu núcleo, o projeto educacional.2
Qualquer sociedade moderna precisa planejar sua educação reconhecendo nela a mais fecunda instrumentalidade para o projeto de seu desenvolvimento. Ora, a Faculdade de Educação deve constituir, no plano intelectual, uma das principais fontes de tal planejamento, do mesmo modo
que os órgãos político-administrativos o são no plano operacional. Ela seria, no nível mais radical da causalidade, o sistema gerador de idéias e de
técnicas responsáveis pelo projeto educacional.
Temos, em várias oportunidades, enfatizado o problema da qualidade
no planejamento da educação. A qualidade, no caso, se confunde com a
idéia fundante de uma categoria, o modelo pedagógico que há de inspirar
o administrador e o planejador, cabendo especificamente a estes combinálo com as variáveis econômicas, sociais, culturais, que a condicionam,
assim como encontrar os métodos e técnicas adequadas à sua concretização.
Cabe à instituição encarregada de elaborar a ciência (lato sensu) da educação fixar a qualidade do profissional que se chama, por exemplo, o professor, e o tipo de formação que lhe corresponda. A qualidade, no caso, não
significa propriamente o mérito, mas a natureza da ocupação, a sua
tipicidade, aquilo que os escolásticos chamariam a quididade.
Ora, essa qualidade não é imutável, mas, ao contrário, acompanha as
oscilações do tempo e do lugar, donde a necessidade de imprimir à ciência
da educação, que a define, um sentido não essencialista e intemporal, mas
dinâmico e histórico. É preciso estipular o tipo de professor segundo as
características de cada nível de ensino, as peculiaridades de cada meio
sociocultural e as técnicas de seu ofício. É preciso igualmente conter nossas
2
Tentamos criar o conceito de práxis normativa: a educação inscreve, entre outros fatos, a imagem da sociedade que se
pretende formar (causa exemplar) e monta a práxis normativa para construí-la (causa eficiente) instaurando os modelos de
ação. Não se trata de uma forma mental impressa cartorialmente sobre educação, mas de uma verdadeira práxis. "Graças
ao mecanismo da educação permanente, o sistema educacional se liga, incessantemente, com outros subsistemas da
sociedade global: o econômico, o cultural, o político etc. Mas essas conexões entre os subsistemas, com suas funções
específicas e complementares, não me parecem que devam ser colocadas na perspectiva funcionalista de um Talcott
Parsons, por exemplo. Pois, se é normal que os subsistemas se correspondam, mutuamente, resguardando a coerência do
sistema, também o é que cada um deles apresente se desenvolve na linha da integração social; entretanto, preferiríamos
não só o sistema (ou subsistema), mas também a práxis criadora, que projeta o indivíduo na sociedade como instância de
ruptura e de inovação" (Trigueiro Mendes, D. Para uma filosofia da educação fundamental e média. Revista de Cultura
Vozes, n. 2, p. 6-7, 1974).
36
Durmeval Trigueiro Mendes
idealizações, ao desenvolver o perfil de um educador, nos limites de nossas
possibilidades em recurso humanos e materiais, de modo que a qualidade
seja preservada, mantendo-se autêntica, mas se concilie com a quantidade
postulada pela democratização educacional.
Algumas conseqüências se deduzem, facilmente, da colocação que
acabamos de fazer através de um exemplo.
Fundamentalmente, a Faculdade de Educação será uma Escola de
múltiplo saber, retirando os estudos da educação do imantismo pedagógico que os esterilizou até agora na tradição das Faculdades de Filosofia.
Nelas a pesquisa educacional deve ser ao mesmo tempo um saber para a
ciência e um saber para a política, para instaurar novos padrões de conhecimento, no campo que o especifica, como para instaurar nova paidéia,
dentro de uma polis que ela ajuda a construir, a compreender ou a transformar. É inerente à Faculdade de Educação ser ao mesmo tempo acadêmica e transacadêmica, preocupando-se com os fatos não apenas para especular sobre eles, mas também para transformá-los, de acordo com um
projeto político, no sentido amplo da palavra.
Paidéia e politheia são indissociáveis; correlatamente, também o são,
a educação e a práxis. Esse reconhecimento prático da Faculdade de Educação não se situa apenas ao nível da formação profissional, mas também
no âmbito da pesquisa básica. Saindo de uma pesquisa de arabescos, a
Faculdade de Educação deverá inserir-se no processo substancial do nosso desenvolvimento. Tais exigências que decorrem, a nosso ver, da própria natureza do projeto educacional e das instituições que lhe servem de
suporte, se tornam particularmente imperativas num país subdesenvolvido, onde todos os instrumentos de compreensão e transformação da sociedade precisam funcionar com redobrada eficiência.
De acordo com nosso método, decorrente do conceito de educação
acima apresentado, faremos a análise da educação combinadamente com
a da práxis, de que ela é ao mesmo tempo a expressão e a recta ratio.
Estamos convencidos de que, sem uma correta definição da educação e de
instrumentalidade específica, não podemos compreender o papel da Faculdade de Educação, uma vez que a esta compete exatamente definir e
assegurar tal instrumentalidade.
A educação gera uma forma de consciência: torna explícitos os valores e os projetos do indivíduo e da sociedade, isto é, o sistema de significações em que ambos se sustentam, e as idéias normativas que polarizam o
respectivo dinamismo em busca de novos valores ou do rejuvenescimento dos valores antigos. Como valores e projetos constituem o cerne da
cultura do grupo ou da comunidade nacional, a consciência orientada no
sentido de captar uns e outros representa, basicamente, uma consciência
da cultura, um meio de compreendê-la e de promovê-la. Trata-se de uma
consciência aperceptiva, mas também crítica, de uma função anabólica,
Ensaios sobre Educação e Universidade
37
mas também catabólica, integradora mas também desintegradora, embora
a desintegração, no caso, seja imposta pela percepção de novos valores,
pelos quais o Sujeito histórico se ilumina (Trigueiro Mendes, 1973, p. 235).
Como instância de educação, a Faculdade de Educação gera esse tipo
de consciência, mas produz igualmente um tipo especial de ciência (da
educação). Entendido que os valores constituem a substância do projeto
permanece íntegro esse duo – valores e projeto – significando o projeto
existencial e operativo de encarnar os valores.
Educação: intencionalidade radical
O estatuto da ciência da educação é, no fundo, de ciência aplicada; e
sua especificidade deriva do modo especial de ser aplicada. Trata-se de
fixar o modo correto de alguém dirigir sua ação segundo seu próprio projeto: como estruturar sua visão, como situar-se, como adaptar-se a realidades existentes, como transformar realidades novas, como tornar a existência um ato de inteligência continuada. Trata-se de ordenar operativamente
a visão da realidade em função do projeto pessoal ou social; um modo de
ver o mundo, colocando-se nele como parte ativa de sua criação ou de sua
ordem; um modo de ver-se como instância de sua própria criação na mesma medida em que desempenha um papel na criação e na origem do mundo.3 Instrumento de seu próprio projeto, o homem o é desde o momento
de formulá-lo.
Nesse plano, a ciência da educação constitui um saber/fazer radical
em que se baseia a existência e o conjunto de iniciativas que a instauram
ou a entretêm. A pesquisa significa a busca de um novo cogito instaurador;
só na solidão artesanal que ela propicia isso é possível. Solidão da conversão. Quem recebe uma verdade, precisa ficar só com ela e revesti-la de seu
próprio ser: ao voltar para a comunicação com o nosso parceiro, ela vem
embebida do que elaborou nossa intimidade solitária. E por isso, a verdade, que se enriquece pela contribuição de todos, tem de alimentar-se na
3
Talvez uma certa analogia entre nosso conceito de intencionalidade radical (na educação), neste e em outros textos, por
exemplo, o citado em nota anterior, e os conceitos formulados por Husserl (Méditations cartésiennes. Paris: Vrin, 1947) e E.
Mounier (Lê personnalisme. Paris: PUF, 1955). Destaques de Méditations cartésiennes: "L'ego cogito comme subjectivité
transcendentale" (p. 16); "L'Originalité de l'analyse intentionelle (p. 40)"; "L'objet intentionelle" (p. 43); "L'explication
phénoménologique véritable de l'Ego cogito" (p. 70); "La transcendence du Monde objectif" (p. 88); "L'intentionalité mediate
de l'expérience d'autrui" (p.91); "Analyse intentionnelle des communautés intersubjectives supérieures" (p. 112). Destaques de Le Personnalisme: "C'est oublier le caractère et la richesse complexe du Cogito. Acte d'un sujet autant qu'intuition
d'une intelligence, il est l'affirmation d'un être qui brise les cheminements interminables de l'idée et se pose avec autorité
dans l'existence. Le volontarisme, d'Occam à Luther, préparait ces voies. La philosophie, désormains, n'est plus une leçon
à apprende, comme il était devenu l'usage dans la l'usage dans la scolastique décadente, mais une meditation personnelle
que l'on propose à chacun de refaire pour son compte. Elle commence, comme la pensée socratique, par une conversion,
une conversion à l'existence." Em pé de página: "CHASTAING, Máxime Descartes, introducteur à la vie personnelle.
Espirit, juillet, 1937".
38
Durmeval Trigueiro Mendes
solidão de cada um. Na sua apropriação. O vínculo pedagógico é apenas
isso – uma conversatio entre dois logos; de um a outro, o tempo da germinação. Um propõe, o outro acolhe, e ao devolver o que foi proposto, a
resposta será a recusa, pela proposição de outro verbo, ou a adesão, na
qual o verbo de quem recebeu se integra – enriquecendo-o – no verbo de
quem deu. A conversatio é uma conversio (Trigueiro Mendes, 1968, p.
229).
O indivíduo desenvolve sua cultura no e pelo trabalho: mas, ao mesmo
tempo, a cultura não é coextensiva com este; transcende-o como instância
crítica e criadora. Por exemplo, a escola média dá a formação profissional,
mas esta só é autêntica quando a tecné, na qual o indivíduo é instruído,
constituir uma práxis autêntica, abrangente do seu projeto existencial global – o seu fazer que incorpora o seu ser, o fazer é fazer-se refazendo o seu
"entorno" – e abrindo, dentro dele, espaço para sua própria e permanente
recriação. O indivíduo não cai dentro de uma profissão como um objeto
passivo se encaixa dentro de um escaninho, ou um bicho-da-seda dentro de
seu casulo. Ele se torna elemento ativo e criador, não só porque se movimenta dentro de seu emprego, como também por que é capaz de olhar o
mundo, além deste, como um horizonte de possibilidades para sua promoção humana e social. Ele precisa estar armado de uma consciência crítica e
prospectiva para não cair num emprego como uma pedra cai num poço,
mas para mergulhar numa corrente que pode levá-lo sempre adiante. Sua
habilidade fundamental é para exercer criadoramente seu ofício, aperfeiçoando-o, extraindo dele uma consciência gratificante que está ligada só a um
opus – e nunca a uma tarefa – e transcendendo-o sempre para outros, mais
próximos de sua ambição criadora e de sua capacidade.
Entretanto, para que a cultura não pare no trabalho, é preciso dar-lhe
chances fora deste: no lazer. Lazer significa existência individual assumida
pela consciência intencional, criadora. Existência como liberdade e projeto.
Lazer significa a possibilidade de recuperar as forças originais, comprometidas, pelo trabalho, com o projeto coletivo, do mesmo modo que o trabalho
representa exatamente sua antítese dialética: o comprometimento dessas
forças no projeto social. Entretanto, recompostas suas provisões criadoras
pelo lazer, é no trabalho que o indivíduo vai utilizá-las, recomeçando tudo
de novo, cada uma das quatro categorias – educação, cultura, cidadania,
lazer – gerando todas as outras (Trigueiro Mendes, 1974, p. 10-12).
De fato, o projeto existencial se desdobra numa sucessão de projetos
e iniciativas. Artesão de seu próprio ser, no começo, o indivíduo terá de
ser depois artesão de muitos e diversificados fazeres (no projeto existencial ele faz seu ser e, simultaneamente, seu ser faz seu fazer). Há uma espécie de dialética pela qual um fazer inicial instaura o ser, e depois o ser
instaurado realiza os múltiplos fazeres através dos quais ele se enriquece
e consolida.
Ensaios sobre Educação e Universidade
39
A educação é um artesanato: a arte de "tomar partido" no complexo
infinito de possibilidades que cercam a existência de cada um, fixando
nele seu recorte individual. E depois, indefinidamente, ir "tomando partido" nas várias circunstâncias através das quais o projeto existencial se
materializa, ou seja, a intencionalidade radical do ser humano ganha corpo, expandindo-se e diversificando-se no plano empírico da ação.
Lembrando a clássica distinção entre o agir e o fazer, o agir é a primeira disciplina fundamental do ser humano, frutificando na multiplicidade
in-definida do fazer. O agir, na filosofia tradicional, era o fazer na ordem
dos valores, e o fazer, o agir na ordem da matéria. Ora, o fazer e o agir se
cruzam, dialeticamente, de modo que os valores saem das mãos do homo
faber tanto quanto entram no espírito do homo sapiens. O ser é o fazer.
O artesanato educacional apresenta um complicado processo de articulação. Em primeiro grau (grau entendido aqui como instância), a arte é a ciência de modelar o projeto existencial de que já brota o agir; em segundo, a arte
é a ciência de modelar o próprio agir, que frutifica em várias direções (estado
de vida, profissão etc.); em terceiro grau, a arte é a ciência de modelar os
vários fazeres que materializam o agir e de que ele se nutre, dialeticamente.
Vejamos, por exemplo, o que significa ser médico, do ponto de vista de
um artesanato. No primeiro momento – de escolher uma profissão e situarse nela – expressa uma opção coerente na linha da intencionalidade do
indivíduo como ser no mundo e, portanto, um prolongamento do projeto
existencial; mas como materialização empírica do projeto existencial, esse
momento já se insere na condição de fazer; quem vai ser médico chega a um
momento em que tem presente na consciência, simultaneamente, o perfil
real da atividade específica a que vai se dedicar e o projeto de toda sua
existência, condicionando-se mutuamente a esses dois fatores. Esse segundo momento, correspondente ao segundo grau, portanto, é essencialmente
ambivalente, porque é de mediação entre o projeto no nível da existência e
o projeto no nível do fazer, entre o artesanato de primeiro grau (do ser) e o
do terceiro grau (da ação empírica e materialmente definida).
Tal fazer, portanto, tem duas faces: uma, ligada ao sujeito como instância criadora, e outra, vinculada ao objeto. Um terceiro grau de artesanato educacional diz respeito, fundamentalmente, ao objeto. Por exemplo, a
medicina, como objeto, tem seu recorte próprio, impõe suas próprias normas, que não fluem somente no sujeito. Não se pode dizer que essas normas o excluam, já que as qualidades subjetivas do médico colaboram com
seu saber, mesmo no sentido operativo. Na verdade, há uma dialética, em
cada fase, entre o valor preponderante que a caracteriza, e os valores
subjacentes que configuram as outras fases.
O modo mais eficiente e apropriado de apoderar-se do objeto – no
caso, a matéria que constitui a medicina – representa a educação médica,
40
Durmeval Trigueiro Mendes
e aí temos o terceiro momento do artesanato educacional. Quais os problemas de tal artesanato nesse grau e nesse exemplo? De um lado, importa
definir, através de métodos epistemológicos adequados, o saber necessário a um médico, e de articulá-lo com outros saberes que o complementem
e ampliem; de outro lado, trata-se de estabelecer as condições adequadas
– quanto ao tempo e aos métodos – de apropriar esse saber. É claro que
nesse processo de apropriação, colocado no terceiro momento do artesanato educacional – isto é, no momento regulado predominantemente pelo
Objeto – , o Sujeito não desaparece; apenas ele é focalizado mais como
matéria para um determinado fazer, que como fonte de agir, do "sentido",
"da consciência", da "intencionalidade", da "vocação" a ser manejada com
vistas a produzir determinada "forma", e nisto consiste a aprendizagem.
Como operar essa massa de virtualidades que se concentram no
indivíduo? Evidentemente, a matéria a que se aplica a técnica pedagógica
abrange todo o ser do educando, logo, também seu agir: não se pode tocar
nesse objeto, nem tirar dele os efeitos desejados sem se acomodar ao jeito
dele, que se expressa no seu agir. O que queremos dizer, contudo, é que
esse agir, agora, nesse terceiro momento, é enfrentado, sobretudo como
Objeto. Embora esse Objeto seja de caráter excepcional, pois é impregnado da força criadora do Sujeito, sem reduzir-se nunca à passividade e à
inércia. Nesse caso, há uma posição dialética. O indivíduo, ao educar-se,
não porta, como simples instrumento, a ação de educador; ao contrário, o
educador o que faz, com seu toque estimulador, é transformar o educando
no instrumento de sua própria força, isto é, de sua própria subjetividade.4
A ação do educador e do educando recai, sobretudo no agir, que é radicalmente criatividade; e o agir, convertido em instrumento, é um jorro incessante de diferentes fazeres. A educação consiste, basicamente, em acionar
o agir; em desatar a potencialidade instrumental que este representa, em
ligar o homem-criador ao homem artífice.5 É despertar o agir, estimulando
4
Poder-se-ia aplicar, concretamente, o conceito de Objeto em relação à educação. "A nova objetividade, adquirida pela
educação geral como resultado de sua encarnação pela práxis, impôs-lhe, primeiro, que, em vez de isolar-se do fazer ou da
técnica, dos vários fazeres e técnicas, ela a) assuma a função de situá-los, de integrá-los, e sobretudo de vinculá-los ao
homem como fonte transcendente de todo fazer, por isso mesmo capaz de recriá-los incessantemente, e b) que a própria
educação geral seja concebida, ao lado de outros objetivos, como uma preparação para o fazer, enquanto proporciona uma
visão do objeto muito mais ampla e flexível que a oferecida pelo saber técnico no sentido tradicional. Ela não ensina tanto
a aplicação como os critérios que levam às mais diversas aplicações, eliminando a servidão destas a condições concretas
de espaço, de tempo e de tecnicalidades." (Trigueiro Mendes, D. Um novo mundo, uma nova educação. Revista Brasileira
de Estudos Pedagógicos, v. 51, n. 113, p. 11, jan./mar.1969). Novamente, uma aplicação concreta do ensino do 2º grau. Não
se trata de determinar o momento de especialização, mas também, e sobretudo, o da aproximação das fontes mais ricas do
educando através de processos da educação geral. Em vez de dar-lhe um instrumento, é preferível a inesgotável e a infinita instrumentalidade do Sujeito.
5
Antes, opunha-se o homo faber ao homo sapiens. A verdade é que o homo faber carrega consigo o homo sapiens; seu fazer
está impregnado de essência criadora do Sujeito, o fazer é o agir do homem, inscrevendo-se como criação na ordem do
mundo. Dessa forma, cessa a oposição e desaparece igualmente a inferioridade do homo faber: o fazer não é atividade
degradada, mas se prende às fontes mais altas do ser e do agir. Desaparece o dualismo ser-fazer, educação-trabalho,
educação geral – educação técnica. Ser, fazer e agir são a mesma coisa.
Ensaios sobre Educação e Universidade
41
sua intencionalidade própria, que se traduz como rumo e como força. Um
homem é um ser intencional na medida em que descobre um sentido para
sua existência e emprega a força de que é capaz para objetivá-la. E a educação não é senão a disciplina do ser intencional. Toda a tarefa do educador reside apenas – e já é demais – em descobrir, preservar e corroborar a
intencionalidade do ser do educando.6
A ciência da educação é, portanto, ciência aplicada: ciência do fazer
humano no sentido forte da intencionalidade prolongada nas manifestações empíricas do fazer. Ela abarca toda a distância que vai da sabedoria à
técnica. Trata-se sempre de um saber fazer desde o mais radical, o saber
fazer com o próprio ser, no primeiro momento do artesanato a que nos
referimos. Esse primeiro fazer, que instaura o ser, pressupõe um saber,
embora esteja este ainda submerso em intuições que nascem, simultânea
e inextricavelmente, do indivíduo e do contexto social que o condiciona.7
A ciência da educação constitui, a nosso ver, o objetivo fundamental
da Faculdade de Educação. Como saber e como fazer, e como um saber
resulta de um novo fazer do homem, ela constitui hoje uma ciência nova,
de cujo ineditismo poucos suspeitam, e a maioria não chega a conceber
além das palavras. Ela implica uma nova epistemologia, uma nova práxis
– um humanismo novo.
É o sentido e a eficácia dessa nova "paidéia", surgindo nos céus históricos do nosso tempo, que nos parece constituir a função radical de uma
Faculdade de Educação na medida em que esta se encontra no ápice da
Universidade e do próprio processo cultural.
6
Aplicação concreta: a) "A comunicação cultural e pedagógica que cabe à universidade promover entre professores e
alunos não é, de nenhum modo, a que se fixou na opinião geral: a que se produz entre o indutor e o induzido, o rico e o
pobre, o ato e a potência, o informado e o desinformado, o docente e o discente, o acabado e o inacabado. Em vez de o
aluno reduzir-se ao ser do professor, ele reduz o ensinamento deste ao seu próprio ser; e mais, ele modifica o ser do
professor, o conteúdo do logos magisterial, pela incidência nele de seu logos próprio, feito de imaturidade-abertura, e não
apenas de imaturidade – tabula rasa. O erro da nossa visão costumeira é não concedermos ao jovem que ele tem o seu logos
e que, 1º) só a partir deste se pode engrenar sua comunicação verdadeira com o logos do mestre; 2º) o logos do aluno é
válido por si mesmo, não por simples complacência – demagógica ou paternalista – dos adultos, embora seja menos rico
do que o deles, na medida em que o deles esteja enriquecido pela memória cultural. Deve-se atribuir aos jovens o direito
de colocar no diálogo, que é o fundamento da universalidade, a novidade de sua indagação, a exigência de sua visão com
novas raízes, a realidade de sua apercepção (no sentido herbartiano do termo) na qual os elementos projetados de dentro
são mais poderosos que os elementos internalizados de fora." (Trigueiro Mendes, D. A Universidade e sua utopia. Revista
Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 50, n. 112, p. 226, out./dez. 1968); b) "Nisso se constitui imprescindível, a nosso ver,
a adequada incorporação dos professores e alunos à práxis universitária. Não se trata de incluir os alunos no contexto
universitário com uma função meramente aquisitiva; o encontro deles com professores e mestres é o encontro de duas
correntes, de águas diferentes que vão formar o mesmo rio, cada um com conteúdo próprio, em uns se exprimindo
sobretudo como potencialidade antecipadora, e noutros com potencialidade formadora. Os dois papéis se cruzam, cabendo à universidade fixar métodos apropriados de reduzir a conteúdos válidos a contribuição de professores e alunos, do
mesmo modo que lhe cabe reduzir fenomenologicamente as diferenças ideológicas. A condição generacional é condição
de visão, ao lado de outras como a doutrinária e a ideológica. Na antiguidade romana, Cícero traduziu a palavra paidéia
por humanitas, como lembra Marrou (Histoire de l'éducation dans l'Antiguité. Paris: Seuil, p. 144): como parte essencial de
uma nova humanitas, as novas gerações, sobretudo no mundo dividido, constituem parte substancial da cultura". (Trigueiro Mendes, D. O Governo da universidade. Documenta, n. 64, Separata, n. 27, p. 30).
7
É claro que depois existe, consciente ou inconscientemente, a articulação ou conexão, entre indivíduo e sociedade, entre
saber e fazer, através de inúmeras concepções filosóficas e científicas. Em relação à perspectiva educacional, filosófica e
sociológica da educação, ver Trigueiro Mendes, D. "A consciência artesanal da educação e o fenômeno da alienação" e "A
sociedade problematizadora" no artigo A expansão do ensino superior. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 48, n.
108, p. 218, out./dez. 1967.
42
Durmeval Trigueiro Mendes
Como constituir uma nova "paidéia"? Esta nos parece constituir a
missão de uma Faculdade de Educação, e a razão pela qual ela se coloca
no cume da Universidade. Ela é, repetimos, o órgão de educação da Universidade e, por meio desta, o órgão de Educação da própria sociedade,
constituindo consciência e disciplina de sua práxis.
Preliminares para uma teoria da Faculdade de Educação
A função "educação"
À Faculdade de educação está reservada a função-educação na Universidade e, em grande parte, na própria sociedade.
Tal conceituação só por equívoco poderia ser considerada tautológica.
Nossas Universidades transformaram o saber sobre educação numa especialidade autônoma, ministrada por um de seus cursos, quando esse saber deveria encarnar-se nas suas estruturas e dirigir permanentemente seus passos. O
saber pedagógico deve informar (sem constituir fator exclusivo, obviamente)
a organização da própria Universidade e de seus cursos, o planejamento de
atividades pedagógicas e, sobretudo, o modo pelo qual outros saberes –
correspondentes às várias especializações científicas – se convertem de saber-em-si em saber-para-outros, de saber objetivado em saber comunicado.
Essa reconstrução de conhecimentos para efeito de comunicação didática
constitui a essência da pedagogia como ciência e como processo operacional.
Isto é, como práxis. Do ponto de vista do saber, portanto, a pedagogia é constituída das relações entre o educador, o educando e o saber propriamente
dito. Ao conjunto dessas relações, com o que elas envolvem de ciência e de
operacionalidade, é que chamamos aqui a função educação.
Em certo sentido, poderíamos considerar a Faculdade de Educação
uma faculdade de métodos, e a esse propósito cabe desde logo uma distinção fundamental. A tendência a hipostasiar o saber chega a atingir os processos mais estritamente ligados à experiência; o problema dos métodos,
por exemplo, passa à ordem de uma didática que ignora, basicamente, as
exigências de cada categoria do saber, determinadas pelo seu objeto específico e pela experiência dos que com ele estão identificados. Classificouse a educação em objeto de estudo, deixando de ser uma práxis dirigida
pela ciência dos educadores.
A análise dessa reificação do saber pedagógico parece indispensável, não só à compreensão de graves deformações ocorrentes no Brasil,
como também à instauração de um novo modo de pensar e fazer a educação, devendo a Faculdade de Educação, como instituição nova, constituir o ponto de origem desse processo instaurador. Faremos apenas
algumas indicações, a título de ilustração.
Ensaios sobre Educação e Universidade
43
Numa Universidade, todas as escolas são, em certo sentido, de educação, já que o saber próprio que as especifica se transforma em objeto
de educação, mediante processos que são essencialmente pedagógicos.
A Escola de Educação e, por exemplo, a de Medicina, são duas instâncias educacionais, intimamente relacionadas entre si, uma como produtora de saber pedagógico, e a outra como um de seus consumidores. Mas,
em compensação, esta última está inserida na própria práxis da Medicina, pela qual se inspiram a profissão e o ensino correspondente. Daí não
poder existir nenhuma pedagogia geral que, no ensino médico, possa
prescindir da pedagogia médica, alicerçada na referida experiência. O
que resulta dessa consideração, entre outras coisas, é que a Faculdade de
Educação, ocupando-se da função educação na Universidade, constituirá um centro de saber pedagógico haurido, sob o estímulo e direção de
especialistas nesse campo, da contribuição de todas as áreas de ensino
universitário, e encarnado na práxis de todas as unidades integrantes da
Universidade.
Metodologia educacional
A especificidade de cada Escola ou Faculdade na Universidade é de
matéria e de forma. A matéria, como campo de saber, e a forma de organizála e de transmiti-la impõem uma e outra, suas respectivas metodologias.
As duas são determinadas pela natureza do Objeto e pela natureza do
Sujeito. O Sujeito, como fonte criativa, é capaz de alterar e multiplicar seu
desempenho de acordo com as circunstâncias pessoais e sociais. A idéia
do Sujeito está associada à do in-finito, um inacabado que incessantemente supera os atuais acabamentos por força de sua própria e inesgotável virtualidade. É o Sujeito que, primeiro, constitui o Objeto, transformando a coisa opaca em algo significativo; e, depois, torna o Objeto, de
estrutura fechada, em estrutura aberta a sua própria reestruturação.
A fim de ter uma aplicação bastante concreta, importa apenas lembrar que a polivalência da educação só pode ser entendida a partir dessa
dialética: como operar em face da potencialidade do Sujeito e das determinações do Objeto.8 Uma educação puramente do objeto se esgota nos
desempenhos do educando ou de qualquer pessoa num momento dado.
Esgota-se no praticalismo. Uma educação puramente do sujeito teria que
8
No artigo citado anteriormente, na nota 4, insistimos nesse tema: "Não esquecemos, nesse passo, quanto a noção de
criatividade se confunde com a de indivíduo; mas tampouco omitimos quanto o Objeto representa para o indivíduo, ao
mesmo tempo, um limite e uma fonte fertilizadora; nem, sobretudo, que no real o Sujeito e o Objeto se implicam
reciprocamente."
44
Durmeval Trigueiro Mendes
derivar ou para uma nova aventura, um diletantismo da consciência solitária numa linha "existencialista", ou para um vitalismo dionisíaco do
tipo individualista na linha nietzschiana. Essas duas alternativas são
belas, mas ineficazes, como é ineficaz o próprio diletantismo ou a consciência do trágico. A educação autêntica é ao mesmo tempo do Sujeito e
do Objeto.
Por outro lado, o Sujeito abriga condições psicológicas individuais e
típicas, segundo condições socioculturais que ele interioriza, reduzindoas a sua própria estrutura de Sujeito. O processo educacional está enquadrado nas estruturas e funcionamento da subjetividade. O sujeito, como
tal, não se resolve nos fatores psicológicos, concebidos como valores per
se, imanentes ao indivíduo. O sujeito funde nesse lastro psicológico, que
realmente existe, condições e valores socioculturais. Um conceito mais
concreto: a orientação educacional não é só a busca de preferências supostamente existentes em estado puro dentro do espaço psicológico da
criança e do adolescente, porque não existe espaço psicológico puro: o
psicológico é o social interiorizado. A orientação educacional parte do
reconhecimento do confronto homem-mundo, sob a forma dialética do
mundo a fazer-se pela ação do homem, e do homem a fazer-se a si mesmo
enquanto faz o mundo; o reconhecimento, portanto, de que as preferências vocacionais resultam de um apelo de dentro e de fora, simultaneamente educacional e profissional: o indivíduo e a sociedade, o universo da
criação e o universo do trabalho. Por isso, em termos filosóficos, a orientação é uma só, com diferentes nuanças segundo as etapas da educação.9
A subjetividade, ao mesmo tempo que apresenta identidade própria,
já é representativa de um contexto que a ultrapassa. Mantém-se a unidade, simultaneamente compósita e inteiriça, graças ao poder que tem a subjetividade de integrar termos contraditórios – por exemplo, o "interior" e o
"exterior" – mas, ao mesmo tempo, de afirmar sobre a diversidade e a contradição a sua identidade fundamental. Essa tensão permanente entre a
subjetividade e a objetividade, entre a apropriação da realidade exterior
pelo indivíduo e a sua permanente abertura ao dinamismo da ordem social, constitui uma dialética de importância essencial na fenomenologia da
educação, tanto quanto da sociedade e da cultura.
A relação fundamental entre o indivíduo e a sociedade se realiza em
forma de intersecção. O conceito geométrico – do ponto onde se cortam
duas linhas ou duas superfícies – serve para definir essa intersecção pela
ruptura; essa vida nova que surge de uma ferida aberta; essa combinação
9
TRIGUEIRO MENDES, D. Para uma filosofia da educação fundamental e média. Revista de Cultura Vozes n. 2, 1974
(sobretudo p. 94-95) e Um novo mundo, uma nova educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 51, n. 113, p. 918, jan./mar. 1969, especialmente, p. 9.
Ensaios sobre Educação e Universidade
45
de continuidade e descontinuidade, em que esta se reconquista a si mesma, permanentemente, daquela, e a continuidade novamente se impõe
sobre a descontinuidade.
Inter e secção: abertura e recusa; comunicação e corte. O indivíduo
ingressa na sociedade, não para nela se amassar, mas para cindi-la, nela se
engrenar pelo conflito – desencadeador de uma seqüência dialética – ao
cabo do qual a sociedade terá condições de acolher, ou não, uma nova
forma de consciência, um novo ponto de partida; uma redefinição das
situações e dos problemas.
"A cultura também é dialética. Informa-a uma dupla intenção: a de
descobrir e a de transcender; de refletir fatos e de projetar utopias; de ser
ao mesmo tempo reflexiva e tensional" (Trigueiro Mendes, 1973, p. 230).
Há uma racionalidade ex-vi do Objeto, outra, ex-vi do Sujeito. A
conciliação entre as duas – de um lado, as exigências do aluno/professor, como Sujeito, e de outro lado, as exigências do Objeto – e o controle da interação dialética constituem a metodologia educacional. Daí a
heresia generalizada, apesar de tudo, da didática separada como um
saber em si.
É próprio da dialética o apelo, sob forma tensional, de cada um de
seus termos para o termo que o contradiz. Esse apelo não se manifesta
apenas em momentos privilegiados (embora os tenha) como os do confronto entre as antíteses no processo de integração. Cada termo antitético
já se encontra enredado no processo de complementaridade. Assim é
que o Sujeito se liga ao Objeto, já dividido, tensionalmente, entre sujeito
e objeto, isto é, ao modo de um e de outro. O Pour-soi não configura um
saber do sujeito absoluto, como pretende, sem se dar conta, o
psicologismo pedagógico. E o Objeto, por sua vez, não é uma matéria
inerte nem um En-soi absoluto, mas uma realidade já contagiada pelo
dinamismo do sujeito movendo-se dentro do processo em que se instauram o ser e seu comportamento.10 Sua realidade só se completa com o
Pouir-soi e o En-soi. Nem objetivismo absoluto, nem subjetivismo absoluto. Nem o império da matéria da ciência, nem o do comportamento do
aluno e do professor, nem, tampouco, o império do método. Nenhuma
dessas entidades é inteiramente válida por si. Elas formam uma tríade
dialética cujas partes se articulam segundo um processo dinâmico de
complementaridade.
10
"Há uma "virada" do espírito humano, ou seja, de sua nova atitude, já que, antes, ele consumia sua riqueza na
autocontemplação, enquanto hoje ele infunde toda sua força na pesquisa e na compreensão do Objeto, articulando-o ao
seu próprio dinamismo criador. A partir do momento em que a educação passa a constituir um grande esforço para
compreender o Objeto para situar-nos diante dele, é óbvio que o Objeto fica totalmente imantado pela criatividade do
espírito". (Trigueiro Mendes, D. Um novo mundo, uma nova educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 51, n.
113, p. 9, jan./mar. 1969)
46
Durmeval Trigueiro Mendes
Aspectos da Didática
Ora, o que ocorre com o nosso sistema educacional, especialmente na
Universidade, é exatamente a separação entre esses três aspectos. Separação do ponto de vista estrutural e do ponto de vista funcional. Cada um
deles se organiza como um todo segundo sua própria lógica interna. Esse
fenômeno, com raras exceções, parece flagrante no caso da Didática, como
era ministrada pelas Faculdades de Filosofia e, mesmo, por algumas Faculdades de Educação, as quais realizam, como há pouco acentuei, a hipótese
do processo pedagógico. O método substancializado. Com a agravante de
excluir quase tudo que deveria servir-lhe de base. Que vem a ser esse tipo
de Didática e como se organiza? Antes de mais nada, exclui as exigências
metodológicas de cada campo específico do conhecimento. Pois até mesmo
as Didáticas especiais, em que se fragmenta a Didática Geral, guardam com
as respectivas áreas científicas uma relação meramente extrínseca. A didática de Física, por exemplo, não incorpora a metodologia científica própria
dessa área do saber. Tal articulação, de resto, exigiria que o professor de
Física extraísse de sua matéria os elementos que, juntamente com outras
instrumentalidades pedagógicas, deveriam compor a didática de Física; ou
que o professor de Didática, além da formação especializada em Física, trabalhasse em íntima conexão com o responsável por essa matéria.
É certo que se exige, pelo menos legalmente, que o professor de didática de Física (ou de qualquer especialidade) tenha a formação científica
correspondente. Mas isso não é suficiente: impõe-se colher a Didática do
próprio exercício da Física, em termos de elaboração metodológica dessa
ciência. Exatamente nesse ponto se verifica a ruptura do processo pedagógico. O didata de Física é o didata superposto ao físico, usando na Didática uma metodologia que não incorpora, intrinsecamente, a metodologia
da Física. Persistem dois tipos de racionalidade, duas práxis distintas. A
primeira razão desse fenômeno provém da unilinearidade da lógica que
preside a formação do saber, simétrica à que preside sua transmissão, gerando o paralelismo em vez da integração. A segunda, em parte derivada
da primeira, é a formalização incorreta do campo de cada ciência. Elas são
estruturadas muito mais de acordo com uma lógica formal "vazia" do que
com a lógica dialética capaz de captar os apelos de uma ciência para outra,
da forma para a matéria, do conhecimento para a práxis (entendida, aqui,
como forma de construção do conhecimento). Deixando de ser operativo,
o conhecimento se converte em simples exercício de uma racionalidade
vazia, mas cheia de ambição de controlar a realidade. Entre esse tipo de
racionalidade e a realidade se interpõe, para iludir a primeira e sem que
ela o pressinta, um jogo de suposições não verificadas que funciona como
sucedâneo da legítima reconstrução do saber pedagógico. Suposições derivadas, muitas vezes, do "senso comum"...
Ensaios sobre Educação e Universidade
47
Supressão das didáticas especiais
A Resolução nº 9 (6/9/1969), do Conselho Federal de Educação, suprime as didáticas especiais e impõe a prática de ensino: "Será obrigatória a
prática de ensino das matérias que sejam objeto de habilitação profissional, sob forma de estágio supervisionado a desenvolver-se em situação
real, de preferência em cada escola de comunidade".
Parecem corretas as duas normas da resolução, mas estimaríamos alterar o arcabouço da Didática, ou melhor, da metodologia educacional, já
que está calcada, a nosso ver, em proposições consistentes.
Mais recentemente, algumas Faculdades de Educação começam a alterar esse quadro com a introdução de cursos de didática do ensino superior, em nível de aperfeiçoamento ou mestrado, destinados a professores
das diversas áreas universitárias.
Pedagogia e Didática
O pensamento sobre a pedagogia brasileira, a nosso ver, provém de
crenças cujas raízes não são pesquisadas. Além do "senso comum", já referido, há pré-conceitos tradicionais, tão fortemente interiorizados que se
apresentam como conceitos científicos. Subsiste, igualmente, a crença num
certo tipo apriorístico em relação à normatividade. Admite-se, sem exame, que a estrutura do pensamento corresponde à da verdade. Funcionando pelo seu próprio impulso, ele chega à verdade simplesmente por via
educativa. É certo que não se trata, na maioria dos casos, de um apriorismo
absoluto. Há um pouco de matéria experiencial concorrendo no esforço
de acionar a máquina lógica. Mas o que acontece é que tal matéria é
introduzida no pensamento pelos canais do "senso comum" ou da lógica
espontânea sem qualquer controle rigorosamente científico. O mais grave, entretanto, convém insistir, é a pretensão de erigir-se em normatividade
científica essa lógica inconsciente e arbitrária. Fenômeno tão inquietante
quanto o da quantidade de mentes geométricas, seduzidas por esse tipo
de construção intelectual no campo da pedagogia.
É curioso observar a distância entre a pretensão reformista de muitos
desses pedagogos e o caráter rotineiro de seu pensamento. Apegam-se, fundamentalmente, a conceitos correntes onde caberia criar novos conceitos,
ou reformular os antigos, como já foi assinalado, segundo um modo operatório. Estão presos a uma clicheria intelectual tradicionalista,11 algumas vezes
11
Em 1971, a legislação do ensino de 1º e 2º graus mudou a "clicherie". Ver, neste trabalho, o tópico referente a essa
legislação.
48
Durmeval Trigueiro Mendes
importada, como demonstra significativamente seu arsenal lingüístico. De
resto, as crenças e as palavras se tornam cúmplice12 umas das outras, as
palavras projetando as crenças interiorizadas e, ao mesmo tempo, cristalizando-as, para depois reintrojetá-las, revigoradas, pelo refluxo das idéias.
Em síntese, poderíamos dizer que a didática no Brasil, com honrosas
exceções nos dá a impressão de um receituário elaborado pelo senso comum,
sob a disciplina de uma racionalidade espontânea, não raro apoiada vagamente na racionalidade científica, extraída de certas ciências da educação,
particularmente à Psicologia. Fenômeno análogo ao que ocorre, por exemplo,
com a "Administração Escolar". São receituários que poderiam ter algum mérito
como tentativas pragmáticas, feitas modestamente em volta da experiência.
Na verdade, é o contrário que acontece: esse conjunto de normas, muitas
vezes nem pragmáticas nem científicas, pretende, com arrogância dogmática,
controlar a práxis pedagógica com a autoridade da "ciência".
Do ponto de vista científico e prático, a Didática Geral só poderia existir como ponto de confluência da metodologia do Objeto e da metodologia
do Sujeito. O curso de Didática, sob um Coordenador, seria constituído,
basicamente, de seminários de que participassem professores representantes das áreas científicas interessadas (engenharia, medicina etc.) e das ciências aplicadas, sempre em termos de metodologia científica.
Fundada essencialmente na práxis em que três referidos elementos se
inserem e com os quais se constituem, nada impediria à Didática Geral de
realizar um certo esforço de teorização, ou melhor, de "decantação" teórica. Ela procuraria identificar, por exemplo, o comum e o diversificado nas
várias metodologias setoriais; compor pelo critério da identidade ou semelhança dos métodos, as "comunidades" científicas, ou, em sentido inverso, deduzir das "comunidades" científicas um método típico; estabelecer certas normas práticas do ensino, dentro de um espírito pragmático e
flexível, infenso ao dogmatismo.
De qualquer modo, essa matéria "Didática Geral" deveria operar como
práxis, isto é, por tateamento, por contatos multidisciplinares, por aproximações crescentes de uma metodologia teórico-prática do ensino.
O problema da interdisciplinaridade
O problema da interdisciplinaridade, aliás, se põe em cheio nessa
discussão. Não basta reconhecer que as ciências afins devem trabalhar
12
Sobre a relação entre a lingüística e a formação das crenças, ver CHRISHOLM, Roderick. Teoria do conhecimento. Rio de
Janeiro: Zahar, 1969, cap. 5. Tivemos oportunidade de abordar esse problema no trabalho: A Universidade e sua utopia.
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 50, n. 112, p. 223-231, out./dez. 1968.
Ensaios sobre Educação e Universidade
49
integradamente. Há que pesquisar o método de integração no Brasil.13 Trata-se de reunir as matérias e os professores num espaço do saber e num
programa solidários, mas, sobretudo, de construir um "objeto intencional".
Husserl configura o "objeto intencional" nas Méditations cartésienes:
La structure la plus générale qui, em tant que forme, embrasse tous les cas
particuliers, est designée para notre schéma général ego-cogito-cogitatum. A elle
se rapportent les descriptions très générales que nous avons tenté de faire de
l'intentationalité, de sa synthèse propre... etc. Dans la singularisation et la
description de cette structure, l'objet intentionnel situé du côté du cogitatum joeu
– pour des raisons faciles à saisir – le rôle d'un guide transcendental, partout où il
s'agit de découvrir les types multiples de cogitationes qui, en une synthèse possible,
le contiennent em tant qu'état de conscience d'un même objet. Le point de départ
est nécessairement l'objet "simplement" donné; de là, la réflexion remonte au
mode de conscience correspondant et aux horizons de modes potentiels impliqués
dans ce mode, puis aux autres modes d'une vie de conscience possible dans
lesquels l'objet pourrait se présenter comme "le même".
Imediatamente depois do "objet intentionnel", Husserl frisa e
complementa a idéia da unidade universal de todos os objetos, bem como
o problema de sua elucidação constitutiva.
Parece-nos que existe certa convergência (ou certa analogia) entre o
"objeto intencional", na ótica husserliana, e o "objeto" em nossa perspectiva. Em programa para o curso de Filosofia da Educação (Fundação Getúlio
Vargas/Iesae, 1974), incluímos o tópico "Prospectiva", cujo roteiro abrange
algumas referências fundamentais: superação da educação rigidamente
estruturada em relação ao Sujeito ( escalonamento por idade e geração), e
em relação ao Objeto. O "Sujeito histórico" na sociedade tende a ser um só,
congregando as diferentes classes sociais e diferentes grupos etários e,
dessa forma, a interessar-se cada vez mais pelo mesmo Objeto. Unidade
de objetivos e de "intencionalidade" (projeto) num novo tipo de sociedade
democrática. (Trigueiro Mendes, 1969, p. 10-12).
Só poderemos realizar o Saber se estivermos aparelhados pela
metodologia inter e transdisciplinar. A Faculdade de Educação precisa elaborar essa metodologia (aplicada à educação, é claro) para si própria, para
a Universidade e de modo geral, para o processo educacional.
13
Tentamos elaborar uma metodologia interdisciplinar em nosso curso de Planejamento Educacional (Mestrado da PUCRio, 1973), baseada nas seguintes categorias: circularidade das ciências, unidade do conhecimento, sujeito e objeto, totalidade, qualidade e quantidade, racionalidade política, racionalidade técnica e racionalidade econômica. No Mestrado do
Iesae (Fundação Getúlio Vargas, 1974), através do curso de Filosofia da Educação, procuramos pesquisar a metodologia
transdisciplinar. O tema fundamental consiste no Sistema (sobretudo na perspectiva de Michel Foucault) e na possibilidade de ultrapassar o Sistema: ciência, filosofia e educação. Entre os instrumentos do curso, destaca-se, exatamente, esse
tipo de metodologia. Edgar Morin está elaborando a pesquisa transdisciplinar no sentido de um metassistema, ou de uma
metateoria. Ver Le Paradigme perdu: la nature humaine (Paris: Seuil, 1973) cap. 6: "L'homme péninsulaire", sobretudo
Scienza Nuova, p. 229 e ss.
50
Durmeval Trigueiro Mendes
O problema das ciências aplicadas à educação
Seria de supor que as ciências, integrando o currículo da formação do
professor ou do pedagogo, injetassem dinamismo na "razão" descritiva e
linear da nossa pedagogia. Não é o que ocorre. Assim como acontece a
superposição do didata no físico, ocorre a do didata no psicólogo ou no
sociólogo. O campo de cada um deles permanece autônomo, processando-se a vinculação de um com o outro por mera extensão metafórica. De
resto, é o que geralmente acontece com o ensino das ciências aplicadas,
no Brasil. A aplicação não muda intrinsecamente, por "catabolismo", a
ciência a que se refere: cola-se a ela como um rabo postiço.
Temos na Universidade, do ponto de vista do ensino, as escolas de
conteúdo (Engenharia, Direito, Ciências Sociais etc.), e a escola de método,14
sem que esta se articule sistematicamente com aquelas para assisti-las
didaticamente, como seria sua vocação.
Cabe, portanto, à Faculdade de Educação, assistir a Universidade como
estrutura de apoio à racionalização do processo pedagógico, como instância ao mesmo tempo científica (pesquisa e teoria da educação) e operativa
(aconselhamento teórico). Lembramos, como exemplo, determinadas ordens de problemas que receberiam o influxo direto de sua supervisão:
seleção dos alunos; avaliação da aprendizagem; relação pedagógica entre
professores e alunos; currículos e programas; relações entre educação,
cultura geral e formação profissional etc.
É claro que a Faculdade de Educação está ligada não apenas à Universidade, mas a todo o processo educacional, a todos os níveis de ensino e,
de modo geral, à política da educação. Por exemplo, em relação ao ensino
médio: destina-se o Colégio de Aplicação à demonstração pedagógica e ao
treinamento. Mas os resultados desse esforço não refluem para a própria
Faculdade como matéria de elaboração científica. Nem a Faculdade (com
algumas exceções honrosas) desempenha sua função de laboratório de
experiência sobre currículos, administração escolar, metodologia etc. Mas
o treinamento profissional deve estar calcado, simultaneamente, na experiência e na elaboração teórica, quanto aos conteúdos e aos métodos.
Quanto à política educacional, é ainda maior a omissão e a distância.
São ignorados o planejamento e a administração da educação. Se a práxis
educacional está no centro da práxis social, a indiferença das instâncias
teóricas da educação em relação à primeira explica, em parte, a
marginalidade da própria educação em relação à segunda. E esclarece,
14
Pelo que já foi dito até aqui, entende-se claramente que não separamos o conteúdo do método. Distinguimos apenas a
predominância de um e de outro, segundo a natureza de cada escola, tendo sempre presente que o conteúdo já abriga,
virtual e dialeticamente, seu método, assim como este guarda referência essencial ao conteúdo.
Ensaios sobre Educação e Universidade
51
igualmente, seu empobrecimento contínuo, disfarçado pelas peripécias
do nosso "escolasticismo" pedagógico.
A perda de substância transformou a Escolástica, nos fins da Idade
Média, em formalismo pretensioso, minudente e dogmático. Era um fenômeno de decadência. A incapacidade de agarrar a substância leva também
ao escolasticismo as ciências da educação entre nós: preponderância da
forma sobre o conteúdo, dos meios sobre os fins, das "abstrações" sobre as
realidades, da verbiagem sobre as idéias, do exterior sobre o interior. Mas
nosso escolasticismo é outro: um fenômeno de imaturidade e não de decadência. Só que a imaturidade não decorre da cultura jovem, mas da alienação da inteligência desligada da práxis e privada do que esta pode oferecer de realismo e densidade.
Duas "escolásticas"
O que mais caracteriza as duas escolásticas é o dogmatismo. Uma
aparatosa máquina de regras menores, muitas vezes cerebrinas, se converte numa máquina de poder. Os "teólogos" dessa escolástica tornam matéria de obediência o que deveria ser matéria de experiência. Com pressupostos extraídos de uma mente geométrica, ou de experiências desenvolvidas no exterior, em condições inexistentes ou ignoradas em nosso País,
o pensamento dedutivo traça as leis. Às vezes são meros "divertissements"
intelectuais que se convertem em normas. Vivemos, no Brasil, realmente,
num clima de escolasticismo pedagógico.
Fins e meios
Por causa da distorção que acabamos de apontar, as reformas
institucionais na educação se reduzem, quase sempre, a reformas administrativas, e estas, a remanejamentos superficiais na ordem dos meios. É
bastante curiosa a forma como alguns pedagogos se transformam em
"administrativistas" graças à química sutil da alienação. Desinteressados
de rever as finalidades da educação tendo em vista ajustá-la à originalidade de nosso País e, sobretudo, à irrupção de nova cultura no mundo, alguns pedagogos deixam simplesmente de ser pedagogos quando pensam
a reforma da educação, tornando-se especialistas de "meios". A Lei nº 5.692,
através da Resolução nº 8 do CFE, encampa os objetivos da Lei de Diretrizes e Bases (Lei nº 4.024, de 20.12.1961). Ora, as filosofias das duas leis
são quase antagônicas. Na verdade, a Lei nº 5.692 não encampa a consciência crítica e aperceptiva (finalidades e objetos), e sim, está encampada
pelo próprio establishment.
52
Durmeval Trigueiro Mendes
Imagine-se o pedagogo-tecnocrata, desobrigado de situar-se em referência às finalidades reais da educação, terminando por colocar-se – inconscientemente ou não – a serviço dos fins do establishment. O empenho
de qualquer tecnocrata em buscar categorias "neutras" (uma contradição,
de resto), e a troca, em decorrência disso, do plano político pelo plano
técnico, resulta de uma justificação prévia da política estabelecida e dos
valores que a informam.
Para exemplificar, nos Estados Unidos das últimas décadas, o
tecnocrata não tinha consciência dos fins, já que o establishment estava,
pelo menos aparentemente, consolidado. E, nesse caso, tendia mais a contentar-se com os meios do que a discutir os fins que o justificavam (mesmo porque a vinculação ao establishment pelos que os integravam dependia cada vez mais de uma espécie de consciência mecânica e reflexa do
que de uma adesão ativa e criadora).
Os meios isolados dos fins se afirmam exclusivamente em virtude de
sua "tecnicalidade", e os especialistas em política dos meios poderiam ser
utilizados para realizar qualquer empreendimento na política dos fins.
Chega-se por esse caminho a admitir o que se poderia chamar de
tecnicidade formal das idéias, abstraídas de sua "matéria", de seu "conteúdo"
e de sua intencionalidade. Novamente, uma cilada da alienação. Meios
coisificados, opacos, sem atravessar a consciência significante e intencional
dos fins.
Legislação do ensino de 1º e 2º graus
É certo que está alterada, substancialmente, a educação brasileira,
mas se confirma essa "hipóstase". Por exemplo, o ensino profissionalizante
não é coerente com as exigências reais do mercado de trabalho, e tampouco
há coerência entre educação, tecnologia, perfil da demanda, sociedade
industrial e cultura brasileira.
A Lei nº 5.692, art. 5º, § 2º, b (parte da formação especial) determina:
"será fixada, quando se destina à iniciação e habilitação profissional, em
consonância com as necessidades do mercado de trabalho local ou regional, à vista de levantamentos periódicos renovados". É muito pouco. Primeiro, restringe-se, exclusivamente, ao mercado de trabalho. Segundo, os
pedagogos que elaboraram o projeto da Lei nº 5.692 e outros documentos
legais (por exemplo, a "habilitação profissional") deveriam se haver cercado de pesquisadores e especialistas nas diferentes áreas: Filosofia, Sociologia, Economia, Antropologia, Ciência Política, Pedagogia (real) através
do planejamento interdisciplinar. Mas, no caso, existe apenas a
terminalidade para cumprir a lei cartorial, já que a terminalidade real em
educação não existe.
Ensaios sobre Educação e Universidade
53
Os pedagogos aguardam da lei a expedição; não aguardam a pesquisa,
o começo. Legislação prolífica, pesquisa escassa. Mais edito do que lei
(embora se saiba que a lei contém uma parte específica – o edito, isto é, o
preceito, o mandamento), já que a lei ordena a práxis.
A Lei do Ensino de 1º e 2º graus consiste na verbalização das soluções e não na sua viabilização. Qualquer lei deve fixar princípios bastante
precisos, tanto mais precisos quanto mais gerais.15 Ora, a legislação do 1º
e 2º graus, em alguns pontos, é bastante detalhada mas imprecisa nas suas
conceituações básicas. Não oferece inteligibilidade, dificultando, por isso
mesmo, sua aplicação. Alguns conceitos no relatório do Grupo de Trabalho, como "matéria", "equilíbrio", "estudos gerais",16 "interpenetração" das
três matérias (com estrutura distorcida: v. "O núcleo comum" – Parecer nº
853/71 do CFE), escalonamento das séries e, por conseqüência, das idades
(sem base consistente; v. Resolução do CFE nº 8, art. 5º, I; sabe-se bem que
a base rigorosamente psicológica está pesquisada, por exemplo, por Arnold
Gesell) e outros deixam a escola sem uma armação conceitual correta, em
termo operacionais, que permita a implantação da Lei.
O relatório do Grupo de Trabalho acena com a integração dos graus
de ensino. Mas o capítulo I, art. 1º da Lei (e o relatório) perpetra o equívoco em relação ao 1º e 2º graus. Ou um conceito só, e então não é preciso
superpor os dois graus, ou a integração do 1º e 2º graus com as propriedades específicas de cada um. Especificidade mas também
complementaridade. Distinguir mas também unir. Além disso, o ensino
do 1º grau (Lei nº 5.692, cap. II, art. 17) não tem definição essencial, e sim,
definição vagamente descritiva. Talvez definição protelatória para não se
comprometer com a ciência.
Insistimos: essa Lei precisa ser trabalhada mediante a elaboração científica e técnica. O acolhimento de reivindicações da opinião pública e
da cultura contemporânea é um gesto político fundamental e, conseqüentemente, correto: o ponto de partida de tudo o mais, já que dele depende a
introdução de novas concepções e normas no processo instituinte. Ora, o
que está acontecendo com o processo educacional entre nós é que o ato
político das decisões instituidoras se dá como ato técnico que deveria prolongar e complementar aquele. A decisão política estaria deflagrando,
15
É preciso distinguir "geral" e "vago". Sabe-se na lógica que "a extensão" de uma idéia implica a "compreensão", e dentro
dos limites da "compreensão", a idéia deve ser rigorosamente precisa.
16
O relatório e a Lei encampam a concepção dos "estudos gerais" do senhor Rudolph P. Atcon (Rumo à reformulação
estrutural da universidade brasileira. Rio de Janeiro: MEC/Diretoria do Ensino Superior, 1966, p. 19-22) mas: 1) o Autor se
refere somente à Universidade ("campo básico do conhecimento humano") e 2) a concepção do Autor é bastante contestável. A cultura tem de ser representada, na Universidade moderna, por um corte transversal que atravesse todos os momentos do curso mas que, sobretudo, integre o geral no particular, a cultura na técnica e a Universidade na Sociedade. O
modelo medieval que o professor Atcon procurou rejuvenescer é típico de uma sociedade estática. Tratamos do tema
"estudos gerais", ainda, nos seguintes textos: Desenvolvimento, tecnocracia e educação; Ensino de Filosofia, e no ensaio
Subsídios para a reformulação universitária no Brasil.
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Durmeval Trigueiro Mendes
imediatamente, o processo incessante de pesquisa e reflexão no plano
científico e técnico, visando oferecer os modelos educacionais.
Modelo educacional
Para valorizarem os resultados pedagógicos de um contexto que não é
apenas pedagógico mas cultural, no pleno sentido da palavra, os pedagogos
reincidem na hipóstase pedagógica transformando em entidade per se
modelos educacionais de valor histórico e cultural específicos.
As tendências vegetativas que impulsionam o crescimento do ensino
deverão ser substituídas por um sistema normativo que o subordine à nova
imagem do País fixada no plano nacional de desenvolvimento. O planejamento é um processo pelo qual a qualidade se transforma em quantidade,
e esta novamente em qualidade, e assim sucessivamente.
Modelo educacional, como aqui entendemos, designa as decisões
qualitativo-quantitativas que constituem pontos de partida da política
educacional (práxis normativa). Mais explicitamente: modelo é o padrão
considerado, dinamicamente, através de suas conexões – dentro de cada
subsistema regional e (ou) estadual do ensino – com as necessidades políticas, sociais, econômicas, culturais, que devem constituir as suas variáveis. Segundo os pressupostos acima formulados, a expansão consiste na
criação de novos modelos educacionais, e a sua multiplicação condicionada às necessidades cívico-culturais e econômicas, à estrutura do mercado de trabalho das ocupações e às peculiaridades do ramo profissional ou
científico de cada área geoeconômica do País.
No aspecto operacional, a quantificação representa a expansão ou
retração do modelo em termos numéricos. Por exemplo, se concebermos
uma nova idéia a respeito do ensino médio – no caso, o 2º grau – se traduzirmos num esquema operacional, e o convertemos em norma, teremos o
modelo. São três, portanto, as etapas na ordem qualitativo/quantitativa:
o conceito, a armação operacional e a normatividade.
A Faculdade de Educação e a Universidade: confronto de dois sistemas
Já assinalei, neste trabalho, que no sistema dominante nas Universidades:
1) as escolas dos conteúdos estão separadas da escola dos métodos;
2) o método é hipostasiado como essência separada da matéria de que
ele deveria derivar; a didática pretende dispensar, ou substituir, a
metodologia científica;
3) ficam igualmente excluídos da "escola de métodos" os fatores
comportamentais que devem integrá-la e que constituem o objeto
Ensaios sobre Educação e Universidade
55
das chamadas ciências do comportamento, embora a maioria delas
seja ensinada nessa escola: Psicologia, Sociologia, Economia etc. Desconhecendo o Objeto e o Sujeito – como se comportam um e outro –
o Método cai no vazio e se converte numa construção arbitrária.
No sistema aqui visualizado para a Faculdade de Educação, ela seria
basicamente a Escola de Métodos, e, por isso mesmo, a escola central da
Universidade – na medida em que toda instituição educacional representa, formalmente, um sistema a dar à experiência e ao saber a forma
pela qual eles possam ser comunicados: pelo modo da assimilação e pelo
modo da criatividade que muda a própria experiência e o saber. Essa
"redução" operada na experiência nos parece configurar a própria essência da Pedagogia.
Entretanto, só deixando de hipostasiar o método pode a Faculdade de
Educação realizar sua missão de escola central da Universidade. Integrando-se na comunidade universitária, através de um jogo de interações entre os três processos básicos da educação: a Experiência, o Comportamento e, como ponto de ligação entre ambos, o Método.
Nossa análise nos leva, portanto, a opor a idéia de função à idéia de
coisificação, e a constatar que no Brasil temos enveredado pela segunda
alternativa. A necessidade da função pedagógica, nos termos definidos
neste trabalho, ressalta diante de problemas como estes:
1) a estruturação do método segundo o objeto ao qual ele deve
adequar-se;
2) a relação pedagógica, profundamente alterada pela participação
criadora de alunos e professores (v. nota 9b);
3) a unidade e pluralidade da cultura, refletidas no contexto
universitário;
4) a recolocação do problema da qualidade e quantidade da educação de acordo com o modelo político;
5) os encargos da educação na construção e funcionamento da sociedade tecnológica etc. Problemas dessa natureza fizeram surgir,
como se sabe, disciplinas do tipo da Economia da Educação, revigoraram outras, como a Sociologia da Educação, a Psicologia da
Educação, a Filosofia da Educação etc., e ligaram profundamente
o planejamento educacional ao desenvolvimento.
Planejamento educacional
O problema do planejamento educacional é particularmente importante, tanto pelo seu crescente prestígio quanto pelos equívocos que ele
56
Durmeval Trigueiro Mendes
comumente suscita. A denominação técnico em planejamento educacional, que se está generalizando, só poderá ser acolhida com reserva, pois o
planejamento educacional é a confluência de várias especializações através da metodologia interdisciplinar. Se o planejamento educacional pode
ser definido como uma especialização, o que deve caracterizar este será,
exatamente, a arte de diferenciar e unir, ao mesmo tempo, isto é, de identificar os diversos ângulos dentro dos quais a política educacional se situa
e de, simultaneamente, articulá-los num contexto estrutural coerente.
Poder-se-á perguntar se essa confluência não poderia processar-se no
âmbito do próprio curso de Pedagogia (na graduação). Evidentemente não,
pois a variedade das competências requeridas pelo planejamento não poderia ser alcançada dentro de um curso especificado pelo objetivo pedagógico, e com a duração que este, normalmente, deverá ter, a não ser mediante a compreensão dessas especialidades confluentes até o ponto de
perderem seu peso e autenticidade.
O planejamento requer dois tipos de saber: um, que tem a predominância nos conteúdos, e outro, nas formas. No caso do planejamento educacional, intervêm problemas de vários conteúdos, como os há pouco assinalados, e por isso há necessidade de especialistas em todas as áreas
correspondentes: cabe aos que, partindo de qualquer dessas especializações, pretendam tornar-se especialistas em planejamento, completar sua
competência quanto ao conteúdo, com a competência quanto à forma, isto
é, aos métodos mediante os quais esses conteúdos diversos possam comunicar-se entre si. Por outras palavras, há um saber científico especializado
que se prolonga em metodologia de articulações interdisciplinares, ou numa
espécie de combinatória. Caberia indagar se não seria possível a especialização em planejamento tout court, isto é, no sentido meramente formal,
sem apoio em nenhum saber "material". Acreditamos que não; a competência para compor as partes num todo coerente é atribuída, basicamente,
aos políticos, administradores, e aos generalistas, que estão mais comprometidos com a realidade objetiva do que com seus delineamentos formais,
pois estes devem ser extraídos daquela. A formação do generalista (numa
tentativa de conceituar o "generalista") embora não possa, por definição,
circunscrever-se a nenhuma área especializada, se desenvolve a partir de
um campo especializado – e, nesse caso, são especialistas de 2º grau, isto
é, os que ampliaram sua competência especializada até a incorporação,
senão de outras competências, pelo menos de outras approaches.
Finalmente, a maturidade intelectual e técnica necessária às tarefas
do planejador e, conseqüentemente, o nível de sua formação, não se deduzem apenas do contexto multidisciplinar cujo domínio lhe é indispensável.
Decorre, ainda e sobretudo, de uma conciliação mais difícil entre a teoria
e a prática, "reduzindo" incessantemente a primeira à segunda, e da segunda retirando substrato para a primeira. Como instrumento de uma
Ensaios sobre Educação e Universidade
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política, o planejamento não se reduz a manipular arquétipos, mas sobretudo a confrontar seus modelos com opções políticas, e a examinar a viabilidade dessas opções nos diversos sentidos: o social, o cultural, o econômico etc. Tal pressuposto, se acentua as razões acima apontadas – de que
o planejamento não pode prescindir dos instrumentos de avaliação das
possibilidades reais, retiradas sobretudo das ciências humanas e das ciências formais – revela, por outro lado, a necessidade de uma formação consistente, longa, variada e, tanto quanto possível, enriquecida com experiências no campo profissional.
Educação e sociedade
E com relação à sociedade, como delinear a "função" educação? Basicamente, trata-se de ajustar o "sistema educacional" ao "sistema de ação" a
sociedade, já que essa fórmula abrange todas as atividades essenciais a
que se destina a Faculdade de Educação. Vamos enumerá-las, segundo
uma ordem lógica, e uma ordem de prioridades práticas nas atuais circunstâncias do Brasil.
a) Antes de tudo, é preciso considerar que um novo nível histórico da
cultura e da sociedade deve ser acompanhado de alterações correspondentes no plano das instrumentalidades educacionais. Impõese talhar a teoria da educação de acordo com as novas condições
emergentes no plano de trabalho de estruturas sociais (promoção
social, cultura de massas, educação permanente etc.), das estruturas políticas e econômicas, desaguando tudo no processo do desenvolvimento. Incluem-se nessa linha de consideração alguns problemas (para exemplificar):
1) novos modelos e processos de formação profissional, confrontados com o mercado de trabalho, sua diversificação e fluidez;
2) conversão da Universidade num sistema aberto e flexível, não só
no sentido da educação recorrente e permanente, como no sentido de sua conexão com as estruturas de trabalho vigentes, enriquecendo as qualificações que estas promovem, ou propiciando
habilitações que se completam com o apoio daquelas estruturas;
3) criação e assimilação de novas tecnologias educacionais, como o
ensino programado;
4) desenvolvimento das ciências aplicadas à educação, sobretudo
as que se relacionam com o planejamento (Sociologia, Economia, Ciências Políticas etc.).
58
Durmeval Trigueiro Mendes
b) Esse ajustamento da educação à práxis econômica, social, política
e cultural, impõe-se simultaneamente à própria práxis educacional.
Temos insistido, repetidas vezes, na necessidade de criar categorias de especialistas da educação, ou reformular a concepção de outras
áreas; por exemplo: Orientação Educacional e Profissional,
Administração Educacional, Planejamento Educacional, Teoria e Prática da Educação Fundamental, Teoria e Prática da Universidade,
Teoria e Prática da Educação Permanente e da Educação de Adultos,
Teoria e Prática da Faculdade de Educação.
c) Em relação à formação de professores do ensino médio, do ensino
normal e, em alguns casos, do ensino primário, acreditamos que se
deva incrementar, o mais possível, formas não convencionais de
formação e treinamento de professores, institucionalizando-se métodos de complementação cultural e pedagógica já iniciados no País.
Ensino supletivo e educação permanente
O ensino supletivo é um arcaísmo sob o disfarce da educação permanente. O relatório do Grupo de Trabalho da Reforma do Ensino de 1º e 2º
Graus e a Lei nº 5.692 (11/8/1971), cap. IV,17 não distingue dois métodos
fundamentalmente diferentes. No fundo, o ensino supletivo significa a
escolaridade regular, acrescentada de um mecanismo de complementação.
Cursos regulares da escola, mas atalhados através do ensino supletivo. O
mesmo ensino, as mesmas águas que fluem no leito do rio, o mesmo estuário. O ensino supletivo recolhe, aparentemente, alguns rastros da educação recorrente. No livro Apprendre à être (Faure, 1972, p. 214), encontramos a seguinte "Recomendação":
Abolir les barrières artificielles ou désuètes entre les différents ordres, cycles et
niveaux d'enseignement, de même qu'entre l'éducation formelle et non formelle;
introduire graduellement et d'abord pour certaines catégories de la population
active, des possibilités d' éducation itérative (d' éducation récurrente).
Depois, o comentário:
Cella suppose: une circulation plus libre, plus ample, du sommet à la base, de
degré en degré et d'un établissement à l'autre ; l'aménagement, d'une part, de
multiples issues, d'autre part, de libres voies d'accès latérales; la possibilité, pour
17
Lei nº 5.692, de 11/8/1971, capítulo IV. Do Ensino Supletivo. Art. 24: "O ensino supletivo terá por finalidade: a) suprir
a escolarização regular para os adolescentes que não a tenham seguido ou concluído na idade própria; b) proporcionar,
mediante repetida volta à escola, estudos de aperfeiçoamento ou atualização para os que tenham seguido o ensino regular
no todo ou em parte."
Ensaios sobre Educação e Universidade
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chaque sujet, au terme de la scolarité obligatoire, soit de poursuivre des études,
soit de s'orienter vers la vie active (sans perdre pour autant la perspective d'études
ultérieures), soit de remédier au résultat éventuellement défecteux du premier
enseignement; la possibilité d'entreprendre des études supérieures sans avoir
préalablement suivi l'enseignement formel traditionnellement requis; une ample
mobilité d'un type d'enseignement à un autre, ainsi qu'à destination et en
provenance des secteurs de production et de la collectivité; de larges possibilités
pratiques; offertes aux jeunes et aux adultes, de combiner emploi et éducation.
Entretanto, a educação recorrente é bastante tímida em relação a educação permanente. E ainda mais tímido o ensino supletivo, absorvido pela
visão "pedagogística" e bitolada.
Há muito tempo insistimos na educação dos adultos e na educação
permanente.
Esse sistema apresenta um interesse especial num país como o Brasil, de autodidatas e, se me permitem a palavra, de "adidatas". Somos um país, sem educação
escolar, onde a maioria aprende vivendo e pelejando como no famoso verso de
Camões. Mas na verdade, esse tipo de experiência constitui um húmus de cultura, sendo a idéia científica desse fato a mais importante novidade da educação
moderna. Então, se esse dado representa a maior parte de nossa realidade educacional, temos de começar por ele. Não se justifica que os processos de atualização
e de completação da cultura não apareçam em nosso sistema educacional com o
mesmo prestígio das formas convencionais. [...] No regime liberal, o setor privado fazia tudo; nas sociedades comunistas, o Estado pretende fazer tudo; na democracia moderna, a sociedade pela primeira vez na história procura concentrar o
dinamismo de todos os seus membros num projeto comum sob a ação do Estado.
É o fenômeno, como lembrei há pouco, do povo como sujeito-objeto do desenvolvimento (Trigueiro Mendes, 1968).
A política educacional não se realiza sem uma tremenda carga de recursos e esforços, a qual só se justificaria na medida em que se transferisse
ao povo o protagonismo de seu processo, em todos os planos. Nessa perspectiva, a nação se desenvolve como um corpo, inteiriçamente, pela estrita
solidariedade de todos os seus membros; ou seja, qualifica-se pela qualificação solidária de seus membros. Ora, para que isso aconteça, impõe-se um
contexto social consciente, unido. Pode-se obter uma intelligentsia política,
ou técnica, ou burocrática, a baixo custo; não se pode, entretanto, elevar
todo o povo ao nível da verdadeira inteligência e da verdadeira competência sem um custo altíssimo, só admissível quando ela aparece identificada,
em larga escala, como o próprio custo do desenvolvimento. Aí vem o grande paradoxo; antigamente, as elites preferiam produzir subempregados –
contanto que o povo se mantivesse em seu status minoritário – a incorporálos à práxis nacional através da elevação de suas qualificações e, pois, de
seus níveis de eficiência. Parecia-lhes menos alto o preço da primeira opção, a de vender símbolos. Funcionários eram mal pagos, por exemplo, porque incompetentes. A elite se irritava contra o parasitismo dos funcionários
públicos, fruto, na maioria das vezes, da incompetência; mas não se decidia
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Durmeval Trigueiro Mendes
a tomar as medidas que a eliminasse. Se a grande maioria fica excluída
dessas responsabilidades, volta, então todo o círculo vicioso: meia-educação para meia-responsabilidade que se transforma em justificativa, novamente, para a meia-educação.
Uma nação moderna não pode viver de um pequeno grupo de supereducados,
mas da eficiente educação da maioria de seus integrantes. Eficiência econômica,
social e cultural existe em cada nível de ensino, per se, correspondendo, simetricamente, a cada um desses níveis, necessidades econômicas, sociais e culturais
específicas. É preciso compreender a nação como um "cheio" – uma totalidade
compacta e dinâmica, dentro da qual todos se distribuem somando eficiência,
sendo igualmente necessário conceber a educação como o processo capaz de prover essa eficiência plena ao longo do tempo e de suas exigências incessantemente
renovadas.
Há um nítido processo de convergência de todas as técnicas como última etapa
da dialética da sociedade industrial, superando dualismos que ela própria, em
certa altura, exacerbara (sobretudo entre o trabalho e a educação), e ultrapassando o estágio de rígida divisão de trabalho à cuja sombra, igualmente, ela floresceu. Poderíamos dizer que as técnicas sociais caminham para uma crescente conversibilidade mútua, as técnicas de trabalho confundindo-se com as de educação, estas com as de comunicação etc. Em última análise, a ação humana encontra-se consigo mesma, capacitando-se o homem todo para a totalidade da ação.
Ou seja, toda a educação para toda a ação; mas também toda a ação para toda a
educação. Expliquemo-lo mais claramente. Compreende-se, cada vez mais, a ação
como um todo cujas virtualidades percorrem todas as suas manifestações como
artérias dentro das quais corre o mesmo sangue unificador. Isso leva o homem a
encontrar-se consigo mesmo, com a plenitude de suas potencialidades, revelando-lhe a identidade profunda que não se encontra só ao lado do homo sapiens,
sendo também do homo faber. A identidade da ação – como uma só – abriu caminho à nova identidade do homem, como um ser só.
Que é uma nação moderna, senão a que deixou de viver de um mandarinato – de
sábios na cúpula – e passou a depender da eficiência solidária da comunidade
que a forma? Senão aquela que não se fez uma vez para sempre, mas se faz todos
os dias?
Orientação educacional e profissional
Uma filosofia da educação traça a orientação geral, flexível, cuja
instrumentalidade do Sujeito acompanha, dialeticamente, a
instrumentalidade do Objeto. Estabelece-se a analogia entre o ensino de
1º e 2º graus e a orientação educacional. A educação geral germina da
educação profissional, e a educação profissional se enraíza na educação
geral. Em termos filosóficos, na ótica bergsoniana, só podemos conhecer a
durée, instituindo-a no momento global e único que compreende sua trajetória. Seu fracionamento em instantes separados – em "paradas" ou imobilidades sucessivas – representa a espacialização do que é temporal. Ora,
Ensaios sobre Educação e Universidade
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o tempo é durée na medida em que ele próprio constitui a substância, isto
é, na medida em que substância é alteração. Depois de estudar a alteração, através da qual a durée se diversificará, Bergson procurou identificar
o processo oposto: o da unificação, o "reencontro do simples como uma
convergência de probabilidades."
Aliás, a "terminalidade" significa a durée pessoal e social, em correspondência com a educação geral e permanente. Mas a terminalidade, na
lei, significa a postura mecânica, cartorial e estanque. Sabe-se bem que o
relatório do Grupo de Trabalho proclama a conexão entre a continuidade e
a terminalidade; entretanto, o que se nota é a desconexão deste documento, à luz da teoria e da realidade educacional brasileira.
Em outra perspectiva psicológica e sociológica, a orientação educacional
não é só a busca de preferências supostamente existentes em estado puro
dentro do espaço psicológico da criança e do adolescente, porque não existe
espaço psicológico puro: o psicológico é o social interiorizado. A orientação
educacional parte do reconhecimento do confronto homem-mundo, sob a
forma dialética do mundo a fazer-se pela ação do homem, e do homem a
fazer-se a si mesmo enquanto faz o mundo; o reconhecimento, portanto, de
que as preferências vocacionais resultam de um apelo de dentro e de fora,
simultaneamente educacional e profissional: o indivíduo e a sociedade, o
universo da educação e o universo do trabalho. Por isso, filosoficamente, a
orientação é uma só, com diferentes nuanças segundo as etapas da educação.
Aspectos do trabalho na Faculdade de Educação
Os métodos de trabalho adotados nas Faculdades de Educação (com
honrosas exceções), especialmente na formação de professores do ensino
fundamental e médio, também devem ser totalmente reformulados.
No plano teórico, os cursos se limitam à transmissão de textos, às
vezes medíocres. Não se trata, a rigor daquela espécie de saber do saber
que, segundo M. Foucault, caracterizou o século 17, como se estivéssemos, residualmente, apegados a formas arcaicas de cultura. Trata-se, ao
contrário, de um processo intelectual que impede o conhecimento. Lembra Piaget:
Conhecer um objeto é agir sobre ele e transformá-lo, apreendendo os mecanismos dessa transformação vinculados com as ações transformadas. Conhecer é,
pois, assimilar o real às estruturas das transformações, e não as estruturas elaboradas pela inteligência enquanto prolongamento direto da ação.
Mesmo que o conhecimento não parta do dado primário, este se encontra presente na sua engrenagem, numa elaboração do dado secundário. É o que esclarece novamente Piaget:
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Durmeval Trigueiro Mendes
O fato de a inteligência derivar da ação [...] leva a esta conseqüência fundamental: mesmo em suas manifestações superiores, onde ela procede graças aos instrumentos do pensamento, a inteligência ainda consiste em executar e coordenar
ações, mas sob uma forma interiorizada e reflexiva.
Graças a esse mecanismo operatório, a inteligência se reencontra permanentemente com o real. Sem ela, as idéias se geram umas às outras,
como assinalamos no início deste trabalho, no espaço de uma lógica puramente formal ou geométrica; ou são apenas idéias copiadas, desprovidas
da infra-estrutura empírica. É o que ocorre, por exemplo, com as disciplinas de Sociologia da Educação ou de Psicologia da Educação em nossos
cursos pedagógicos. Ignoram-se os fatos ligados à própria observação e
experiência: só exposição do manual sem qualquer contato com o fato e a
teoria.
Nessa reformulação a que nos referimos (formação do professor do
ensino fundamental e médio), gostaríamos de destacar aspectos de algumas disciplinas. Por exemplo, a Sociologia da Educação servirá para situar o professor – através da consciência aperceptiva, crítica e prospectiva,
juntamente, com os seus instrumentos de trabalho na cultura e na sociedade brasileira, em que deve intervir através, exatamente, desses instrumentos. A Filosofia da Educação desenvolverá a consciência mais vertical
dos valores e idéias subjacentes ao processo educacional (excelente instrumento, de resto, junto com a Antropologia, a Sociologia, a Ciência Política e a Economia para o estudo de nossa cultura).
Trata-se de reflexão destinada, antes de mais nada, a dar sentido e orientação à
pesquisa empírica. Esta, com efeito, limita-se, na análise dos fatos e dos processos, a determinar-lhes a significação imediata, no nível e na "zona" da realidade
em que se situam. Ela chega a verificar o comportamento de determinados fenômenos, sem poder julgá-los ou alterá-los. Ora, nenhuma ordem de fenômenos é
totalmente explicável fora do contexto de suas articulações com outras ordens de
fenômenos; nenhum fato ou processo, sobretudo na educação, adquire significação por si, na sua pura materialidade empírica. O fato educacional só é compreensível à luz da filosofia e da política.
A Psicologia da Educação privilegia o Sujeito (na nossa concepção, já
citada neste trabalho) como protagonista, mas estabelece, dialeticamente,
o trio Sujeito – Objeto – Método.
Em relação às "ciências da educação", é necessário reformular a estratégia baseada nos seminários interdisciplinares.
A pesquisa na Faculdade de Educação
Destacados educadores brasileiros, interessados no problema da Faculdade de Educação, são contrários a que se crie, nesta, um setor específico de
Ensaios sobre Educação e Universidade
63
pesquisa educacional. Pesquisa, afirmam eles com toda razão, é inerente ao
ensino, devendo por isso mesmo integrar o conjunto de atividades desenvolvidas em qualquer disciplina ou departamento. Somos contrário à associação ensino-pesquisa nos termos da lei, por considerá-la pouco fundamentada na ciência e na educação brasileira. Mas isto não vem ao caso no
momento. O que nos interessa aqui é saber se há lugar para um departamento de pesquisa educacional na Faculdade de Educação e, nessa hipótese, qual deveria ser sua estrutura e funcionamento.
A pesquisa nesse departamento, segundo nosso projeto, representa o
instrumento de ligação entre as ciências da educação e a realidade social.
Admitindo-se a ambigüidade essencial da educação – ciência e práxis ao
mesmo tempo – o departamento de pesquisa e planejamento seria expressão e instrumento de tal ambigüidade. Poder-se-ia objetar que esse tipo de
pesquisa poderia incluir-se, por exemplo, nas atribuições de um departamento de Sociologia da Educação. Pouco haveria, nele, que pudesse ultrapassar esse departamento.
Na verdade, o corte epistemológico adotado em nosso projeto é outro.
A pesquisa que se desenvolve no interior de cada ciência, e sob o controle
da respectiva lógica (ainda que alimentada pela realidade social), deve
alojar-se, normalmente, nos departamentos correspondentes.
A lógica da práxis envolve duas totalidades – a interdisciplinar, no
plano das estruturas acadêmicas, e a intersetorial, no plano das estruturas
sociais; ela funde o "sistema de ação" da sociedade. Mas cremos que o
sistema de ação é insuscetível de ser "capturado"por uma disciplina só, ou
pelo conjunto das disciplinas acadêmicas, pois ele requer uma disciplina
de práxis. E a práxis se constitui, basicamente – continuamos repetindo –
por uma integração dialética entre o plano educacional propriamente dito
e o plano político no amplo sentido da palavra. A "paidéia" é parte da
"politheia".
A Escola Nova, apesar de seu avanço na ciência e na prática pedagógica, não completou o empreendimento revolucionário que caberá, agora,
à "educação permanente" levar a cabo. Ela fez da escola uma pequena
réplica da pólis cujos problemas deveriam ser vividos, naquela, em escala
reduzida como forma "incoativa" de experiência social . Na verdade, a
escola, assim como outras instâncias sociais, não são réplicas, mas partes
da pólis, percorrida pela mesma torrente unificadora. Temos que encontrar os modos de inserção da educação na sociedade, a qual se impõe por
motivos científicos, como acabamos de sugerir, mas também por argumentos estratégicos para corrigir, no nosso caso, por exemplo, a alienação
do processo educacional.
A educação não é totalmente "academizável". Ela faz parte do projeto
político que, enquanto tal, precisa ser "capturado" fora dos quadros estritos
da atividade científica ou acadêmica. A eficácia teórica de que se reveste a
64
Durmeval Trigueiro Mendes
ciência significa apenas a consistência interna do pensamento – condição
indispensável para uma política da educação, mas insuficiente até que a
ciência venha a explodir na decisão política. A práxis, com o seu projeto
dinamizador, deve estar sempre em contato com esses quadros de referência que a racionalidade científica oferece. Na medida em que é constituída
pelas "razões de verdade" (no sentido epistemológico), a práxis educacional – integrante da práxis política – deve ser por ela depurada. Há uma
interação dialética entre o plano da racionalidade técnica e o da decisão
política.
Os tecnocratas parecem incapazes de reconhecer a legitimidade do
projeto político e a inserção neste do projeto educacional. Tanto os
tecnocratas do lado econômico, quanto os do lado pedagógico. Entretanto, o desdém que eles votam à práxis é o mesmo que esta lhes opõe.
Todos os empenhos para mudar a educação por parte dessas duas categorias de tecnocratas têm resultados inócuos, ou porque se pretende afastar da educação, como desvios da racionalidade, os obstáculos reais que
ela enfrenta, ou porque se tenta eliminar, como impureza, sua própria
densidade.
A necessidade do cruzamento entre práxis política e a elaboração científica transformará o departamento de pesquisa e planejamento em canal
em que se opera o vaivém entre a racionalidade acadêmica, forjada nos
outros departamentos, e a racionalidade política, técnica e econômica.
Instituição educativa e contexto social
Raymond Aron, no prefácio ao livro de Philip Coombs, La Crise
Mondiale de l' Éducation, declara:
O descompasso entre as instituições educativas e o contexto social decorre da
relativa autonomia dessas instituições, da diferença das temporalidades. As Universidades tendem a perseverar em seu ser, a continuar o que elas foram ou são,
a conservar valores próprios. É o planificador, não o professor, quem, mais ou
menos explicitamente, põe a Universidade a serviço do desenvolvimento ou mede
a eficácia do sistema pela adaptação das sorties às necessidades da produção (1968,
p. 6-7).
Parece-nos que Aron comete um equívoco. Pretende formular uma
teoria do deslocamento, mas na verdade descreve conjunturas educacionais, e também políticas, econômicas etc., no passado, ou no presente.
Contudo há, também, o inverso: as conjunturas, algumas vezes, suprimem o descompasso.
Algumas universidades (por exemplo, na Alemanha, na França e mesmo nos Estados Unidos) provocam o apagamento das diferentes
temporalidades, em relação ao "sistema da educação" e ao "sistema de ação".
Ensaios sobre Educação e Universidade
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A educação da criança, do adolescente e do adulto situa-se dentro do mesmo
tempo e do mesmo espaço social. Isto é o mesmo que dizer que se torna cada vez
mais irrelevante a fronteira entre a escola e a sociedade. Até agora, era o adulto,
exclusivamente, que representava a sociedade (já que só se considerava sociedade estabelecida, de que ele era o estereótipo), enquanto a escola era constituída
por aqueles que ainda se preparavam para integrar-se nela. Agora, começamos a
compreender que a sociedade se estabelece, criadoramente – e não estaticamente
– mediante o concurso das gerações no tempo e no espaço simultâneos. Por isso,
os adultos voltam a freqüentar a instituição educativa, ou criam novas
instrumentalidades, paralelas ou até competitivas, ou conflitantes, com a escola
(Trigueiro Mendes, 1974, p. 12).
No prefácio, Aron, interpreta, com certa condescendência, a "análise
de sistema" na educação. Na verdade, a "análise de sistema" explica a funcionalidade ou disfuncionalidade das estruturas educacionais, mas não
tem condições de, por impulso próprio, formular novas estruturas. O pesquisador corre o risco de tornar-se prisioneiro do sistema quando não tem
condições de analisar, globalmente, o próprio sistema. Se ele se fixa numa
parte, procurará explicá-la por comparação com outras partes, que por sua
vez se explicam segundo o método dentro do processo circular. A posição
funcionalista implica, simultaneamente, o establishment e a tecnocracia.
A Faculdade de Educação se integra nessa tarefa, concorrendo para
promover o nivelamento ou desnivelamento entre o sistema de educação
e o sistema de ação da sociedade. Ela detém parte substancial da responsabilidade da própria Universidade como instância encarregada de definir, em cooperação com outras, o projeto nacional. Nessa linha de pensamento se inscrevem reflexões feitas em nosso trabalho sobre "O governo
da Universidade" (1966). Poderíamos dizer, teoricamente, que
[...] as relações entre a Universidade e o Estado se revestem de extrema importância, como o confronto do que deveriam ser as duas expressões da síntese nacional: porque são os dois "universos" que a representam de maneira mais global e
mais ordenada: um, como estrutura de poder; e outro, como estrutura de saber.
Um de constituir a expressão suprema da Nação, como lembrava Deloz (La Nation
se personnalise s'étatisant), e o outro a suprema expressão da cultura, como a
consciência que a Nação forma de si mesma e do seu projeto.
Ora, essa análise nos leva mais longe no conceito de autonomia: a Universidade
se inclui no Plano Nacional, mas é ao mesmo tempo uma instância crítica do
próprio Plano, além de dever contribuir para sua elaboração e avaliação, na medida em que vier interpretar validamente a realidade brasileira. Levando-se em
conta o caráter global do desenvolvimento – traduzido pelo sociólogo e economista francês, André Philip, como a elevação de "todo o homem em todo homem"
– não seria compreensível, a não ser por abuso do Poder, ou deficiência do Saber,
que a Universidade não fosse amplamente participante do Plano ou, ao invés,
fosse acuada por ele. Em termos teóricos, esse conflito seria, no fundo, entre o
esforço de racionalização que o Plano representa e o projeto nacional formulado
pela fração mais qualificada de sua intelligentsia. A inferioridade em que está
colocada a Universidade em vários países do mundo com relação ao dinamismo
66
Durmeval Trigueiro Mendes
do Estado, que o plano traduz, se deve ao caráter conservador das Universidades
e à imobilização do saber acadêmico, desarticulado da práxis nacional. A inteligência universitária brasileira ainda não assumiu plenamente a realidade do país.
Como instância crítica, a Universidade terá de procurar no Plano sua identificação com a vontade comum. A multivisão – correlata da multiversidade – e os
instrumentos de análise de que dispõe concorrerão para que o Plano não venha
consagrar opções e prioridades que traduzam a ética de um grupo, ou de uma
classe, ou de uma região, em detrimento das outras, ou se baseie em critérios
distorsivos pelos excessos da tendência tecnocratizante.
Processo intelectual da educação
Não compreendo que se pense em Faculdade de Educação, no Brasil,
destinada à rotina, sem pensar, ao mesmo tempo, em Faculdades ou em
Centros universitários que mudem a rotina. O maior problema da educação consiste, a nosso ver, em fazer germinar novo pensamento.
Normalmente, a Faculdade de educação se reduz ao currículo mínimo de pedagogia, determinado pelo CFE (Parecer nº 252/69). A Resolução
do Conselho, no art. 1º, estabelece:
A formação de professores para o ensino normal e de especialistas para as atividades de orientação, administração, supervisão e inspeção, no âmbito de escolas
e sistemas escolares, será feita no curso de graduação em Pedagogia, de que resultará o grau de licenciado com modalidades diversas de habilitação.
O processo educacional no Brasil consiste em dar o saber já organizado.
Trata-se apenas de formar profissionais da educação sobre padrões
estabelecidos. Padrões sociais, basicamente; sem questionar aqueles que
fazem esses profissionais, como e para que fazem. Essas indagações, sendo as mais difíceis, não podem deixar de ser as primeiras a serem levantadas. Na medida em que se "petrificar" a adesão aos modelos constituídos
sobre uma "ciência" da educação, que não se originou de nossa práxis nem
de nossa reflexão sobre ela, tornar-se-á impossível a restauração pedagógica que seria a verdadeira revolução educacional.
Nesse ponto, temos de remar contra a corrente, para os lados das
cabeceiras. É normal que se vá do menos para o mais complexo, da graduação para a pós-graduação. Isso, quando se pretende apenas o amadurecimento de uma forma já instituída. Porém, em nosso caso, não se quer o
amadurecimento, mas a invenção, a troca do ser, da identidade. Não se
cogita de consolidar, mas de instaurar.
Por isso, somos favoráveis a que, sem prejuízo dos cursos convencionais – especialmente nos campos profissionais – mas simultaneamente
com eles, se introduzam no Brasil os estudos avançados em educação. O
comentário tão freqüente, de que temos excesso de teoria e falta de prática, é ingênuo. Nosso País precisa cada vez mais de reflexão crítica e
Ensaios sobre Educação e Universidade
67
instauradora no campo da educação. Reflexão que se confunde com a própria elaboração de novas categorias para pensar o desenvolvimento, isto
é, para pensar diacronicamente. É necessário elaborar uma nova inteligência no País, cheia de ambição prospectiva, mas que construa arduamente sua utopia. Cientificamente. Militantemente.
Não menos importante seria desenvolver esses estudos sob o estímulo da Filosofia (inclusive Filosofia da Educação), e das ciências sociais,
cujo contato com a educação representa para esta, talvez, o mais urgente
de seus imperativos.
Um caso concreto: os currículos mínimos do CFE, determinados por
uma forma mais verbal (e arbitrária) que científica. Preparamos texto, no
Conselho, sobre Princípios e normas gerais para a elaboração de novos
currículos mínimos de cursos profissionais. A intenção explícita era
deslanchar, imediatamente, o processo científico de dados, estudos e pesquisas. Uma comissão especial aprovou o texto mas, depois, o CFE decidiu substituí-lo por outro, com características completamente diferentes:
em vez da pesquisa, a norma (cartorial), conforme se pode verificar na
Indicação nº 8/68.18 A pedagogia autista , sem conexão com as coisas e o
mundo. Pedagogia estanque. Educação sem filosofia, sem ciência e, mesmo, sem pedagogia. Freqüentemente, currículos reificados.
Em relação às Faculdades de Educação, com raras exceções, a descrição e análise que vêm sendo feitas no Brasil revelam a forma mais sutil
como o pensamento residual, ou o statu quo, permanece sob a intenção
modernizadora.
Inteligência e realidade
Como é natural, a inteligência serve à realidade mas, simultaneamente, se diferencia dela, através do Sujeito individual e do Sujeito histórico,
recusando-se portanto à condição meramente reflexa.
Nossa cultura tem sido tradicionalmente mitificante, mas também
ideologizante. Em parte, a mitificação – e a ideologização – é decorrência
da própria cultura, ou um de seus impulsos. E por isso mesmo, em todo
momento de crise, em que o que se quer, famintamente, é a realidade,
uma grande parte da intelligentsia de uma nação entra imediatamente
em desprestígio, inconscientemente ou não, para o povo. O povo não se
encontra, quanto a suas necessidades e aspirações vitais, na falsa
idealização ou na ideologização de seus intelectuais. Os que têm mais
18
Currículos mínimos dos cursos superiores. Documenta, 1968-1969, separata n. 33.
68
Durmeval Trigueiro Mendes
chance de escapar, nesses momentos, são os poetas, artistas e romancistas, que permanecem em nível com os problemas reais da sociedade. "Toda
obra da arte representa uma reconquista da realidade fora dela, por assim
dizer, no espaço de liberdade e de invenção do artista – que é a sua contribuição à elaboração da realidade" (Trigueiro Mendes, 1973, p. 230).
As grandes crises sociais, portanto, e os momentos críticos da consciência humana se assinalam pela desmitificação e pela desideologização
da cultura, que é a revanche da realidade traída.
Aliás, é necessário
[...] reduzir as ideologias, fenomenologicamente; separar o trigo do joio, o puro do
impuro, como também o real do aparente: o permanente, do circunstancial; a
verdade, das falácias que a escamoteiam. Nesse nível, a universidade encontra a
plenitude, como instituição da cultura, da continuidade e da vitalidade da cultura, íntegra de passado e presente juntos, pois a integridade da universidade é,
estranhamente, não a do acabado, com todas as suas peças – mas a do acabado até
agora, a plenitude do rio na superfície mais alta de suas águas. Uma plenitude
inacabada, eis o seu paradoxo (Trigueiro Mendes, 1968, p. 229).
Entretanto, a dialética – ideologização ou utopia de um lado, e
desideologização ou desmistificação, de outro – reflete a própria dialética
existencial e, especialmente, a dialética política feita de positividade,
institucionalidade e pragmatismo dionisíaco.
Novamente, realidade e diferenciação: na política e na pedagogia
No sistema democrático, há uma sucessão de delegações de autoridade: do Povo para o Poder político e, neste, da vertente política para a vertente da racionalização, realizando-se, porém, todas elas, na linha política.
Trata-se de uma ambigüidade inerente à própria política. Esta é a razão
mais poderosa, a nosso ver, para invalidar a pretensão tecnocrática. A
linha política nasce de um "momento" instaurador do contrato social – o
momento das opções e decisões fundamentais da "vontade geral" ou da
"vontade do poder" – mas, simultaneamente, vê desenvolver-se dentro dela
uma espécie de diferenciação enriquecedora, como se seu fluxo tivesse de
alimentar duas fontes, a do Poder como tal, e a da razão que, de certa
maneira, o controla sem que o reino da Razão transcenda o da Política,
que é o de sua viabilidade. Platão compreendeu a necessidade dessa conciliação quando sustentou, por exemplo, que a ação educativa só é possível numa sociedade em que existe uma "possibilidade de moralidade". No
contexto da filosofia platônica, em que a idéia do bem se identifica,
ontologicamente, com a verdade, a racionalidade, assegurada pelo processo pedagógico (para essa filosofia, a sociedade deveria ser, basicamente,
uma "sociedade pedagógica", era condição da própria viabilidade da pólis.
Ensaios sobre Educação e Universidade
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A inteligência sobrepõe-se de alguma forma à realidade, mas tem dois
modos de fazê-lo: procurar elevar a realidade a sua vocação mais profunda, que não está no seu presente, mas no seu futuro; não no seu movimento mecânico e linear, mas no seu movimento criador e diacrônico. O que
ela possui a mais do que a realidade é tirado dela própria, e a ela se acrescenta, como uma utopia, indicando um caminho a ser seguido arduamente entre a realidade contingente de agora e a realidade a ser conquistada.
O ser da nação e o ser idealizado por alguns intelectuais se encontram no leito do mesmo rio, contrapondo o presente ao futuro, a inércia ao
dinamismo, o impulso vegetativo ao impulso criativo. Eles se encontram
no tempo com duas dimensões: o tempo não é o mesmo, mas a nação é a
mesma, e esse tempo antecipado19 é que caracteriza simultaneamente a
idealização do intelectual autêntico e a esperança do povo em que essa
idealização se converte.
Enquanto isso, os intelectuais "alienados", o que possuem a mais sobre a realidade presente não é uma antecipação do mesmo ser nacional
mas a transferência de outro ser. A esperança não se insere na linha da
identidade, como confiança nas potencialidades do ser nacional, mas na
linha da alienação, isto é, da salvação ab alio. Ao contrário disso, devemos
buscar a inteligência para os nossos problemas – o modo de pensar e de
fazer. Haveria aliança entre a inteligência e a polis, combinando
dialeticamente expectação e descortino, incidente e transcendente, particular e universal, refração e luz irrefratada.
Estamos, com efeito, diante de dois riscos, representados por duas
categorias de pessoas:
1) As que se recusam a aceitar o plano contingencional, consciente
ou inconscientemente, e a admitir que dele se deve tirar o projeto
nacional, substituindo-o por um arquétipo "abstrato", irreal ou
cartorial. São os que não percebem que os valores a serem atingidos por nós, como nação, não existem numa espera separada dos
fatos, e julgam-nos trazidos para a ordem real de um mundo paralelo a esta, o mundo ideal. Há, certamente, um tipo de
maniqueísmo pedagógico na inteligência brasileira. Os que não
admitem a implicação dialética das duas ordens, e que a perfeita
19
Em relação a tempo antecipado, escrevemos alguns textos, como: 1) o prefácio do livro que iniciou a Coleção Universitária de Teatro, Os mistérios da missa, de Calderón de la Barca (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963); 2) O governo
da Universidade (Documenta 64, 1966, separata 27, p. 30: "potencialidade antecipadora" – v. nota 9); 3) Educação e recursos humanos no planejamento integrado do Grande Niterói. (Rio de Janeiro: M. Roberto Arquitetos, 1969. Cópia datilografada); 4) Mercado de trabalho para engenheiros, arquitetos e agrônomos do Estado de São Paulo – aspectos educacionais
(São Paulo: Proagri, 1970); 5) Indicações para uma política de pesquisa educacional no Brasil (Rio de Janeiro: Fundação
Getúlio Vargas, 1973, mimeo.)
70
Durmeval Trigueiro Mendes
fidelidade às exigências do plano factual conduz ao plano
transfactual – o do futuro, o das aspirações permanentes, e só
progressivamente realizadas no decurso da história, o dos interesses universais.
2) A outra categoria é constituída, igualmente, de pessoas incapazes
de fidelidade integral às exigências da situação concreta a que
estamos vinculados, mas por motivo inteiramente diverso: o vezo
abstracionista, ou a consciência deformada.
Mas a intelligentsia deve abrigar a visão prospectiva e a conquista de
horizontes contidos, pelo menos virtualmente, em cada situação concreta.
A pedra de toque das elites autênticas é, de um lado, a consciência
apercéptica e projetiva capaz de alcançar o desenvolvimento do processo
social e político, conseqüentemente educacional; de outro, a atitude de
lealdade ao que constitui o interesse profundo do povo, subjacentemente
aos interesses particulares e ocasionais de pessoas e grupos e, algumas
vezes, mal percebido pelo próprio povo enquanto subjugado à pressão do
imediato. A consciência das elites é, portanto, a lucidez disciplinada pela
fidelidade. Projeção e não distorção.
A consciência universitária, por exemplo, pela sua própria vocação
oferece condições de ser ao mesmo tempo presente e futuro, mediata e
imediatamente talhada pelos fatos mas não coincidindo inteiramente com
eles: alongando-se, além deles, como consciência aperceptiva e judicativa
capaz de mediá-los e julgá-los (Trigueiro Mendes, 1963).
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
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72
Durmeval Trigueiro Mendes
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
3
Expansão do ensino superior*
Introdução
É preciso, ao analisar o problema da expansão universitária, que se reduza o debate a seus termos essenciais,
que são muito simples. Tão simples e tão claros que, sem a
confusão deliberada, ou atoleimada, sua verdade se impõe
tranqüilamente.
Devo dizer, antes de mais nada, que falo em nome de
uma filosofia de expansão universitária consubstanciada
nos seguintes postulados:
a) a expansão constitui um processo ambíguo, que tanto poderá dilatar nossas mediocridades quanto provocar a ruptura do statu quo, com a introdução de
novos marcos qualitativos;
b) só na segunda hipótese a expansão representa um
meio de desenvolvimento, pela substituição de um
equilíbrio social por outro;
*
Texto publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 48, n. 108, p. 209-234, out./dez.
1967.
Ensaios sobre Educação e Universidade
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c) a expansão constitui um fator de democratização, segundo a clientela a que vai beneficiar, a mudança de papéis que ensejará a seus
destinatários – papéis na acepção esposada por sociólogos e antropólogos como Nadel, enfim, segundo a elevação de padrões de vida da
comunidade, através dos serviços a serem desempenhados pelos novos quadros profissionais;
d) a expansão pode realizar-se sob a forma de interiorização geográfica do ensino superior até o ponto em que, mediante um programa
preparatório, se venha oferecer às populações do interior verdadeiras escolas superiores, e em segundo lugar, até o ponto em que as
condições vigentes da área de inserção da escola permitam a absorção de profissionais por esta formados. Em suma, entendemos que
a expansão do ensino superior é um empreendimento, e não uma
festa. Nós a queremos, mas estamos dispostos a lutar por ela; muitos outros a querem, mas não a empreendem – limitam-se ao registro no cartório e ao ritual das inaugurações.
Nós não pretendemos impor o ritmo lento em lugar do acelerado que
o desenvolvimento reclama; mas o ritmo que desejamos é denso apesar de
rápido, enquanto o outro só de pressa é constituído. A pressa constrói
uma nação quando os empreendedores estão dispostos a pagar o juro de
seu redobrado esforço pelas etapas queimadas; isto é, quando tudo que se
faz normalmente em longo prazo se condensa, pelo zelo múltiplo, em um
curto período. Ora, o que se tem pretendido no Brasil nessa última década
é fazer pouco esforço e, no entanto, muitas escolas.
Com atos formais e cartoriais: nomeações, efetivações etc. A rapidez,
nesse saco, significa ligeireza, como de gato em cima de brasa: significa
insubstancialidade, inocuidade, ingenuidade – às vezes, também, esperteza.
Nossa tese, portanto, consiste em ligar a expansão universitária ao
desenvolvimento, fixando uma perspectiva de reforma da universidade
mediante a qual ela venha a oferecer respostas válidas à própria expansão
da sociedade e às suas transformações.
O que procuramos é a nota viva, o caráter próprio da política do ensino superior, escamoteado, seja por esquemas estruturalistas puramente
formais, seja por sofreguidões cegas – que pretendem criar cursos, sem
ver mais nada, nem mesmo as condições de que dependa a sua eficácia.
É curioso notar que os órgãos de liderança educacional realmente não
conduzem; são conduzidos. Não há uma vontade normativa que eles devam lucidamente exercer, mas o jogo de pressões tumultuárias que assumem a liderança do processo. Ora, essas pressões ou são do processo
mesmo, na sua força espontânea e vegetativa – e uma política que apenas
consagrasse tais tendências não seria uma política, mas a crença na sabedoria imanente das coisas e dos fatos, numa espécie de "harmonia
74
Durmeval Trigueiro Mendes
preestabelecida" leibnitziana – ou são de grupos sociais, de classes, ou de
pessoas, com seus interesses contraditórios, mas dessas contradições não
poderia nascer a unidade – e a liderança que a encarna –, a qual constitui
a razão de ser da política.
Como fazer a expansão
A expansão, feita honestamente, requer duas condições, alternativas ou
complementares, segundo o caso. A primeira consiste em ampliar e explorar
até os últimos limites as possibilidades de utilização dos núcleos de ensino
superior qualitativamente sólidos; e a segunda, na criação de novos núcleos,
igualmente consistentes, mediante um processo de implantação programada.
A primeira fórmula foi justificada no Parecer nº 209 (junho de 1967)
do CFE, por várias razões, a primeira das quais de ordem empresarial: não
se monta uma fábrica de sapatos, por exemplo, para produzir mil sapatos
por ano. Lembrando que existem no Brasil 35 universidades (excluídas as
rurais, só recentemente incorporadas ao MEC), perguntava o parecer qual
o rendimento dessa grande máquina. Segundo os dados de 1965, oito universidades [tinham] menos de mil alunos; sete, entre mil e mil e 500;
cinco, entre mil e 500 e 2 mil; três, entre 2 mil e 3 mil; apenas cinco
[contavam] com mais de 5 mil, e duas apresentavam uma matrícula em
volta de 10 mil. Vale, pois, ressaltar:
1) o ponto de vista do investimento e de sua rentabilidade, ligado ao
nível de produção; assim sendo, a mais adequada e mais econômica política de expansão do ensino superior deveria consistir na
ampliação de sua capacidade produtiva, reduzida atualmente a índices extremamente baixos;
2) o ponto de vista da poupança, por uma questão de economia de
escala: acrescentar cem alunos a uma universidade de mil é muito
mais barato que criar uma escola para os cem.
A segunda razão é de ordem sociológica, e se refere à escassez dos
quadros científicos, técnicos e, conseqüentemente, de magistério no País:
muito poucos para atenderem a uma multiplicidade de solicitações diversas. Dispersar-lhes as atividades em novas frentes de trabalho significaria
esgarçar ainda mais o que já é tão tênue e, acima de certo limite, improvisar professores, pesquisadores e técnicos. A solução objetiva é a expansão
na base da concentração: tornar cada vez mais consistentes os núcleos
instalados, para que eles possam multiplicar os seus serviços. Finalmente,
uma razão técnico-administrativa, referente à organização do ensino. Ao
insurgir-nos contra o apelo fácil à escola isolada, declarávamos:
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A escola isolada vai-se tornando uma entidade cada vez mais inviável, se pretende realizar bem suas finalidades. Falta-lhe a estrutura de apoio que é oferecida
normalmente pela universidade; a menos que a escola isolada disponha de recursos financeiros quase tão amplos quanto os da própria universidade, para realizar
o que esta realiza. Entregue à própria sorte, sem o confronto estimulador e corretivo com o ambiente criado pelo complexo universitário, sem meios de formar
seus próprios docentes, é muito difícil não resvalar na estagnação e na mediocridade. Nada comprova melhor essa observação que a crescente tendência de se
reunirem as escolas isoladas em universidades por meio da agregação.
Entretanto, não dávamos às universidades um cheque em branco:
A idéia de que existem na universidade as potencialidades para um amplo e econômico desdobramento de serviços, nos termos indicados no Parecer, não se aplica, obviamente, a qualquer instituição que tenha esse rótulo, mas somente às que
estiverem organizadas, ou venham a organizar-se com estrutura realmente universitária. Isto é, marcada pelo caráter ao mesmo tempo abrangente e integrado
de seus cursos, pesquisas e trabalhos em geral, e pelo seu nível de trabalho. O
alargamento da matrícula, facilitado no contexto universitário, ainda poderá ter
novas chances com a instituição do ciclo básico destinado a abrigar a massa dos
alunos que ingressam na universidade. Graças à flexibilidade deste dispositivo,
crescerão as possibilidades de multiplicação e diferenciação dos cursos – e, conseqüentemente, das opções profissionais – assim como de incremento de carreiras curtas, ao mesmo tempo que se criam novas disponibilidades de matrículas
nas escolas profissionais.1
A autonomia eficiente
Toda essa política, indicada no Parecer 209, supõe, em relação às universidades federais e, sob alguns aspectos, às demais, a reformulação radical do planejamento do ensino superior, com a adoção de nova
metodologia que inclua, entre as providências básicas, a criação de novo
sistema de articulação entre o Governo e as universidades, sobretudo quanto ao financiamento.
Impõe-se a criação no MEC de um órgão de exame dos planos universitários, nos seus aspectos substanciais, um órgão com a altitude e flexibilidade que estes impõem; a reformulação do orçamento-programa, transformado, de mera disciplina formal que é atualmente, em expressão da
política universitária – que permita vislumbrar os objetivos e sua realização progressiva, através do planejamento plurianual, imposto pela atual
Constituição; a institucionalização, nas universidades e no MEC, não só
1
Durmeval Trigueiro Mendes foi o relator do Parecer do CFE, nº 209/67, aprovado em 6 de junho de 1967, sobre "Expansão
do Ensino Superior", publicado na Revista Documenta n. 71, p. 10-21, jun. 1967 e republicado na Documenta n. 91, p. 122131, set. 1968, como Anexo para o "III Seminário sobre Assuntos Universitários" promovido pelo Conselho Federal de
Educação, realizado em setembro de 1968.
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Durmeval Trigueiro Mendes
do método de planejamento como também de instâncias adequadas para
operá-lo; a verdadeira libertação da universidade, que não consiste apenas em deixá-la falando sozinha, sem condições financeiras e administrativas de desenvolver a sua política, o que nos faz lembrar a sátira de
Tocqueville, no seu livro clássico La démocratie em Amérique. Comentando o paradoxo da democracia liberalista, afirmava o grande pensador francês que, dentro de tal sistema, o povo era rei, mas um rei nu e faminto.
Deve-se ao recrutamento e movimentação de professores e funcionários –
muito mais do que se prevê no Estatuto do Magistério – e entregando-lhe
os recursos financeiros nas épocas previstas e sem cortes.
Não se trata de deixar as universidades entregues ao próprio arbítrio
nas decisões que envolvem os recursos públicos e a política de desenvolvimento nacional. Trata-se de instituir um sistema bilateral de responsabilidade que substitua o atual diálogo de surdos entre o Ministério e as
instituições universitárias. Como toda responsabilidade, a que deve presidir tais relações se basearia num ato intelectual de informação e
discernimento e, a partir daí, no dinamismo autônomo da universidade.
É curioso que o Governo não participe eficientemente do processo de
decisões da universidade no momento em que estas se elaboram, por reconhecer-lhe a autonomia; mas intervenha no final do processo, ignorando as prerrogativas da autonomia e frustrando decisões já consagradas.
Com efeito, a universidade estabelece o seu programa de atividades
numa proposta que não adquire validade a não ser depois de aprovada
pelo Governo. Nessa etapa, caberia a este condicionar a aprovação da proposta ao exame da política empreendida pela universidade e refletida no
documento orçamentário. Nesse exame, deveria apurar-se igualmente a
integração dessa política no projeto de desenvolvimento nacional, o caráter eqüitativo da distribuição dos recursos pelas diversas universidades, e
o critério de discriminação que, acima de qualquer barganha política, apenas consagre diferentes níveis de eficiência.
A idéia da contabilidade nacional
Afinal de contas, o desenvolvimento se faz sobre uma contabilidade
nacional, em que todos os esforços se somam dentro de uma economia
agregada. Não pode deixar de haver um órgão de cúpula para promover tal
agregação, lucidamente, sob a inspiração de prioridades bem definidas.
Em nossa tradição, no entanto, cada universidade é um caso separado,
incomunicável, em vez de parte de um agregado. Somadas as reivindicações financeiras de todas as universidades, o corte se impõe como única
forma de ajustá-las à disponibilidade do tesouro público. Nesse caso, não
se forma senão um simples amontoado. Já constitui uma anomalia a mal
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planejada demanda de recursos. Mas anomalia maior é uma espada que
apara aqui e ali, a esmo, brandida por funcionários ou órgãos que não
conhecem, nem os problemas da política universitária nem as próprias
universidades, e são guiados, na ação de ceifar, por um só critério: limitar
o total dos orçamentos universitários ao teto orçamentário global.
Desse jeito, o Governo reconhece às universidades autonomia que
não lhes cabe, e nega-lhes a que merecem. E essa distorção decorre de não
se ter até agora fixado um regime adequado de responsabilidade.
A "técnica da negociação"
A intervenção do Governo cabe no início, e não no fim; no momento
em que pode ser útil, e não quando tem de resultar nociva; no momento em
que é legal e democrática, e não quando se torne simplesmente abusiva.
Como conciliar, entretanto, a intervenção coordenadora do Governo com a
autonomia universitária? A autonomia deve ser respeitada, evitando-se impor
às universidades os seus programas de trabalho; mas também o planejamento deve ser obedecido, com a fixação prévia de objetivos, escalonados
segundo as prioridades do desenvolvimento nacional. A distribuição dos
recursos federais pelas universidades seria precedida da análise dos projetos, não só em relação ao conteúdo, mas também à existência de meios e
condições adequadas, à utilidade social e à integração no plano nacional.
Tal exame não poderia ser cartorial nem ditatorial; deveria engajar num
esforço comum a instância julgadora e as universidades, até que, amadurecidos os projetos, fosse celebrado o convênio que os consagrasse.
É nessa fase que se impõe a participação do Ministério. Depois disso,
em todo o curso da execução, as universidades precisariam ter ampla liberdade de movimentos e receber pontualmente as suas verbas. Se contingências excepcionais determinassem redução dos recursos, teria de restabelecer-se o mesmo mecanismo de engajamento acima sugerido, jamais
ficando ao arbítrio de autoridades meramente cartoriais ou políticas a revisão dos orçamentos. Orientada por instâncias técnicas, essa redução farse-ia organicamente, sem mutilar a programação das universidades.
Se nos batemos pela liberação das universidades, é preciso se esclareça que não se trata da atual universidade brasileira, carente dos mecanismos adequados ao exercício de duas condições de que depende a autonomia: a liberdade e a responsabilidade. Duas condições que formam uma
só. O sistema que estamos propondo só terá sentido como coroamento de
uma série de transformações no estilo de ação, na estrutura administrativa e no funcionamento efetivo da universidade. Acreditamos, de resto,
que a reforma universitária depende muito mais dessa mudança de atitudes que de qualquer lei que lhe modifique o organograma.
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Durmeval Trigueiro Mendes
A autonomia das universidades é condicionada pelos fatores
institucionais, políticos e econômicos que lhe formam a moldura concreta. Significa o direito que têm elas de participar dos Conselhos de Estado
que elaboram a política nacional de educação superior e que decidem da
distribuição de recursos; de articular a sua vontade com a do Estado por
convênio, e não por imposição, dentro daquela estratégia que Michel
Crozier, em artigo na Revue Française de Sociologie (número de abril/junho de 1965), denominou "a técnica da negociação"; significa a prerrogativa de ter iniciativas culturais e científicas que porventura não se incluam
nas prioridades do plano nacional, desde que se recomendem pela sua
excelência no plano cultural; e, finalmente, a liberdade de, concluído o
convênio, encarregar-se de sua execução com inteira liberdade administrativa. Não pode haver autonomia financeira da universidade para promover, com recursos públicos, nem iniciativas suntuárias que ultrapassem as possibilidades do País, ou da região, nem qualquer iniciativa pedagógica ou cultural inconsistente.
A política de pleno emprego
Tal política deve ser formulada com imaginação e com coragem de
derrogar velhas estruturas e hábitos. Ela deve significar, sobretudo, a possibilidade de estabelecer novo regime de trabalho na universidade. A primeira providência nessa linha seria instituir novos padrões de tempo e de
remuneração dos professores – e, progressivamente, quanto ao tempo, também dos alunos, servidos, ambos, por um aparelho técnico-administrativo satisfatório. Do ponto de vista pedagógico, seja qual for a estrutura
formal, o que faz sentido na universidade é transformá-la num lugar de
densos contatos, de assimilação cultural profunda, numa atmosfera
impregnante e formadora. Isto, sim, e não a aula doutoral e dissertativa
como método exclusivo de ensino, no qual o que propõe o professor recai
sobre inteligências que não encontram meios nem tempo de aprofundálo, sequer de interiorizá-lo mais objetivamente.
Do ponto de vista dos recursos – humanos e materiais – não parece
evidente que o empenho mais eficaz do Governo seria o de concentrar-se
no aumento de produtividade das universidades, através de uma política
de pleno emprego? A concretização de tal objetivo pressupõe a liberdade
da instituição para firmar contratos de trabalho, liberdade que lhe permitisse, por exemplo, acrescentar a um salário básico, fixado por lei, um
salário suplementar correspondente a encargos especiais, seja quanto à
duração, seja quanto à qualidade do trabalho.
O problema da remuneração do magistério superior não pode ser tratado pelo Governo à maneira de círculo vicioso: os professores trabalham
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pouco, por isso ganham pouco, e porque recebem pouco, pouco rendem, e
assim por diante. Não é o Estatuto do Magistério que resolve, na medida em
que constitua um novo expediente formal pretendendo solucionar problemas reais. A solução realista tem de basear-se na qualificação do professor,
no tempo de trabalho dado à Universidade e na remuneração, combinados
esses três elementos dentro de esquemas flexíveis, com uma margem de
variação a critério das universidades, ainda que sob controle parcial de alguma instância normativa fora dela.
Nossa sugestão, levando em conta as particularidades do nosso País e
sua limitada capacidade de mudança, seria instituir um salário composto
de duas partes: uma, fixada por lei para todas as universidades,
correspondendo a certas obrigações básicas, com tempo restrito; outra,
estabelecida pela própria universidade, segundo projetos individuais de
trabalho.
Efeitos e causas da mudança
As tentativas de forçar a mudança da universidade nesses últimos
dez anos visam curiosamente a obter mudança nos efeitos, sem alteração
das causas. A expansão das matrículas e dos serviços significa e pressupõe mudança, do mesmo modo que a transformação qualitativa visando à
objetividade e eficácia do ensino. Entretanto, que acontece? Todos exigem
novos resultados do ensino – os alunos, a opinião pública e o próprio
Governo – sem que tenham sido operadas as mudanças nas fontes de que
dependem tais resultados. Ocorrem transformações na esfera abstrata das
leis, mas estas constituem uma espécie de causa exemplar, não a causa
eficiente; representam o modelo ideal a ser alcançado, se forem alteradas
algumas condições reais. Vale evocar, aqui, a fórmula de Meyerson: "A lei
é uma construção ideal que exprime, não o que se passa na realidade,
senão o que ocorreria, realizadas certas condições". Ora, em relação à expansão do ensino superior, só se pode evitar a pululação de escolas superiores aviltadas se vier a ser adotado um esquema de concentração dos
estudantes em núcleos eficientes de ensino superior, com apoio em medidas inovadoras, tais como a institucionalização do sistema de bolsas e da
residência para alunos emigrados. Tivemos oportunidade de sugerir, no
Parecer que fixou diretrizes para o Plano Decenal de Educação, um esquema pragmático de regionalização do ensino superior, a partir do fato de
existir universidade em quase todos os Estados brasileiros:
O planejamento do ensino superior deverá combinar o critério geoeconômico,
quanto à irradiação de sua influência, com a das especializações científicas e
técnicas, cada qual com suas exigências próprias. A perspectiva geoeconômica
transcende, obviamente, as fronteiras políticas dos Estados, o que não invalida a
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Durmeval Trigueiro Mendes
tese da formação de uma política estadual de ensino superior, liderada pela universidade de cada Estado. Trata-se de tirar o melhor partido de uma situação de fato –
a existência de universidades em quase todos os Estados. A fórmula aqui preconizada permitirá o ordenamento do processo de expansão do ensino superior, evitando a multiplicação indiscriminada de escolas isoladas pelo interior. As universidades estabelecerão entre si, através dos mecanismos já existentes de
intercomunicação, esquemas regulares que permitam a política de concentração.2
Em suma, a expansão da universidade supõe:
a) o planejamento global do ensino superior no País;
b) a reforma do sistema administrativo da universidade, e de suas
relações com o MEC;
c) a atribuição às universidades – com o asseguramento de condições
apropriadas – de uma liderança regional no processo de desenvolvimento do ensino superior.
A inflação negativa
Do mesmo modo que o movimento inflacionista nesse nível de ensino faz silêncio sobre a qualidade das escolas que deseja multiplicar, faz
vista grossa igualmente sobre os recursos financeiros com os quais elas
deverão ser instaladas e mantidas. Diria melhor: faz abstração da escala
dos recursos, pois o problema na verdade é de escala. Poder-se-ia demonstrar empiricamente que não têm crescido as verbas do ensino superior em
proporção com o aumento de encargos; então, o que acontece é que, crescendo apenas o divisor, a quota destinada a cada unidade – as antigas e as
novas – mingua na mesma proporção. Contra fatos não existem argumentos: os novos compromissos financeiros para a expansão do ensino superior sempre envolvem parte dos recursos já vinculados a outros compromissos, o que significa, francamente, a deterioração do ensino, senão também a perda de confiança das universidades e o clima de insegurança.
Dir-se-á que elas aplicam os recursos inadequadamente, o que em muitos
casos é verdade; trata-se, então, de restabelecer – ou de estabelecer – a
adequação; o inconveniente é deixar que medrem as distorções, para depois realizar a ceifa às cegas, como já assinalamos, cortando com o joio
também o trigo. Essa providência, em vez de corretiva, se torna apenas
punitiva, embora sem acertar o alvo.
2
Ver a respeito Trigueiro Mendes, Durmeval. Plano de Educação no Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico.
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 46, n. 104, p. 335-350, out./dez. 1966, especialmente, p. 347.
Ensaios sobre Educação e Universidade
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Ora, manter o mesmo fundo de recursos aumentando o número dos
que o partilham é promover a deterioração do ensino. Acontece que essa
política, apregoada como democrática, é antidemocrática, no velho estilo
liberalista já ultrapassado pela sociedade moderna. O povo, numa democracia autêntica, deve ter acesso à educação eficiente, e não à educação
aviltada.
A falsa educação, estimuladora apenas de impulsos reivindicatórios
nos seus titulares, é mais funesta que a ausência de educação formal, já
que resta sempre a qualquer indivíduo a possibilidade de assimilar, por
indução espontânea, por assim dizer, um certo cabedal mínimo de cultura, mediante a qual chega a assemelhar-se à sua comunidade. O pior é
alguém se julgar dessemelhante da comunidade, por um título falso de
educação (que é como um cheque sem fundo), passando a reclamar dela
privilégios que não merece.
A expansão do ensino superior só será legítima se se processar sobre
um lastro de qualidade, de efeito criador no sentido keynesiano. Fora disso, o que se faz é emitir sobre o vazio, é inflação negativa. A economia
keynesiana defende a inflação criadora de riqueza, pelo efeito multiplicador
do investimento. Por outras palavras, o investimento precedendo a poupança, que ele terminaria por criar a longo prazo. É isso, porventura, que
pretendem os inflacionistas, isto é, os defensores da falsa expansão educacional no Brasil? Imaginam que a educação, agora falsa, adquirirá veracidade com o tempo? Está aí uma ilusão que nem a teoria nem os fatos
justificam.
Uma iniciativa precária é suscetível de autocorreção com o tempo, se
ela já possui no nascedouro algumas virtudes germinativas. O próprio
modelo keynesiano pressupunha, como indispensável ao efeito criador
do investimento, que a economia a este oferecesse uma margem explorável
de virtualidades. Professores com formação científica incompleta poderão ser admitidos se eles estão em processo de formação científica,e não
quando eles já têm acabada a sua formação para os fins a que se destinam,
fora do magistério, e nenhuma segurança oferecem de uma conversão,
que seria entrar novamente em processo por força de uma nova carreira.
Mas, isso também não se faz; aceitam-se como professores candidatos de
si mesmos, desejosos de ampliarem sua renda com um novo emprego que
na realidade será apenas um subemprego, onde consumirão reduzida parte de seu trabalho. As facilidades oferecidas a esses candidatos são às
vezes maiores que as sonhadas pela sua ambição parasitária. Essa política
serve ao ensino, ou serve a tal clientela privilegiada? Trata-se, então, de
uma política de serviço ou de uma política de favor? Isso é democrático?
É possível imaginar poder germinativo nessa semente inicial? Professores recrutados sem os títulos e sem motivações adequadas, e, por
cima disso, admitidos na sua mediocridade, poderão converter-se em
82
Durmeval Trigueiro Mendes
verdadeiros professores? Só com o passar do tempo? O que parece correto é admitir, ao contrário, que o tempo, no caso, cristaliza a atitude inicial, do mesmo modo que poderá reforçar o impulso bem nascido. O tempo é condição de aperfeiçoamento, mas não causa eficiente; ao contrário, todo processo de institucionalização implica a tendência à rotina e à
sedimentação.
Ora, a idéia de um equilíbrio, de uma maturação, alcançados com o
tempo, constitui outro preconceito do velho liberalismo, e jamais uma
atitude moderna. Foi essa doutrina que admitiu ingenuamente (ou matreiramente) a idéia de que os mecanismos de equilíbrio são autônomos, e de
que esse equilíbrio se realizará sempre em um nível ótimo.
Não há desenvolvimento espontâneo nas instituições falsas – o que
cresce e se torna cada vez mais resistente é a própria falsidade. Essa a
razão pela qual nossa luta se concentra no problema da origem das novas
escolas e de novos cursos ou unidades dentro da universidade; não somos
contrários a que sejam criados, e sim a que sejam falsos.
O esforço de uma sociedade moderna e democrática consiste exatamente em trocar a espontaneidade do laissez-faire pelo planejamento. O
desenvolvimento não resulta de um processo vegetativo, mas da ação
normativa; mais do que o crescimento ou a multiplicação das instituições
representa uma mudança das instituições. Ainda que fosse cientificamente comprovada a eficiência dos mecanismos que, segundo a crença liberal,
promoveriam o progresso e a riqueza da sociedade por impulsos e ajustes
automáticos, ainda assim não poderia deixar de ser lento esse processo.
Pois ele resultaria de uma sucessão de repercussões de cada fator no conjunto dos outros fatores, de modo que a Providência, escondida na natureza, terminaria por agenciar novos arranjos dentro do todo social. Primeiro,
as coisas aconteceriam, depois a sociedade as acomodaria por um jogo de
repercussões que poderia durar longo tempo, mas terminaria sempre na
reconquista do equilíbrio. Essa concepção, ainda que fosse verdadeira,
repito, seria inconveniente à sociedade moderna, por incompatível com a
rapidez de suas mudanças. Pode uma Nação moderna, sobretudo se é pobre, dar-se ao luxo de preferir a primeira política à segunda?
Ora, a política de criação de escolas que na última década se vem
realizando no Brasil resultou em crescimento, mas não em desenvolvimento. Com efeito, a expansão universitária e a criação de novas escolas
têm resultado de um planejamento? Reestruturou-se a escala de recursos
para que a expansão seja um fluxo de bens reais, e não de ilusões
promocionalistas? Para que a qualidade acompanhe a quantidade, e não
resulte no simples aviltamento da educação, à medida que cresce o divisor
dos recursos? Houve uma transformação na contabilidade nacional? Houve transformação das condições reais da universidade, já que as formais
têm, na maioria das vezes, importância simplesmente adjetiva? Se nada
Ensaios sobre Educação e Universidade
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disso aconteceu, estamos querendo novos efeitos, de velhas causas, como
quem quer recolher ovos de ouro de uma galinha que não é a da fábula. A
movimentação a que nos temos entregado nos últimos anos apenas disfarça o fundo imóvel das posições tradicionais.
Por isso é que fizemos ressaltar em nosso Parecer sobre as diretrizes
do planejamento educacional que o desenvolvimento do ensino tem de
provir de decisões políticas. Não se trata da política do Príncipe, que usa o
direito de graça para realizar gestos gratuitos, como atos de outorga, mas
do dinamismo democrático que leva o Estado a promover medidas
instituidoras de novos modos de existência, de novas formas de relação
na sociedade, de nova estrutura de recursos públicos e de sua distribuição. A percentagem da educação tem de ter nova dimensão no Orçamento, antes de se abrirem novas obrigações à sua conta; pois, do contrário,
estaremos mergulhando na inflação negativa.
A sociedade problematizada
Em termos filosóficos, poderia dizer que só é possível uma verdadeira política educacional – na sociedade moderna – onde a consciência de
cada membro da comunidade esteja rente com a própria comunidade, como
o englobado com o englobante, de modo que tudo que afete um, afete
igualmente o outro. E este é, por sinal, o efeito último e pleno da própria
industrialização. A modificação do homem situado significa, de algum
modo – próximo ou remoto – a modificação da situação; as alterações
desta, por outro lado, são induzidas por aquele. Há entre os dois planos
uma fronteira móvel – a que separa a paideia da politheia – através dela se
realizando aquela dialética da personalidade de base a que se refere o
sociólogo americano Kardiner (The individual and the society), ou, noutra
linha conceitual, a "reciprocidade das consciências" a que se refere
Gurvitch: trata-se, na perspectiva do sociólogo francês, de uma espécie de
"imanência recíproca das consciências individuais com as consciências
coletivas, e das consciências coletivas com as consciências individuais".
Colocaria o problema, de minha parte, noutros termos: a densidade
de um contexto social se mede pelo grau de intensidade com que seus
problemas se impõem à consciência e ao comportamento de cada um de
seus membros. Só a partir de um certo nível de densidade – e portanto da
pressão dos problemas da sociedade sobre os indivíduos que a constituem, forçando a solidariedade orgânica entre eles, é que se tornam claros
os efeitos da educação. Claros e mensuráveis. Aí, a política educacional se
torna indispensável como parte da política em si mesma. No sentido em
que a politheia exige a paideia. Só nessa perspectiva ganha sentido uma
política de recursos humanos servida por técnicas de avaliação. A partir
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Durmeval Trigueiro Mendes
daí as intenções da política educacional poderão expressar-se com precisão, tornando-se imperiosa a existência da contabilidade nacional, da estatística, do cadastro, da economia e do planejamento da educação. Só
assim se tornará viável o art. 96 da LDB. Esse é o fenômeno da conversão
da qualidade em quantidade, e desta novamente em qualidade, o que constitui, a meu ver, fenômeno básico do planejamento educacional.
Assim é que só existe política de educação numa sociedade cujos
problemas ressaltem na consciência de seus membros, sob a forma de um
desafio que exige resposta adequada. A verdade desse postulado é muito
singela, e pode ser expressa singelamente: não pode haver soluções onde
não haja problemas. Não há soluções educacionais no Brasil, porque não
há consciência nítida dos problemas que a educação deve solucionar. Quais
são os problemas nacionais ou regionais que as universidades brasileiras
estejam deliberadamente procurando resolver, sob controle de um método qualquer de avaliação? As universidades anglo-saxônicas estão incomparavelmente mais próximas dos fatos, por isso os seus programas financiados pelo Governo são projetos definidos em face das necessidades nacionais. Esta a principal vantagem do sistema de grants, e a razão da proposta feita neste trabalho para que as universidades federais procurem
fixar com o Governo novo sistema de financiamento para atender às suas
exigências de expansão e de aperfeiçoamento.
Dentro do contexto a que nos estamos referindo, cada um se torna
solidário, socius, do grande empreendimento que é a Nação. Onde não
haja esse sentimento – da Nação como empreendimento – não pode haver
a apercepção da necessidade da educação para todos. Nos regimes elitistas,
a educação só precisa ser eficaz para a minoria dirigente. Ora, uma das
características essenciais do desenvolvimento é que ele deve representar
um empreendimento global, desfazendo-se gradativamente no fluxo do
processo solidarizante a estrutura que o impede. Só a democracia – como
consciência de participação responsável na comunidade nacional, vivida
eficazmente por todos os que a integram – dará sentido a uma fórmula que
entre nós não tem sido mais, em muitos anos, que um slogan: educação
para o desenvolvimento.
No caso brasileiro, não se verifica essa apercepção; ao contrário, ela é
interferida e perturbada por outra: a de que os problemas não são reais, e
por isso as soluções podem ser apenas simbólicas. Há necessidade de cientistas sociais no Brasil, mas são poucos os que na universidade procuram tornar-se cientistas sociais – procuram o diploma com o qual (com ou
sem competência) conquistam as posições reservadas a essa categoria profissional. Valendo notar que o sistema mágico-simbólico funciona coerentemente no Brasil: ao jovem que procura um símbolo magicamente eficaz,
o Estado responde com medidas asseguradoras dessa eficácia, garantindo-lhe por lei e artificialmente oportunidades de trabalho que deveriam
Ensaios sobre Educação e Universidade
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ser obtidas competitivamente por demonstração de capacidade. O fato de
ainda funcionar esse mecanismo no Brasil revela, em primeiro lugar, um
tremendo descompasso entre a sociedade já industrializada – embora
incipientemente e de forma irregular – e a consciência que têm dessa sociedade as suas elites e, dentro destas, os educadores e legisladores da educação. A diferença é entre o nível objetivo e o nível subjetivo do nosso
desenvolvimento: a educação é boa quando equilibra a ambos; mas é medíocre quando o nível objetivo ultrapassa o subjetivo, e nesse caso se pode
dizer que o povo supera as elites, pois encarna existencialmente uma situação da qual pode retirar, vegetativamente, por assim dizer, certo grau de
consciência, dela e de suas exigências, enquanto as elites se alienam da
situação global do País, imobilizadas em padrões arcaicos, mercê dos quais
alcançaram seus privilégios que desejam manter, impondo esses padrões
à sociedade. Na realidade, o desnível é sobretudo no tempo. Pode ocorrer,
porém, a hipótese contrária, há pouco figurada: quando o nível aperceptivo
das elites é superior ao do povo. Nesse caso, a educação é boa, desde que
não expresse esse desnível por idealizações formais ou legais, mas por
uma ideologia militante, em busca de vencer a diferença entre os fatos
atuais e os objetivos futuros. A idealização é vivida tensionalmente dentro dos fatos, como esforço para superá-los.
Evidentemente, o processo industrial das sociedades modernas, ou
em vias de modernização, na medida do seu ímpeto vai ultrapassando as
elites arcaicas, como acontece nas áreas desenvolvidas do Brasil, que
Jacques Lambert lucidamente opôs ao Brasil feudal ou semifeudal. O mais
difícil é criar a perspectiva do desenvolvimento nas regiões subdesenvolvidas, exatamente porque nestas falta a apercepção a que me referi, a qual
decorre, ela própria, de um determinado nível de desenvolvimento. A não
ser que essa apercepção seja estimulada deliberadamente por uma ideologia do desenvolvimento, como em nosso País já foi tentado de modo bastante tumultuário. Uma das formas de circularidade a que estão atadas as
regiões subdesenvolvidas – se quisermos usar extensivamente a linha
conceitual de Myrdal para um aspecto que ele não considerou – é exatamente a que envolve tal apercepção. Mas como as elites nacionais estão
em atraso em relação ao processo brasileiro, e elas é que definem
normativamente a estrutura da educação, constatamos que pouca diferença existe na política educacional entre regiões adiantadas e regiões menos
desenvolvidas do País. A política obsoleta por todas se estende. Em conseqüência, a expansão dos três níveis de ensino não obedece a uma estratégia racional, que permita a articulação entre a política de recursos humanos, do Ministério do Planejamento, com a política do MEC. A extensão
da escolaridade primária é concebida como um problema apenas pedagógico, e não como uma necessidade social e cultural; o ensino médio continua a se difundir sem a redefinição de objetivos que a sua própria
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Durmeval Trigueiro Mendes
destinação lhe impõe, como educação para formar o homem brasileiro
segundo a imagem que à Nação cabe fixar – e que jamais fixou; o crescimento do ensino superior é apenas mecânico, ou meramente espontâneo.
Por que isso? Porque nos falta o limite do real. Esse desligamento do
real constitui a alienação básica, tanto mais crucial quanto, desvinculados
nas origens, se torna extremamente difícil articular depois o homem e a
sua realidade existencial no seio da cultura.
A realidade de um país é integrada de várias faixas ou patamares, mas
o grau da referida integração é diferente em cada uma delas. Ora, se a
realidade se torna presente ao espírito como uma problemática, podemos
constatar que num país como o Brasil existem muitas áreas não
problematizadas, e por isso mesmo privadas de uma política objetiva e
nítida. E mesmo dentro das áreas mais integradas resta ainda grande espaço não problematizado, em que os problemas se movem sem precisarem
ser resolvidos. Educação é das áreas mais folgadas.
Não sabemos o que acontece se aumentamos ou diminuímos o número de engenheiros; ou se melhoramos as condições de saúde ou de habitação do povo. Lembra com razão Arthur Lewis que pode haver circunstâncias – e ele se referia particularmente a regiões da África – em que certos
bens de consumo se tornam prioritários em relação à própria educação.
O Brasil poderia – e terá de fazê-lo – redefinir a política de seus cursos, e depois das opções qualitativas, projetar a sua expansão. Deveria,
inclusive, estabelecer novas modalidades e níveis de formação técnica e
cultural, segundo necessidades cientificamente comprovadas. Por esse caminho, poderíamos drenar o excedente (relativo) do ensino superior em
certas áreas, deslocando-o, seja para outras áreas do mesmo nível, seja
para outros níveis.
Educação e desenvolvimento local
Na opinião pública, mal conduzida por elites despreparadas, se formou a crença de que o desenvolvimento local depende da criação de escolas superiores. Tem-se a emigração dos talentos sem condição de fixação
no próprio meio, atraídos pelas oportunidades dos centros adiantados.
Trata-se de um falso problema: o fluxo de talentos, como qualquer outro
fluxo no plano social e econômico, se processa segundo atrações naturais
e inevitáveis, numa sociedade liberal. A questão poderia ser apresentada
de uma forma tautológica: se os centros desenvolvidos têm condições de
arrebatar esses talentos, é que os menos desenvolvidos não têm condições
de retê-los. Não adianta pôr-lhes a escola ao alcance da mão – a atração
continuará a exercer-se, com intensidade substancialmente igual, o que
poderia ser empiricamente observado. Sem essa emigração, de resto, logo
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sobreviria a saturação local, com os riscos de proletarização dos profissionais liberais. Cada comunidade tem os quadros técnicos que sua estrutura
pode absorver, social, econômica e, em conseqüência, ocupacionalmente.
As diferentes funções da estrutura social tendem sempre a equilibrar-se
no mesmo nível, não havendo portanto possibilidade de retenção compulsória de profissionais onde eles estejam impedidos de exercer convenientemente sua profissão.
Por isso a criação de escola superior, mesmo de bom padrão – o que
raramente acontece – deve ser desencorajada quando representa um custo
social acima das possibilidades normais da comunidade, cerceada por essa
forma de outras fontes mais radicais de desenvolvimento. Tal doutrina
não significa, todavia, condenar as comunidades menores à estagnação;
ao contrário, estamos convencidos de que os modelos convencionais de
expansão educacional, nas condições negativas que acabamos de mencionar, não terão qualquer possibilidade de impulsionar-lhes o desenvolvimento. O problema é reformular os modelos, instituindo padrões mais
diferenciados e outros níveis além dos convencionais. É o caso, por exemplo, dos já famosos e ainda não identificados cursos de formação de técnicos de nível médio. Antes de tudo, é preciso desfazer o equívoco entre
cursos superiores de curta duração e cursos médios para formação de técnicos, que são intermediários entre os que se diplomam na universidade e
os que saem da escola média. A verdadeira categoria desses cursos não
está sendo devidamente identificada na discussão: trata-se na realidade
de cursos pós-colegiais não universitários, os quais poderão ser instalados
dentro da universidade, ou de estabelecimentos de ensino médio, ou constituir unidades autônomas. Pressuposta a formação de nível médio, e alargando-se dentro deste, constituem sua complementação científico-cultural, e prática, com vistas à profissionalização. Portanto, o que distingue
esse curso de curso superior é o fato de que ele representa, essencialmente, um processo de complementação, explicitação e exploração em diferentes sentidos do próprio currículo médio, mediante novos arranjos e
ênfases vinculados ao treinamento profissional, e não propriamente um
patamar universitário. Essa hipótese não exclui as pontes que possam eventualmente conduzir nas duas direções os alunos dos dois lados: o superior
e o pós-colegial. Mais técnico que acadêmico, as suas características decorrem tanto da metodologia quanto da nota de intensidade a que aludimos, em relação a partes do conteúdo curricular.
Esta solução oferece dupla vantagem: é a que convém à maioria das
comunidades locais, e abre caminho ao descongestionamento da universidade. Temos que admitir que o crescimento das universidades poderá
tornar-se hipertrófico, em termos relativos, se não se oferecem alternativas aos estudantes no nível médio ou pós-colegial. Essas alternativas, impostas como decorrência do equilíbrio econômico e social, não ferem o
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Durmeval Trigueiro Mendes
direito à educação, pois na realidade os próprios talentos se diversificam
também quanto aos níveis. Não basta desejar os mais altos para merecêlos; aliás, se ocorrem tantas aspirações desencontradas do mérito, o fato
decorre, as mais das vezes, de deformações culturais. O que freqüentemente
parece vocação ou aptidão não passa do fascínio sutil exercido por carreiras prestigiosas. Trata-se de uma assimilação – inconsciente ou não – de
padrões sociais, dando aparência de espontâneo ao que é condicionado.
Esse fenômeno de indução pode ser verificado e, em escala considerável,
corrigido e controlado.
Às vezes se pensa que o curso criado com certo estridor de atualidade
responde a necessidades reais, o que não é verdade, mas o freqüente nesses casos é ouvir-se o galo cantar sem se saber onde. Tal o curso de jornalismo: está-se atirando fora do alvo, emprestando ar falsamente sofisticado a uma formação que teria de ser, nas bases, mais geral – no sentido de
cultura geral – servindo-se para isso de cursos já existentes na universidade, e, na formação profissional, muito mais prático.
Igual indagação ocorre com o curso de pedagogia, um modelo abstrato e sem uso: é muito para formar professores primários no Brasil, e pouco
– além de inadequado – para formar especialistas em educação. As universidades já pensaram, por acaso, em estabelecer no campo da educação
novas linhas de pesquisa e de formação profissional, ligadas à economia,
à sociologia ou à psicologia? A maior parte dos cursos existentes são
irrealistas, mas antes de pensar-se nisso continua-se a promover a expansão. Não parece evidente que esta deve seguir novos rumos, com a criação
de outros cursos, ao lado da diferenciação dos antigos, com base na pesquisa prévia das exigências sociais? Essa é que é a expansão-desenvolvimento, a quantidade-qualidade, o equilíbrio rompido e reconquistado, o
dinamismo.
O imobilismo da universidade
Por que se imobiliza a universidade no seu autismo? Por que pretende
resolver os problemas do mundo sem estudá-los? Será por que, para ela, no
seu ensimesmamento, não há mundo real, ou por que o mundo de fora, ela
o imagina como sendo eterno? Pelas duas razões. Em primeiro lugar, o método
de planejar e estruturar os cursos é igualmente autista: uma idéia do curso
se pensa a si mesma; uma certa idéia do direito talha a carreira do advogado
– e não a própria carreira do advogado; um esquema cerebrino da ciência da
nutrição pretende modelar o nutricionista real. O que acontece na vida prática é que o diploma será agredido pelos fatos trocados na escola por um
currículo-fetiche, e depois devolvidos à sua agressiva nudez. O currículo
escolar entre nós representa um modelo de reificação verbal, isto é, de
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substituição de coisas vivas por textos mortos, dos quais se espera obter
efeitos na vida real. A escola em nossa cultura prepara para a ação e a vida
através desse processo que esvazia a inteligência de todo contato com a
ação e a vida. Poder-se-ia indicar dois modelos de formação intelectual:
o que põe o universo na inteligência, para que esta o complete sem sair de
si mesma, como pretendia de certo modo induzir Aristóteles ao acentuar
que a "inteligência é de certa forma todas as coisas"; e a que prende a
inteligência e o mundo no dinamismo da práxis. No caso da educação
brasileira, não ocorre nenhuma das duas hipóteses, já que nosso padrão é
apenas caricatura do modelo humanístico clássico. A especulação grega,
apesar do duvidoso realismo de suas correntes mais importantes, resultava da fecundidade própria da inteligência e era capaz de gerar uma nobre
vida espiritual. O falso "humanismo" não possui a inteligência das coisas,
nem a inteligência da inteligência – isto é, a que se auto-reproduz, no caso
grego, sob o estímulo do universo real, embora dele se desligando, depois,
para viver a sua própria aventura contemplativa.
Nesse "humanismo", acrescido de nossas peculiaridades
socioculturais, a inteligência deixa de ser função do real, ou, então, um
simples repositório de idéias mortas, ou de conhecimentos fragmentários
e desconexos, os quais ocupam uma parte da vida como simples rito de
iniciação a investiduras da vida real. O que há de desolador no caso é que
a tendência permanece na educação, quando na realidade as investiduras
já não pressupõem a eficácia simbólica, e sim a real.
As universidades continuam dispenseiras dos ritos simbólicos da iniciação – impunemente. O isolamento resultante de sua alienação durante
muito tempo a protegeu da crítica e da pressão social. É provável que
parte do alheamento em que os de fora se mantinham distanciados dela –
aceitando-a sem discussão, ou julgando que o que ela fazia estava bem
feito – ainda guardasse resquícios do respeito profano ao saber sacerdotal,
esotérico e incomunicável nas sociedades primitivas. À medida que as
diversas camadas da sociedade se desalienam, vão exigindo que também
se desaliene a universidade; mas a crítica e o ataque dificilmente acertam
o alvo, de tal modo a deformação lhes vedou o cerne dos problemas educacionais. Continuamos pensar de viés, através de palavras que nos chegam de uns aos outros, e não da visão singela das realidades oferecidas à
pesquisa. A própria crítica dos órgãos de opinião, fora do circulo educacional, é alienada e reificada; os conceitos são forjados pelo método verbalista,
puramente categorial, sem o verdadeiro conhecimento dos problemas reais. São slogans que não conseguem deixar de sê-lo; são editoriais na imprensa insistindo em lugares-comuns, por sinal as mais das vezes falsos,
como se pode comprovar pela incorreta visão de alguns de nossos grandes
jornais em relação ao problema dos excedentes, da escolaridade para todos ou da educação de adultos.
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Durmeval Trigueiro Mendes
A universidade conserva tão resistente a sua couraça de
irresponsabilidade que não chega a sensibilizá-la esse fato, extremamente
grave, de que os rapazes e moças que ela entrega à sociedade estão cultural e tecnicamente despreparados. Nenhuma indústria resistiria um ano a
esse desencontro entre a produção e o consumo – a universidade atravessa as décadas embarcada nesse equívoco. A agressão dos fatos, de que são
portadores os que estão sob a pressão deles, tem modificado essa situação, mas não há nenhuma proporção entre tal inconformismo e as alterações obtidas. Poucos são capazes de formular a crítica, muitos dentre os
mais competentes querem a reforma universitária de forma alienada – através de leis e processos formais – e, acima de tudo, a elite do poder se
distancia cada vez mais da inteligência real dos problemas. O saber constitui uma aventura solitária ou diletante, sem qualquer penetração na área
de decisões, continuando estas libertas de qualquer compromisso com o
conhecimento efetivo dos problemas. É verdade que, no caso da indústria, numa sociedade democrática, o consumidor escolhe o produto e paga
pela qualidade. A universidade brasileira se beneficia de um processo
institucional que assegura a saída do produto por artifícios de lei, isto é,
criando um mercado de trabalho que não depende da qualidade do trabalhador mas de suas qualificações.
Enquanto permanecer esse tipo de equilíbrio institucional – em que
ao artificialismo do diploma se ajusta o do mercado profissional – é muito
difícil obter certas reformas da universidade, salvo nos casos a que nos
referimos noutra parte deste trabalho, de sociedades compactamente industrializadas, nas quais os empregos se multiplicam, e simultaneamente
vêem elevados os seus níveis de tecnicidade, impondo a competição e a
elevação da qualidade profissional. Os líderes universitários brasileiros
não conseguiram abrir caminho a sua perplexidade. A inépcia de alguns,
somada, nas áreas mais atrasadas, ao clientelismo político – por essência
anti-reformista – imobilizou nosso ensino superior no estágio pré-industrial, quando a educação podia ser apenas o rito de iniciação dos jovens
das classes superiores para os postos que já lhes estavam reservados. A
competência real tinha valor relativo, o importante era o acesso aos postos
por uma liturgia consagradora dos privilégios. Além disso, a maior parte
dessas posições requeriam pouco do ponto de vista da eficiência e da
tecnicidade; os mais qualificados, no ápice da vida pública, se proviam de
cabedais literários e jurídicos – a cultura geral da época – e, ainda assim,
bastava um pequeno número para confeccionar certa armadura de idéias
e de instituições, dentro da qual o País, daí por diante, poderia folgada e
tranqüilamente viver.
A outra razão, que não deixa de ser parte da primeira, é que as nossas
universidades representam o nível mais denso do nosso conservantismo
cultural. Isto é, elas perpetuam uma cultura baseada no pressuposto de
Ensaios sobre Educação e Universidade
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que a sociedade é eterna, regida por um sistema imutável. A consciência
vitoriana do século 19, desabrochada sobre o húmus burguês (os privilégios considerados não como contingência histórica favorecedora de um
grupo, mas como lei da natureza), sobreviveu nas culturas sociologicamente arcaicas, entre as quais a nossa. Isto acontece com a reforma da
própria universidade: procura-se repensar a universidade a partir do próprio pensamento de universidade – uma idéia da idéia, uma idéia que se
pensa a si mesma. Acontece que a teoria da educação – como toda teoria –
é condicional, tendo as suas proposições de serem apresentadas sob forma de alternativas, ou de aproximações da realidade. O próprio CFE, se
deseja auxiliar as universidades, deve sugerir-lhes modelos alternativos,
esquivando-se, tanto quanto a própria universidade, e mais ainda o Governo, de regular-lhes o funcionamento por meio de leis. Mesmo porque
as leis educacionais brasileiras ou não têm validade teórica, ou, se a têm,
quanto aos pressupostos, só a poderiam comprovar pela verificação. Na
realidade, nós expedimos editos – dêem certo ou não, ninguém se dá ao
trabalho de realizar essa indispensável etapa do esforço teórico que é a
comprovação experimental. A verificação, a descoberta do erro, a procura
de novas soluções têm sido empreendidas por cientistas isolados, e graças
à sua iniciativa própria. É preciso um acaso para que esse saber se transforme em poder, acolhido por uma instância oficial que o consagre. E se
ocorre essa hipótese, com ela se abre novo processo cartorial-cesarista: é
lançado o edito, uniforme para todas as circunstâncias, e daí por diante as
normas se cristalizam até ocorrer o milagre de outro edito. Ora, deveria
existir no MEC e nas universidades um órgão, ou alguns órgãos – e, mais
do que isso, uma atitude – de avaliação, de autoconsciência crítica e
projetiva, de investigação de causas e feitos, de experiência. Um desses
órgãos deveria ser o CFE: não o tem sido, infelizmente, tanto quanto devia. Outros, os Centros de Pesquisas Educacionais, que só muito escassamente cumprem esse papel, pois com receio de afrontar o real se esgueiram (com algumas exceções) por atalhos do acessório e da filigrana. O
Dasp foi até algum tempo grande produtor (indireto) de leis, inclusive
educacionais. Nesse caso, a distorção era simplesmente lamentável, pois,
usando a eficácia automática da lei, se pretendia consagrar como teoria o
simples empirismo desavisado e pedante.
Ora, devemos evitar os dois erros, o do teorismo inconsistente por
falta de verificação, e o do realismo pedestre por falta de base científica.
Esse outro extremo é, o mais freqüente, o de suporem administradores e
dirigentes educacionais – e isso acontece em quase todas as áreas da administração no Brasil – que as suas decisões têm de ficar bastante pobres
de idéias, para serem objetivas. Ponderou Myrdal (Equilibre monetaire,
citado por E. James em O pensamento econômico"): "A teoria abstrata deve
sempre ser elaborada a priori, em relação aos fatos, para depois serem as
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Durmeval Trigueiro Mendes
leis verificadas praticamente". Infelizmente, nós no Brasil brandimos a lei
como uma espada, em vez de a manejarmos como uma teoria. E assim, o
que se oferece ao nosso apetite de realidade são novos arranjos estruturais, que não resolvem, mas distraem... Parodiando o poeta Drummond,
não é uma solução, mas é uma rima. Todas as reformas legais, cartoriais,
rimam com o método Francisco de Campos – um dos nossos mais talentosos
criadores de arquétipos. Tinha-se a impressão de que a Lei de Diretrizes e
Bases ia estimular uma vis criativa no Brasil, instaurar uma práxis
desencadeadora de novas especulações que agarrassem o real e sua aspereza; que não constituíssem uma espécie de geometria, abusando das facilidades simétricas que brigam com toda a violenta assimetria, com todo o
violento informalismo do real. Por essa razão é que os cursos – seja o de
economia, o de direito ou o de pedagogia – permanecem arquétipos
intemporais, ao contrário dos que são disciplinados de perto pela resistência do objeto. É a tese que venho sustentando, de que só é possível
assegurar eficiência à educação se se compreender que as qualidades adquiridas por meio dela têm repercussões efetivas e, de alguma forma, controláveis na realidade.
O curso médico, por exemplo, sejam quais forem as limitações que a
mediocridade de algumas escolas lhe imponham, é o que está mais próximo, no Brasil, desse tipo de objetividade. Por quê? Em primeiro lugar,
porque a eficácia da formação médica está sob controle cerrado da eficácia – implacável – do próprio exercício profissional; em segundo lugar,
porque as carreiras baseadas em saber mais incisivamente positivo e técnico não admitem o vago em que se possam abrigar a incompetência e o
empirismo; não comportam as derivações diletantes, freqüentes, por exemplo, nas ciências humanas – onde tantos posam ou desempenham papel
de sociólogos, ou de filósofos, ou de economistas, impunemente. O médico tem sua área bem guardada, e os que nela procuram penetrar clandestinamente são punidos como charlatões. Em outras palavras: são poucas
as carreiras no Brasil em que o charlatão é punido; não faltam algumas,
até, em que ele é considerado necessário.
A consciência artesanal de educação e o fenômeno da alienação
Na realidade, esse fenômeno de alienação tem as suas sutilezas. Nossa cultura é ao mesmo tempo autista e alienada: a inteligência brasileira
não se liga ao real – o seu – , mas se alimenta de outro real – o estrangeiro,
na tradução intelectual que absorvemos por mimetismo. Fica, assim, fora
do dinamismo, da fluidez dos fatos, imóvel nos arquétipos em que se
estruturou. Como estes são intemporais, acredita que a realidade é
intemporal. Esta, a meu ver, a razão da imobilidade das idéias jurídicas,
Ensaios sobre Educação e Universidade
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das idéias educacionais, das idéias sociológicas numa sociedade alienada.
O que se registra às vezes com a aparência de mudança é a simples troca
de clichês. Quando a teoria muda na matriz ou nas matrizes culturais, a
cultura satélite muda a chapa, isto é, colhe o flagrante já imobilizado. Bem
se ajusta ao caso a imagem fotográfica aplicada por Bergson ao conceito,
congelamento de um instante da durée. Convém acentuar que só há um
real, o nosso, e até mesmo o mais longínquo terá de ser apropriado para
ser real. (Para a pessoa humana, o real é sempre o pessoal, isto é, o vivido). Usávamos as idéias de outros por ignorar nossa realidade, e a esta
ignorávamos porque queríamos ignorá-la – por desprezo. Continuamos
a ignorá-la, por usar idéias dos outros – e foi nesse círculo vicioso que
nos enredamos em nossas origens culturais. O curioso é que está difícil
mudar o giro da máquina, mesmo quando a maioria já anseia por mudá-lo.
Antes, a alienação tinha um caráter predominantemente ético em dois
sentidos: no da liberdade – resultava de uma decisão consciente, e até
certo ponto livre, de aderir a padrões estrangeiros, embora a forma torrencial com que estes fluíam sobre nós tornasse extremamente precária a
nossa liberdade de escolha; e no sentido mais amplo do ethos: não constituímos um ethos nacional, fascinados pelo de outras nações. Na realidade, o segundo sentido continua o primeiro, já que o ethos resulta de uma
consciência dedicada a assumir-se; e uma consciência só se assume assumindo a realidade que a modela e lhe dá substância.
Atualmente, a alienação é mantida sobretudo por uma razão que chamarei técnica: não sabemos como imprimir outro giro à máquina, como
estabelecer novos modos de funcionamento em que os dentes mordam a
nossa substância nacional, transformando-se em inteligência a nossa práxis.
Todos querem a mudança, mas os processos adotados – já agora de
boa fé, em muitos casos – não levam a esse resultado: a máquina roda no
vazio, tal qual uma moenda sem a matéria para espremer, ou a fiadeira
sem o fio para fiar. O que falta à nossa engrenagem é o dente assentado na
polpa da realidade: é o método da práxis. As estruturas formais da universidade, por exemplo: temos de descobrir o modo pelo qual seu dinamismo
já nasça da própria estrutura, e a transcenda. O problema básico é o funcional, de modo que a forma dessa fronteira não seja um modo de ser estático, nem a função de um mero fluir fora de qualquer molde orgânico.
O Brasil já começa a ganhar a consciência desalienada – mas ainda
não ganhou a metodologia da desalienação. Como só uma filosofia cria
um método, só aqueles que elaboram uma consciência sistemática da realidade brasileira desalienada podem estabelecer essa metodologia. Acontece que os que estão planejando a renovação não pertencem, as mais das
vezes, a tal categoria, daí insistirem nos métodos que equivalem a "rodar
no vazio" – o falso dinamismo que é o mecanicismo. Pois que é isto senão
o método da inércia? Movimento das coisas entregues a si mesmas e a seu
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Durmeval Trigueiro Mendes
próprio impulso sem a interseção do espírito que lhe impõe novos caminhos, às vezes ao arrepio de sua corrida espontânea. A lei formalizadora
das atitudes meramente cartoriais e o próprio recurso sistemático à lei
representam a imposição de modelos que pairam acima do verdadeiro
fluxo das coisas com o seu acontecer.
Referi-me à consciência sistemática para acentuar que não basta a
consciência espontânea. Esta sofre o choque dos fatos, e a sua crispação é
indispensável ao processo político que não pode romper as barreiras do
conservantismo sem que se tenha firmado no povo a consciência da alienação e a decisão de eliminá-la. Mas não é suficiente, insisto, porque esse
reflexo imediato dos fatos contém muito mais deles que de consciência, é
uma projeção apenas de sua realidade brutal, ainda bastante opaca, sem
que se tenha estabelecido entre eles e a consciência o intervalo em que
esta viceja plenamente, como reflexão sistemática, como pensamento que
assume a realidade. Os fatos, somente, não fazem ciência. Lembra Emile
James, por exemplo, que as afirmações de liberalismo econômico eram
claramente desmentidas pelos fatos, desde Ricardo, mas os fatos que as
contrariavam não eram suficientes, por si mesmos, para produzir teoria.
Esta é uma construção intelectual verificada pelos fatos, cuja validade
deles dependa, mas não se resuma à realidade deles e a seu reflexo na
consciência.
O problema mais grave do Brasil, de sua cultura e do seu desenvolvimento, é um problema de metodologia. O método de 1) tirar idéias dos
fatos; 2) fazer chegar novamente essas idéias aos fatos para discipliná-los,
orientá-los e enriquecê-los através de mecanismos apropriados. Em suma:
novos objetivos, novas instrumentalidades e um esquema de articular praticamente os fins e os meios. Veja-se o que ocorre com o planejamento
educacional, em que os fins são da atribuição de determinados órgãos, os
meios, de outros – e não tem havido possibilidade de articulá-los, pois
essa articulação só se tornaria possível no momento em que se compreendesse que o fim cria o meio, que a teoria nasce da práxis e que, só na
medida em que as pessoas que possuem os fins tenham toda a perspectiva
da práxis – isto é, de como os fins se desdobram e se alongam na ordem
prática, como vão se encarnando e se tornando ação com apoio em algumas instrumentalidades bastante precisas – , só nessa medida poder-se-ia
saber concretamente juntar fins e meios. No plano administrativo, por
exemplo, reuni-lo dentro do mesmo organismo, ou em organismos diferentes mas perfeitamente articulados.
A primitiva atitude de nossa cultura desanimava nossos impulsos de
autonomia: não lograríamos ir além de um artesanato tosco, enquanto os
outros, adiante de nós, ofereciam brilhantes artefatos (o brilho é um dos
mais fortes atrativos para a alienação). Essa perspectiva colonial poderia
parecer ultrapassada, mas sobrevive hoje, quando se discute se o Brasil
Ensaios sobre Educação e Universidade
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deve implantar matrizes de conhecimento científico para uma elaboração
autônoma, ou se devemos comprar artefatos de ciência altamente sofisticada dos países industrializados.
Ora, é claro que as idéias são sempre referidas a um contexto real;
como explicavam os escolásticos, na trilha de Aristóteles, elas constituem
o medium quo, a realidade sendo a das coisas que a sua transparência
deixa conhecer. Nós, porém, fazemos das idéias um medium quod, objeto
separado, valendo por si mesmo e podendo desligar-se dos contextos donde brotaram. Sendo que esses contextos não são os nossos, esses juízos a
priori não foram forjados nos moldes de nossa sensibilidade, nem de nossa razão ou entendimento. O que quer dizer que o nosso modo de elaborar
idéias é kantiano sem aquilo que torna importante o modo kantiano: a
elaboração a partir de dentro, um modo interior que subjuga o modo exterior do mundo. Por isso é que associei, no começo desse tópico, o autismo
– consciência desligada do real – à alienação – consciência aderida ao real
que não é nosso. Falso real, primeiro, por uma questão de método, pois,
como vimos, não é apropriado; segundo, por uma questão de conteúdo:
importávamos idéias nascidas de uma experiência que, fora de seu solo,
se esvaziava de realidade. Incorríamos então nesse contraste, de absorvemos os moldes sem o conteúdo experiencial que os valorizava e que
constituía o único elemento capaz de fertilizar uma experiência. Pois só
a experiência enriquece a experiência: nunca as palavras sem ela, ou
dela separadas.
A nova forma de alienação consiste em admitir a autonomia absoluta
da ordem instrumental, desligada de qualquer compromisso com a ordem
cultural e política. Os meios isolados dos fins se afirmariam exclusivamente em virtude de sua tecnicidade, e os especialistas na política dos
meios – espécie de apátridas culturais – poderiam ser utilizados para realizar em qualquer parte a política dos fins. Chega-se por esse caminho a
admitir o que se poderá chamar a tecnicidade formal das idéias, abstraídas de sua matéria. É a outra cilada da alienação.
Através dessa sutil deformação, reduzimos problemas de idéias, de
objetivos, de qualidade, a problemas de tecnicidade. Admite-se a existência de uma teoria pura, e de uma tecnologia pura, em economia, em educação, em ciência política, etc., assim como a existência de uma categoria
de especialistas numa política de meios, desligada de uma política de fins.
Importam-se técnicos de outros países ou de outras regiões do País para
planejar os meios, com o argumento de que dessa forma não interferem
nos fins. Acontece que os meios nascem dos fins, não existindo uma
tecnicidade dos meios que seja autônoma: os técnicos estrangeiros só podem ensinar os meios dos seus fins, que não poderiam servir aos nossos.
Uma prova de que não é possível isolar a política dos meios da política
dos fins, sob o argumento da pura tecnicidade dos meios, está em que os
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Durmeval Trigueiro Mendes
técnicos – nacionais ou estrangeiros – quando não trazem presos
organicamente à estrutura de seu pensamento os fins de sua sociedade e
de sua cultura, aplicam os seus instrumentos ao statu quo do país com o
qual colaboram, sem discuti-lo, o que vale como uma homologação pura e
simples dos fins que esse statu quo já representa. Eles começam imediatamente a trabalhar sobre o estabelecido.
A conclusão desse raciocínio é que a ciência dos meios, com a pretensão de se imunizar na pura racionalidade, ou serve de fator de alienação,
no caso de técnicos estrangeiros, que trazem objetivos de outras sociedades embutidos na sua ferramenta, ou se tornam cúmplices do imobilismo
social, oferecendo armas para a sobrevivência do statu quo.
Um técnico pode ser muito competente para organizar uma escola
primária de cinco, de seis ou sete anos; mas só uma consciência dos fins
pode ligar o problema da escolaridade à realidade nacional; só depois de
saber o homem que se quer formar no Brasil será possível determinar o
número de anos e o tipo de escola que o formará.
A tecnicidade dos meios só é autônoma na máquina; no universo
humano, todas as técnicas são transcendidas pelos fins que elas não esgotam nem controlam de forma absoluta, e toda teoria participa um pouco
da natureza da arte.
Os EUA. constituem um grande povo exatamente porque não acreditaram na eternidade da sociedade; basearam sua educação numa determinada idéia da eficiência, aquela que permite construir a cidade,
artesanalmente, em vez de pressupô-la construída sobre arquétipos importados. O outro tipo de educação se baseia nas técnicas de conservação
e de fruição da sociedade estabelecida. Evidentemente, a consciência
artesanal da educação e da cultura é a única que impede a sua alienação.
Tendências verificadas na expansão do ensino superior brasileiro
a) As duas categorias do saber
O resultado da análise filosófico-sociológica do processo de expansão
do ensino superior brasileiro, como estamos tentando fazê-la, pode ser parcialmente documentado com dados concretos. Tomando por base o ano de
1966, vemos que o custo anual dos alunos das Faculdades de Ciências Econômicas, Direto, Filosofia, Serviço Social e Teologia, em estabelecimentos
particulares, pode ser estimado em NCr$ 300 e, nas federais, em NCr$ 1.320.
Em contraposição a essas faculdades humanísticas – chamemos assim – o
custo das faculdades "científico-tecnológicas", incluindo a Medicina, foi de
NCr$ 4.300. Em cifras globais, um curso do primeiro grupo, com a duração
média de quatro anos, pode ser calculado em aproximadamente NCr$ 2.560;
Ensaios sobre Educação e Universidade
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e um do segundo grupo, em NCr$ 21.500. Sendo de NCr$ 17.500 o aumento
anual da matrícula no ensino superior, poderíamos traduzir por outra forma
essa desproporção entre os dois tipos de cursos: se todos os novos alunos se
encaminhassem para os setores "humanísticos", o aumento de despesa orçaria em NCr$ 11.200.000, contra NCr$ 75.250.000 no setor "científicotecnológico". Em termos percentuais, o investimento no 1º caso seria de
3,5%, e no 2º, de 24%. Evidentemente, os cursos científicos-tecnológicos
requerem equipamentos mais abundantes e onerosos que os outros, mas
não é esta apenas a razão da disparidade, acima indicada, entre as duas
categorias de cursos, senão também que os cursos de natureza humanística
continuam prejudicados pela crença que os libera de qualquer exigência
quanto a equipamento, instalação e regime de trabalho, tudo afinal reduzido à verbiagem. Disso se aproveitam alguns setores do ensino privado, o
que também se pode até certo ponto induzir mediante certos dados estatísticos: "em 1961, sobre um total de 37.894 alunos matriculados em escolas superiores particulares, 27.196 estavam em Faculdades de Ciências
Econômicas, Direito, Filosofia, Serviço Social e Teologia, que, pela sua
própria natureza, têm custos de operação muito baixos".3
Por aí se vê quanto devemos ser cautelosos quanto à expansão do
ensino superior de iniciativa particular, e ao risco de aviltamento do nível
desse ensino, sem a interferência de uma política disciplinadora. E não se
trata só da iniciativa privada; o risco atinge também as iniciativas do Governo e das próprias universidades, atraídas pela viabilidade aparentemente fácil desses cursos. Uma ideologia oitocentista implantada em certas camadas da elite brasileira imagina que cursos dessa ordem – direito,
por exemplo – podem ser criados à vontade, pois delas saem hoje, como
no passado, as elites dirigentes do País. O pressuposto é que as Faculdades
de Direito formam generalistas. Só por um equívoco, por muitos equívocos acumulados, se pode pensar assim. Em primeiro lugar, no atual contexto sociocultural brasileiro, o curso de Direito é cada vez mais estritamente profissional; em segundo lugar, os generalistas não se formam, agora, dentro de uma escola, dever-se-iam formar no seio da universidade (no
caso brasileiro, estamos longe dessa possibilidade), onde os próprios especialistas deveriam trazer abrigado dentro de si o generalista. Essa falsa
perspectiva dos cursos predominantemente culturais ignora a divisão do
trabalho e a estrutura das ocupações em nosso País, onde o curso jurídico
– para insistir no exemplo – ou leva à profissionalização, ou à proletarização.
Mas, pior ainda, é confundir a visão generalista que serve de background
às elites, com a vaga superficialidade com que falsas elites tornam vagos
3
Jacques Torfs. Despesas com a educação no Brasil. Desse trabalho foram extraídos os dados estatísticos do presente item.
98
Durmeval Trigueiro Mendes
todos os assuntos – e vago o próprio País como projeto. O rigor da formação generalista é muito maior que do especialista, pois a cultura geral
transcende a especialização, não por escamoteá-las, mas por incorporálas, no que têm de especial, através do método de "causalidade vertical"
que recompõe no múltiplo, sua unidade profunda.
b) As duas matemáticas da educação
Os planos de cada universidade podem articular-se com os das outras, em contatos sucessivos, criando-se para isso mecanismos eficientes
de negociação multilateral. Não convém esperar um plano agregado federal, senão a longo prazo, pois os esquemas que até agora se tentaram, tendendo a estabelecer uma economia nacional da educação, não expressavam a totalidade nacional, mas uma vontade totalitária elaborada numa
instância central pretendendo substituir todas as outras. Seria ilusão supor que esse artefato viesse a ser incorporado pelas universidades ou pelos Estados como um instrumento de compromisso – inclusive porque
estes nem chegam a conhecer os textos dessa elucubração.
Pessoalmente, sou partidário de um planejamento mais empírico que
comece das universidades, de sua iniciativa em planejar os próprios esforços e em vincular-se, cada qual, com as demais.
Essa econometria da observação representa uma das duas formas de
abordagem matemática das necessidades educacionais – ou, genericamente,
sociais; a outra é a matemática linear, aquela que afirma: de acordo com as
estatísticas, há na Suécia 1,04 médicos para cada mil habitantes; o Brasil,
onde a proporção é de 0,45 para mil, precisamos vencer esse gap para
alcançar o nível ideal. Ou aquela que diz: há necessidade de médicos no
interior da Paraíba, ou do Ceará, e reduz essa necessidade a uma operação
aritmética, que consiste em multiplicar o número de médicos, que são
exatamente os que não vão para o interior. A razão que os impede de ir é
posta de lado; o que se quer, encarniçadamente, é fazer mais médicos, sob
a inspiração da matemática linear. É preciso insistir nesse ponto tão
reiteradamente focalizado neste artigo: o problema de formação de médicos não é o de formar médicos – como se isso fosse um fim em si mesmo –
mas o de oferecer serviço médico – que é parte de uma política social – ,e
o primeiro cuidado teria de recair sobre a implantação de condições que
possibilitassem tal serviço. Não se vê que a estratégia expansionista em
curso há vários anos no País não é uma política social democrática, mas
oligárquica, contemplando ou criando privilegiados?
Constitui uma assombrosa diminuição do problema pensar que ele
se esgota com novos critérios do vestibular e de sua mecânica. Esses
elementos são essenciais na medida em que se incluam numa política
Ensaios sobre Educação e Universidade
99
global. O pedagogismo que se fecha na sua especulação é a forma mais
certeira de destruir a educação, e a sua perspectiva, a mais alienante de
todas as ópticas.
c) Uma nova política dos cursos
1) Em primeiro lugar, importa redefini-los (cabendo esse esforço
igualmente ao CFE) sociológica e economicamente, sem prejuízo, obviamente, dos aspectos culturais. E a avaliação tem de ser
de quantidades-qualidades: quantidades postas em situação, medidas segundo condições locais ou regionais, pressupostos
institucionais e econômicos, e segundo ainda um processo
dialético que deve ser controlado: em que medida, por exemplo,
certa ampliação de recursos humanos numa determinada categoria profissional acarreta mudanças qualitativas, e em que medida
essas mudanças qualitativas afetam as novas previsões quantitativas. Essa análise permitiria refazer certas idéias, respeitadas
como intocáveis, sobre o currículo e sua duração.
2) Em segundo lugar, é necessário introduzir progressivamente nos
cursos "fáceis" os métodos "difíceis"; pois graças a estes é que
vieram a obter o prestígio de que gozam no Brasil cursos como o
de medicina e engenharia, cujos alunos se vêem praticamente
impedidos de acumular seus encargos de estudantes com outros
quaisquer. Mas em ciências econômicas, filosofia, direito, até de
outros, o tempo excessivamente restrito e o método de aula magistral – e os próprios métodos de avaliação, apoiados em instrumentos extremamente precários – retiram a autenticidade dos
estudos. Um novo esquema teria de basear-se na ampliação do
tempo dos alunos, na elevação do nível dos cursos e de sua
tecnicidade, na participação ativa dos alunos – sobretudo com o
uso sistemático dos instrumentos bibliográficos – no acompanhamento efetivo dos professores, como acontece com a tutoria
inglesa ou com o curso médico em quase todo o mundo. Tal orientação reduziria, sem dúvida, o número de alunos, salvo se a
intervenção de uma política, planejada sob a égide do próprio
Governo, ao mesmo tempo tornasse seletivo, do ponto de vista
das aptidões, o ingresso no ensino superior financiado pelo Estado, e assegurasse aos capazes condições de pleno rendimento.
Em qualquer hipótese, a permanência desses cursos na forma
atual carece de sentido para os próprios alunos, e é prejudicial à
100
Durmeval Trigueiro Mendes
sociedade por representar desperdício de tempo e de recursos.
A eficiência – cultural e social (os dois aspectos são cada vez
mais um só) – constitui o único título de legitimidade de qualquer curso.
Impõe-se o reforço dos estudos teóricos e sua mútua integração
– seja num ciclo básico, seja ao longo de todo o curso, pois acredito que os dois modelos são válidos. A revalorização da teoria
nas atuais condições da sociedade industrial tornou a formação
teórica e a educação geral mais importantes que a formação simplesmente técnica – porque a própria educação geral se tornou
técnica com a possibilidade de transcender-se continuamente.
Temos hoje de preparar multiplicadores, e não repetidores – daí
a extrema importância de investir no homem e na sua inexaurível
plasticidade.
A capacidade humana é in-definida, enquanto a técnica fora
do homem constitui um elemento definido, limitado e inerte. O
mesmo acontece quando o homem, aprendendo a técnica, se
assimila a ela, pelo modo dela – puramente repetitivo e inelástico
– em vez de assimilá-la a ele próprio, e a seu modo próprio, que
é o da universalidade.
Na realidade, o geral e o especial, o estudo geral e o estudo
técnico, não mantêm as mesmas fronteiras existentes quando as
categorias da cultura eram classificadas, tanto quanto os grupos
sociais. Não é, aliás, por mera coincidência que a fusão se vai
processando simultaneamente no mundo social e no mundo da
ciência. Outra razão dessa estrutura era a convicção, dentro de
uma sociedade estática, de que o cabedal reunido em determinado tempo poderia servir para todos os tempos posteriores. A
existência do homem no mundo de hoje se constitui de um tempo só, e simultâneo, tornado em processo tudo o que foi aquisição do passado. Portanto, os conhecimentos já não se escalonam
em categorias separadas horizontalmente, mas se confundem
verticalmente ao longo de todo o processo de ascensão do homem na sociedade. Essa a razão pela qual a minha última consideração será sobre a educação permanente, e como deverá ela
alterar a estrutura dos cursos da universidade e sua expansão.
3) Os cursos de cultura geral
Antes, porém, gostaria de dar uma palavra sobre o papel que
a universidade não perdeu – nem pode perder, pois é a única
instituição dotada de condições para exercê-lo – o de ministrar a
Ensaios sobre Educação e Universidade
101
cultura geral. Como a cultura geral não se consubstancia em
matéria nem em currículo específico, mas resulta da combinação dinâmica de muitos fatores dispersos dentro e fora da universidade, o instrumental de que se deve servir terá de ser diferentes dos outros, e muito difícil de ser delineado e manejado.
Trata-se de criar um ambiente, um clima de curiosidade – com
possibilidades de resposta, obviamente (é incrível, por exemplo,
uma universidade sem livros, mas é a regra no Brasil); um ambiente de contato com personalidades criadoras, com instituições,
com os fatos na sua imediatidade. Como já tive oportunidade de
declarar, um departamento de cultura na universidade significa
a institucionalização dos corredores, onde se costuma dizer que
reside a forma mais intensa do convívio universitário. É uma
consciência em dois níveis: o da superfície, rente aos fatos, e o
de fundo, ao qual a primeira se liga imediatamente para uma
elaboração ao mesmo tempo sobre o imediato, e embebida de
todas as profundidades de análise intelectual, no estilo mais ricamente intelectual. Um órgão de cultura na universidade tem
de destinar-se a alimentar e complementar seus cursos através
de métodos bem mais fluentes que os permitidos pela estrutura
curricular convencional. É um trabalho de complementação e
animação: não tem limites definidos, para poder conquistar todas as áreas; e não para ganhar na indefinição o direito de não
fazer nada de preciso e substancial. Trata-se de escolher pessoas
de fora a fim de participarem das atividades de dentro, e de levar
o que está dentro para fora dos muros, conforme a expressão dos
ingleses ao instituírem a extensão cultural. Esse movimento de
vaivém – o melhor da universidade para a sociedade, e o melhor
da sociedade para a universidade – caracteriza o dinamismo desse
órgão. Sua atuação tem algo ao mesmo tempo de jornalismo e da
cátedra, usa preferentemente os meios livres, os contatos, as visitas e as técnicas mais informais de comunicação. Funciona como
elemento articulador das diversas áreas do saber. Por mais que
uma estrutura formal contenha em si mesma eficácia integrativa –
como a de Brasília, que introduziu no próprio currículo mecanismos de integração entre as diversas áreas do saber – a estrutura
formal não poderá deixar de ser até certo ponto uma estrutura em
repouso: em cada momento, cada parte dela está fixada no seu
objetivo: é preciso que uma instância as transcenda para dinamizálas e articulá-las. Em suma, ele é corredor, jornal, vibração exterior, profundidade interior, superfície crispada, sedimentação –
um ser de fora e um ser de dentro da universidade, a sua face
intemporal e a sua combustão.
102
Durmeval Trigueiro Mendes
Essa idéia de uma totalidade dinâmica, que se forma em uma
universidade pela convergência de todas as partes, nos leva ao
quarto ponto desta reflexão sobre a política dos cursos e de sua
expansão: o que se refere à educação permanente.
4) A educação como um fluxo
Antigamente havia só uma educação, a das elites, realizada
em período marcado que correspondia às etapas iniciais da vida;
hoje há duas educações: a escolar, para as elites, mas invadida,
crescentemente, pelas camadas populares; e a popular, fora da
escola, e por isso mesmo dirigida predominantemente para os
adultos, por serem estes capazes de alcançar certo grau de educação fora do contexto disciplinador da escola.
Duas das características, portanto, da antiga concepção, vem
sendo superadas: o sentido elitista e a esmagadora predominância do puramente escolar na educação; a terceira característica,
porém, resiste mais tenazmente: a que consiste em situar a educação, no seu sentido rigoroso, numa determinada época da vida.
O futuro provavelmente voltará a ter uma só educação:
unificada para todas as classes sociais, impulsionada por uma
variedade de técnicas e processos – entre os quais o modelo escolar convencional será apenas uma das possibilidades – transcendente de todo limite cronológico, como um processo de atualização permanente do ponto de vista cultural e profissional.
Considerando a questão por outro ângulo, poderíamos dizer
que no passado a sociedade estática se reproduziria em cada
geração, de maneira a justificar as características, já assinaladas, da antiga educação. Cada geração podia prover-se – a si
própria e à sociedade sob sua liderança – com o pecúlio trazido
da escola, que permanecia eficaz a vida inteira. Cada geração
poderia esperar, em suma, que se completasse na escola a formação da que deveria substituí-la. Atualmente, tem a sociedade de banhar-se numa cultura incessantemente renovada – como
um rio de Heráclito – cuja riqueza e dinamismo transcendesse
os processos clássicos de escolaridade.
Ensaios sobre Educação e Universidade
103
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
4
Governo da Universidade*
Introdução
O problema do governo da universidade é o problema
do poder no mais original dos regimes políticos. Tão original quanto a instituição deve ser o poder que dela emerge;
exercê-lo corretamente pressupõe fidelidade à sua índole.
A universidade não é uma monarquia, nem uma oligarquia, nem um regime dual – de senhores e servos. Muito
menos seria um regime em que o poder se exercesse como
uma aventura gratuita ou dionisíaca. Não é a República de
Platão, nem aquela "democracia filosófica" de que falava
Newmann, referindo-se aos atenienses, no seu livro sobre a
"origem e progresso da universidade". Nem tecnocracia, nem
cesarismo.
Um pouco de quase tudo isso, a tudo isso transcende
por força de sua radical ambigüidade.
O seu governo não pode pertencer apenas a uma geração, porque ela institucionaliza um diálogo entre diferentes
*
Publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 47, n. 105, p.68-90, jan./mar. 1967.
Ensaios sobre Educação e Universidade
105
gerações, representativas de realidades culturais e sociológicas distintas.
Nesse diálogo se defrontam, como contribuições válidas de cada lado, o
acabado e o inacabado, o maduro e o imaturo, o ser e o vir-a-ser.
Ela representa os interesses da sociedade, participa da política do
Estado – no sentido de que é parte da pólis – mas não é governada pelo
Estado, nem em seu nome. É a única instituição que se insere no Estado e
o transcende.
Ela exprime uma civilização nacional, mas não pode deixar de ser
transnacional; serve a um lugar, a uma região, mas não pode ser nem local
nem regional. Nem pode, tampouco, ser governada pelas idéias de um
partido ou de um grupo, ou de uma preferência intelectual – de humanistas,
cientificistas ou de tecnólogos – nem por opções ideológicas, pois que
todas devem encontrar-se dentro dela, o mais possível desideologicizadas
e reduzidas a um nível de racionalidade, que é o seu método.
1. O pluralismo do poder
A autonomia inerente ao governo da universidade, e cujo sujeito é a
própria instituição, estende-se a todos os níveis da gestão universitária,
não constituindo monopólio de nenhum deles, ainda dos que se encontram na cúpula. Cada instância goza de autonomia relativa, no sentido
do autogoverno: as faculdades, os institutos, os departamentos. A subordinação de cada um à instância superior não o vincula ao arbítrio dos
dirigentes desta, mas a uma vontade comum, expressa numa política a
que todos se subordinam, inclusive os órgãos mais altos do poder universitário. Por outros termos, a fonte do poder na universidade é a vontade comum, expressa numa estrutura que exclui qualquer forma
monárquica, ou oligárquica, de autoridade. Isto significa, concretamente, primeiro, a participação de todos os grupos representativos da comunidade universitária nos vários escalões do governo; segundo, que a
vinculação hierárquica entre tais escalões não decorre do arbítrio dos
que estão por cima, mas de uma liderança inspirada na fidelidade a ditames formulados, conjuntamente, por toda a comunidade universitária;
terceiro, a organização do poder, assim definida, pressupõe novos instrumentos disciplinadores da ação da universidade. Tal estrutura parece-nos a única a corresponder ao sentido real e profundo da autonomia,
e a atalhar ou corrigir a tendência ao cesarismo, que é de todo poder, e
que converte a autonomia em autocracia.
O que põe a universidade acima das limitações do arbítrio e de qualquer particularismo é aquilo mesmo que, como assinalei de início, constitui a sua originalidade como instituição do espírito. Lembra Georges
Gusdorf que "Le droit que l´Université fait reconnaître en elle, et consacre
106
Durmeval Trigueiro Mendes
son institution, c'est le droit souverain de l'Esprit"1 Por que é a instituição
universitária, tomada globalmente, e nenhuma Autoridade, ou Casta, ou
Idéia, dentro dela, o sujeito do poder? Porque a autonomia é a do espírito,
em sua totalidade concreta e dinâmica, manifesta na plenitude de cada
momento histórico. Nenhum particularismo teria capacidade de expressála. E mesmo o Estado – pela sua inevitável parcela de pragmatismo arbitrário – não pode superpor-se à universidade; de certa forma até, como
reino da razão, a universidade se separa virtualmente do Estado por uma
tensão dialética, que é parte daquela outra, armada entre os dois pólos que
dividem a sociedade: a racionalidade e a irracionalidade.
De certa forma, a sociedade se defende de si mesma, quando assegura
autonomia a uma instituição que a integra, o que constitui o fundamento
de sua ambigüidade. Através da universidade, a sua transcendência defende-se de sua contingência, a sua verdade de sua institucionalidade.
Essa consideração é suficiente para justificar em que grau e por que razões
a universidade é intocável; o que vale dizer que deixará de sê-lo, quando
nela se corromper esse caráter de reino da razão.
Por ser a razão que governa a universidade, a sua lei é a autonomia
intelectual: na estrutura do poder e na estrutura didática. Por isso mesmo,
se o autogoverno é o apanágio da democracia, nenhuma comunidade se
aproxima tanto desse ideal quanto a universidade.
A organização do poder em instâncias acadêmicas, o método da controvérsia e uma didática universitária baseada no poder de criação e de
elaboração do estudante representam, a nosso ver, três corolários inevitáveis dos postulados acima referidos. Dos dois últimos, trataremos na parte referente ao governo da universidade diante do problema do pluralismo
cultural e ideológico no mundo atual; destacaremos agora o problema das
instâncias acadêmicas, indicando, a título de sugestão, as suas características essenciais. Seriam órgãos destinados:
1) a interpretar os interesses das unidades de ensino e pesquisa, a fim
de subtraí-los ao empirismo arbitrário;
2) a impulsionar, como instrumento de análise e prospecção dos problemas sociais e educacionais interligados, o esforço de mudança
da universidade, incorporando a esta, institucionalmente, o processo de sua auto-reforma.
Acredito que o primeiro passo para a criação dessas instâncias já foi
dado pelo Parecer nº 442/66, referente à organização das universidades
1
Gusdorf, Georges. L´Université en question. Paris: Payot, 1964, p. 19.
Ensaios sobre Educação e Universidade
107
federais, elaborado por este Conselho.Os itens acima discriminados exigem alguns esclarecimentos. Quanto à participação dos membros da comunidade universitária nas instâncias de governo, a Lei de Diretrizes e
Bases fixou princípios gerais no que se refere aos estudantes; em relação
aos professores, os estatutos e regimentos vêm tentando encontrar a fórmula mais pertinente no sentido de contemplar, além dos catedráticos,
outras categorias de docentes, com responsabilidades efetivas no quadro
das atividades acadêmicas. Em ambos os casos, acredito que o exato entendimento do significado dessa participação e dos processos que a tornam real dentro dos fins da universidade – excluída toda conotação
distorsiva dos seus objetivos – está apenas no início. Quanto às instâncias
acadêmicas, podemos registrar o início de sua implantação em algumas
universidades como as do Ceará e da Bahia.
Em relação ao item 2, como fixar o ordenamento das instâncias
escalonadas, nos termos indicados neste trabalho? Simplesmente, referindo-o a uma vontade que não seja a de determinados titulares, mas sim
a da instituição. Essa vontade é tão importante no momento em que se
elabora, quanto naquele em que se executa. Quais são os seus instrumentos? De um modo geral, o estatuto e os regimentos; acredito que se torne
imprescindível acrescentar-lhes o Plano, compreendido como a racionalização da vontade comum, isto é, como um instrumento politicamente correto e tecnicamente eficaz. Na elaboração do Plano, conviria que interviessem todas as escolas, institutos, departamentos etc., cabendo aos órgãos
diretivos coordenar as contribuições e reivindicações segundo as prioridades que se projetam, seja a partir do dinamismo interno da própria universidade, seja do progresso global de desenvolvimento do país ou da região – traduzido no Plano integrado do governo – seja do progresso da
ciência, da tecnologia e da cultura. A referência ao dinamismo interno da
universidade quer significar que o aquinhoamento dos seus diversos setores deve corresponder à respectiva eficiência e padrão, eliminada a idéia
do privilégio, ou os interesses de hegemonia por parte de pessoas ou grupos, escolas ou institutos, etc.
2. Pessoalidade e impessoalidade da liderança
As prioridades que se impõem à universidade e ao equilíbrio de suas
numerosas forças diferenciadas e, às vezes, contrastantes, não se estabelecem por um processo automático, no qual a função do reitor e a de outras autoridades venha reduzir-se à simples execução de vontades estranhas à sua: da própria universidade, da comunidade social ou do governo.
Seria ele um simples caretaker, para usar uma expressão de Kerr, ao definir uma das faces do presidente da universidade americana.
108
Durmeval Trigueiro Mendes
Não, o reitor exerce uma liderança e isso lhe confere, não só o direito,
como o dever de conduzir a universidade segundo uma visão pessoal dos
seus problemas, dos seus desafios e das suas prerrogativas. Nada pode
substituir essa visão. Apenas cabe ressaltar que ela é pessoal, enquanto,
fluindo embora de várias fontes, é plenamente assumida pelo reitor; segundo, porque ela representa um esforço de síntese para a qual a sua posição se torna privilegiada; terceiro, porque o equilíbrio que o governo
universitário expressa e sustenta, não sendo estático, mas dinâmico, acompanha o fluxo da sociedade, da ciência e da cultura, e cabe ao reitor ser o
líder, tanto do equilíbrio quanto da mudança através da qual se introduz o
elemento novo, desencadeador de novas predominâncias de sua política.
A liderança, no caso, se realiza ao modo de uma intersecção. O conceito
de intersecção vale para definir essa inserção pela ruptura, essa combinação de continuidade e descontinuidade, em que esta se reconquista permanentemente daquela, mas termina por impor-se novamente à continuidade. Como toda sociedade, a universidade é uma ordem que só se mantém se não se fecha sobre si mesma e não se cristaliza; se se desarticula
agora é para triunfar depois da incidência polêmica que passa a figurar
como a antítese, não eliminada, mas incorporada.
A liderança dos dirigentes universitários combina a pessoalidade e a
impessoalidade – a primeira, como poder criador, capacidade de iniciativa e de antecipação; a segunda, como despojamento e objetividade. Uma
capacidade de associar o engajamento e o desinteresse, a expectação
orteguiana e o descortino, o incidente e o transcendente, o particular e o
universal, a refração e a luz irrefratada. Há que trabalhar sobre o presente
e o futuro, tanto quanto sobre a rotina e a mudança. Para isso se faz necessário que os líderes sejam, ao mesmo tempo, semelhantes e dessemelhantes
em relação à instituição que lideram. Por serem semelhantes, reconhecem
a validade de suas intenções e opções e com elas fazem causa comum;
mas devem ganhar sobre elas a distância a que dá direito a visão prospectiva
e a conquista de horizontes encobertos pelo cotidiano.
Assim é que o reitor se ocupa e se preocupa, segundo a conhecida
distinção de Ortega y Gasset. No primeiro caso, a pessoa coincide tanto
com o seu trabalho que não pode distanciar-se dele como o sujeito do
objeto de sua análise; no segundo, ela pode interpor, entre si e o seu trabalho, o tempo da reflexão que lhe permite julgá-lo e orientá-lo. A boa filosofia da administração distingue os níveis de responsabilidade segundo esse
critério, que deixa, progressivamente, aos mais altos a possibilidade de
dessolidarizar-se da contingência imediata: no intervalo, inserem-se a crítica e a prospecção, condições do dinamismo auto-reformador e da ação
colocada no futuro, ou seja: o projeto, o movimento, a política. Tornar-seiam imperiosas, sob esse ângulo, a reconceituação e a reestruturação do
cargo de reitor e de outras funções administrativas da universidade.
Ensaios sobre Educação e Universidade
109
Dos instrumentos disciplinadores da ação universitária, destacarei o
plano e o orçamento – sendo que, sob certos aspectos, o segundo é parte
do primeiro. Acredito que, nas universidades, se deveria criar um órgão
de planejamento destinado a três objetivos fundamentais:
a) a pesquisa sistemática do meio, visando articular os seus problemas com os programas de trabalho da universidade;
b) o entrosamento entre as atividades-meio e as atividades-fim;
c) a integração de todos os planos setoriais no plano global da universidade e no respectivo orçamento, como tradução coerente de sua
política.
3. Novo estilo de liderança
Desenha-se, ao longo dessas notas distintivas, um novo perfil do reitor, como expressão de uma nova universidade. Nos períodos de inovação, segundo o registro de Kerr,2 os presidentes das universidades americanas apareciam num recorte de giants. Modernamente, a administração
da Universidade segue, segundo o mesmo autor, o modelo britânico do
"government by consent and after consultation". Formalizam-se o menos
possível as decisões, a fim de que estas possam alimentar-se em diversas
"fontes de iniciativa e de poder". Institui-se um regime baseado numa "kind
of lawlessness", segundo a expressão de Caplow, citada por Kerr. Sobre
esse acordo implícito das partes, paira, discretamente, a ação do presidente, até que qualquer ameaça ao equilíbrio do poder reclame a sua intervenção mediadora.
O papel conciliador que devem exercer dirigentes e líderes da universidade sobre a multiplicidade dispersiva e, às vezes, conflitante dos interesses em jogo dentro da universidade, justifica-se nas situações de relativa estabilidade, ou maturidade, em que o equilíbrio se estabelece quase
por si mesmo, uma vez que a sociedade já teve tempo de fazer desabrochar todas as forças – umas contrabalançando as outras – e cada uma
delas, o de expressar-se até a sua plena configuração. O reitor, no caso, é
um fiador do equilíbrio, valendo as suas intervenções mais incisivas simplesmente para estabelecê-lo nos momentos de crise. Nessa situação, prepondera o estilo burocrático e conciliatório.
Não é o caso das universidades dos jovens países, ou de países em
mudança. Enquanto o crescimento, como têm acentuado sociólogos e
2
Kerr, Clark. The uses of the University. Cambridge: Harward University Press, 1964, p. 293.
110
Durmeval Trigueiro Mendes
economistas, apenas dilata as estruturas sem transformá-las, o desenvolvimento representa um fenômeno essencialmente qualitativo. A partir daí,
arma-se, nesses países, uma situação bastante paradoxal: a criatividade
das atividades das universidades, nos períodos de mudança, deve exercer-se com o máximo de vigor, consolidando a sua autonomia, e o Estado,
pelas mesmas razões, tem de assumir uma enérgica posição de liderança,
na qual se inclui o planejamento como instrumento e expressão de uma
política de eficácia, de efeitos multiplicadores e aceleradores, não só na
economia como em todos os setores da totalidade social.
4. As duas faces da síntese
Dentro dessa perspectiva – da universidade voltada para fora, ou seja,
nos seus compromissos com a realidade social e nacional – o grande problema do governo da universidade é o da conciliação entre a autonomia e
a heteronomia, entre a sua vontade e a do Estado. Por definição, é o Estado
o órgão mais abrangente e, ao mesmo tempo, mais específico da vontade
comum, mas esta se expressa também por outras fontes que devem ser
captadas. Faz parte da "multidiversidade" ser uma tradução desse
macrocosmo. Como fazê-lo?
Simplificando os termos do problema, poderíamos dizer que, na sociedade brasileira moderna, as relações entre a universidade e o Estado se
revestem de uma extrema importância, com o confronto do que deveriam
ser as duas expressões da síntese nacional: porque são os dois "universos"
que a representam de maneira mais global e mais ordenada; um, como
estrutura de poder; e outro, como estrutura de saber. Um deve constituir a
expressão suprema da Nação, como lembrava Deloz (La Nation se
personnalise s' étatisant), e o outro, a suprema expressão da cultura, como
a consciência que a Nação forma de si mesma e do seu projeto.
Ora, essa análise nos leva mais longe no conceito de autonomia: a
universidade se inclui no plano nacional, mas é, ao mesmo tempo, uma
instância crítica do próprio plano, além de dever contribuir para sua elaboração e avaliação, na medida em que vier a interpretar, validamente, a
realidade brasileira como órgão supremo do nosso humanismo e do desenvolvimento nacional. Levando-se em conta o caráter global do desenvolvimento – traduzido por um escritor francês, André Philip, como a
elevação de "todo o homem em todo homem" – não seria compreensível, a
não ser por abuso do poder, ou por deficiência do saber, que a universidade não fosse amplamente participante no plano, ou , ao invés, fosse acuada
por ele. Em termos teóricos, esse conflito seria, no fundo, entre o esforço
de racionalização que o plano representa e o projeto nacional formulado
pela fração mais qualificada de sua inteligentsia.
Ensaios sobre Educação e Universidade
111
A inferioridade em que está colocada a universidade em vários países
do mundo com relação ao dinamismo do Estado, que o plano traduz, devese ao caráter conservador das universidades e à imobilização do saber
acadêmico, desarticulado da práxis nacional. A inteligência universitária
brasileira ainda não assumiu plenamente a realidade do País. Como instância crítica, a universidade terá de procurar, no plano, a sua identificação com a vontade comum. A multivisão – correlata da multidiversidade –
e os instrumentos de análise de que dispõe, concorrerão para que o plano
não venha consagrar opções e prioridades que traduzam a óptica de um
grupo, ou de uma classe, ou de uma região em detrimento das outras, ou
se baseiem em critérios distorcidos pelos excessos da tendência burocrática ou tecnocrática.
Esse, a meu ver, o quadro de responsabilidade dos dirigentes e líderes
da universidade brasileira. Essa a razão pela qual o citado Clark Kerr, após
considerar encerrado o ciclo do hero figure, em que se encarnara o presidente da universidade americana – hoje convertido num hábil negociador e
coordenador – declarava que "os gigantes, hoje, quando são encontrados,
são mais fáceis de existir em umas poucas das velhas universidades latinoamericanas em vias de modernização, ou nas novas universidades britânicas em meio a uma intensa discussão a respeito de política educacional".
5. Os caminhos da reforma
Desejo, de saída, salientar dois aspectos essenciais do problema de
reforma:
1) Acredito que a autonomia da universidade se baseia na unidade da
instituição, e não na unicidade do governo, expressa pela vontade
monárquica do reitor, ou oligárquica, do Conselho Universitário,
tomados esses termos na sua acepção técnica, e não pejorativa.
2) Longe de refletir passivamente o pluralismo das concorrentes e
dos grupos, o reitor exercerá a visão global e impulsionará a mudança da universidade. Insinua-se aqui a pergunta: que é que impede a mudança da universidade brasileira?
A mudança imposta pelos tempos novos é entravada pelos velhos
tempos. Acontece que o tempo, passando de velho a novo, não renova as
instituições se não mudam os termos em que se elabora a sua experiência. Toda experiência começa num ato de inserção viva no real, e não do
muito deslizar sobre ele, sem chegar a mordê-lo. Ora, a universidade
brasileira, em que pese os incontestáveis avanços de várias dentre elas,
esbarra exatamente nessa persistência residual de atitudes contrárias ao
112
Durmeval Trigueiro Mendes
espírito universitário. O processo de mudança da universidade está submetido aos mesmos impasses, ou dificuldades, de outras instituições. E
só na medida em que ela se transformar de sociedade fechada em sociedade aberta, para usar a útil distinção bergsoniana, ser-lhe-á assegurada
a possibilidade de renovação. Pode considerar-se aberta a instituição que
se vincula realmente aos objetivos que a transcendem e a que se serve; e
fechada, a que se absorve nos ritualismos destinados a defender os privilégios dos que a integram. Feita na medida das perspectivas dos que a
controlam, a instituição só encontra duas alternativas para mudar: mudando tais perspectivas – processo auto-regulador – ou por uma crise
que a sacuda, de fora para dentro.
Em termos esquemáticos, parece-nos que se apresentam dois caminhos de reforma universitária, do ponto de vista de sua fontes de propulsão: uma nova inteligência da universidade, uma nova sensibilidade para
os valores emergentes da sociedade moderna; ou a crise muitas vezes
manifestada sob a forma da revolta.
6. A nova visão: a perspectiva de totalidade e de dinamismo
A universidade é multidiversidade porque tem muitas vertentes - inclusive no sentido de muitos saberes e de diferentes gerações. A cada geração as coisas sabem desiguais, mas nas sociedades unidas, com um mínimo
de unidade que permita a sua identificação, ocorre o fenômeno que Julian
Marías chamou, a respeito dos Estados Unidos, de o consabido. Nas sociedades partidas, os "saberes" (na acepção mais remota que coincide com sabores) se diversificam ampla e, às vezes, disparatadamente. O saber literário e o tecnológico, o humanístico e o profissional, o do passado e o do
futuro. O pluralismo da multidiversidade não decorre só das diversidades
simultâneas, quanto das diferentes perspectivas temporais. Sobre ele deve
construir-se uma nova unidade, fecho da universidade – vocação hoje, como
nas suas origens medievais, da instituição universitária. Só que são diferentes as duas unidades: uma, já estruturada, e outra, existindo tensionalmente,
isto é, emergindo constantemente da contradição.
Todo processo cultural é um processo de conversão, no sentido
socrático do conceito. Se entre as novas e as velhas gerações, entre as
diversas famílias culturais, os técnicos, os humanistas, os cientistas, os
sábios e os políticos não se articula um processo de conversão, que resta
da universidade como tal? Que resta para a apropriação, que é o método
indispensável da comunicação cultural, assegurando entre os desiguais,
não a indesejável uniformidade, mas o mínimo de homogeneização para o
entendimento, de tolerância para o convívio e de unidade para a sobrevivência da civilização?
Ensaios sobre Educação e Universidade
113
Entendemos que tal problema, no âmbito da universidade, ou não
tem sido colocado, ou não tem sido aprofundado e, no entanto, ele envolve a própria justificação da instituição. Defendemos aqui, como solução, a
redução do pluralismo, em termos dialéticos, a uma unidade que não elimina os termos conflitantes, mas os incorpora ao longo de um constante
processo purificador ao nível da racionalidade. A tolerância intelectual, o
tempo e o método redutor, que evita a eiva da má consciência ideológica,
são os fatores de uma universidade do pluralismo, nos tempos da controvérsia, dos cortes culturais, como são os nossos tempos. Seria ela a versão
moderna da conversão.
O administrador da universidade, junto com todos os que partilham
com ele a liderança da instituição, faz a ponte para a apropriação. Ele
arma o dispositivo para o diálogo redutor. Nisso se consubstancia o seu
papel mais tipicamente pioneiro. Ele é o pioneiro, trazendo para o
microcosmo universitário o macrocosmo social, e antecipando, dentro
desse microcosmo, o macrocosmo do futuro. É pioneiro, porque a sua
visão é a que refresca a velha cultura e impede a nova de pretender começar da negação absoluta do passado. O reitor na universidade é o controlador
de seus ritmos, o artífice de suas fidelidades: ao passado e ao futuro. O
mesmo se pode dizer dos diretores e de todos os que partilham da direção
da universidade e das escolas.
Essa nova visão, feita, ao mesmo tempo, de austeridade e de leveza,
impõe-se aos educadores brasileiros, tanto quanto aos administradores do
ensino, para não sermos obrigados a ceder, a cada passo, à onda novidadesca
e palavrosa ao "dernier cri" em matéria de universidade. Numa época de
integração cultural, como adiante assinalaremos, ainda vemos se endureceram as antíteses: dos "técnicos" contra os "bacharéis", dos "modernos"
contra os "acadêmicos", da "universidade técnica", ou "do trabalho", contra o studium generale.
Igualmente desastroso será para o administrador a suposição prévia
de que os jogos estão feitos, e nada mais lhe resta que seguir uma legalidade imanente às coisas e aos acontecimentos, completada sem a sua intervenção. A crença mágica no instituído, que leva sempre a dizer, a pensar e
a fazer as mesmas coisas: as que se recebem por herança ou por mimetismo.
Cabe-nos resistir igualmente à tentação do nominalismo, isto é, ser
leal à coisa sob o nome, sem nos contentarmos com o nome a despeito da
coisa. Há nomes que governam, por espaços, a opinião universitária: departamento, supressão da cátedra, pesquisa, tempo integral, institutos centrais, tecnologia, educação para o desenvolvimento etc., etc. Tudo isso tem
sido um fluxo verbal que não chega, na maioria das vezes, a enraizar-se na
realidade e a banhar-se nas suas implicações. Falta a inquietação pela
crespa e fugidia realidade que apenas se agasalha sob a nitidez confortável dos rótulos. Paira, nos corredores do Ministério e das universidades,
114
Durmeval Trigueiro Mendes
uma "poeira" de idéias que vai pousando sobre os transeuntes, e produzindo antes o contágio que a fertilização. É essa a razão pela qual, sob o dinamismo aparente das reformas, persiste um cerne oculto de imobilidade.
A primeira das nossas responsabilidades como educadores é a de questionar e reavaliar. O nosso sistema de ensino superior foi "plantado de galho",
para usar a imagem de Nabuco, e continuaram a ser plantadas de galho
muitas das fórmulas reformadoras.
A universidade não é uma lei, é uma práxis. Só a experiência, entregue ao seu dinamismo e confiante em si mesma, poderia produzir a
performance da universidade brasileira. Por isso mesmo, a reforma universitária, no que concerne aos fatores voluntários de liderança, inclui-se
muito mais na órbita da administração que da legislação.
7. A prioridade do professor
A arquitetura legal é uma das condições da reforma, mas não a mais
importante: o nosso vezo consiste exatamente em abusar das facilidades
arquitetônicas, à base de modelos reproduzidos mecanicamente, mediante decisões mais ou menos cartoriais – nem sempre seguidos na prática.
Pela estrutura formal é que as universidades brasileiras tendem a assemelhar-se umas às outras, chegando algumas vezes até à identificação; pelas
condições reais de eficiência é que elas se diferenciam, a tal ponto que os
mesmos nomes recobram, não raro, realidades inteiramente diversas. A
conformação dos órgãos universitários é uma condição, ora imperativa de
abusos, ora permissiva de bons usos. Mas condição, e não fonte. A fonte é
o real.
A dinamização da universidade só pode advir do contato com os verdadeiros problemas em função dos quais ela existe. Que é que pode, originariamente, suscitar os problemas reais da universidade? A quem cabe
propô-los? De um lado, a fonte é a realidade social, e de outro, o conjunto
de fatores e inspirações que devem representar a função criadora,
indagadora, no plano científico-cultural: os pesquisadores, os professores
e os alunos.
Por isso mesmo, a reforma universitária se reduz a três objetivos fundamentais: a criação de um novo tipo de professor e de aluno, uma nova
atitude em face da realidade social e um novo método de trabalho.
Em relação aos professores, a mediocridade introduzida na universidade, quando é o caso, luta pela preservação dos bisonhos padrões que
servem de garantia à sua comodidade. Não pode haver nenhum idealismo reformador nascido dessa ambigüidade que, não raro, se instalou em
nosso ensino superior. Só os que possuem a idéia são capazes de alargála em idealismo, e por isso não pode haver, na universidade, idealismo
Ensaios sobre Educação e Universidade
115
sem competência. A universidade, como qualquer outra instituição, é
uma exigência dinamizada pela consciência dos fins a que a instituição
se destina.
A grande batalha se concentra, sem dúvida, na criação de um novo
professor. Daí a importância dos cursos de pós-graduação – de mestrado e
doutorado – e não deve ter sido mera coincidência a junção dos dois temas neste seminário.3
Quanto à nova sensibilidade, impõe-se a renovação do sistema de
crenças, no sentido que emprestam a essa palavra os sociólogos da cultura:
de adesão vital aos valores. Nisso se constitui imprescindível, a nosso ver,
a adequada incorporação dos jovens – professores e alunos – à práxis universitária. Não se trata de incluir os alunos no contexto universitário
com uma função puramente aquisitiva; o encontro deles com os professores e mestres é o encontro de duas correntes de águas diferentes que vão
formar o mesmo rio, cada um com um conteúdo próprio, em uns se exprimindo sobretudo como uma potencialidade antecipadora e em outros,
como uma potencialidade formadora. Os dois papéis cruzam-se, cabendo
à universidade fixar métodos apropriados de reduzir a conteúdos válidos
a contribuição dos jovens – professores e alunos – do mesmo modo que
lhe cabe reduzir, fenomenologicamente, as diferenças ideológicas. A condição generacional é condição de visão, ao lado de outras como a doutrinária e a ideológica. Na antigüidade romana, Cícero traduziu a palavra
grega paidéia por humanitas, como lembra Marrou; 4 como parte essencial
de uma nova humanitas, as novas gerações, sobretudo no mundo dividido,
constituem parte substancial da cultura.
8. O diálogo universitário e seus fundamentos filosóficos
Nos países jovens, particularmente, a internalização dos novos valores supõe mecanismos psicológicos e culturais extremamente complexos
– de modo a tornar pouco provável que as antigas gerações possam conduzir sozinhas a mudança sem o concurso das gerações emergentes; não por
condescendência, mas por consciência.
A universidade precisa vencer a dupla defasagem com que, em toda parte do mundo, ela está se defrontando: uma, temporal, que perturba as relações entre as gerações, identificando uma delas com uma função doadora
3
O autor pronunciou neste "Seminário sobre o Ensino Universitário", promovido pelo Conselho Federal de Educação (3
a 5 de nov. 1966), conferência sobre o tema "O governo da Universidade", publicado na Revista Documenta, n. 64, p. 74-98,
dez. 1966 e reeditado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 47, n. 105, p. 68-90, jan./mar. 1967.
4
Marrou, Henri. Histoire de l'Education dans l'Antiquité. Paris:Ed. du Seuil, [s. d], p. 144.
116
Durmeval Trigueiro Mendes
exclusiva, outra, com uma função exclusivamente receptora; e uma outra,
social, entre a experiência de dentro e de fora da universidade. A idéia tradicional de docência – e discência – , como a que foi acima traduzida, baseavase num legado nitidamente recortado e transmitido no interior de um tempo
relativamente homogêneo, de uma geração a outra.
Finalmente, a solução da revolta, que é perigosa e infecunda. O corte
que separa o mundo atual em dois é tão profundo que a geração que ele está
originando, poderá construir apenas a negação, isto é, exercer a sua vitalidade dionisiacamente sobre o gratuito, não da poesia, mas da revolta. Valores biológicos, energia e instintos criadores erguem-se sobre a sua própria
força, e não sobre a realidade que eles contestam. Elaboram, a partir daí,
uma espécie de surrealismo, sob o impulso de uma fantasia sem seu compromisso senão com a vida, em luta com uma espécie de néant sartreano.
Essa forma de fantasia primitiva, biológica, que descompromete uma parcela das novas gerações da tradição da cultura, dificilmente poderá projetar o
humano sobre essa desesperada disponibilidade.
Do outro lado, o corte exporia a geração dos valores estabelecidos ao
logro das falsas vigências. A ilusão dos valores que sucumbiram com os
seus suportes culturais e históricos.Os esquemas ideológicos são facilmente desligáveis dos fatos e susceptíveis de ganhar autonomia – passando a viver de seu dinamismo próprio, diferente do deles e durando, às
vezes, quando eles já desapareceram. À medida que se formalizam, as
instituições tornam-se mais ideológicas que representativas da realidade,
mais sujeitas ao a priori que ao devenir. O aparelho instituído à base de
determinada idéia da sociedade termina por fechar-se na idéia e desligarse de sua fonte. Às vezes, verifica-se a tendência nas cúpulas para subordinar a instituição aos esquemas formais, mais aptos e aprisionar o fluxo
institucional na visão imóvel que elas formulam e que, no fundo, constitui a tendência de abrigar o poder sob a égide do permanente. Produz-se,
dessa forma, a tensão dialética entre a realidade e a institucionalidade, o
fato e a lei, o Estado e a comunidade social, a abstração e a coisa. É certo
que as idéias que ressumam de uma experiência histórica, por força dessa
emanação, possam, a longo curso, substituir os padrões reais, instalandose o divórcio entre estes e as instituições. Como também é certo que o
aparelho do poder é dotado pela sociedade de imensos poderes, destinados a preservar os valores que dela, em certo momento, emanavam. Daí a
contingência irônica de a sociedade secretar os instrumentos de sua
alienação. Assim é que se inicia o drama do poder e de sua irracionalidade.
Surge como um ser, meio real, meio razão, cada vez mais resvalando para o
último desses pólos que configuram a sua trama dialética. Primeiramente,
pelo próprio jogo mediante o qual o fluido do real se converte, incessantemente, no cristalizado da instituição, isto é, toda vez que o processo se
detém na forma, e o real se hipostasia com a sua máscara. Num segundo
Ensaios sobre Educação e Universidade
117
momento, a forma prevalece sobre a natureza e, a partir daí, vai sempre na
direção da rigidez e da substituição. Tal processo, inerente ao mecanismo
das instituições, vai-se tornando, desde o seu momento orgânico,
crescentemente artificial.
Para evitar o aprisionamento de uns no estabelecido, tanto quanto a
disponibilidade que sucumbe no nada ou – em outra parte da juventude
atual – o engajamento que parte do nada, como se tudo tivesse de ser
novamente criado, só um novo estilo de diálogo no contexto da vida e do
ensino universitário.
Esse caminho de coragem, de paciente mas brava originalidade, impedirá a luta entre alunos e professores, entre os estudantes e dirigentes,
entre os professores antigos e os jovens professores, como se fossem duas
classes inimigas.
Essa não é a solução, e a outra ainda está sendo elaborada e depende
das lealdades que o verdadeiro discernimento e a verdadeira generosidade
são capazes de suscitar nos líderes autênticos nas horas de crise. Esse é o
momento de grandeza a que são chamados os que estão à frente da universidade, tanto quanto os professores, os estudantes e os órgãos do governo.
Por esse desafio de grandeza é que Clark Kerr mediu a vocação dos reitores
de algumas universidades latino-americanas como uma vocação de
"gigantes". Não só dos reitores,como de todos os líderes universitários.
9. As responsabilidades do governo universitário
a) A nova paidéia
O governo da universidade define-se como um quadro de responsabilidades em relação à sociedade, em relação ao Estado e em relação à cultura.
De resto, as próprias relações entre a sociedade e a cultura, de que a universidade deve ser uma expressão orgânica, assumiram, em nossos dias,
a forma de uma curiosa correspondência que poderá ser o anúncio de uma
nova era da educação, semelhante à pólis grega. Uma das mais profundas
desarmonias da civilização moderna vem sendo a oposição entre os "direitos do espírito e as exigências sociais" segundo a fórmula adotada nos
Recontres Internationales de Génèvede 1950. Trata-se de uma antinomia
só aparente, do ponto de vista fenomenológico, embora historicamente se
tenha manifestado. O espírito deve estar sempre ao nível das realizações
do homem e da cidade que ele constrói; a cultura, em sua plenitude, é
coextensiva à ação humana. O que pode ocorrer, mesmo nas civilizações
integradas, é a exclusão de uma parte da ação humana de sua práxis
essencial, como aconteceu com os próprios gregos, hostis ao trabalho
manual e à ação que envolvia a matéria. É que eles consideraram essas
118
Durmeval Trigueiro Mendes
atividades excluídas do universo humano, tanto que as transferiam para
uma camada considerada infra-humana. Mas o seu universo humano,
cultural, era perfeitamente integrado, sendo coextensivos o espírito e
sua tarefa na pólis. E isso fazia o acordo entre a cultura e o mundo.
Ao cabo de sucessivas etapas de conflito, começamos, em nossos
dias, uma integração mais alta e mais rica pela incorporação de todos os
valores oriundos da industrialização. A nova pólis será a síntese que
incorpora à paidéia grega a antítese industrial e tecnológica. A sociedade atual começa a compreender que quanto mais geral a educação, mais
técnica ela há de resultar; quanto mais humanística, mais eficiente; quanto
mais pessoal, mais social. É claro que esse fenômeno não é só
intelectual,como também social, e que as antíteses não são apenas as
idéias, como as camadas sociais que elas encarnam, em diferentes graus
de integração ou, ao contrário, de estratificação segundo a correta análise de Dewey.5 A unificação da cultura supõe a integração do próprio
corpo social.
Então, nós veremos esse maravilhoso fenômeno da cultura moderna,
a reversibilidade sobre o fosso cartesiano, entre o intelectual e o técnico,
entre o espiritual e o físico. Por isso mesmo, as Diretrizes para o Plano
Decenal de Desenvolvimento, elaboradas por este Conselho, reconhecem
que, "graças ao caráter integrado do desenvolvimento, a expansão dos aspectos culturais e sociais, propiciado pelas condições econômicas, constituirá, depois, uma fonte estimuladora dessas mesmas condições, mediante um jogo recíproco e permanente de influências. No setor pedagógico,
reflete-se tal postulado na necessidade de aproximar, crescentemente, a
educação geral e a educação técnica, seja no sentido de favorecer a adequada participação de todos na comunidade social e política, assim como
nos bens da cultura, seja no atender às atuais exigências da formação profissional, cada vez mais distanciadas de um estreito especialismo. A política governamental será, assim, animada de dois propósitos complementares: o de educar para formar o produtor, e o de converter a produção em
instrumento de promoção humana".
Esse fato capital não pode ser ignorado pelas universidades brasileiras:
1º) para que suas prioridades sejam devidamente definidas sem a ilusão do praticalismo;
2º) para que seja reformulado o conceito de cultura geral;
3º) para que fiquem esclarecidas as obrigações da universidade em
relação ao meio, e superadas as suas alienações.
5
Dewey, John. Democracia e educação. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959 (especialmente, p. 9).
Ensaios sobre Educação e Universidade
119
b) Os problemas do meio
As relações entre a universidade e o meio são objeto de decisões que
tanto afetam a sua autonomia quanto a ação do Estado. A participação
deste nos programas universitários, tende, em nosso país, a consubstanciarse cada vez mais num plano integrado. Em virtude de terem sido apresentadas por este Conselho, há pouco tempo, diretrizes e sugestões sobre o
problema, limitamo-nos a destacar dentre elas as que nos parecem mais
vinculadas ao governo das universidades:
I) a conexão entre o currículo universitário e os problemas nacionais
e regionais;
II) a consolidação das universidades como órgãos de uma política
regional de ensino superior, mediante, inclusive, um sistema de
bolsas e de residências para estudantes que alcance todo o âmbito
de sua influência, atalhando assim a proliferação de escolas isoladas. Preconiza o documento que "a universidade de cada Estado,
junto com o Conselho Estadual de Educação, poderá colaborar
com o Conselho Federal de Educação na fixação de um sistema
estadual de ensino superior, sem que perca de vista a continuidade geoeconômica de muitos problemas, além dos limites estaduais. Assistida pela Diretoria de Ensino Superior e em consonância
com o Conselho Federal de Educação, a universidade oferecerá
subsídios relativos à política de expansão do ensino superior, de
acordo com as condições do meio e do respectivo mercado de trabalho";
III) a produção de quadros técnicos segundo uma nova política de
expansão das matrículas, cujas diretrizes são igualmente fixadas
no referido documento. Parece-nos que uma das medidas mais
úteis, no caso, seria a criação, em cada universidade, de um serviço de informação ocupacional (ao lado da orientação vocacional e
profissional), articulado com um congênere federal, instalado no
Ministério da Educação;
IV) o incentivo à pesquisa.
c) A política das universidades e a política do governo
Parece claro que, num país que procura modernizar-se, a ação
estimuladora e disciplinadora do Estado 1) tende, progressivamente, a se
fixar na educação como setor privilegiado; 2) utilize-se de seus recursos
financeiros para contemplar, prioritariamente, objetivos particularmente
ligados ao desenvolvimento nacional.
120
Durmeval Trigueiro Mendes
A forma como o Governo distribui as suas verbas pelas universidades
varia de país a país, seja contemplando as universidades em geral, seja
selecionando algumas delas, mas quase sempre – nos países mais avançados – à base de programas bastante nítidos e vinculados ao interesse
nacional. É o caso, por exemplo, da Inglaterra e dos Estados Unidos.
Para efeito de confronto, tomemos o caso americano, ilustrado por
Kerr, no seu já citado livro, por algumas interessantes indicações.
Em 1960, o ensino superior, naquele país, recebeu do governo federal
1,5 bilhão de dólares, o cêntuplo do que fora alcançado vinte anos antes.
Desse total, cerca de 1/3 se destinava a centros de pesquisa, filiados às universidades; outro terço, a pesquisas apenas projetadas dentro das universidades; e o terço restante, a outros objetivos, tais como empréstimos para
residências, bolsas de estudo e programas de ensino. O bilhão para pesquisa, embora representando apenas 10% da verba federal total para pesquisa
e desenvolvimento, atinge 70% de todas as despesas de pesquisa de todas
as universidades e 15% do total dos orçamentos universitários.
Comenta Kerr, conclusivamente, que "a feição e a natureza da pesquisa universitária são profundamente afetadas pelos recursos federais". Mais
adiante, acentua ele a clara discriminação dos critérios a que obedece a
ajuda federal: os objetivos são rigorosamente selecionados, articulados entre
si, e referidos ao interesse nacional. Acresce, ainda, a fixação de prioridades – ciências físicas e biomédicas, e engenharia, de longe na primeira
plana, e muito abaixo as ciências sociais e as humanidades, registrandose, todavia, a partir de 1963, a tendência para se ampliarem os recursos na
categoria das ciências sociais.
Entre as funções da universidade, são contempladas, privilegiadamente,
as de pesquisa, pós-graduação e treinamento avançado. Dados de 1963 revelam, ainda, que, dentre todas as universidades americanas, apenas 20 – ou
seja, 1/10 do total – foram substancialmente aquinhoadas com a verba federal.
Constituem elas o que Kerr denomina "concessões federais primárias para a
Universidade". Ultimamente, o próprio Kerr assinala, contudo, a recente
tendência de expansão do auxílio a um número maior de universidades.
Não é o caso, aqui, de discutir o mérito do sistema quanto às prioridades e quanto aos mecanismos, mas de acentuar a existência de um sistema. Contudo, convém precaver-nos igualmente da influência do modelo
americano aplicado a um contexto nacional extremamente diverso.
De saída, vale assinalar a enorme distancia entre os processos do crescimento e os do desenvolvimento. Reclamando, os últimos, alterações profundas nas estruturas sociais e econômicas, a pesquisa social e as ciências
sociais se projetam neles com muito mais intensidade, como pontas de
lança de um desequilíbrio provocado, como diria Austruy ou o Pe. Lebret,
o qual terá de desencadear novos dinamismos, consideravelmente apoiadas as perspectivas de seus cientistas sociais.
Ensaios sobre Educação e Universidade
121
Diferente, também, a nosso ver, as nossas necessidades em relação à
pós-graduação, que, na América, já se constitui ponto de apoio para muitas categorias de atividades profissionais corriqueiras e, entre nós, se destinariam à formação de um estado-maior, ou seja, de uma linha de liderança universitária no campo das ciências e das profissões.
Uma terceira diferença poderia, talvez, ser registrada quanto às humanidades, no amplo sentido que lhe emprestam os americanos, em razão:
1) das diferenças entre a estrutura global do ensino americano e a do
nosso, acarretando diferentes formas de distribuição dos encargos
nesse campo;
2) de padrões culturais diferentes, não se devendo reduzir, no Brasil,
o que os próprios americanos tendem a ampliar; o que nos cabe, no
caso, é assegurar padrões autênticos em lugar de certas vaguidades
a que apelidamos de humanidades na cultura geral.
O confronto, aqui sumariamente traçado, indica, de um lado, o que
do exemplo americano se deve reter – o funcionamento de um sistema,
com defeitos, mas articulado e eficiente – e, de outro, o que não se deve
assimilar – política global, insusceptível de conciliar-se com as nossas
peculiaridades. Tomaríamos, aliás, a liberdade de submeter à reflexão da
Capes os três itens acima discriminados, tendo em vista a formulação de
uma política de aperfeiçoamento de pessoal fundada nas condições do
nosso desenvolvimento, de nossa cultura e de nosso sistema educacional
– marcado, tudo, por condições de irredutível originalidade.
Quanto à metodologia a que exemplos como o inglês e o americano poderiam subsidiar a nossa própria e imprescindível orientação, destacaríamos:
a) a seleção de objetivos e os seus critérios;
b) a compatibilidade entre eles;
c) a discriminação das universidades, em relação a tais objetivos, não
para excluir nenhuma delas, mas para situá-las adequadamente.
Cremos que persistem alguns problemas entre nós, em relação ao funcionamento das universidades federais e ao subvencionamento das particulares. Há uma névoa pairando sobre coisas fundamentais: a verdadeira
significação da autonomia financeira das universidades; o mecanismo do
orçamento-programa, como instrumento de política e não apenas de contabilidade; a posição das universidades em relação ao plano nacional; a
distribuição do Fundo de Ensino Superior e os critérios que os regulam; as
atribuições, nesse terreno, do Conselho Federal de Educação; os inadequados critérios com que são atribuídas subvenções às escolas.
122
Durmeval Trigueiro Mendes
A partir desses pressupostos é que sugerimos a fórmula
consubstanciada nos itens que se seguem.
d) Sugestões para uma nova sistemática: as fundações e os "grants"
Temos-nos fixado, no Brasil, num equívoco difícil de desfazer, quanto à autonomia financeira das universidades federais. Não vemos outras
saídas além dessas duas alternativas básicas, ilustradas pelas experiências de outros países: ou a universidade enfeudada no Estado, como é o caso
da "napoleônica" universidade francesa, cujo reitor é, até certo ponto, um
funcionário do governo, ou a universidade independente do governo, com
o qual se compromete através de acordos estipulados entre ambas as partes. Dessa segunda hipótese, talvez seriam as universidades inglesas os
exemplos mais típicos.
O que não parece claro é o sistema dentro do qual uma parte se julga
a única detentora das intenções, e a outra é, de fato, a exclusiva detentora
de recursos: em nome da autonomia, as intenções consideram indiscutível o seu direito sobre os recursos. Não parece que o Estado se resigne ao
papel de pagador, excluído dos objetivos que financia; contudo, muitos
parecem enredar-se numa confusão entre o poder autônomo e o poder
discricionário.
A nosso ver, a única forma de dirimir o conflito permanente, ainda
que as mais das vezes apenas virtual, será definir um estatuto de responsabilidades recíprocas, ao invés da simples alegação de direitos, um contra o outro.
Acredito na possibilidade de um esquema que venha a objetivar
limpidamente essa solução, o qual se desdobraria em três partes:
1) a conversão das universidades em fundações;
2) a instituição de um sistema de grants;
3) a criação de uma comissão de grants, inspirada no exemplo inglês
mas adaptada às nossas condições.
A partir daí, estaríamos lidando com coisas homogêneas; o impasse
atual, com efeito, resulta da falta de um sistema congruente, capaz de
articular dois mecanismos distintos e, de certa forma, independentes: o
poder do Estado de atribuir recursos e o poder da universidade de ter
iniciativas próprias, no âmbito de suas finalidades específicas. A autonomia financeira da universidade só se torna inquestionável quando os recursos são próprios, ou adequadamente apropriados. O que aqui defendo,
é, exatamente, um sistema adequado de apropriação. São distintas as instâncias – a financeira e a executora. Só o acordo de vontades pode gerar a
Ensaios sobre Educação e Universidade
123
apropriação. E a autonomia universitária se preserva na medida em que
as decisões da universidade são tomadas por assentimentos, e permanecem, sempre, vinculadas à sua responsabilidade intelectual. Da parte do
Estado, as suas prerrogativas se justificam na medida em que as suas
decisões expressam o consenso nacional e as exigências do desenvolvimento. Trata-se, sem dúvida, de um equilíbrio difícil; mas teoricamente
correto e praticamente viável. E, de qualquer modo, o funcionamento de
tal sistema seria melhor que o da tradição brasileira, na qual as intenções da universidade são ignoradas pelo Estado, que pode contrariá-las
ou mutilá-las, graças à forma puramente empírica e arbitrária como se
processa a distribuição dos recursos tanto na fase de elaboração quanto
na da execução orçamentária.
A autonomia, dentro desse contexto, torna-se clara, coerente e eficaz.
O sistema de grants – segunda parte do esquema – significa, basicamente, a vinculação dos recursos a projetos claramente definidos,
sobre os quais concordam a universidade e o governo. Não seria ocioso
lembrar aqui a facilidade com que tal sistema resolveria velhos problemas de apreciação e de avaliação da eficiência das universidades. As
recriminações contra o suntuosismo, a subutilização da capacidade
instalada, a falta de planejamento em virtude da qual vários setores da
universidade estariam desarticulados, e outros, fechados sobre si mesmos, podendo permanecer longamente na estagnação, sem que lhes
seja cobrado o rendimento de seu trabalho, todas essas observações,
muitas vezes injustas, outras vezes exageradas, devem-se, em grande
parte, à ausência de um instrumento disciplinador, em relação à própria universidade, e clarificador, em relação aos que a subvencionam
ou a criticam – o Estado e a opinião pública. O projeto obriga seus
responsáveis a uma rigorosa adequação dos meios aos objetivos, propiciando o rendimento máximo dos recursos – em termos de eficiência,
de economia e de tempo.
É de justiça reconhecer a ação admiravelmente enérgica e lúdica dos
reitores brasileiros, que se dedicam ao grande empreendimento de oferecer ao país uma universidade moderna, que terá de surgir de visões novas
e de gestos criadores.
Finalmente, a comissão de grants. Um grupo rigorosamente selecionado constituir-se-ia como o órgão destinado a estabelecer as prioridades
da política nacional de ensino superior, à luz de suas conexões com outros
setores do plano global de desenvolvimento, e destinado, igualmente, a
promover os convênios com as universidades, a fim de lhes serem concedidos os recursos financeiros da União. Pelo caráter global e integrado do
planejamento e das prioridades que ele abrange, essa comissão deve assentar sobre uma infra-estrutura técnica consistente, na qual venham a
inserir-se, com destaque, os cientistas sociais.
124
Durmeval Trigueiro Mendes
e) A perspectiva nacional e o método da negociação
Assinala George Balandier,6 nos países menos desenvolvidos, a "fraqueza da organização em escala nacional ou territorial", em virtude da qual
eles permanecem "divididos pelo jogo dos particularismos". Parece-nos problema fundamental o do método capaz de ajustar as universidades numa
política nacional de desenvolvimento, e em entrosar a sua ação múltipla
com um plano integrado. Somos de parecer que a solução seria um método
de negociação, segundo o modelo apresentado nas já citadas "Diretrizes" do
Plano Nacional de Educação, formuladas por este Conselho.
10. Relações com o Ministério da Educação: a cooperação técnica
Os equívocos do legalismo
A política universitária assenta-se num conjunto de princípios que
são mais importantes que as estruturas: a valorização do mérito, o sistema
de autonomia em cadeia, em lugar da polarização do poder na cúpula, a
plasticidade da ação e do governo que transcende os regulamentos e se
constitui dinamicamente, ao fluxo das circunstâncias, dos fatos, das pessoas e das peculiaridades. A unidade estrutural não se baseia na rigidez
dos moldes, e sim, na intencionalidade convergente das partes, sob uma
liderança esclarecida e flexível.
O legalismo tradicional era uma atitude coerente, pois seria difícil à
autoridade centralizadora decidir sobre tudo, à base do conhecimento direto e adequado dos detalhes. Para escapar a tal dificuldade, o sistema
centralizador utiliza o único processo ao seu alcance: despoja os problemas
de seu conteúdo factual e passa a governar por leis e regulamentos. A administração é uma presença que se alonga até a intimidade dos fatos em mudança, e por isso capaz de dar-se conta de suas diferenciações e de sua
mobilidade. Por comodidade, ou por não haver alternativa, a autoridade
centralizadora permanece parada, retendo, igualmente, o fluxo das ações
que deseja controlar. Ou, cuidando de cada coisa a seu tempo, mantém
paradas as demais. Ora, o recurso da lei uniformiza os problemas e situações, enfeixadas em categorias de reduzido número e conseqüentemente,
de fácil manejo; e os situa em nível ideal, que exime os dirigentes do esforço
real. O padrão é fixado a proiri, e não elaborado no desenvolvimento das
situações. Assim é que as autoridades vêem os problemas simplificarem-se:
6
Traité de Sociologia, sob a direção de Georges Gurvitch, T. II, Paris: Presses Universitaires de France, 1960, p. 335.
Ensaios sobre Educação e Universidade
125
regulam tudo ad aeternum e, depois, repousam. A imobilidade segue-se
fatalmente à centralização. A autoridade centralizadora chama ao seu nível de decisão todos os assuntos que teriam de ser examinados e decididos por órgãos mais próximos de sua factualidade. Fica, evidentemente,
assoberbada e se atém à verificação das formalidades ou à decisão simplista
que destrói o conteúdo os problemas.
A unificação é, portanto, artificial e, mesmo assim, não chega a concretizar-se em razão da força perturbadora do arbítrio desinformado.
O que, a nosso ver, cabe à autoridade é a distribuição racional das
competências e o dinamismo real que substitui o governo das leis pela
influência das pessoas e dos fatos. O contrário disso significa preparar leis
e regimentos e tudo esperar de sua sabedoria normativa.
Os equívocos do centralismo
Presumem alguns, equivocamente, o esvaziamento do Ministério da
Educação e Cultura, desde o momento em que se deslocaram do centro
para a periferia as responsabilidades da política educacional. Se é verdade
que fugiram dos órgãos centrais para os estados, atribuições primárias de
ação, também deve partir daqueles para estes um constante fluxo de cooperação técnica e financeira e, no caso desta última, sob a caução de diretrizes que ao governo federal cabe diligenciar, para que sejam aceitas pelos estados. O poder federal vai-se despojando, em boa hora, de considerável soma de encargos administrativos, mas não do dever de participar,
em novo estilo, e solidariamente, da política educacional descentralizada. Persiste, pois, com outra perspectiva, a função irradiadora do Ministério da Educação e Cultura: menos normativa que supletiva, não mais
como órgão da lei, prolongadora de sua eficácia impositiva e coatora,
mas como órgão de cooperação. Não se exerce mais o poder de política, e
sim a ação política. Substitui-se o jurisdicismo burocrático pelo espírito
de empreendimento. Foi, destarte, removido o autoritarismo abstrato, e
instituído o diálogo em torno dos problemas reais; substituída a disciplina mecânica pela integração ordenada. Tivemos, afinal, o triunfo do realismo, antepondo-se a realidade à norma, o movimento à fixidez, os conteúdos situacionais às generalidades da lei, o dinamismo pessoal à
impessoalidade cartorial. Acabou o tout a fait;a ação do administrador e
do técnico se afirma, aqui e agora, em cada emergência do permanente
movimento da realidade social e educacional.
Mas o equívoco do centralismo abrange outros aspectos. Constitui
tradição brasileira a dissonância entre o aparelho institucional da administração e as condições reais do País. A centralização é o estilo menos
adequado para uma nação tão vasta e tão diferenciada. A centralização
126
Durmeval Trigueiro Mendes
inspira-se em dois pressupostos reais, embora dissimulados noutras razões: o primeiro, o da intelligentsia burocrática no papel de regente nacional; o segundo, o do mecanicismo, que substitui a práxis pela lei, e a esta
converte em motor de suas soluções automáticas. Isto significa a negação
da variedade por soluções arquetípicas; a negação do movimento por soluções intemporais; a negação da criação autóctone pela solução da inteligência oficial.
Ao primeiro desses equívocos refere-se o problema da cooperação
técnica. Introduziu-se, na mente da maioria dos brasileiros, a existência,
nos ministérios e nos órgãos federais, de uma oligarquia de iluminados,
símile, no Estado tecnocrático, dos déspotas esclarecidos, em antigos estados autocráticos. Tem-se como assente uma inteligência infusa dos problemas, engastada na burocracia. Tudo por falta de verificação empírica:
constataríamos, facilmente, como se opõem a esse papel regencial,
diretorial, do Estado, as precárias condições de recrutamento dos especialistas mais categorizados e, no caso da educação, como praticamente ainda não se sabe com exatidão, no Brasil, o que vêm a ser os especialistas em
educação. Uma nota persistente do provincianismo – de que apenas começamos a escapar – confere aos grandes centros e aos órgãos oficiais que
centralizavam, antigamente, a vida destes – confere-lhes, por uma presunção mágica, a condição imanente de excelência.
Não estão só no Rio ou em São Paulo os valores intelectuais do Brasil.
E, certamente, a presença deles, na burocracia, é extremamente modesta. E
o elenco existente forma-se, em grande parte, pelo êxodo constante das inteligências inconformadas com as limitações de seu meio nativo. Quanto ao
meio cultural e técnico, tomado globalmente, não resta dúvida sobre a superioridade dos grandes centros. No caso da educação, tal superioridade é
bem menos expressiva, por uma razão sociológica: nos grandes centros,
adquirem maior riqueza e consistência os valores difusos na comunidade
nacional. Acontece que os valores da educação não chegaram a se tornar
presentes à consciência pública da Nação. Por isso, a debilidade dos quadros educacionais é comum no País, mesmo nos centros mais avançados.
Por outras palavras, se compararmos setores como a engenharia, a
medicina, com o da educação, a superioridade dos centros avançados sobre os estados menos desenvolvidos é nitidamente mais acentuada nos
primeiros que nos últimos.
As soluções realistas
Essas considerações, que desejamos circunscrever ao ensino superior, levar-nos-iam a uma colocação radicalmente diferente do problema
das relações entre o MEC e as universidades, ou entre o governo federal e
Ensaios sobre Educação e Universidade
127
os estados. Partiríamos de um postulado, que é o inverso do tradicional: a
inexistência de quadros técnicos suficientes no Ministério da Educação, e
até a falta de uma configuração precisa das categorias de especialistas de
que ele necessita, em correspondência com as novas áreas surgidas nos
últimos decênios no campo da educação. Seria necessário reconhecer,
imediatamente, a defasagem entre um quadro de funcionários, imobilizado há muitos anos, e a emergência constante de novas especificações no
trabalho educacional. E suprimir vagas e quase evanescentes figuras – do
tipo dos inspetores de ensino e dos técnicos de educação – que estão condenados a nada fazer, pois, remanescendo de uma ordem extinta, não encontram o ponto de inserção na atualidade educacional brasileira, sobretudo a partir da Lei de Diretrizes e Bases. Por isso mesmo, tivemos a oportunidade de sugerir, através de parecer emitido neste Conselho, que se
substituísse a figura da inspeção pela da cooperação técnica.
O segundo ponto seria a utilização de especialistas de quadros estranhos ao Ministério na cooperação técnica a ser oferecida às universidades. Essa fórmula iniciada há algum tempo na Diretoria do Ensino Superior, foi lucidamente institucionalizada pelo Ministro Moniz de Aragão e,
sob a liderança da ilustre Diretora do Ensino Superior, chega à fase final
de sua estruturação.
O terceiro ponto – corolário dos dois primeiros – inverteria, igualmente, a concepção tradicional, pois a cooperação técnica do MEC às universidades seria menos pela mobilização de seus quadros que pela dos
quadros das próprias universidades. Não se trata apenas, nem sobretudo,
de um movimento de cima para baixo, mas de um lado para outro. O
papel do MEC seria, no caso, o de estimular o movimento de cooperação
interuniversitária. A sua posição de centro de um sistema, dotado, ademais, de recursos financeiros com que ele se alimentará, permite ao MEC
exercer essa tarefa estimuladora e coordenadora. A soma de prestígio que
reúne, como parte do governo, acrescente a essas vantagens a de poder
facilitar os acordos de cooperação financeira e técnica com instituições
estrangeiras – universitárias ou não.
O problema da reforma universitária é, por todas essas razões, muito
mais um problema de administração, no amplo sentido, que de lei. É uma
questão de lúcida eficiência a capacidade de despertar energias que a lei
ignora, de descobrir pessoas e processos mais eficazes de utilizar a competência fora dos quadros burocráticos. Tudo o que há de diferenciado, de
individual e irredutível em cada uma dessas fontes escapa da lei como a
água da peneira. A universidade brasileira, como a de qualquer parte, precisa do contato com personalidades criadoras, do estímulo de processos
criadores, em suma, de autonomia criadora.
Sugerimos as seguintes medidas práticas, que traduzem as intenções
acima formuladas:
128
Durmeval Trigueiro Mendes
a) Que se estudem, urgentemente, os critérios pelos quais deveriam
ser instituídas novas categorias de especialistas em assuntos de
educação, para serviço do MEC e para colaboração técnica com as
universidades e escolas. Para exemplificar, mencionaremos a economia da educação, a sociologia da educação, os problemas de organização e funcionamento das universidades, a didática universitária, a estrutura curricular, etc., como campos a serem definidos
em termos de especialização profissional. Os níveis de salários desses especialistas teriam de ser adequados, sob o risco da diluição
crescente da carreira, como já tem acontecido em outros casos.
b) Que se organize, através da Diretoria do Ensino Superior, juntamente com a Capes, o cadastro dos educadores, professores, pesquisadores de todas as universidades, com vistas à sua eventual
utilização no sistema de cooperação interuniversitária, concretizando-se, esta, de diversas maneiras: intercâmbio de professores,
seminários conjuntos para tratar de problemas de interesse comum,
etc.
c) Que as comissões de especialistas, criadas na Diretoria do Ensino
Superior, sejam vinculadas a programas sistemáticos e permanentes de cooperação com as universidades.
Queremos ressaltar, aqui, que a ação da comissão proposta para a
fixação de prioridades na distribuição dos recursos federais se exerceria,
também, sob a inspiração desses propósitos de colaboração técnica, e vinculada a toda a sistemática preconizada neste documento.
Seria desnecessário acentuar, ainda, que o dinamismo atribuído ao
MEC não visaria enfraquecer o da própria Universidade, ao contrário, pois
o que é urgente é a conquista pelas universidades do pleno direito de
dirigir a sua ação criadora.
11. Conclusões
Tendo em vista os dados e análises apresentadas neste trabalho e a
aplicação prática das sugestões nele contidas, cabe-nos formular as seguintes conclusões:
1. A autonomia é uma prerrogativa da universidade, decorrente das
suas características próprias, pelas quais tal privilégio é atribuído à
instituição como um todo. A partir daí, impõe-se que o governo da
universidade traduza uma concepção ministerial do poder, que é
antítese da vontade de poder. Dessa forma, deverá subordinar-se a
dois princípios: o da vontade comum, elaborada e executada através
Ensaios sobre Educação e Universidade
129
de métodos adequados, e o da gestão acadêmica, pela qual as instâncias de poder, nos assuntos científicos, serão providas por delegação
do corpo acadêmico e segundo os interesses do ensino e da pesquisa.
2. A vontade comum funda-se, igualmente, em dois postulados: o da
unidade estrutural e orgânica da Universidade, assegurada pela
prevalência da política e administração globais sobre quaisquer
particularismos porventura decorrentes da ação isolada de faculdades, escolas, institutos, departamentos ou outras unidades de ensino e pesquisa; e o da autonomia relativa da cada uma dessas parcelas da universidade, no sentido de poderem adotar critérios próprios
de organização, sobretudo didática, e de participarem, eficazmente,
na elaboração do orçamento universitário, a fim de que seja este a
projeção fiel das suas atividades. Cabe às escolas, portanto, aplicar
um modelo simétrico ao que é preconizado para a universidade, incorporando, nas suas decisões, todas as categorias de professores
com responsabilidade efetiva no ensino e na pesquisa, e os alunos
segundo os critérios fixados nos estatutos e regimentos.
3. O plano constitui o meio adequado de comprometer as autoridades
superiores da universidade com a vontade emergente de todas as
suas áreas; daí a conveniência de ser criado um órgão específico de
planejamento nas universidades.
4. Deverão ser revalorizadas as funções do reitor e do conselho universitário como órgãos investidos na suprema responsabilidade de
estabelecer a política geral da universidade. Para isso, impõe-se a
sua identificação com uma função de liderança, redefinidos os seus
papéis mediante a reestruturação do cargo de reitor – e, por extensão, o de diretor de faculdade e outros equivalentes – assim como
do mandato de Conselheiro Universitário, e a transferência para
outros órgãos de parte dos seus encargos, seja de rotina burocrática, seja de análise e avaliação de problemas técnicos.
5. Sugere-se a criação de órgãos administrativos de coordenação dos
assuntos científicos e didáticos, com autoridade própria, embora
as suas decisões se subordinem às diretrizes e critérios gerais fixados pelos órgãos responsáveis da política universitária. Esse
desiderato se enquadra num dos dispositivos do recente projeto de
reorganização das universidades federais.
6. A participação de todas as parcelas da comunidade universitária na
vontade comum – traduzida no governo da universidade – deduz-se
130
Durmeval Trigueiro Mendes
do princípio de unidade que lhe é inerente, e deverá concretizar-se
de acordo com as condições do pluralismo cultural da nova civilização e do nosso País.
7. Cabe à administração das universidades formular uma política que
as situe no processo do desenvolvimento social e econômico do
País. Constituem itens essenciais dessa política:
a) a criação de mecanismos que permitam a captação sistemática
das necessidades sociais às quais possa responder uma eficiente programação universitária;
b) a criação, no MEC e em cada universidade, de um serviço de
informação ocupacional;
c) um método adequado de participação de cada universidade no
plano geral da nação.
8. Não havendo classificação das universidades e escolas segundo um
critério formal, processar-se-á, gradativamente, a sua diferenciação segundo um critério funcional, à base de programas de atividades por elas desenvolvidas na perspectiva integrada do plano.
9. Na sistemática do planejamento global do ensino superior, adotarse-á, como princípio operacional básico a integração harmônica das
universidades e escolas, de acordo com o seguinte critério: a definição de áreas de influência de cada universidade, do ponto de
vista geoeconômico e da especialidade técnico-científicas e profissional, tendo em vista a sua integração no contexto nacional da
política de desenvolvimento.
10. Cabe à administração universitária mais que à lei a responsabilidade da reforma das universidades, através de:
a) órgãos e mecanismos de auto-revisão permanente, a fim de que a
reforma não fique na dependência de pressões desencadeadas
pelo processo de crise;
b) novo sistema de trabalho, baseado particularmente no professor
competente com tempo integral e na didática da autonomia
intelectual, cujas condições fundamentais se representam no sistema de tutoria ou equivalente e na mobilização de eficientes
bibliotecas.
Ensaios sobre Educação e Universidade
131
11. Torna-se imperiosa a instituição de um novo sistema de relações
entre as universidades e o governo, destacando-se, nele, os seguintes itens:
a) quanto à autonomia administrativa, a transformação das universidades em fundações;
b) quanto à distribuição de recursos federais: I) a criação de uma
comissão destinada a fixar as prioridades; II) a formulação de
critérios para discriminá-las; III) a implantação de novo sistema
de subvenções às universidades e escolas particulares, segundo
a sua participação nessas prioridades;
c) quanto à cooperação técnica, a redefinição do papel do MEC,
abrangendo as seguintes providências fundamentais:
I) a criação de categorias de especialistas nos problemas que
condicionam a política do ensino superior ou – alguns deles –
a de toda a educação, atribuindo-lhes níveis compensadores
de remuneração;
II) a extinção dos cargos de inspetor de ensino e de técnico de
educação;
III) a utilização das comissões de especialistas do DESu no
assessoramento técnico às instituições de ensino superior;
IV) o recenseamento seletivo dos professores e pesquisadores
brasileiros, como base de uma atuação a ser desenvolvida
pelo MEC no sentido de estimular e coordenar os contatos
multilaterais entre as universidades.
132
Durmeval Trigueiro Mendes
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
5
A Universidade e sua utopia*
1. Não receiem os leitores, que não pretendo voltar aos
assuntos sobre os quais já fizeram cabedal comum a ciência
dos técnicos e a consciência de todo mundo. Esse saber
generalizado é que talvez possa causar-nos temor, pois muitas vezes, no Brasil, em matéria de educação, procura-se
combater erros verdadeiros com verdades aparentes. Simplesmente porque essas verdades aparentes passam de boca
em boca, de geração em geração, como uma linguagem que
– inconscientemente – expressa e perpetua as estruturas
fundamentais da sociedade. Sabemos todos – e o sabemos
sobretudo depois do surto das doutrinas estruturalistas –
que permanecemos atados, em certa medida, às estruturas
que nos cercam, através da linguagem que as interioriza em
nosso pensamento, como carne que se faz verbo. Nem sempre os problemas são colocados da mesma forma, é verdade, mas os problemas colocados são sempre os mesmos, e
isto significa que o nosso discurso interior não muda, mas,
*
Publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v. 50, n. 112, p. 223-231,
out./dez. 1968.
Ensaios sobre Educação e Universidade
133
ao contrário, corre invariavelmente sobre o mesmo leito. Tomo aqui a palavra linguagem, obviamente, no sentido filosófico e lingüístico, como o
ser do universo falado em nós (segundo a fórmula de Heidegger), a imagem da sociedade traduzida em nosso logos interior. As fórmulas variam,
surgem novas palavras, novas fórmulas e leis, mas nenhum ser novo
irrompe por entre elas: nenhum logos instaurador de uma realidade original. A irrupção dos jovens como co-criadores do mundo, em vez de simples herdeiros de um universo modelado por outros, esse fato fundamental da cultura moderna, para dar apenas um exemplo, reclama uma estrutura inédita da universidade e, correspondentemente, uma linguagem nova.
2. A multiplicidade dos saberes, assim como a possibilidade de sua
conciliação, constitui outro aspecto dramático da crise universitária. A
universidade é, como hoje a chamam alguns, multiversidade, porque tem
muitas vertentes – inclusive no sentido de muitos saberes e de diferentes
gerações. A cada geração as coisas sabem desiguais, mas nas sociedades
unidas, com um mínimo de coerência que permita a sua identificação,
ocorre o fenômeno que o filósofo espanhol Julian Marías chamou de o
consabido. Nas sociedades partidas, ao contrário, os "saberes" (na acepção
mais remota, que coincide com sabores) se diversificam ampla e, às vezes,
disparatadamente. O saber literário e o tecnológico, o humanístico e o
profissional, o do passado e o do futuro. O pluralismo da multiversidade
não decorre só das diversidades simultâneas, quanto das diferentes perspectivas temporais. Sobre ele deve construir-se uma nova unidade, fecho
da universalidade – vocação hoje, como nas suas origens medievais da
instituição universitária. Só que são diferentes as duas unidades, uma já
estruturada, e outra, existindo tensionalmente, isto é, emergindo constantemente da contradição.
Todo processo cultural é um processo de conversão. Se entre as novas
e as velhas gerações, entre as diversas famílias culturais, os técnicos, os
humanistas, os cientistas, os sábios e os políticos, não se articula um processo de conversão, que resta da universidade como tal? Que resta para a
apropriação, que é o método indispensável da comunicação cultural, assegurando entre os desiguais, não a indesejável uniformidade, mas o mínimo de homogeneização para o entendimento, de tolerância para o convívio, e de unidade para a sobrevivência da civilização?
3. A crise da universidade é, ainda, a crise do número. Ela já não pode
fazer dentro de seus muros o que antes fazia, quando tinha de formar um
reduzido grupo de pessoas privilegiadas, que se destinavam ao governo da
sociedade. Hoje, a sociedade é conduzida, cada vez mais, pela práxis da
maioria dos que a integram – práxis feita de apercepção e de engajamento,
de inteligência e de fervor. O número de pessoas que precisam adquirir
134
Durmeval Trigueiro Mendes
autonomia intelectual para exercerem tal protagonismo se amplia na medida em que a sociedade se democratiza, e o único instrumento de promover
essa autonomia é a educação. Daí, o número dos que obtêm, na sociedade
democrática, o direito de ascender à universidade, ser muito superior à capacidade desta em recebê-los, uma vez que a referida ascensão constitui
um fenômeno moderno, e as universidades, tais como existem, correspondem
a uma exigência do passado. O impasse, aparentemente insolúvel, requer
imaginação criadora capaz de substituir os mecanismos clássicos da instituição universitária por um novo aparelho institucional, servido por uma
nova metodologia de ação.
4. Entretanto, ao mesmo tempo que essas crises estão ameaçando submergir a própria universidade, a maioria das nossas reformas universitárias têm passado ao largo, sempre a girar em torno de conceitos como cátedra, departamento, institutos, classes docentes, ou ainda, em torno da
geometria abstrata das estruturas. As formas do saber crítico e criador são
freqüentemente substituídas por formas estáticas e normativas, que se
esgotam no processo ordenatório superficial. Não é que essas categorias
não sejam importantes, porém elas contam apenas subsidiariamente, como
simples instrumentos operativos a serviço de uma idéia da universidade.
Se não se muda uma idéia, a crise não se resolve; mas se a crise for enfrentada, verticalmente, a reforma se fará com base noutras perspectivas e
servida por outros apetrechos.
A própria expressão "crise da universidade" parece afastar qualquer
dúvida: trata-se da crise de uma instituição, ou seja, de uma idéia.
Crise é fratura numa substância. Não se trata de rearrumar os pedaços de uma estrutura decomposta; nem de compor nova estrutura para
salvar velhas idéias. A crise é uma questão de objetivos, de funções e de
métodos. As formas de organização cristalizam, no plano instrumental, as
opções inscritas na ordem dos fins. Se estes não mudam, insisto, nada
muda substancialmente. Por isso mesmo, o único instrumento para tratar
de uma crise é a Crítica, no sentido forte dos filósofos, como investigação
fundamental da realidade, isto é, como saber radical e re-instaurador na
ordem objetiva.
Dentro da perspectiva regulamentar, administrativa e jurídica, os
mais recentes projetos de reforma universitária constituem uma obra
significativa. O trabalho da comissão que os elaborou foi tão longe quanto lhe permitiam, muito menos o curto prazo, que os limitados objetivos
que lhe foram atribuídos.
5. Felizmente, ao plano institucional se sobrepõe o plano profético;
sobre as construções de hoje pairam as realidades entremostradas no amanhã por essa inteligência do futuro já consagrada com o nome de prospectiva.
Ensaios sobre Educação e Universidade
135
É preciso reconhecer que a universidade contemporânea tem vivido
de ideologias, e que ela precisa, urgentemente, construir sua utopia. Refiro-me à utopia no sentido etimológico que essa palavra inspirou a Thomas
Morus, pois a universidade verdadeira não está hoje em lugar nenhum,
mas a nossa imaginação exige que ela comece a existir em algum lugar. A
diferença entre a utopia de Morus e a de nossos dias, é que aquela era uma
libertação da realidade pela fantasia, e esta representa uma construção
ideal, imposta por uma fantasia onerosa à precariedade do presente. Não
se trata mais de um mundo impossível, mas de uma possibilidade que se
torna efetiva na medida em que estejamos dispostos a desentranhá-la das
agruras do mundo atual pela lucidez e pela coragem. Ela constitui, apenas, uma outra forma de realismo.
1. A utopia pedagógica
Em conferência pronunciada em setembro de 1967, num simpósio
sobre o ensino superior realizado em Diamantina, MG, sob os auspícios
do professor Paulino Guimarães,1 referimo-nos à utopia pedagógica nos
seguintes termos:
A comunicação cultural e pedagógica que cabe à universidade promover entre professores e alunos não é, de nenhum modo, a que se fixou na opinião geral: a que se
produz entre o indutor e o induzido, o rico e o pobre, o ato e a potência, o informado
e o desinformado, o docente e o discente, o acabado e o inacabado. Se fosse assim,
não teríamos fórmula mais adequada para liquidar com o fluxo da civilização, mediante a sobrevivência de moldes culturais até o ponto de seu apodrecimento.
Em vez de o aluno reduzir-se ao ser do professor, ele reduz o ensinamento deste
ao seu próprio ser; e mais, ele modifica o ser do professor, o conteúdo do logos
magisterial, pela incidência nele de seu logos próprio, feito de imaturidade – abertura, e não apenas de imaturidade – tabula rasa. O erro de nossa visão costumeira
é não concedermos ao jovem que ele tem o seu logos, e que 1º) só a partir deste se
pode engrenar a sua comunicação verdadeira com o logos do mestre; 2º) o logos
do aluno é válido por si mesmo, não por simples complacência – demagógica ou
paternalística – dos adultos, embora seja menos rico do que o deles, na medida
em que o deles esteja enriquecido pela memória cultural, aquela de que falava
Gasset, formada das vigências acumuladas e enriquecidas ao longo do tempo.
Pois quando, em lugar de fixar as vigências do passado, se mantém o passado sem
vigência, então é mais rica a criatividade das novas gerações inquietas, que o
"preparo" convertido em simples caixa sedimentária do que já aconteceu.
Deve-se atribuir aos jovens o direito de colocar no diálogo, que é o fundamento da
universidade, a novidade de sua indagação, a exigência de sua visão com novas
1
Trigueiro Mendes, Dumeval. As três dimensões da liberdade acadêmica, 1967, 19 p., mimeo.
136
Durmeval Trigueiro Mendes
raízes, a originalidade de sua apercepção (no sentido herbartiano do termo) na
qual os elementos projetados de dentro são mais poderosos que os elementos
internalizados de fora. Aqui se aplica bem a palavra de Rimbaud, quando, mais
que changer la vie, reclamava a necessidade de recommencer la vie. (Trigueiro
Mendes, 1967)
Uma vez que o que aprende reduz o que está fora ao que está dentro,
poder-se-ia parodiar Platão, que dizia (por outras razões e dentro de outro
contexto filosófico) que saber é recordar, sugerindo que aprender é um ato
criador, interno, do ponto de vista psicológico, e – poderíamos nós
acrescentar – instituidor, do ponto de vista cultural. Tem-se de encontrar
o modo de captar o logos: do aluno, pelo professor, e deste, por aquele.
Não é isto a comunicação intelectual, docente? Não foi este o método de
Sócrates? Se o esqueceram as civilizações posteriores, foi que, durante os
séculos, se foram acumulando em cima desse diálogo de liberdade e de
respeito ao poder de criação e de originalidade de cada logos, as tendências autoritárias, "docentes", despóticas. Em grande parte, pela tremenda
complicação política que o desenvolvimento da humanidade trouxe ao
ordenamento do diálogo entre as pessoas. Na cultura grega, as relações
humanas, dentro do ecúmeno político (embora neste só uma parte da comunidade fosse acolhida) eram amplamente criadoras e livres, e a política
era tão límpida que através de suas estruturas se filtrava a conversatio das
pessoas; tão flexível, que essas estruturas tinham apenas a móvel consistência da conversatio; tão orgânica, que a polis mesma era a expressão
geral e sincrônica também da conversatio. A paideia e a politheia faziam
parte da mesma harmonia.
Nunca mais o espírito se encontrou consigo mesmo, depois de ter-se
lançado na aventura da cidade. A mais ousada tentativa foi a de Hegel,
reunindo de novo o subjetivo e o objetivo, o ser para dentro e o ser para
fora, a vocação do indivíduo e a vocação da polis, mas o afinal rígido
monolitismo de sua unidade não pôde repetir a flexível e transparente
harmonia da antiga aventura do mundo helênico.
2. Volta ao método socrático
A meu ver, a Pedagogia não se salva sem a volta, não direi a Sócrates,
mas ao método que ele iniciou, de bravo e singelo respeito à verdade do
homem e do seu logos. A confiança na sua criação. A confiança em que, de
sua originalidade, o mundo se enriquece, desde o pequeno círculo da escola até o maior, da Nação, e o amplíssimo, da humanidade. Começa na
escola: pois, de resto, se não se confia no ser criador do aluno, como se
poderia esperar da atitude do cidadão e do profissional uma contribuição
ativa à vida social e à atividade pública? Não é por causa disso que a
Ensaios sobre Educação e Universidade
137
escola é preparação para a vida? E a originalidade da nova educação,
com Dewey e Claparède, Montessori e Decroly, não consiste em reconhecer que a escola é preparação para a vida na medida em que ela
própria é a vida? Não parece contraditório que, não se permitindo aos
alunos viverem a experiência de sua criatividade, se exija depois a
criatividade do homem engajado, como cidadão, profissional etc.? Será
que se espera para depois, por encanto, o momento de irrupção da originalidade, da força criadora? Tal pressuposto novamente contradiz o
bom senso e a experiência, pois a originalidade existe... nas origens (vá
lá a tautologia), e mais existe quanto mais próxima delas, e o normal é
estar fenecida ou enfraquecida ao longo do tempo. Lembrou com razão
Jaspers que a genialidade é inerente à criança, e podada, depois, pela
sua implacável inclusão no molde adulto. A educação do conformismo
não pode produzir indivíduos criadores; a educação da bravura mental
com a disciplina da verdade, esta é que logicamente pode levar aos
gestos criadores, tão necessários aos membros de uma sociedade democrática e de um mundo em mudança. O que a universidade deve
fazer não é abafar a criação juvenil ou ignorá-la, mas canalizá-la; temperar-lhe o rústico vigor sem diminuí-lo. Evidentemente, a exacerbação da criatividade, das diferenças de cada um em relação aos outros,
geraria aquela insuportável tensão que a sociedade repele para sobreviver – procurando apoiar-se em coisas mais estáveis, mais gerais, como
observou Bergson – o que talvez seja a razão da invencível mediocridade da sociedade como um todo, assim como da importância dos indivíduos dentro dela enquanto fontes de recriação; e da necessidade de um
sistema que harmonize os dois mundos – o indivíduo e a sociedade –
por um processo, não só de mútua contenção, mas, sobretudo, de recíproca fertilização.
Ora, o método pedagógico é o método da conversão; o que significaria
exatamente esse aceitar, dando; esse receber, recolocando-se no que é dado;
esse aprender, tirando de si, o que significa aprender, criando.
A tradução moderna desse método se chama pesquisa. Não me fixarei nas questões de detalhes que nos desviariam de nosso tema, e sim no
problema do método que permite descobrir a Verdade sob muitas verdades; o Uno sob o múltiplo, a Unidade que caracteriza a instituição universitária sob a pluralidade dos que a constituem.
Declarava Flexner que a universidade é um organismo caracterizado
pela altitude e precisão do fim, unidade de espírito e de propósito. Não
parece soar arcaica essa visão numa universidade moderna, desesperançada
e talvez até desinteressada de repetir a façanha da unidade de suas origens medievais? A multi-versidade não substitui a uni-versidade? Todos
os saberes, todas as formas de adestramento, quase diria, todos os níveis –
pois vai da pós-graduação à extensão do saber ao povo – todas as ideologias?
138
Durmeval Trigueiro Mendes
Clark Kerr acredita francamente na derrogação dessa universidade de Flexner,
com a conceituação que empreende da multi-versidade.2
De nossa parte, não vamos por inteiro para nenhum dos dois lados,
antes acreditamos que se trata de uma posição vencível, e que de fato deve
ser superada.
A universidade moderna é, simultaneamente, una e pluralística. O
antigo presidente da Universidade de Chicago, Hutchins, igualmente citado por Kerr, perplexo diante do prestígio das faculties e pelo aparente
esfarelamento da multiversidade, definiu-a como uma série de escolas e
departamentos separados, mantidos juntos por um sistema de aquecimento
central.
Acreditamos que há mais do que isso, do que um simples clima de
convívio; acreditamos que o governo da universidade deve ir mais longe:
não se trata apenas de aproximar o que está disperso, estimular o calor do
convívio entre interesses separados. Trata-se de colocar frente a frente os
setores diversos e, além deles, os próprios antagonismos da cultura, para
encaminhá-los no rumo da unidade. A universidade não pode tomar partido por uma ideologia, e fechar as portas à controvérsia sobre as demais.
Não pode tampouco instalar dentro de seus muros a guerra entre elas.
Nem pode, finalmente, ignorá-las, como se a cultura universitária pudesse ser verdadeira, desidratando-se pela falta de contato com a realidade
cultural do mundo.
Não haveria uma quarta via? Acredito que sim, a via da conciliação
sem compromissos, salvo com a objetividade que é o ideal da ciência. E
desde logo acreditamos que o novo humanismo é baseado na ciência (sem
fechar-se nela), exatamente porque a ciência, na civilização atual, de simples parte da sabedoria, muitas vezes tomada como oposta à sabedoria, se
tornou o principal ponto de partida para organizar a totalidade, a harmonia, a unidade. Assim como na universidade medieval coube esse papel à
fé, e até os começos do século 20, à razão no sentido do iluminismo.
Não repelir os contrastes ideológicos: desideologizá-los, para se tornarem substância da cultura verdadeira, aquela dentro da qual possam
todos, de alguma forma, encontrar-se. Raspar às ideologias a crosta dos
ressentimentos, da má consciência – ou da inconsciência geradora de fanatismos – das aderências históricas e culturais que permanecem como
coágulos na corrente viva da cultura. É a redução dos contrastes à diversidade, em vez da contradição. É a integração dos contrastes na torrente
cultural, na qual se enfileiram todas as diversidades como se fossem expressões funcionais e complementares de uma totalidade em devenir.
2
Kerr, Clark. The uses of the university. Cambridge: The Harvard University Press, 1964.
Ensaios sobre Educação e Universidade
139
O que é necessário é reduzir as ideologias, fenomenologicamente, é
retirar o joio do trigo, o puro do impuro, como também o real do aparente; o
permanente, do circunstancial; a verdade, das falácias que a escamoteiam.
Nesse nível a universidade encontra a plenitude, como instituição da cultura, da continuidade e da vitalidade da cultura, íntegra de passado e presente
juntos, pois a integridade da universidade é, estranhamente, não a do acabado, com todas as suas peças – mas a do acabado até agora, a plenitude do
rio na superfície mais alta de suas águas. Uma plenitude inacabada, eis o
seu paradoxo. Por isso, toda rigidez, todo imobilismo, todo ideologismo que
pretenda ser a consagração de um momento do rio, como se fosse toda a sua
longa viagem, tudo isso é mesquinho e falso. A universidade é tensão permanente entre a conservação e a criação da cultura.
Depois dessa depuração, todas as verdades, embora diferentes, podem conviver com um mínimo de homogeneidade, ou seja, de objetividade reconhecida pelo espírito. Esse reconhecimento é a ciência quem faz.
Não é sem razão que, no pensamento filosófico contemporâneo, surgiu o
prestígio da fenomenologia em estreita ligação com o impulso da ciência.
A fenomenologia reduz o dado ao seu conteúdo essencial; e a descoberta
desse conteúdo corresponde ao momento da captação que o espírito faz
de seu logos, ou seja, da plena possessão do logos pelo espírito.
A pesquisa significa a busca de um novo cogito, instaurador; somente
na solidão artesanal que ela propicia isso é possível. Solidão da conversão. Quem recebe uma verdade precisa ficar só com ela e revesti-la de seu
próprio ser; ao voltar para a comunicação com o nosso parceiro, ela vem
embebida do que elaborou a nossa intimidade solitária. E, por isso, a verdade, que se enriquece pela contribuição de todos, tem de alimentar-se na
solidão de cada um. Na sua apropriação. O vínculo pedagógico é apenas
isso – uma conversatio entre dois logos; de um a outro, o tempo da germinação. Um propõe, o outro acolhe, e ao devolver o que lhe foi proposto, a
resposta será a recusa, pela proposição de outro verbo, ou a adesão, na
qual o verbo de quem recebeu se integra – enriquecendo-o – no verbo de
quem deu. A conversatio é uma conversio. Jamais o verdadeiro método
pedagógico pode reduzir-se a esse simples jogo mecânico de ações e reações que predomina em nossas universidades. Aulas apressadas, respostas apressadas, provas apressadas. Não há tempo para pensar; nem para
que o diálogo seja articulado entre professores e alunos. Como florescer o
logos do discípulo, sem a solidão das horas de estudo e sem o estímulo da
conversatio? E o do mestre também se enfraquece, pela simples razão de
que a conversatio lhe é igualmente necessária, a ele – e sem os novos
horizontes que o contato com os alunos lhe oferece, o seu verbo perde os
estímulos que poderiam lançá-lo não só para fora de si, como também
para além de seu tempo. A aula magistral, um verbo torrencialmente lançado da cátedra (que é muito mais um gesto mental que o cargo há pouco
140
Durmeval Trigueiro Mendes
suprimido) – um verbo, repito, que não se articula, em nenhum momento,
com o do aluno; esse método retórico, esse esforço unilateral denuncia
duas coisas: 1º) que não se trata propriamente do verbo, mas da verbosidade, que está para aquele como a folha para o fruto; e 2º) que não há
confiança na criatividade do estudante. Pois este é parte essencial do diálogo, sendo o seu logos próprio que instaura a sua própria cultura, dando
forma à sua experiência. Tudo que lhe for ensinado, ou não será apreendido, ou o será pelo modo de sua irredutível originalidade.
A sabedoria inglesa criou o método de tutoria nas universidades, exatamente porque os ingleses viveram o bastante – e com bastante senso
prático – para aprender o que é a educação. Lá, o aluno se faz, como na
ágora com Sócrates. E o acompanhamento do professor, longe de favorecer as omissões ou a desídia, constitui tarefa muito mais árdua que o dar
aulas, porque é uma vigília permanente – e não o contato fragmentário e
mecânico – para engrenar a sua reflexão com a do aluno na hora exata.
Esse zelo de presença, de estímulo, de exatidão, é a parte do professor no
diálogo da universidade. Não lhe cabe apenas marcar deveres e cobrarlhes o cumprimento; esses não são os momentos de sua presença. O seu
momento é o da colaboração. O professor não é um juiz, nem um inquisidor,
é um parceiro da conversatio. Toda conversação tem de ser longa – intervalo de silenciosos monólogos submersos – e se supõe que, nesse encontro, o professor tenha a consciência mais longa que a do discípulo, para
instruí-lo, e tão generosa, que possa incorporá-lo. Digo propositadamente
consciência, de acordo com as idéias que venho apresentando, para traduzir uma visão aperceptiva de que a ciência é apenas uma das partes.
Isso significa que a cultura, no momento em que ela atinge a plena
consciência de seus impasses, sem perder a consciência de suas responsabilidades, tem de se colocar nessa posição de lealdade profunda que é a da
busca da verdade. É o momento supremo da objetividade.
Ora, a cultura moderna está exatamente num desses momentos. Só a
lealdade, uma decente e corajosa busca de entendimentos sobre ressentimentos, da verdade sobre as verdades, do Homem acima dos homens, por
uma consciência inclusiva, abrangedora, séria, poderá salvar a nossa cultura. E salva-la-á na medida em que a universidade, transformada até certo ponto na consciência crítica e profética da sociedade, estiver à altura
dessa missão. Nem facilidades demagógicas, nem eriçamentos fanáticos.
Estamos em plena hora da fraternidade intelectual: de novos e adultos,
como já foi assinalado, como também de todas as perspectivas, de todas
as buscas.
Essa fraternidade é amor, sem dúvida, na sua fonte. Mas o método
que a articula, o aparelho redutor, a pesquisa fundamental que conduz ao
logos, se encontra na ciência. Jamais, na civilização, a ética e a ciência
precisaram tanto estar juntas. Depois dos grandes momentos de antítese –
Ensaios sobre Educação e Universidade
141
em que os impulsos morais e religiosos se impunham avassaladoramente,
ou, de outro lado, só contava a ciência positiva, como assinala a história
da cultura, chegou o momento da síntese. A Verdade supõe uma intenção
fraterna, mas reclama um empreendimento de pesquisa. A moral, por seu
lado, baseia-se no amor, mas é também uma consciência nova do homem
em sua nova "aparição".
No umbral da universidade se encontram os seus guardiães. Selecionam, filtram, aprovam o que por esse umbral deve passar. Dentro do muro,
o guardião se vê perplexo pela enorme e quase disparatada quantidade de
coisas heterogêneas que lhe cabe reunir na unidade de seu comando. Que
é que se deve deixar entrar? É uma pergunta. Como arrumar o desconexo
que está lá dentro? É outra pergunta. É uma tentativa de resposta, o que se
contém nestas reflexões.
142
Durmeval Trigueiro Mendes
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
6
Pesquisa e ensino
no mestrado de Educação*
Introdução
O sistema educacional brasileiro precisa de um "estadomaior" altamente competente, na medida em que, nesse terreno, se pretende substituir uma administração burocrática por uma administração técnica, e um ensino rotineiro e
alienado por um ensino capaz de produzir uma visão criadora e crítica da educação. Por ambas as razões, há necessidade permanente da pesquisa educacional, que constitui
a substância da pós-graduação.
Ao contrário do que alguns ingenuamente supõem,
quando declaram que há excesso de teoria no país e o que
falta é colocá-la em prática, o que existe, algumas vezes, é
uma prática excessivamente rudimentar e inconsciente por
falta de conhecimentos rigorosos e atualizados. Ou então,
as idéias atuais provêm do mimetismo cultural.
*
Proposta apresentada ao Instituto de Estudos Superiores Avançados em Educação, para o Curso
de Mestrado promovido pela Fundação Getúlio Vargas. Publicada na Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos, v. 58, n. 128, p. 249-264, out./dez. 1972.
Ensaios sobre Educação e Universidade
143
As alternativas são, pois, ou rústicas, ou postiças. Nosso país tem
força, criação e, até, rusticidade. As experiências possuem o tempo da
maturidade, qualquer tempo da durée, longa ou curta. Entre outros, gostaria de fixar dois princípios:
1. Deve haver complementaridade e dinamismo entre criação e método (logia), que se aperfeiçoam indefinidamente.
2. O método deve tender epistemologicamente para a universalidade.
Método e criação se conciliam como fontes. Um espaço geométrico não
tem universalidade eficaz. Isolada, a razão tecnocrática fenece as fontes
psicológicas, filosóficas e sociais. O Sujeito e o Objeto têm um espaço antropológico com estruturas vitais. As ciências culturais, sobretudo, operam a
criação e o método em interação. Nesse humanismo, acrescido de nossas
peculiaridades socioculturais, a inteligência, em certos setores, deixa de ser
função do real, para transformar-se num repositório de idéias desvitalizadas,
ou de conhecimentos fragmentários e desconexos, os quais ocupam uma
parte da vida como simples rito de iniciação a investiduras na vida real. E o
curioso é que a tendência permanece na educação, quando na realidade as
investiduras já não pressupõem a eficácia simbólica, e sim, a real.
Acreditamos que o problema de pesquisa no Iesae deve abranger três
aspectos essenciais: a filosofia da pesquisa, a estratégia e a articulação
com o ensino.
A) Filosofia
A pesquisa no Iesae obedecerá a três postulados básicos:
1) desenvolver-se-á em função da política educacional e do progresso
das ciências da educação no país;
2) compreenderá, além da pesquisa empírica, a "obra do pensamento"
caracterizada pela reflexão filosófica em busca das raízes de
inteligibilidade da educação, de suas categorias e de seu processo,
bem como pelo esforço de síntese a cargo de generalistas. Síntese
que significa, no caso, a integração das ciências entre si, e das ciências com a política educacional, devendo contar, para isso, com a
colaboração de filósofos, cientistas (sobretudo das ciências sociais) e administradores;
3) será analítica mas também prospectiva, preocupada não apenas
com a explicação das estruturas e sistemas em funcionamento, mas
também, e sobretudo, com a indicação de outros modos de funcionamento requeridos pelo desenvolvimento brasileiro.
144
Durmeval Trigueiro Mendes
1. A "obra de pensamento"
Trata-se de reflexão destinada, antes de mais nada, a dar sentido e
orientação à pesquisa empírica. Esta, com efeito, limita-se, na análise dos
fatos e dos processos, a determinar-lhes a significação imediata, no nível e
na "zona" da realidade em que se situam. Ela chega a verificar o comportamento de determinados fenômenos, sem poder julgá-los ou alterá-los. Ora,
nenhuma ordem de fenômenos é totalmente explicável fora do contexto
de suas articulações com outras ordens de fenômenos; nenhum fato ou
processo, sobretudo na educação, adquire significado por si, na sua pura
materialidade empírica. O fato educacional só é compreensível à luz da
filosofia e da política.
Em primeiro lugar, educação é um problema de intenções, cuja compreensão não cabe inteiramente no âmbito da racionalidade científica. Por
exemplo, não há um currículo para a educação fundamental que possa ser
estabelecido apenas por critérios científicos, como se se tratasse apenas
de um Objeto suscetível de ser exaustivamente compreendido pelo saber
objetivado, que é o saber próprio da Ciência. Não, o currículo representa,
em grande parte, a opção de um Sujeito histórico, isto é, de pessoas e
instituições que, refletindo idéias e aspirações de seu tempo e de seu grupo, manifestam preferência por determinadas formas de educação. Só
depois de estabelecidos esses "pré-supostos", que pertencem à racionalidade
filosófica e política, é que entram em ação as ciências pedagógicas, exercendo uma racionalidade de segundo nível, que é a racionalidade técnica.
Assim sendo, a normatividade básica da educação não é haurida na
ciência empírica, nem, a fortiori, na técnica. Ela provém de um saber
mais radical: saber dos valores que, em última análise, estruturam o ser
e a cultura do homem dentro de seu projeto existencial. Além disso, um
projeto de educação funde os interesses do indivíduo e da sociedade em
processo de tensão que, permanentemente, encaminha a oposição entre
um e outra a soluções de compromisso, e, mesmo, de integração.
Por isso mesmo é que ele se apresenta, por natureza, como um projeto
simultaneamente individual e social, filosófico e político. Isto vale dizer
que a análise educacional inclui, necessariamente, a análise política, como
se pode verificar, por exemplo, em todas as obras fundamentais nesse terreno, desde Platão até Rousseau.
Por outro lado, a eficácia teórica de que se reveste a ciência significa
apenas a consciência interna do pensamento abstrato – condição indispensável para uma política de educação, mas insuficiente até que a ciência venha a explodir na decisão política.
Finalmente, nada pode acontecer de novo em educação sem a intervenção da filosofia e da política. A ciência explica a funcionalidade ou
disfuncionalidade das estruturas educacionais existentes, mas não tem
Ensaios sobre Educação e Universidade
145
condições de, por impulso próprio, formular novas estruturas. A pesquisa
científica sobre o rendimento da escola média, por exemplo, não pode, por si
mesma, julgar a escola média existente senão à luz dos próprios critérios e
objetivos pelos quais ela foi estruturada. Se, por hipótese, for considerado
como objetivo da escola média levar os alunos ao ensino superior, o critério
de análise de seu rendimento será o nível de aprovações no vestibular. O
pesquisador corre o risco de tornar-se prisioneiro do sistema quando não tem
condições de analisar, globalmente, o próprio sistema. Se ele se fixa numa
parte, procurará explicá-la por comparação com as outras partes, que por sua
vez se explicam segundo o mesmo método, dentro de um processo circular.
Temos então dois processos a considerar:
1°) o aprisionamento do pesquisador na "zona" do real em que se instalou a pesquisa, aprisionamento de que só se libera pela visão da
totalidade;
2°) o aprisionamento do pesquisador – já de posse da visão integral e
sistêmica – dentro do próprio sistema, considerado como algo que
se explica por si mesmo, insuscetível, portanto, de determinar suas
próprias mudanças.
Correlatamente a essas duas ordens de dificuldades, temos que basear a filosofia da pesquisa
1°) na interdisciplinaridade;
2°) na adoção de outros métodos de análise científica, além da puramente funcionalista, como tende a ser, por exemplo, o método de
análise de sistema;
3°) na associação vigorosa entre as ciências da educação e as ciências
sociais, tendo em vista o caráter integrativo e crítico que elas normalmente envolvem no conhecimento da realidade social, e a
elucidação dos anexos entre a ciência educacional e a política;
4°) no processo de reflexão radical, baseado na filosofia da educação,
com o concurso de outros generalistas, além dos próprios filósofos, assim como os políticos e administradores.
A filosofia da educação representa, ao mesmo tempo, o alicerce e o
coroamento do processo de conhecimento educacional: cabe-lhe
subministrar os enfoques epistemológico e antropológico, e, com base
nestes, a análise fundamental dos aspectos sociológicos e políticos da educação. Ela completa a interdisciplinaridade – que representa o esforço de
conexões predominantemente horizontais – como a busca de "causalidade vertical"; e completa, ainda, a ação integradora e crítica da sociologia,
arrimando-a em critérios normativos não puramente empíricos.
146
Durmeval Trigueiro Mendes
Na pesquisa educacional temos, antes de nada mais, de penetrar no
domínio do existente, segundo sua estruturalidade própria. Avaliar a realidade educacional com suas conexões, cada nível de ensino, por exemplo, confrontando com outros, e o subsistema educacional, com os
subsistemas econômico, político, cultural etc. Este é o grande esforço de
diagnóstico a que o Iesae teria de dedicar-se.
Mas temos, sobretudo, que dispor de meios de investigação destinados a mudar o existente, através de um conhecimento ao mesmo tempo
analítico e prospectivo da realidade brasileira. Esta seria a contribuição
mais significativa do Iesae na obra de reconstrução educacional do país.
Das considerações acima resulta:
1°) a necessidade de implantação das duas mencionadas ordens de
pesquisa, e
2°) a necessidade de fixarmos no Iesae a metodologia interdisciplinar.
Quanto à primeira parte, teremos facilidade em nosso trabalho com a
criação da pós-graduação em Filosofia Educacional, que constituiria o eixo
natural desse tipo de investigação. Quanto à segunda parte, contaríamos,
igualmente, com a vantagem de já dispor a Fundação Getúlio Vargas de
vários núcleos de ensino e pesquisa no campo das ciências humanas, suscetíveis de integrar-se num esforço convergente da pesquisa educacional.
2. Pesquisa teórica e pesquisa empírica
Não imaginamos, entretanto, a "obra do pensamento" separada da
pesquisa teórica e da pesquisa empírica. O conhecimento educacional se
forma desses três afluentes, variando a contribuição de cada um segundo
o tipo de problema e a fase da investigação. A visão do filósofo e do
generalista reclamam o conhecimento dos fatos, seja através de dados primários, seja através de dados teóricos já elaborados. A pesquisa teórica,
como é sabido, não precisa manipular diretamente os dados primários (a
maior parte do tempo, pelo menos); nas ciências que se baseiam na experiência, como as ciências da educação; eles constituem uma espécie de infraestrutura subjacente da teoria. Se for correta a conexão entre esta infraestrutura e as instâncias teóricas do pesquisador, o grau de explicabilidade
da realidade por ele atingido será tanto maior quanto mais alto o nível de
abstração.
Assim sendo, embora distintas da pesquisa empírica, a análise do
generalista e a pesquisa teórica dela precisam na medida em que o conhecimento dos fatos constitua uma das bases, tanto da teoria (sendo a
outra base, como se sabe, o a priori representado pela hipótese), como
Ensaios sobre Educação e Universidade
147
do projeto político. O tipo de contato com a realidade empírica é que
varia em relação a cada um desses agentes do conhecimento educacional.
O político (que é um associado do generalista, sendo ele próprio um
generalista no campo da ação) tem a experiência pragmática. O generalista
liga à experiência pragmática a visão interdisciplinar que a controla. O
teórico se firma nos fatos, diretamente, na medida necessária à justificação da hipótese, e indiretamente, depois que eles foram enquadrados num
sistema de categorias e símbolos.
No caso concreto do Iesae, imaginamos que, cronologicamente, haverá precedência de ação do filósofo, do generalista e dos "tomadores de
decisão" (o político e o administrador) como agentes programadores da
pesquisa empírica. A eles, a tarefa de estabelecer as perspectivas, as linhas de referência e o interesse final da pesquisa. Para "dar a partida", eles
utilizarão alguns dados empíricos essenciais; porém, uma vez deflagrada
a investigação, esses dados passarão a alimentar a "obra do pensamento",
sendo por ela igualmente alimentados, segundo um processo de feedback.
Dentro da trama criada por tal reciprocidade, desaparece a anterioridade
de uns em relação à outra.
B) Estratégia da pesquisa
1. Cremos que a pesquisa educacional no Iesae deverá centrar-se nas
áreas da pós-graduação: filosofia da educação (incluindo uma parte histórica), administração educacional (no sentido macroestrutural) e psicologia educacional. Não se trata, evidentemente, de três disciplinas, mas de
três campos bastante abrangentes. A associação dos três oferece uma base
para o trabalho interdisciplinar, desde que se incorpore, sempre que necessário, a contribuição de pesquisadores de outros institutos, dentro e
fora da Fundação Getúlio Vargas. A delimitação do campo de pesquisa
parece impor-se
1°) pela escassez de recursos humanos e materiais,
2°) por estar o Iesae ainda em fase de implantação, e
3°) pela conveniência de acumular, tanto a experiência da pesquisa
como seus resultados.
2. A Comissão de Planejamento, juntamente com os técnicos que
integram o Iesae, organizariam uma lista inicial de temas de pesquisa,
inspirada na filosofia do trabalho para a qual o item A oferece algumas
sugestões.
148
Durmeval Trigueiro Mendes
A escolha das pesquisas a serem realizadas seguiriam o seguinte
processo:
a) fixação dos temas (com sua justificação) em forma de esboço;
b) discussão desse esboço com outros especialistas, fora do Iesae, nas
várias áreas compreendidas pelas pesquisas programadas, bem
como as autoridades e técnicos dos órgãos governamentais, além
de outros a que a pesquisa possa interessar.
A discussão teria por objetivo fazer a pesquisa emergir de um autêntico processo intelectual, com o máximo de representatividade e diversificação da intelligentsia brasileira, sobretudo no campo da educação. A discussão com as autoridades e os institutos educacionais viria a colocar a
pesquisa em posição de influir na política educacional.
A programação deveria levar em conta a importância real da pesquisa, mas também a importância sentida por parte das autoridades e das
instituições de que dependa sua utilização.
Pode acontecer que elas, ou não se dêem conta de alguns problemas
reais, ou – por deficiência de informação ou de análise – se preocupem
com eles através de uma óptica distorcida. Não raro, considera-se insuficiente, para a formulação de leis e a tomada de decisões administrativas
em educação, um conhecimento científico ainda bastante tênue, ou inconsciente. Qualquer que seja a hipótese, teríamos de nos referir em nosso trabalho, com freqüência, às posições das instituições, das autoridades
e da opinião pública, inclusive quando se trata de modificá-las, seja motivando-as para problemas esquecidos, seja demonstrando, ou corrigindo,
quando for o caso, a debilidade dos pressupostos erroneamente tidos por
consistentes.
3. Entretanto, o sentido de eficácia que vai inspirar a pesquisa educacional no Iesae não deve apoucar-se no imediatismo. O compromisso
intelectual do Iesae é, basicamente, com a educação e não apenas com as
contingências a que esta se encontra vinculada, no plano das decisões
políticas e administrativas, ou da opinião pública. De resto, o diálogo
entre o poder e a ciência se processa sempre em forma de tensão, contendo, aquele, a tendência desta para a abstração, e procurando, a ciência, disciplinar o arbítrio do poder. O Iesae precisaria trabalhar em dois
planos, acompanhando, num deles, as emergências da política educacional (sobretudo quando elas são irrecorríveis), e no outro, sobrepondose a elas com vistas ao futuro, como obra de uma inteligência longa e
fertilizadora. Só com o tempo a ciência pode obter a solidariedade da
opinião pública e do poder. É sabido que as idéias só influenciam os
Ensaios sobre Educação e Universidade
149
fatos quando distanciadas deles por um longo período de germinação.
Se quisermos mantê-las rentes com os fatos, elas perdem a força
fertilizadora. O que muda a educação no país parece ser a "obra de pensamento" internalizada ao longo de pelo menos uma geração. A defasagem no caso é absolutamente necessária para substituição das estruturas de comportamento, as únicas de que dependem autênticas reformas
de educação.
Neste sentido, nada mais urgente para a educação brasileira que o
exercício de um pensamento não urgente, apesar de inteiramente entrosado
com os fatos. O Iesae poderia constituir-se, ao lado de suas tarefas mais
rotineiras, num verdadeiro centro de altos estudos em educação, conforme o nome que parece assinalar-lhe também essa vocação. Estudos com
ambições e ritmos traçados por esses horizontes de inteligência vertical e
inconformista.
4. Fizemos alusão, no item anterior, à necessidade de instaurar um
autêntico "processo intelectual" na educação brasileira. Para isso, é necessário estabelecer, de forma permanente, a troca de informações entre pesquisadores e especialistas de educação de todo o País; a informação sistemática das pesquisas feitas, ou em andamento, assim como das pesquisas
projetadas; a institucionalização do debate científico em matéria educacional. Imaginamos que alguns instrumentos e mecanismos poderiam ser
fixados, como, por exemplo:
4.1. a montagem, no Iesae, de um cadastro dos especialistas em educação, no Brasil;
4.2. a edição de um boletim informativo periódico;
4.3. a promoção de colóquios periódicos com administradores e especialistas, à semelhança de tantos que se institucionalizaram na
América e na Europa. Esses colóquios teriam características bem
diferentes das reuniões que já se vêm realizando no país, como a
Conferência Nacional de Educação, os Encontros do Conselho
Federal de Educação com os Conselhos Estaduais etc.
Sua particularidade consistiria no processo rigorosamente analítico
aplicado à discussão de temas que interessem à política educacional, visando tanto à explicação científica na educação como à conciliação entre a
ciência e a política educacional. Os colóquios constituiriam um dos instrumentos do "processo intelectual" da educação, a que já nos referimos, processo em que pudessem banhar-se, cada vez mais, as decisões políticas e
administrativas nesse setor. A organização de tais encontros seria bastante
flexível, sobretudo quanto aos tipos de participantes, ora administradores,
150
Durmeval Trigueiro Mendes
ora cientistas, ora professores, além de outras categorias, sem falar nas reuniões de síntese com representantes de todas elas.
5. O Iesae poderá empenhar-se em articular seu trabalho com entidades produtoras e entidades consumidoras da pesquisa. Com as primeiras,
tendo em vista a colaboração científica, e com as outras, o oferecimento
de serviços para os quais elas não disponham de estrutura adequada.
Dada a precariedade dos serviços de pesquisa educacional no país, os
órgãos que dela necessitam para a administração e o planejamento vêm
sendo levados a montar a sua própria "máquina" de pesquisa. Política compreensível, sem dúvida, mas, além de onerosa, pouco produtiva. A experiência vem demonstrando como é difícil para alguns órgãos de administração pública
1) formar equipes interdisciplinares e
2) trabalhar segundo métodos científicos, fora da pressão do imediato
e do processo burocrático.
Quanto à primeira parte, as equipes integrantes dessas entidades apresentam lacunas sensíveis em certas áreas científicas e técnicas, como, por
exemplo, nas ciências sociais e nas ciências da educação. Parece bastante
difícil, para elas, contar com especialistas de alto nível em alguns setores,
deslocando-os do ambiente universitário, onde não só têm situação firmada como também dispõem de ambiente de trabalho dificilmente encontrado em instituições não-universitárias. Para sermos realistas, não queremos dizer que tal ambiente já exista na maioria das instituições de pesquisa e ensino, mas estas, normalmente, dispõem de facilidades especiais
para criá-lo. Acreditamos que a cooperação entre o Iesae e órgãos como o
Ipea, o Inep e os departamentos do MEC trará a estes o que lhes está faltando, através de um mecanismo flexível e relativamente pouco oneroso
(sem ampliação de seus quadros, instalações ou equipamento).
Quanto aos departamentos do MEC, é evidente que a natural fonte
municiadora seja o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. Mas aqui
teríamos um dos casos de articulação com órgãos produtores de pesquisa.
As conexões interinstitucionais para a pesquisa, em voga em toda parte,
impõem-se, ainda mais, em países como o nosso, onde as instituições,
isoladamente, carecem de elenco de pesquisadores necessários para as
pesquisas interdisciplinares de certo vulto.
A título de sugestão, apontamos algumas entidades produtoras e consumidoras de pesquisa, com as quais poderia o Iesae eventualmente articular-se. Na primeira categoria: as instituições universitárias da Guanabara,
o CBPE e o setor de pesquisas do Ipea; na segunda: o MEC, o setor de
Ensaios sobre Educação e Universidade
151
planejamento do Ipea, a Secretaria de Educação, os organismos internacionais que cooperam com programas de educação no Brasil. No futuro, o
Iesae poderá estender sua ação aos sistemas estaduais de educação e às
universidades de outros estados.
6. Dada a escassez de pesquisadores e de recursos materiais no campo da educação, devemos evitar tanto na pesquisa como no ensino pósgraduado a repetição do que porventura já venha sendo feito por outras
instituições. Tal norma, adotada flexivelmente, não impediria a emulação
diversificadora e enriquecedora, nos casos que esta viesse a se impor.
Tendo em vista não só evitarmos duplicações inúteis, como também
identificarmos as possibilidades de esquemas integrados de trabalho, teríamos de iniciar imediatamente o diagnóstico da pesquisa educacional no
Brasil, incluindo:
a) os órgãos de pesquisa, atuação, programas e estilos de trabalho;
b) as pesquisas recentes ou em curso, assim como os projetos de
pesquisa;
c) os serviços de documentação científica da educação e os respectivos acervos.
C) Pesquisa e ensino
1. Neste tópico destacaremos apenas o funcionamento da pesquisa
no Iesae e seu relacionamento com o ensino.
Haverá duas linhas de pesquisa: uma motivada pelas necessidades
educacionais do país e pelas eventuais "encomendas" das instituições (chamemos linha A); outra, requerida pelos programas do curso (linha B). A
primeira segue os acontecimentos, enquanto a segunda se ordena segundo a lógica e o ritmo do currículo.
Entretanto, aproximações e interseções entre as duas linhas são não
apenas possíveis como necessárias. Antes de mais nada, tendo a realidade
brasileira, sempre que possível, como inspiração e linha de referência de
todo o curso, parte dos programas deste já se constituiria com base nas
pesquisas da linha A. Quando inviável essa hipótese, restaria sempre a
chance de os alunos participarem desse tipo de pesquisa por intermédio
dos professores, que seriam os responsáveis por ela.
2. Quanto ao ensino, não é necessário lembrar que a característica essencial da pós-graduação é a elaboração, e não a informação. Ela consiste
152
Durmeval Trigueiro Mendes
no trabalho autônomo do aluno (mesmo em equipe), sob a orientação de
professores (sobretudo do professor orientador), e em forma de pesquisa.
Em vez de absorverem um saber feito, os alunos serão levados a fazê-lo
por conta própria. De resto, a pesquisa é inerente também ao ensino graduado (e a qualquer nível de ensino), mas, enquanto nos outros níveis ela
consiste, apenas, no processo de re-fazer o saber (primeiro, recuperando
sob as estruturas teóricas o plano de empiricidade em que elas assentam
e, segundo, re-compondo as estruturas teóricas, já agora por iniciativa do
próprio aluno), no ensino pós-graduado se trata de fazer avançar o saber,
seja incorporando a ele novas "zonas" da realidade, seja construindo outros padrões teóricos, seja ampliando o nível de percepção teórica dos
alunos. Creio que daí poderíamos, inclusive, extrair o critério de distinção
entre o mestrado e o doutorado: o primeiro alarga, junto com a inteligência da realidade, a própria realidade conhecida, enquanto o segundo se
limita à primeira dessas operações.
Assim sendo, creio que deveríamos estabelecer uma metodologia do
ensino que respeitasse as características acima indicadas. Embora não caiba,
aqui, detalhar essa metodologia, julgamos oportuno lembrar algumas exigências fundamentais:
a) O curso não se organizaria, predominantemente, em termos de aulas, mas de pesquisas e seminários, destinando-se as aulas, basicamente, aos trabalhos de orientação geral e de síntese teórica.
b) O aluno seria assistido pelos professores em forma de tutoria, convindo que cada aluno tivesse seu professor orientador, já escolhido
no próprio ato de matrícula. O funcionamento da tutoria, contudo,
só é possível com determinado número de professores em tempo
integral ou em meio tempo. Dada as limitações financeiras do Iesae,
em sua fase inicial, sugerimos que em cada uma das três áreas de
pós-graduação haja pelo menos dois professores de tempo integral,
ou meio tempo, um deles em nível de titular, e o outro, de assistente.
c) Um dos principais instrumentos de trabalho dos alunos será a bibliografia. Cabe-nos, por isso mesmo, entre as providências preparatórias a serem tomadas, de imediato, com vistas ao funcionamento
do curso em 1972, a elaboração de uma lista de livros e revistas
básicas para cada área.
Em qualquer hipótese, o essencial é evitar a burocratização do curso; é
fazê-lo desenvolver-se dentro de uma atmosfera criadora. Todos estamos cientes de que o saber educacional no Brasil é extremamente escasso, sobretudo por terem faltado, ou terem sido malbaratadas, na maioria das vezes, as
oportunidades de trabalho criador. Em vez de ampliar os cabedais existentes,
limitamo-nos, quase sempre, a consumi-los, com risco de continuamente
Ensaios sobre Educação e Universidade
153
empobrecê-los. Ao lado desse empobrecimento, vale registrar os arcaísmos, as fórmulas do passado que sobrevivem, mesmo depois que sua validade se esvaiu com o tempo. O processo escolar, sobretudo em países
com as características do nosso, está sempre ameaçado de converter-se
em processo de consumo, alimentado pelo capital de giro, sem o ingresso
de novos investimentos. Daí a "mesmice" das coisas fundamentais, dissimulada pelas mudanças de superfície. A nosso ver, a grande vocação do
Iesae consistirá, exatamente, em identificar essas questões e o modo eficaz de operar com elas.
Para realizar esse tipo de trabalho, impõe-se, antes de tudo,
arregimentar um grupo de professores bastante competentes, e um grupo de jovens talentosos que se disponham a completar a sua formação,
dentro e, sobretudo, fora do Brasil. Creio que os dois grupos são indispensáveis para uma instituição com os objetivos do Iesae.
O contato com métodos de trabalho e novas idéias nos centros universitários americanos e europeus mais adiantados nos parece muito
importante na formação de pesquisadores e professores de educação.
Entretanto, a contribuição estrangeira deve ser apenas subsidiária do
esforço de professores e especialistas brasileiros que reunam à competência científica a visão amadurecida e autêntica dos problemas do
Brasil. Toda a programação científica do Iesae, com as diretrizes que
venham a inspirá-la, deverá ser estabelecida, sempre e vigorosamente,
com base num esforço de autoconsciência nacional, no estudo meticuloso de nossas necessidades e possibilidades, assim como de nossas
características culturais e institucionais. A utilização de técnicos – e
de técnicas – estrangeiros se processará sempre como forma de fertilização, e não de mimetismo.
3. Quanto à organização das atividades de pesquisa do Iesae, sugerimos as seguintes diretrizes:
a) o staff de pesquisadores permanentes do Iesae será constituído de
seus professores;
b) pesquisadores estranhos ao staff permanente serão admitidos por
contrato, para tarefas específicas e temporárias. Eles trabalhariam
sob a coordenação do departamento de pós-graduação, cuja área
esteja predominantemente envolvida na pesquisa;
c) a pesquisa a cargo dos professores ficará sob a responsabilidade de
um departamento de pós-graduação, tendo em vista assegurar o
trabalho em equipe e a associação ensino-pesquisa.
154
Durmeval Trigueiro Mendes
Anexo: Sugestões para o programa de pesquisas do Iesae
A) Política e administração da educação
1. Administração dos sistemas de educação
a) O estudo da administração educacional no Brasil, por influência
americana, tem se concentrado no estabelecimento de ensino, e
não no macrossistema educacional. Entretanto, nossa política educacional se faz, predominantemente, com base neste último, sobretudo a partir da Lei de Diretrizes e Bases, que instituiu, como
autônomos, o sistema federal e os sistemas estaduais de educação.
b) A organização de tais sistemas, no entanto, continua sendo, praticamente, a de antes da LDB, o que explica em grande parte o
descompasso entre as intenções dinamizadoras dos governos e o
relativo imobilismo em que têm permanecido. Os efeitos da defasagem incidem sobretudo na esfera do planejamento educacional,
ainda, praticamente, por estruturar-se nos Estados.
2. Assistência técnica
a) A assistência técnica representa a estratégia do melhor uso possível das competências especializadas em favor das regiões onde elas
são escassas. Impõe-se, especialmente em países como o Brasil,
caracterizados pela rarefação cultural e pelo grande desnível cultural entre as várias regiões. Por isso, as próprias leis educacionais
(como a da reforma universitária) têm enfatizado sua necessidade
e previsto sua implantação.
b) Faltam, entretanto, estudos sistemáticos sobre os tipos e formas de
assistência técnica, assim como sobre os tipos dos especialistas
aptos para essa função.
3. Expansão do ensino superior
O primeiro grande problema do ensino superior no Brasil consiste na
tomada de consciência das implicações sociais, econômicas e culturais da
sua expansão. Pretende-se, às vezes, que esta se limite às exigências do
mercado de trabalho, mas a demanda educacional excede, de muito, esse
limite. Que fazer para estabelecer a correlação adequada, ou, ao contrário,
enquadrar esse excedente de demanda em um modelo "extensivo" da
educação superior? A teoria sociológica, tanto quanto a teoria educacional,
Ensaios sobre Educação e Universidade
155
em nossos dias, já têm algumas respostas para esse problema. Trata-se de
ajustá-las ao quadro socioeconômico, cultural e institucional do país.
4. Regionalização do ensino superior
Esse estudo visa fixar, em bases tanto quanto possível científicas, as
áreas geoeducacionais previstas pelos órgãos de Governo. A filosofia dessa política reside em combinar dois processos: o da concentração e o da
difusão da cultura universitária. A estratégia derivada de tal filosofia consiste em criar "canais" de fertilização que liguem os núcleos mais consistentes à sua periferia. Onde estão esses núcleos? Quais os métodos de
canalização mais apropriados? A regionalização não pode ser feita com
um traço arbitrário sobre o mapa, e sim com a identificação dos
"inervamentos" realmente existentes na estrutura e na dinâmica do processo social e educacional brasileiro, e como a fixação de uma política que
as aproveite, com as retificações necessárias, quando for o caso.
5. Programação de novas escolas superiores
A processualística da criação de escolas superiores deverá acompanhar os resultados do estudo previsto no item anterior. Até agora, ela se
esgota no exame dos projetos de novas escolas, culminando com sua aprovação ou recusa. Cabe transformar esse processo formal, "judiciário", num
processo dinâmico, político: os órgãos do Governo não se limitariam a
verificar as condições existentes para a implantação dos projetos, mas ajudariam a promover essas condições, quando o projeto correspondesse a
uma necessidade social ou educacional.
Essa pesquisa não está incluída na da "expansão do ensino superior"
porque, embora inserida na perspectiva fixada para esta, tem suas próprias
características. O projeto de expansão trata dos problemas econômicos, sociais e culturais do desenvolvimento do ensino superior, tomado em conjunto,
enquanto o projeto de programação das escolas superiores visa sugerir um
sistema administrativo e operacional de criação de escolas superiores.
B) Sociologia e Economia da Educação
1. Qualidade e quantidade da educação
a) A pesquisa procuraria fixar o tipo de educação correspondente a
cada nível de ensino, levando em conta as respectivas finalidades
156
Durmeval Trigueiro Mendes
(socioculturais e econômicas) e a articulação entre os vários níveis
e modalidades de ensino.
b) Visaria, ainda, estabelecer os próprios critérios e métodos para a
fixação da "qualidade" e da "quantidade" da educação, especialmente
no processo de planejamento, e indicar as instâncias competentes
para operar em relação a cada uma dessas categorias.
2. Educação e trabalho
Esse estudo compreenderia:
a) uma visão sintética e crítica das teorias modernas sobre a relação
educação-trabalho;
b) a pesquisa sobre esse problema no Brasil, indicando soluções ajustadas às estruturas educacionais instituídas pelas reformas do ensino fundamental, médio e universitário.
A pesquisa (empírica e filosófica) buscaria esclarecer problemas como
o da orientação e o da formação profissional (este último, na escola e no
serviço), as virtualidades da educação geral para a formação profissional,
o tipo de "tecnicalidades" a serem implantados na escola com vistas à
formação técnica etc.
3. Crise das profissões
Apesar de terem mudado substancialmente de perfil e algumas praticamente desaparecido, as profissões liberais continuam sendo encaradas, hoje, segundo sua imagem antiga. Fenômeno inverso também ocorre, o de novas profissões ainda não "reconhecidas". Finalmente, o modo
como de fato são exercidas as profissões fica, às vezes, ignorado pelo
sistema que as institucionaliza. Esses seriam os três problemas-chave da
pesquisa.
4. As profissões no campo da educação
Impõe-se oferecer uma base objetiva ao esquema legal (Lei nº 5.540/
68) que, sem pretender ser exaustiva, fixou seis categorias profissionais
no campo da educação. A pesquisa destinar-se-ia a verificar, empiricamente,
o conteúdo das profissões educacionais, tanto as estabelecidas na lei como
as que ela não previu.
Ensaios sobre Educação e Universidade
157
C) Pedagogia e Didática
1. Pedagogia diretiva e pedagogia não-diretiva
A pesquisa, tanto quanto a política educacional entre nós, tem-se preocupado muito mais com os problemas de conteúdo do ensino do que
com os seus métodos. A questão metodológica, entretanto, foi reacesa no
mundo atual, tanto do ângulo instrumental (o problema, por exemplo, da
tecnologia educacional), como, sobretudo, do ângulo pedagógico e filosófico (o problema do educando e de sua relação com a educação, a cultura
e a sociedade, à luz dos novos dados da Psicologia, da Sociologia e da
Didática). Os novos enfoques retomam e fazem progredir a problemática
da "escola nova", enriquecendo, por exemplo, a noção da experiência com
a da criatividade. Prepara-se na pedagogia uma revolução semelhante à da
escola nova, aliás com alguns dos impulsos desta vividos numa outra perspectiva histórica e científica.
Buscar as referências para essa restauração pedagógica seria o objetivo da pesquisa.
2. Educação geral
O que significa em nossos dias. Suas formas e chances:
a) Educação geral e "educação liberal": educação geral e trabalho;
b) Conceitos e distinções básicas: educação geral, educação de base,
educação de massa, educação popular. O problema da democratização do ensino;
c) Formas e mecanismos da política educacional correspondentes a
cada uma dessas categorias;
d) a solução brasileira.
3. A Faculdade de Educação no Brasil
a) Aqui se apresentam duas questões fundamentais:
1) a formação do educador, nas condições criadas pela renovação das
ciências da educação, e
2) a emergência de novas especializações no campo educacional, nascidas dentro deste ou da articulação entre áreas científicas diversas, como, por exemplo, economia e educação.
158
Durmeval Trigueiro Mendes
b) A respeito das profissões da educação, a lei apenas fixou, como é
de sua índole, um quadro normativo: cabe à pesquisa suplementálo com as verificações e análises necessárias. (ver B, 4).
4. Metodologia e didática do ensino superior
Por motivos circunstanciais, o ensino superior tem permanecido praticamente fora da cogitação na maioria dos estudos referentes à didática.
Avoluma-se, agora, no Brasil, o interesse pela didática universitária: nosso projeto pretende ir ao encontro desse interesse.
5. Implementação da reforma do 1° e 2° graus
Trata-se de dar à nova estrutura legal da escola fundamental e da escola média brasileira o necessário substrato teórico. Importa evitar, por
exemplo, o risco de anexar ao núcleo tradicional de educação, de forma
meramente apendicular, novos segmentos ou apetrechos educacionais.
Além disso, impõe-se oferecer bases científicas a problemas como:
1) elaboração e execução do currículo;
2) formas de sondagem vocacional (1° grau) e de profissionalização
(2° grau);
3) tipos de professor e modelos normativos para sua formação;
4) processo gradual de implantação segundo critérios econômicos,
socioculturais, administrativos etc.
6. Orientação educacional
A institucionalização legal da atividade conhecida com esse nome, e
da forma de habilitação para seu exercício, não é suficiente para implantar no País, na prática, um sistema de orientação educacional. As principais perguntas a serem respondidas pela pesquisa seriam:
a) Que tipo de orientação se pretende oferecer no Brasil? Qual a conciliação desejável entre os aspectos pedagógicos e os aspectos psicológicos da orientação?
b) Que métodos e instrumentos serão utilizados na orientação?
c) Qual a estrutura dos serviços? Conveniência, ou não, de criar serviços centrais, articulados com serviços próprios de cada unidade?
d) Qual a formação do orientador?
Ensaios sobre Educação e Universidade
159
e) Como resolver o problema da desproporção entre a extensão da
rede escolar e o número de orientadores disponíveis?
A pesquisa deveria começar, entre outras coisas, pelo levantamento
dos orientadores diplomados e dos que seguem realmente a profissão. Seu
resultado final seria um projeto de implantação gradual do sistema, a ser
identificado pela própria pesquisa como o mais adequado ao País.
7. Educação pré-primaria
O surpreendente surto de expansão das escolas maternais e dos estabelecimentos destinados à educação pré-primária no Brasil não vem sendo acompanhado, nem de longe, de estudos e pesquisas necessários num
terreno que a ciência pedagógica e psicológica moderna consideram particularmente crucial na educação. Há uma improvisação temerária, sobretudo nos casos em que é agravada pelo interesse comercial. Nossa pesquisa compreenderia, fundamentalmente, o problema dos métodos de educação e o da formação de professores neste setor
D) Novos horizontes da educação
1. Educação e cultura de massa
A pesquisa teria por objetivo determinar:
a) o conteúdo, os métodos e os agentes da educação de massa;
b) um esquema a ser implantado no Brasil, de uso sistemático dos
meios de massa na educação, levando em conta as diferenças regionais e socioculturais, os recursos humanos e financeiros existentes e os suscetíveis de serem criados com base no planejamento
sugerido pela própria pesquisa;
c) destaque para programas de cultura de massa; distinção entre cultura de massa e cultura popular; educação de base; rádio educativa
e TV educativa.
2. Educação de adultos
Convém reconhecer, antes de mais nada, que educação de adultos não
é uma expressão unívoca. Há vários tipos de educação de adultos, embora
160
Durmeval Trigueiro Mendes
desfechando todos, a nosso ver, em duas categorias fundamentais: educação de base e educação permanente.
As perguntas a que a pesquisa tentaria responder seriam, entre outras, as seguintes:
a) Que tipo de adultos se pretende educar?
b) Quais os métodos apropriados para cada categoria de educação de
adultos?
c) Qual a relação, na educação de adultos, entre o processo educacional e o processe cultural, assim como entre educação e trabalho,
dentro de nossas condições regionais e locais?
d) Quais os problemas determinados, na educação de adultos, pela
distinção entre a estrutura urbana e a estrutura rural?
e) Como proceder para a implantação da política nacional de educação de adultos dentro da limitação dos recursos disponíveis? Quais
as prioridades a estabelecer?
f) Métodos e instrumentos pedagógicos, e
g) Professores e sua formação.
3. As formas heterodoxas da educação e da formação técnica
Se, no mundo inteiro, as deficiências do aparelho educacional são supridas por formas não-convencionais de educação, esta solução se torna muito
mais imperativa em países, como o nosso, onde tais deficiências são particularmente críticas. Cursos por televisão ou por correspondência, formas especiais de formação de professores em curto prazo, recrutamento para o ensino
de pessoas com outras especializações, educação dos superdotados etc., são
modalidades que, ou não chegam a ser estruturadas, entre nós, ou tendem a
florescer como processos marginais (com injusta consciência de inferioridade em relação aos outros processos ou entregues à improvisação e à incompetência). Nossa pesquisa buscaria sistematizar esses processos, assegurandolhes "direito de cidade" no campo da educação.
4. Tecnologia educacional no Brasil
A pesquisa visaria:
1) identificar as novas técnicas educacionais suscetíveis de servir ao
Brasil, com as adaptações a elas impostas pelas condições típicas
de nosso país (evitando-se o costumeiro mimetismo em relação aos
países mais adiantados);
Ensaios sobre Educação e Universidade
161
2) indicar, por outro lado, as mudanças que a introdução dessas técnicas acarretaria nas estruturas globais dos sistemas de educação.
Alastra-se a suposição de que nossa tecnologia educacional é válida
por si mesma e, conscientemente ou não, tenta-se produzir um tipo de
educação a partir da tecnologia disponível, quando deveria ser o contrário: a tecnologia a serviço da educação adequada ao País, não se ignorando, é verdade, a interação entre os fins e os meios que pode levar estes,
até certo ponto, a mudar aqueles – o que seria, igualmente, objeto da
pesquisa.
5. Instrução programada
A instrução programada não constitui apenas uma transformação instrumental da pedagogia; significa, sobretudo, a adaptação desta a uma
nova perspectiva filosófica e sociológica da educação, permitindo, por
exemplo, um novo tipo de individualização do ensino, mas, sobretudo, a
utilização de um nível de massa, de alto padrão de ensino, do mesmo
modo que a produção desses "padrões" onde haja a competência especializada, e sua difusão onde ela seja escassa.
A pesquisa pretenderia levar os estudos sobre educação programada
do plano acadêmico ao plano de política educacional brasileira.
6. Educação pela cultura
Estão tradicionalmente separadas, no Brasil, educação e cultura. A
esse propósito, destacamos dois tipos de fenômenos:
a) o desenvolvimento educacional sem o indispensável lastro cultural, como é o caso, por exemplo, de escolas superiores e universidades funcionando em cidades que não possuem sequer livrarias
nem bibliotecas;
b) a promoção cultural, reivindicada pelas comunidades locais, realizada exclusivamente através do processo escolar.
Precisamos, em contraposição, aproveitando as melhores experiências de outros países, instituir uma autêntica política cultural, com seus
processos específicos, e usar meios culturais para realizar a educação dos
jovens e dos adultos, por serem, em muitos casos, mais eficientes que os
meios pedagógicos tradicionais, e por acarretarem considerável redução
nos ônus do sistema escolar.
162
Durmeval Trigueiro Mendes
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
7
Desenvolvimento, tecnocracia
e Universidade*
O exame das instituições envolve necessariamente o
exame da ação do Estado. A liderança deste tem como uma
de suas vantagens decisivas antecipar-se à evolução espontânea das instituições ou das estruturas sociais e sobrepor
ao jogo errático dos fenômenos uma vontade normativa.
Essa liderança, com tais características, surgiu no mundo
moderno juntamente com a própria consciência de desenvolvimento, e como um de seus imperativos fundamentais.
Entretanto, a marcha do desenvolvimento – como idéia e
como processo – vem-se realizando em cima de contradições que nos últimos anos só se têm agravado. Houve, antes de mais nada, em vários países, uma fratura no processo que dissociou a liderança do Estado do compromisso
desenvolvimentista. Em vez de acelerador da mudança
institucional, ele se firmou como poder frenador. Mantevese à frente do processo a vontade normativa, porém movida pelo freio e não pelo detonador. O "escândalo do desenvolvimento" – que é como Austruy (1965) vê essa irrupção
*
Texto publicado na Revista de Cultura Vozes, ano 69, n. 6, p. 5-18, ago. 1975.
Ensaios sobre Educação e Universidade
163
ocorrida em nossa época – assustou a consciência conservadora na qual
se reintegraram rapidamente as elites do poder. Isso aconteceu sobretudo nos países do Terceiro Mundo pela razão óbvia de que nestes,
mais que noutros quaisquer, a mudança-desenvolvimento se mostrava
não só às classes dominantes, como, em sentido diverso, às próprias
massas populares. Nas primeiras, ela provocou desconfiança e medo;
nas segundas, uma desapoderada confiança no seu emergente
protagonismo.
Em alguns países, foi a torsão sofrida pela liderança do estado. Torsão
nítida da vocação revolucionária (no sentido de desenvolvimento) para a
vocação conservadora.
E a universidade?
Arma-se, nos países em mudança, uma situação bastante paradoxal:
a criatividade das atividades das universidades nos períodos de mudança deve exercer-se com o máximo de vigor, consolidando a sua autonomia, e o Estado, pelas mesmas razões, tem de assumir uma enérgica posição de liderança, na qual se inclui o planejamento, como instrumento
e expressão de uma política de eficácia, de efeitos multiplicadores e aceleradores, não só na economia, mas também em todos os setores da totalidade social. Dentro dessa perspectiva – da universidade voltada para
fora, ou seja, nos seus compromissos com a realidade social e nacional –
o grande problema do governo da universidade é o da conciliação entre
a autonomia e a heteronomia, entre a sua vontade e a do Estado. Por
definição, é o Estado o órgão mais abrangente e, ao mesmo tempo, mais
específico da vontade geral, mas esta se expressa também por outras
fontes que devem ser captadas. Simplificando os termos do problema,
poderíamos dizer que, teoricamente, as relações entre a universidade e o
Estado se revestem de extrema importância, como o confronto do que
deveriam ser as duas expressões da síntese nacional: porque são os dois
"universos" que a representam de maneira mais global e mais ordenada:
um, como estrutura de poder; e outra, como estrutura de saber. Um deve
constituir a expressão suprema da Nação, como lembrava Deloz (a Nação "se personnalise s'étatisant",1 e a outra, a suprema expressão da
cultura, como a consciência que a Nação forma de si mesma e do seu
projeto.
1
Ver Deloz, J. T. La société internationale et les principes du droit public (Paris, 1929). Citação de L. Franca, In: A crise do
mundo moderno. 4. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1955, p. 37.
164
Durmeval Trigueiro Mendes
Desvio tecnocrático e compartimentalismo
Os métodos de ação acompanharam essa "virada" na filosofia do poder.
Em primeiro lugar, o Estado criou o que se poderia chamar o desvio
tecnocrático. Pretende-se esvaziar o desenvolvimento (consciência e processo) de sua substância política, substituindo a ratio política pela ratio
técnica. O desvio, no plano metodológico, consiste em opor a idéia de
"eficiência" (conceito ambíguo) à de "participação". O pretexto é a complexidade das estruturas na qual a tecnocracia corta fácil, e o lucro é a neutralidade, que afasta a controvérsia.
É bastante ilustrativa a concepção de planejamento. Se o planejamento se subordina inteiramente à decisão política, ele não é mais planejamento. Pois é da essência do planejamento ser uma instância de
racionalidade e, além disso, lhe servir de guia e de complemento, como
também de contrapartida e antídoto: há entre os dois uma relação dialética
por força da qual se evita tanto o tecnicismo apolítico quanto o politicismo
irracional. Evita-se, por outras palavras, o unilinearismo da razão técnica
e a gratuidade do poder ou a sua ordem selvagem. Separar o processo
político do processo de planejamento como processo racionalizador é desdialetizar o poder e a razão dentro de uma só totalidade de que ambos são
pólos. O que significa, em última análise, abandonar o poder ao
irracionalismo, sem se assegurar a possibilidade de que ele venha algum
dia a lançar a ponte para a razão e a encetar com esta um processo de
fertilização mútua.
Em segundo lugar, a estratégia despolitizante usa a técnica do
compartimentalismo. Cada setor cuida do que lhe é próprio como forma
de autopreservar na pureza de propósitos e em eficiência de ação. Cada
parcela da população – instituição, grupo, classe etc. –, por seu turno,
deve concentrar-se nos próprios interesses. Não cabe à universidade preocupar-se com o que acontece além de seus muros, nem tampouco à Igreja
ou aos sindicatos. Os estudantes são para estudar, os trabalhadores, para
cuidar de seu ofício, a Igreja, de sua fé, e assim por diante. Dessa forma, se
desfazem as solidariedades não só das estruturas como das pessoas e grupos, juntamente com seus dinamismos convergentes. Na sociedade, qualquer parte decepada do todo perde o contato com a fonte de seu próprio
dinamismo. Esvazia-se. A menos que se trate da situação típica de projeto
– na qual certas partes têm a missão de criar um novo todo. Mas também
aí a solidariedade persiste, só que com seus termos invertidos: das partes
para o todo, germinativamente, a contra-corrente, em vez do todo para as
partes seguindo um declive natural.
Além do mais, a solidariedade aqui mencionada não implica, por si,
integração, segundo a visão funcionalista. Significa que o dinamismo das
partes é essencialmente referido ao todo, no sentido da integração, ou
Ensaios sobre Educação e Universidade
165
melhor, da estruturação – mas também no sentido da desestruturação.2 A
sociedade, para sobreexistir, tem de negar-se, continuamente, pela incidência polêmica (indivíduo, instituição, organização), pois sua própria
substância é dialética, formada de uma continuidade descontínua que nos
faz lembrar o polémus patér pantón de Heráclito (Trigueiro Mendes, 1973,
p. 236).
O pensador e economista Quesnay – patrono dos Fisiocratas e um dos
precursores do liberalismo clássico – formulou a célebre "Tableau". Concebeu, de forma sistemática, a idéia da totalidade articulada na economia
e, por via desta, na sociedade – mas seu inconsciente ideológico lhe impôs
distribuir as classes sociais sobre um Tableau fixo, tudo continuando a
girar, indefinidamente, segundo itinerários invariáveis com os quais se
confundia a própria noção de ordem social.
A estratégia da divisão consiste em sobrepor as formas aos conteúdos
para calar, nestes, o apelo que emerge de cada parcela da realidade para o
reencontro com a realidade toda.3 Daí por que a recente reforma universitária no Brasil é uma reforma cartorial. Até recentemente, o planejamento
educacional feito pelos economistas não era rigorosamente econômico (além
de não ser propriamente educacional) – não tocava na espessura do econômico com todos os entrelaçamentos que ele mantém com as diversas dimensões da sociedade, mas um processo linear que projeta no futuro números diferentes dos atuais, projetando porém as mesmas realidades.4
2
"Le mouvement de structuration, déstructuration, restructuration ou d'éclatement, liant la structure avec la société em
acte". G. Gurvitch, La vocation actuelle de la Sociologie. 3. ed. Paris: PUF, 1963, T. I, p. 435. Aliás, a Resolução nº 8, de 1º/
12/71, anexa ao Parecer nº 853/71 do CFE sobre a legislação do 1º e 2 º graus, afirma: "[...] nos Estudos Sociais, ao
ajustamento crescente do educando ao meio, cada vez mais amplo e complexo, em que deve não apenas viver como
conviver, dando-se ênfase ao conhecimento do Brasil na perspectiva atual de seu desenvolvimento". Três observações: a)
perspectiva funcionalista; b) certa contradição entre o "ajustamento" e o "desenvolvimento"; c) concepção sociológica e
pedagógica – ambas questionáveis e eventualmente contestáveis quanto ao ajustamento do educando ao meio. Em relação
específica com a educação, mas com diferentes visões, Piaget, Lapassade, Lobrot, Rogers, Freinet, Bourdieu. Gostaríamos
de incluir, entre outras fontes, Campus 1981 – The shape of the future in American Higher Education (coletânea) (Dell Publ.
Co. Inc. N. York, 1968).
3
Esse apelo é acenado na seguinte passagem de Pascal: " Toutes choses étant causées et acusantes, aidées et aidantes,
médiates et imédiates, et toutes s'entretenant par um lien naturel et insensible qui lie les plus élognées et les plus différentes,
je tiens impossible de connaître le tout sans connaître le tout sans connaître particulièrement les parties" (Oeuvres Complètes.
Paris: Gallimard, 1954, p.1110).
4
As transformações que se produziram ao mesmo tempo na realidade e na consciência assinalaram a passagem de uma
sociedade de microestruturas para uma sociedade de macroestruturas. A idéia de totalidade e a das conexões que lhe dão
coerência, impôs-se à cultura moderna, transformando, crescentemente, o estilo liberal e individualista num estilo planejado e societário de ação social. No plano científico, essa percepção gerou o método interdisciplinar das ciências sociais e,
no plano político, a necessidade de ação global e coordenadora. Desenvolvendo-se dentro desse contexto, a ação social
teve de absorver-lhe as características. Da idéia de totalidade, muitos resvalaram para o totalitarismo, no qual o Estado
sufoca os indivíduos e as instituições livres, sob o fundamento de que só uma instância transcendente a todos os
particularismos poderia assegurar o bem-estar social. As formas democráticas da ação social estão colocadas, portanto,
entre o desafio da eficácia e a inutilidade dos métodos tradicionais, que remanescem do individualismo liberal. Para elas,
a eficácia deve ser encontrada na conciliação entre as instâncias intermediárias e a sociedade global. Essa conciliação é, ao
mesmo tempo, interior e exterior, na medida em que se baseia numa atitude da consciência da própria realidade social
para ajustar-se aos indivíduos, às instituições e às organizações, através do sujeito histórico (Touraine, A. Sociologie de
l'action, Paris: Seuil, 1965, p. 91-92). Inspira-se ela em uma nova e científica visão da totalidade social, não como totalidade feita (Lewin, K. Psychologie dynamique. Paris: PUF, 1959), mas como totalidade que se faz, dialeticamente, pela ação
(Sartre, J. P. Critique de la raison dialectique, Paris: Gallimard, 1960, p. 33s: "Le problème des médiations"). (Ainda quanto
às mediações, e com perspectiva diferente, a Encíclica do Papa João XXIII Mater et Magistra, 65 – Princípio de Subsidiaridade).
166
Durmeval Trigueiro Mendes
Divisor de águas
A educação representa um divisor de águas entre duas categorias e
duas políticas de desenvolvimento. Ambas preconizam a importância da
educação, mas enquanto uma pretende despolitizá-la inteiramente, a outra a considera parte da Política (Trigueiro Mendes, 1968). Pode-se pensar
em extrair da educação apenas o "alimento" da máquina tecnocrática. Ou,
ao contrário, mais que usar instrumentalidades, se procura obter dela uma
nova inteligência do homem e da sociedade, pela qual tais
instrumentalidades vão ser acionadas e com a qual se elaboram novos
poderes e, sobretudo, uma nova liberdade de criação e de promoção humana.5 A liberdade de criação e de promoção é ao mesmo tempo causa e
efeito: ela cria um espaço e pressupõe o espaço de novos protagonismos e
aspirações. Dentro dele podem distender-se radicalismos e realizar-se uma
revolução sem catástrofe. A tensão dialética persiste, revolucionariamente,
gerando um processo continuado de transformação social, em lugar de
crises espasmódicas logo reabsorvidas pelo statu quo.
Trata-se, ao contrário da dialética marxista, de uma práxis que se desenvolve a partir do pluralismo divergente, mas também convergente.
Assinala Ricoeur:
[...] je pense que nous devons toujours garder à l'esprit, au moins comme une
requête lointaine, cette exigence d'une société pluraliste. Ici je m'opposerai très
vivement à l'idée marxiste qu'une société pluraliste est nécessairement le reflet
d'une lutte de classes. Il y a une vertu propre de la divergence d'intérêts et
d'opinions, ainsi que de la compétition, où il faut voir non seulement un facteur
d'incitation sociale, mais surtout un facteur de responsabilité. Le pluralisme reste la voie privilégiée de l'exercice collectif de la liberté. Je résisterai pour ma part
de toutes mes forces à la réduction de l'idée de compétition sociale à celle de lutte
des classes. C'est au contraire um problème majeur des sociétés industrielles de
faire succéder de nouveaux types de pluralisme à la lutte des classes, afin que la
société industrielle soit une société libre (1966, p. 184).
E continua Ricouer: "Je pense que la tâche de l'éducateur est d'être
utopiste, de maintenir au sein de la société une tensión constante entre la
perspective et la prospective" (1966, p. 184 e 190).6
5
Em nossa concepção, existe uma distinção entre a promoção social e a promoção humana: a primeira obedecendo
primordialmente à lógica do sistema, com as suas necessidades e conveniências, e a segunda, aos interesses do próprio
homem além do sistema. Entretanto, o homem e o sistema social se entrelaçam, dialeticamente.
6
Consultar também E. Bloch, "Processus et structure" (sobre a utopia) In: Genèse et structure (coletânea, Paris: Mouton,
1965); (Ricoeur e Bloch têm perspectivas bastante diferentes, mas sempre sérias e fecundantes). Ver, ainda, Trigueiro
Mendes, Durmeval: 1) Toward a theory of educational planning: the Brazilian case (Michigan State University, 1972) – Cap.
"Impasses of planning"; 2) "Universidade, teatro e povo", prefácio do livro Os mistérios da missa, de C. de la Barca. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1963; 3) Fenomenologia do processo educativo. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v.
60, n. 134, p. 140-172, abr./jun. 1974.
Ensaios sobre Educação e Universidade
167
Em relação à universidade, defendemos a
[...] redução do pluralismo, em termos dialéticos, a uma unidade que não elimina
os termos conflitantes, mas os incorpora ao longo dum constante processo purificador ao nível da racionalidade. A tolerância intelectual, o tempo e o método
redutor, que evita a eiva da má consciência ideológica, são os fatores de uma
universidade do pluralismo, nos tempos da controvérsia, dos cortes culturais,
como são os nossos tempos. Seria ela a versão moderna da conversão (Trigueiro
Mendes, 1966).
O que põe a universidade acima das limitações do arbítrio e de qualquer particularismo é a autonomia da razão em sua totalidade concreta e
dinâmica, manifesta na plenitude de cada momento histórico. Nenhum
particularismo teria capacidade de expressá-la. E mesmo o Estado, pela
sua inevitável parcela de pragmatismo arbitrário, não pode superpor-se à
universidade; de certa forma, até, como reino da razão, a universidade se
separa virtualmente do Estado por uma tensão dialética, que é parte daquela outra, armada entre os dois pólos que dividem a sociedade: a
racionalidade e a irracionalidade.
A razão nem é a dos racionalistas, nem muito menos a dos tecnocratas,
que são os racionalistas de hoje, depositários de uma razão deteriorada
por três séculos de tendências mecanicistas. Trata-se de uma razão
enraizada na existência, na sua riqueza e variedade7 e na sua própria transracionalidade. Uma razão de práxis, e não o oposto a ela. Normativa, não
porque rejeite as "impurezas" da ação, mas porque as incorpora como a
própria densidade do que precisa ser ordenado.
A sociedade industrial e a educação
A sociedade industrial depende cada vez mais de esforço criativo e
de competências, concertados em termos de qualificações cada vez mais
altas. É necessário, entretanto, dar dimensão política ao processo industrial, ampliando essas qualificações tendo em vista não apenas a solidariedade das competências como a das iniciativas no plano político. A industrialização, bem como os modelos societários de ação que ela produz,
7
O infinito do homem é o infinito, indivisível em si mesmo, se revelando e realizando no tempo, in-finitamente, pela
multiplicidade dos homens, os quais, todos, como lembrava Pascal, marcham através do tempo como se fossem um só
homem. A reiteração sui generis que o in-finito é toda a ambigüidade da história e o paradoxo do homem. É a realização do
Infinito, no modo do tempo, discursivo, ilimitado, suscetível de mudança e crescimento contínuo. A dialeticidade é a vida
e o método desse contraponto. A forma de preservar os dois componentes da dialética existencial é admitir que a existência concreta do homem é permeada e fertilizada pelo infinito, não para concretizá-la cumulativamente, mas para exercer
incessantemente a aventura de sua interrogação; para viver a experiência do ser em todas as direções e, em cada uma
delas, como uma aventura válida, um caminho substancial, e não uma simples interrogação neantizante (ver Sartre) e
frustradora. Parece-nos que, em nossa concepção, se abriga a utopia.
168
Durmeval Trigueiro Mendes
já estão determinando o protagonismo da maioria sobre a minoria privilegiada num plano técnico – o do fazer. É indispensável que o mesmo fenômeno ocorra na ordem política, em que envolvida a capacidade de fazer
fazer,8 o poder de decisão.
A educação acompanharia esse processo, mas também de certa forma
o aceleraria e, mais ainda, alteraria as condições em que ele se desenvolve. A educação seria um instrumento dialético que reduz, tendencialmente,
a unidade da práxis, em nova sociedade, as diversas dimensões do agir
humano no plano profissional, no plano social e no plano cívico-cultural.
É fácil, por exemplo, analisar a expansão do ensino superior. Não pode
haver essa expansão sem a mudança das condições básicas da sociedade: só
se compreende adequadamente o conceito de desenvolvimento e o funcionamento da sociedade moderna no sentido da estrutura das massas e da
engrenagem sobre a qual assenta a industrialização. Paradoxalmente, o processo social, que introduziu o império das máquinas, estreitou a solidariedade dos indivíduos dentro do sistema de ação que ele gerou e que o sustenta. Sistema que aproximou não só a produção e o consumo, mas também o
fazer e o ser, ligando indissoluvelmente o modo de qualificação ao modo de
participação. Administradores e pedagogos estão interessados em novas
8
A pólis se distingue, teoricamente, pela unidade da práxis dos cidadãos mediante a qual se harmonizavam a liberdade e
a ordem social. Fazer e fazer fazer estavam no mesmo nível. O centro e a periferia, o poder e o povo se confundem na sua
dialética. A única condição era pertencer ao universo político que guardasse internamente a sua homogeneidade. *A nova
pólis seria a síntese, que incorpora a pólis ateniense clássica (só tendencialmente) **à antítese industrial e tecnológica.
*Prospectiva: a educação dentro de um tempo e de um espaço social unificado, através da comunicação, do trabalho e da
organização política. Superação da educação rigidamente estruturada ao sujeito (escalonamento por idade e geração) e em
relação ao objeto. O "sujeito histórico" da sociedade tende a ser um só, congregando as diferentes classes sociais e diferentes grupos etários e, dessa forma, a interessar-se cada vez mais pelo mesmo objeto. Unidade de objetivos "intencionalidade"
(projeto) num novo tipo de sociedade democrática. Em nosso programa de Filosofia da Educação II (Iesae, 1972), destacamos o ponto 6 – Educação e comunicação: conversibilidade entre o processo de comunicação e o processo de educação.
Coincidência, como horizonte a vista, entre "espaço educacional" e "espaço social". Tendência para a des-escolarização" do
processo educacional como instâncias sociais das próprias instâncias sociais, investidas da função educativa. **No discurso de Péricles, inserido no livro de Trucídides, Histoire de la Guerre du Péloponesse (Paris: Garnier, 1948, p. 118-126, t.
1), se vê "Cette contrée que sans interruption ont habitée des gens de même race , est passée de mains em mains jusqu´à
ce jour, em sauvegardant grâce à leur valeur as liberté [...] Nous l´avons accrue, nous qui vivons encore et qu sommes
parvenus à la pleine maturité parvenus à la pleine maturité. Cést nous qui avons mis la cité em état de suffire à elle-même
em tout dans la guerre comme la paix. [...] Em ce qui concerne les differents particuliers, l´égalité est assurée à tous par
les lois; mais em ce qui concerne la considération em raison de son mérite, et la classe á laquelle il apartiente importe
moins que as valeur personelle; enfin nut n´est gêne par la pauvreté et par lóbscurité de as condition sociale, s´il peut
rendre des services aà la cité". A pólis democrática estava marcada pela influência de Solon e, depois, Péricles. Na análise
de Glotz (La cité grecque. Paris: A. Michelet, 1968, p. 13), se afirma: "Nous apercevons ainsi la grande erreur de Fustel de
Coulanges. Conformément: à la théorie qui dominait dans l´école libérale du XIXe siècle, il a étabil une antinomie absolue
entre l´omnipotence de la cité et la liberté individuelle, quand cést, au contraire, d´un pas égal et s´appuyant l´une sur
l´autre qu´ont progressé la puisance publique et l´individualisme". Ver, também, 2ª parte, "A cidade democrática", sobretudo p. 144. No declínio da pólis, figura Platão, com suas obras políticas, especialmente a República e As Leis. É interessante o cotejo entre Platão – Oeuvres Comlètes. Paris: Les Belles Lettres, 1949, tome VII, 1ª parte. La Republique, livre IV
419a; Les lois, t. XI, livre V 745b, p. 116s (ideal e realidade); o livro VI, 753a (p. 116s – as duas igualdades) – e os analistas
de Platão: a) G. Glotz ("La cité au déclin," sobretudo p. 328s); b) K. Popper (La sociedad abierta y sus enemigos. :Buenos
.Aires: Paidós,1957.Destaques: cap. 6: "O programa político de Platão" (a justiça totalitária, sobretudo p. 117: o discurso de
Péricles) e o cap. 10: "A sociedade aberta a seus inimigos"; c) Buber: O socialismo utópico. São Paulo: Perspectiva, 1971.
Destaque: p. 186-189; d) F. Chatelet. "Philosophie de l'action". In: Les théories de l´action. Paris: Hachette, 1972, p. 343.
Além das análises dos autores já referidos – sobretudo Popper: análise fina e severa – , W. Jaeger percorreu todo o caminho
da paideia, da cultura grega: Paideia, vol. II, cap. II (a herança de Sócrates; cap. III (Platão e sua posteridade); cap. VI
(Gorgias: o educador como estadista. México: Fondo de Cultura Económica, 3 v. 1946).
Ensaios sobre Educação e Universidade
169
tecnologias na educação. Entretanto, essas tecnologias não servem apenas
para instrumentar a educação tradicional. Elas não se resumem numa
instrumentalidade acrescentada ao arsenal antigo. Não se trata de uma adição, mas de uma ruptura: elas transformam a estrutura tradicional da
educação. Em sentido rigoroso, porém, não é a tecnologia que produz esse
efeito, já que ela se insere, simultaneamente, como efeito e causa no conjunto das mudanças estruturais da sociedade moderna. Tecnologia e massa vivem em simbiose, como alicerces – ambas – da sociedade industrial.
Na educação tradicional, é o logos. Agora, graças à tecnologia, temos
a possibilidade de multilogos, ou o diálogo multitudinário que rompe a
estreiteza do logos pedagógico tradicional. O destaque do logos e da práxis
é sua transmissão à máquina. A máquina retém a mensagem, mas também
a desdobra ao longo do processo de comunicação, e gera mudanças qualitativas. Por exemplo, a quantidade de educação que a tecnologia permite
realizar muda inclusive o projeto educacional, assim como o projeto político que lhe serve de base. A qualidade se transforma em quantidade e
esta naquela, indefinidamente. Se um projeto brasileiro ampliasse a extensão da escolaridade em todos os níveis e, simultaneamente, assegurasse o modelo inadequado, já estabelecido, no sentido da qualidade da
educação, seria um equívoco. Alguns planejadores não pesquisam esses
desdobramentos da qualidade/quantidade (qualidade antropológica, econômica, política, educacional, associando-se quantidade de alunos, professores, orçamentos, tipos de instituições e organização social), e nesse
caso seriam aprendizes de feiticeiro. Não há um projeto real; seria a mistura de espontaneidade e de normas sem respaldo científico (dados e
fatos, inclusive políticos).
A industrialização impõe que a educação seja adequada à participação qualificada e solidária do maior número no funcionamento articulado
da práxis social, ou seja, do sistema de ação da sociedade. Até aí, fica a
educação contida nos limites de suas virtualidades técnicas e instrumentais, limites que o contexto tecnocrático pretende reforçar. À maioria ficam reservadas as decisões políticas e a prerrogativa de fazer fazer. No
plano político, esse modelo, em nossos dias, não oferece variação tão substancial em face do modelo dualista tradicional. Só que agora o fazer se
apresenta mais ou menos sofisticado, enquanto na sociedade pré-industrial ele se esgotava em atividades rudimentares e repetitivas. Mas em
ambos os casos há apenas o fazer – em vez do fazer fazer, a condição de
Objeto, em lugar de Sujeito (histórico), a instrumentalidade em oposição
ao protagonismo dos fins.
Acreditamos, porém, que a dialética da sociedade industrial não se
detém aí, e que os impulsos que ela desencadeia vão produzir, entre outras alterações qualitativas, a conversão gradativa da exigência técnica em
exigência política.
170
Durmeval Trigueiro Mendes
Nação desenvolvida
Uma nação moderna não pode viver de um pequeno grupo de
supertecnocratas, mas da eficiente educação do povo. Eficiência econômica, social e cultural existe em cada nível de ensino, correspondendo, a
cada um desses níveis, necessidades econômicas, sociais e culturais.
É preciso compreender a nação como um "cheio" – uma totalidade
compacta e dinâmica, dentro da qual todos se distribuem somando eficiência, sendo igualmente necessária a educação como o processo capaz de
prover essa eficiência plena ao longo do tempo e de suas exigências incessantemente renovadas.
O conceito de totalidade, no caso, não significa apenas aproveitamento de todos os indivíduos no projeto coletivo, mas também o aproveitamento de toda a sociedade em benefício de cada indivíduo (Trigueiro
Mendes, 1969, p. 9-10). Assim como há uma solidariedade das pessoas
para um empreendimento comum, existe uma solidariedade dos mecanismos e das estruturas sociais no sentido de facilitar essa inclusão dos indivíduos no projeto social.
Há um nítido processo de convergência de todas as técnicas sociais
como última etapa da dialética da sociedade industrial, superando
dualismos que ela própria, em certa altura, exacerbara (sobretudo entre o
trabalho e a educação), e ultrapassando o estágio de rígida divisão de trabalho a cuja sombra, igualmente, ela floresceu. Poderíamos dizer que as
técnicas sociais caminham para uma crescente conversibilidade confundindo-se com as de educação, estas com as de cultura e de comunicação
etc. Em última análise, a ação humana encontra-se consigo mesma, capacitando-se o homem todo para a totalidade da ação. Ou seja, toda a educação para toda a ação; mas também toda a ação para toda a educação.
Expliquemo-lo mais claramente. Compreende-se, cada vez mais, a ação
como um todo cujas virtualidades percorrem todas as suas manifestações
como artérias dentro das quais corre o mesmo sangue unificador. Isso leva
o homem a encontrar-se consigo mesmo, com a plenitude (inacabada) de
suas potencialidades, revelando-lhe a identidade profunda do homo sapiens
e do homo faber. A identidade da ação – como uma só – abriu caminho à
nova identidade do homem, como um ser só. Foi preciso que a humanidade revelada na história realizasse essa integração, para que cada indivíduo, em particular, pudesse realizá-la. Por outras palavras, a integração de
seus vários aspectos vem-se processando de fora para dentro: primeiro,
no plano das estruturas sociais, e só depois no plano de suas harmonias
internas. Foi necessário que, exteriormente, se reduzisse a separação entre a educação e o trabalho, entre classes educadas e classes trabalhadoras, para que, internamente, na práxis individual, se pudessem conciliar
aquelas duas dimensões. Só então a educação resolveria o problema de
Ensaios sobre Educação e Universidade
171
sua ambigüidade fundamental, que hoje se traduz, por exemplo, nas expressões "educação geral" e "educação técnica" (Trigueiro Mendes, 1969,
p. 9-10).
A pólis grega é um caso bastante ilustrativo, não só sob esse ponto de
vista, mas também sob o prisma da evolução da racionalidade política. A
marginalidade dos trabalhadores em relação à pólis, assim como a escassez
da tecnologia são responsáveis, em grande parte, pela tênue presença do
trabalho na reflexão política da época. Ora, o trabalho e a tecnologia dominam o mundo moderno e constituem as fontes principais de sua complexidade e de seus dinamismos. A racionalidade política, na Grécia de Platão,
foi absorvida pela ética muito mais do que pela técnica, no sentido de que o
fazer dos gregos se situava muito mais na ordem moral e especulativa que
na ordem material. Mas como o fazer se confunde com o fazer-se, a ética –
ou a Política, que era sua expressão mais completa – enfeixava as
instrumentalidades com que os indivíduos não só se inseriam na pólis como
a construíam e lhe entretinham os dinamismos com as estruturas que ela
possuía. O reino da razão se impunha ao reino da política, mas por vias
diferentes das que vieram a prevalecer a partir da Revolução Industrial.
Desde então, as complexidades a que acima aludimos, com a projeção do
trabalho na pólis e o apoio de uma tecnologia emergente e extremamente
dinâmica, a racionalidade técnica tomou uma enorme projeção, enriquecendo, ou integrando (às vezes, substituindo ou pretendendo substituir) a
racionalidade política, como expressão do esforço organizacional, de um
lado, e de outro, da inevitável proeminência do econômico. A civilização
tecnocrática pretende sobrepor, como a expressão da nova pólis, o plano
constituído por uma racionalidade linear e rasa. "Deve-se considerar
claudicante todo avanço cultural de que esteja excluído o pensamento
tecnológico e o logos da técnica. A técnica não pode ser considerada como
uma derivação da ciência, mas como uma ciência aplicada. [...] Uma cultura autêntica sempre integra a tecnicidade à inteligência"9
O cimento da homogeneidade da pólis era a paidéia, como deverá ser
em uma nova cidade. Entretanto, essa homogeneidade é fundamentalmente
política. O erro básico da mútua, tecnocracia consiste em pretender
homogeneizar despolitizando, o que, em última análise, significa organizar uma massa instrumental a serviço de instâncias políticas situadas fora
e acima dela. Os tecnocratas simulam despolitizar reduzindo todos os seus
problemas a problemas técnicos: na verdade, eles racionalizam (nos dois
sentidos do termo) uma pólis com a qual identificam interesses a que,
inconscientemente ou não, passam a servir. A idéia de homogeneizar pelo
9
Auzias, J. M. La filosofia y las técnicas (contracapa). Barcelona: Oikos-Tau, S/A,1968.
172
Durmeval Trigueiro Mendes
critério da racionalidade técnica leva a um novo tipo de sociedade heterogênea., em que a classe política é substituída por um mandarinato que
transforma seu saber em poder. A perspectiva de exclusividade desse saber é tão perigosa quanto o caráter contingencial da escolha dos que vão
exercê-lo. Porém, mais funesto que ambos, é a impostura ideológica com
que se destaca o compromisso político como uma espécie de lógica
organizacional e mecânica, e uma política de fins por uma política de meios. Com que, em suma, um regime tecnocrático se instala sob o signo da
intocabilidade da razão.
A lógica mecânica e "técnica" é incumbida, igualmente, de elaborar os
planos de desenvolvimento. Aqui o problema se desloca para outras perspectivas, mas não acarreta riscos menores. O desenvolvimento dos vários
países do Terceiro Mundo está a cargo de tecnocratas, destituídos tanto da
visão política quanto da visão universitária dos problemas. A sociedade
fica comprimida por uma visão que exclui toda a sua densidade. O saber,
ao mesmo tempo que é convertido em poder, é reduzido a esquemas
normativos a que faltam, no plano científico, consistência e universalidade. A desconexão entre a universidade e o projeto nacional nos parece um
fenômeno extremamente inquietante.
Périplo da Razão
O fenômeno é, antes de tudo, de sociologia da cultura. Instalando-se
dentro de um quadro fixado pelo "economicismo", a tecnocracia transforma o economista no novo Príncipe (no lugar do de Maquiavel). Não porque aquele tenha assumido as artes deste, mas, exatamente ao contrário,
por pretender tê-las superado com uma nova arte – ou melhor, uma nova
razão que dispensa todas as artes da política. Para a ambição tecnocrática,
a razão técnica substitui a "razão pura", ou a "razão fenomenológica", ou a
razão dialética (para referir momentos destacados da moderna história da
cultura), assim como o plano (em que ela se encastelou) substitui a Política de Aristóteles (síntese da cultura antiga), a Summa tomista (síntese da
cultura medieval) ou a enciclopédia (síntese da cultura que brotou da Renascença). A lógica tecnocrática escamoteia a espessura do real e, por isso,
tem a ilusão de controlá-lo. A pressa em chegar à razão técnica converteu
esta simples lógica de meios.Imaginando-se desobrigada de situar-se em
referência aos fins, ela termina colocando-se – inconscientemente ou não
– a serviço dos fins do establishment. O empenho de buscar categorias
neutras – (seria uma contradição) – e a troca, em decorrência disso, do
plano político pelo plano técnico, resulta de uma justificação prévia da
política estabelecida. A adesão implícita dos valores leva os tecnocratas a
considerar irrelevante até mesmo o problema dos valores. Mas seu esforço
ordenatório já se exerce sob um ethos interiorizado.
Ensaios sobre Educação e Universidade
173
Faz-se a divisão do trabalho na sociedade e se confere a uma minúscula fração o privilégio de ordenar a totalidade social. A tecnocracia se
isola de todas as instâncias, fazendo pairar sobre elas a sua solidão. Entretanto, parece-nos, ao contrário, que a decisão política e o planejamento
global se sobrepõem a todas as instâncias que integram a contribuição de
cada uma delas: uma forma de organizar e dar eficiência ao pluralismo
social, político e cultural. Nisto tem extrema importância o papel das universidades: imagem real do pluralismo e instrumento de sua articulação.
Universidades particulares
Poderia a universidade particular favorecer o dinamismo e o pluralismo
cultural e social?
A nosso ver, deveria existir a prevalência da educação pública (no
sentido de educação comum) sobre a educação nas instituições particulares. Entretanto, não há educação pública, como um arquétipo, solto no
espaço. Existem conjunturas favoráveis às duas direções: a educação pública e a educação particular. O problema real é o regime político. No
regime autoritário não há distinção, por exemplo, entre educação pública
e educação oficial (esta, baseada numa ideologia burocrática).
Na atual conjuntura brasileira, poder-se-ia dizer que algumas instituições universitárias particulares têm o seu dinamismo muito mais rente
ao dinamismo social do que as universidades oficiais. Aquelas instituições poderiam criar (e, na verdade, já criaram) outros estilos, outras sensibilidades, outros discursos que, finalmente, desaguam no estuário
pluralístico.
Entretanto, insistimos, há uma chance (ameaçada): sair do torniquete
tecnocrático, da sedução do paradigma das universidades oficiais. A ênfase
tecnológica não significa apenas uma opção por um modelo educacional,
em última análise, um modelo político. Ela resulta de um engajamento com
o "sistema de ação" vigente, acionado, em grande parte, pelos recursos oficiais destinados à realização de estudos a serviço da área tecnológica. O que
quer dizer que está condicionada pela política dos órgãos governamentais.
Nos Estados Unidos acontecem fenômenos semelhantes. Clark Kerr
analisa:
It is interesting that American universities, which pride themselves on their
autonomy, should have taken their special character as much or more from the
pressures of their environment as from their own inner desires; those institutions
which identify themselves either as 'private' or as 'state' should have found their
greatest stimulus in federal initiative; [...] those institutions which had their
historical origins in the training [...] should have commited themselves so fully to
the service of brute technology (1964, p.49).
174
Durmeval Trigueiro Mendes
O conceito de particularidade
As instituições universitárias particulares exercem, paradoxalmente,
a liderança cultural e, indiretamente, a influência marcante do processo
democrático. São instituições particulares no sentido de encarnar o estilo
de serem públicas.
Entretanto, é preciso distinguir dois tipos de instituições universitárias: algumas procuram representar, antes de tudo, a refração do público,
e outras se empenham pela sua diferenciação e vitalização da comunidade social. De um lado, seria uma experiência original destinada a enriquecer a cultura e a sociedade; de outro lado, representa, eventualmente, um
mecanismo "redutor" da universalidade.
Há um tipo de individualismo institucional. A família ou a Igreja não
constituem instâncias intermediárias entre o seu dinamismo criador e a
totalidade social a ser fertilizada por elas, e, sim, instrumentos de
enfeudamento que as enquistam na totalidade e as desarticulam. Essas
instituições, ao mesmo tempo que representam o indivíduo, o sufocam, e
então a religião se torna sectária, e a família, uma fonte de discriminação
social.
No outro caso, o indivíduo mantém o diálogo direto com o universo.
Ele é um ponto da circunferência, podendo contemplar toda a vastidão do
círculo. Esse tipo de individualismo, paradoxalmente, leva à totalidade, à
sociabilidade, à universalidade.
Há um individualismo de posse e um individualismo de doação; um
de ter, outro de ser.10 O economista F. Perroux distingue, a respeito do
desenvolvimento econômico, entre o avoir plus e o être plus. O individualismo possessivo deseja atrair os bens para usufruí-lo, no confinamento
de seu casulo individual ou grupal, enquanto o individualismo criador
apropria o que recebe, para devolvê-lo recriado e enriquecido.
Universidade e empresa
A empresa industrial procura atar a sociedade a sua particularidade,
no sentido de criar estímulos de consumo/produção, sem apercepção antropológica (apercepção no sentido forte de Herbart) dos objetivos sociais,
culturais, econômicos, educacionais. Pondera Bertrand de Jouvenel:
10
B. de Jouvenel, "Arcadie", conferência in Rencontres Internationales de Genève, 1961. Ele continua sua reflexão: La
colaboration des Occidentaux et des Soviétiques pour la subversion des peuples sous-developpés est une chose effroyable.
Ces peuples sont très loin de notre développement industriel. Faut-il leur donner à penser que le bonheur social n´est
possible qu´à partir de notre degré de puissance industrielle, et par la sanctionner toutes les souffrances qu ´implique
l´impératif de líndustrialisation accélerée, pris comme seule règle de politique nationale?"
Ensaios sobre Educação e Universidade
175
Tout l'art de la raison pratique est de faire jouer les causes efficientes au service
de causes finales, que nous sommes libres de choisir et que nous avons l'obligation
morale de bien choisir. La cause finale du processus économique c'est
l'amélioration de l'existence humaine, qui doit être le concept central d'une
planification sociale (1961).
A empresa é particularista no sentido da desarticulação da práxis coletiva, enquanto a universidade o é no sentido da invenção de novos modos de articulá-la.
A universidade contém, sempre, a tensão entre a diferenciação e a
universalidade. A empresa industrial tem um momento de originalidade,
de inovação, na concepção de Perroux,11 mas, imediatamente – e incessantemente – tende a uniformizar os modelos de consumo/produção.
Parece-nos que, nas universidades oficiais, subsiste a perda da velocidade e, por mecanismo compensatório, o redobrado élan das universidades particulares.
Entretanto, a vocação das instituições universitárias particulares – o
reforço e a reorientação de seus dinamismos na linha que acabamos de
ponderar – não se afirma de maneira automática: elas precisam ganhar a
consciência dessa vocação e de sua práxis. Continuam latentes no seu novo
desempenho as contradições que elas acobertam: a tendência à privatização
que marcou grande parte de sua tradição ligada ao espírito de classe. A luta
a favor da escola, ou da universidade particular, tem, muitas vezes, disfarçado, esse espírito, no pretexto de defender o direito ao pluralismo filosófico na educação. Além disso, subsiste, em algumas instituições, o lucro graças a certa contaminação entre os dois tipos de particularidade a que nos
referimos acima: o empresarial absorve o universitário. Interesse real, também, nas universidades católicas de outrora, o triunfalismo que sobreviveu.
Continuava como uma aderência do contexto cultural da Idade Média, idade em que a unidade se converteu, por hipostasis, de uma realidade histórica numa realidade metafísica. Mas, enquanto a universidade medieval era
autêntica, e a nossa, artificial, a universidade medieval poderia ser pluralística
na linha de seu tempo, e algumas universidades católicas permanecem
"univocistas" contra a sua época.
Agora, depois do Concílio de João XXIII, a onda de renovação da Igreja
vai levando de arrastão estreitezas e aderências institucionais já superadas.
Entretanto, as instituições universitárias particulares se refletem nas
sucessivas conjunturas brasileiras, as oscilações entre o pluralismo e a
ideologia monolítica, a diferença sociocultural e o muro tecnocrático. Algumas vezes, representavam um foco de sectarização em contraste com o
11
B. de Jouvenel, idem.
176
Durmeval Trigueiro Mendes
sistema público de ensino, caracterizado como sistema aberto, permissivo e
pluralístico; outras vezes, a sectarização está do lado do sistema público.
Universidade pluralística
1. Na universidade medieval, a comunidade dos mestres e alunos refletia a comunidade da cultura. Tinha-se alcançado um nível de maturidade que reclamava uma espécie de parada para a autoconsciência reflexiva
e ordenadora, a avaliação do caminho percorrido e o delineamento de
novas perspectivas. A cultura medieval tomara consciência de si mesma:
dava o balanço e fazia as projeções. Aclarava seus pontos referenciais e
assinalava as marcas de sua escalada. Isto que faz, de resto, toda cultura
no ápice de sua maturação, por um imperativo dos seus dois impulsos
fundamentais: de tradição – às vigências que se pretende consagrar – e de
renovação – às vigências que se pretende instituir. É um momento culminante de equilíbrio, em que a sociedade fechada e a sociedade aberta se
encontram para se integrarem harmonicamente, a tradição abrindo-se aos
nossos tempos, e a aventura de liberdade criadora vinculando-se à disciplina da cultura e à exigência de sua institucionalidade.
A universidade medieval, do ponto de vista da filosofia da cultura, foi
um desses momentos culminantes. Nem todos os tempos são igualmente
felizes para atingirem esse marco nítido de maturidade; para alcançá-lo
simultaneamente em toda a Terra; e para dele tomarem consciência. A
nossa época, por exemplo, é tipicamente o oposto disso. Todas as suas
tentativas de tomada de consciência são fragmentárias, e as que pretendem ser abrangedoras do todo, apenas metem o todo em perspectivas unilaterais. É que nem nos elevamos, ainda, àquela maturidade, nem o nosso
tempo é simultâneo; dentro dele, vários tempos se atropelam: sociais, culturais, históricos etc. A unidade é hoje a mais forte e dolorosa das aspirações de nossa época: sua utopia mais febril e generosa.
O conflito de vontade dentro da universidade representa, em grande
parte, um choque ideológico, no sentido amplo da palavra: entre esquemas de valores, opostos pela diferença de gerações ou pelas diferentes
perspectivas políticas. Ora, será "utópico" supor o consenso por sobre essas divisões intransponíveis.
2. Só podemos entender a universidade como o esforço da razão: para
ser universal na compreensão da totalidade, deverá tornar-se universal
pela reunião de todas as perspectivas. Numa cultura polêmica como a
nossa, é indispensável a universalidade pluralística. Ela encontra a plenitude... inacabada. Ao contrário disso, toda rigidez, todo ideologismo, pretende ser a consagração de um momento cultural... imóvel.
Ensaios sobre Educação e Universidade
177
O facciosismo deve ceder lugar ao pluralismo. O método da violência, ao da investigação racional. A ânsia de dominar, ao labor paciente de
convencer. À reação dos nervos feridos, a da razão.12 A pesquisa universitária significa a busca de um novo cogito: instaurador.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
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12
A razão é imantada pela ideologia e pelo mito (v. nosso texto "Fenomenologia do processo educativo"(9). Os mitos têm
de comum a superfetação. A realidade é traída na cultura, eis o fato dramático da cultura. Mas também pela cultura a
realidade se traduz. A consciência dos fatos e a superfetação dos fatos ao mesmo tempo – aí reside seu paradoxo e sua
dialética. É que a consciência aperceptiva é a consciência superfetadora. No mesmo passo que percebe a realidade, o
espírito a escamoteia.
178
Durmeval Trigueiro Mendes
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180
Durmeval Trigueiro Mendes
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
8
Anotações sobre o Pensamento
Educacional no Brasil*
A Escola Nova e seus protagonistas
A meu ver, a Escola Nova, na Europa e nos Estados
Unidos, era um epifenômeno cultural, embora alguns
pedagogos, inclusive os Pioneiros de 1932, não tenham
percebido a malha complexa dessa doutrina. Sabe-se que
os pioneiros da Escola Nova, no Brasil, utilizaram primordialmente os métodos, transpostos dos Estados Unidos, e
menos o conteúdo. Entretanto, não só os Estados Unidos,
mas também países europeus aglutinam, bem ou mal, conteúdos e métodos. Mas alguns críticos brasileiros da Escola
Nova omitem totalmente esse aspecto, sobretudo as diferenciações entre o Brasil e os outros países quanto às origens geográficas e, principalmente, culturais.
Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira marcaram o
divisor de águas em relação à Escola Tradicional, no sentido preciso: organizam as vigências culturais do passado e
*
Estudo publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v. 68, n. 160,p. 493-506,
set./dez. 1987.
Ensaios sobre Educação e Universidade
181
do presente, no Brasil, desde a Revolução de 30, expressas sobretudo no
Manifesto dos Pioneiros, até a década de 60. Percebe-se nesse documento
a separação entre a educação, de um lado, e a economia e a política de
outro. A educação não está problematizada no País – está submersa, ou
quase imóvel, frente às modificações sociais – , ao passo que a economia e
a política são problematizadas. Um dos truques da educação nãoproblematizada consiste na Escola Nova no Brasil: ela não mexe no conteúdo (transformações sociais via educação) e sim nos métodos e técnicas. Ou melhor, os conteúdos existem, mas freqüentemente embutidos do
exterior para o Brasil, lubrificados pelos métodos e técnicas, destinados,
sobretudo, à industrialização e à modernização. Por isso, o Estado não tem
projeto político, precisamente por ser país dependente, condicionado pelos centros hegemônicos no plano político e econômico, enquanto que, no
plano cultural e pedagógico, a inteligentsia se contenta com os modelos
europeus e norte-americanos como uma das formas de alienação. Mas,
paradoxalmente, a Escola Nova e a Escola Tradicional, com visadas opostas, confluem em alienação, isto é, a separação entre duas instâncias.
Gostaria de assinalar as diferenças entre os principais protagonistas
da Escola Nova. Anísio Teixeira era educador, pensador, com lastro filosófico às vezes lacunoso, precisamente pelo precário nexo entre o
pragmatismo e outras tendências, não só nos Estados Unidos, mas sobretudo na Europa (a não ser algumas vertentes na Inglaterra). Por exemplo,
ele era seduzido, ao mesmo tempo, pela concepção de Dewey e pela de
Whitehead, bastante diferentes, e que não foram articuladas. Fernando de
Azevedo, educador, reformador do ensino, erudito ambicioso, às vezes
resvalava para a incongruência, por exemplo, ao associar, de um lado, o
racionalismo cartesiano e o iluminismo kantiano e, de outro, o positivismo
durkheimiano e a escola socialista, convivendo com Dewey e outros protagonistas da Escola Nova. Entretanto, e mesmo sem maior originalidade,
talvez a melhor obra de Fernando de Azevedo esteja na Sociologia Educacional, nessa área, regida pela concepção de Durkheim. Destaco também o
grande empreendimento de Fernando, isto é, o inquérito promovido pelo
O Estado de S. Paulo (1926) e publicado em Educação na encruzilhada
(1937), com os mesmos problemas de hoje, embora com outros ângulos
novos, desvanecendo a bruma que sua ideologia fez. Outro livro é A cultura brasileira, rico repertório de dados e fatos relevantes na análise
historiográfica; o que lhe falta é, precisamente, o significado dos próprios
problemas na sua interpretação vertical, das estruturas políticas, culturais e econômicas. Quanto a Lourenço Filho, é um pedagogo, organizador
do ensino e administrador capaz e exigente, tentando articular a pedagogia com a psicologia, no mesmo diapasão da Escola Nova. Em relação a
Fernando de Azevedo, é significativo o retorno da Ilustração, que norteia,
em grande parte, a concepção da USP em 1934. Iluminismo e idealismo
autoritário, através das metamorfoses históricas desde o século 18.
182
Durmeval Trigueiro Mendes
Esses pensadores difundem o saber (cultura e educação) para o povo,
de cima para baixo, segundo o código hegemônico das classes dominantes; mas eles têm uma tarefa, naquela época, cuja organicidade era eficaz
numa sociedade de classes. Hoje, há a distorção da Ilustração para a
racionalidade, vagamente weberiana, estipulando o critério de qualidade
do ensino sob o nome de "meritocracia" e "excelência", extremamente
ambíguo, pois esse postulado, inscrito nas leis e planos educacionais, se
desfaz ingênua ou perversamente na prática. Na verdade, a perversão consiste, precisamente, na homogeneização do saber, para encobrir, na sociedade de classes, os valores e os signos cindidos entre as classes subalternas e as elites políticas, econômicas e culturais.
Esse assunto, atualmente em voga, deve ser aprofundado:
1º) O Manifesto dos Pioneiros não postula um modelo político e econômico explícito no Brasil. O governo de Getúlio Vargas utiliza o documento como meio (todo mundo sabe que esse trabalho incorporou ingredientes da Escola Nova), mas não como fim (político). Em termos históricos e epistemológicos, existe incongruência entre a Escola Nova (experiência, pesquisa, invenção, criatividade, descoberta) e o modelo político,
isto é, a organização social autoritária do Estado, que inibe a iniciativa
baseada na Escola Nova, no plano da educação e no plano social.
2º) A Escola Nova é, às vezes, ambígua, pois, de um lado, encoraja e
corporifica os postulados já referidos e, de outro, serve para funcionar
em todos os regimes políticos e econômicos, desde que haja a ideologia
liberal, como é o caso dos Estados Unidos e de alguns países europeus,
ou seja, ela não tem compromisso político explícito. Isso ocorre não só
com a Escola Nova, mas também com a maioria das doutrinas pedagógicas nas democracias liberais ocidentais. (Insisto e alerto para que não se
incida na incongruência: o truque, a astúcia estipulada pelo Estado Novo
consiste em ocultar a contradição, na Escola Nova, entre a ideologia liberal desses países e o regime fascista brasileiro: pesquisa, criatividade,
descoberta, etc., eram manipulados.) Somente os regimes socializantes
democráticos procuram articular eficazmente o político, o econômico e
o pedagógico; mais profundamente, articular a subjetividade e a objetividade incorporadas no trabalho e na práxis. Uma das razões restritivas
à análise de alguns estudiosos da educação, apesar do respeito a eles
pela sua contribuição valiosa, é que não integram a escola e o trabalho, a
sociedade de classes e o regime político, concretamente, no Brasil. Conteúdo, método e compromisso político planam no abstrato. Obviamente,
seria ilusão preconizar o regime socializante na atual conjectura brasileira.
O importante é uma crítica consistente da sociedade de classes e uma
proposta política e pedagógica.
Ensaios sobre Educação e Universidade
183
3º) A Escola Nova se apropria de fragmentos da experiência sem
articulá-los coerentemente. O pragmatismo de Dewey não tem um fio condutor da conjuntura social e histórica; no seu liberalismo, estabelece ajustes e reajustes espontâneos, como faz a economia capitalista, contornando
a sociedade de classes. Ao contrário disso, o currículo de ensino deve
estabelecer a articulação e a coerência dos conteúdos antigos e novos, na
medida da continuidade e da transformação social.
Ainda a posição dos três educadores: Lourenço Filho integra a Escola
Nova com o Estado Novo; Fernando de Azevedo, vacilante, justifica o
Governo de 1937: "a política adotada pelo Governo da União julgou poder
fazer a economia do conflito nesse [educação] e em outros domínios, pelo
conhecimento e pelo equilíbrio das forças antagônicas" (A cultura brasileira, p. 685). Quanto a Anísio Teixeira, fulminado pelo arbítrio fascista, em
1935, como Diretor Geral da Instrução Pública no então Distrito Federal,
só regressou à administração pública depois da ditadura.
Anísio Teixeira fez propostas e análises pioneiras, nessa época. Sua
investigação injeta, produtivamente, nas instituições, uma criada por ele,
a Universidade, e outra, a reforma do ensino no então Distrito Federal; no
fundo, entretanto, com maior rigor, está sempre ancorado pelo pragmatismo
primordialmente norte-americano, sobretudo pela reconstrução da experiência individual e social. Entretanto, é complicada a postura de Anísio,
sobretudo revelada pela diferença entre a ideologia deweyana e a sua visão crítica do Brasil. Não há o descolamento mecânico entre o conteúdo
norte-americano e os métodos transpostos de lá para o Brasil. Ele estava
interessado no conteúdo (como também Fernando de Azevedo) e no método, nas matérias de ensino e na aplicação, ilustradas, por exemplo (no
caso de Anísio), no Instituto de Educação. Esse assunto está fartamente
documentado, mas alguns estudiosos o criticam e, ao mesmo tempo, o
desconhecem.
Quanto aos problemas do conteúdo e método, este trabalho traça,
apenas, sinteticamente, alguns aspectos essenciais. Fernando de Azevedo
e Anísio Teixeira, embora com paradigmas diferentes, apropriam a concepção pragmatista da educação; seria o estado-maior, com seus aliados,
que comanda a infantaria. O grave, entretanto, é que a apropriação, a germinação, a capilaridade, em termos históricos e sociológicos, não
aconteceram. A infantaria não incorporou sua concepção; uma vertente,
bastante vincada na cultura brasileira, não tem o ritmo da germinação,
atropelado pelos modelos estrangeiros e mesmo pelos do nosso país.
Categorias e método se transformam em estereótipos. A concepção da
Escola Nova está esgarçada e fragmentada, espelhada no território nacional, acionada pelos gestores do Ministério da Educação e das Secretarias
de Educação. Mas as outras concepções se processam, atualmente, quase
sempre, com o mesmo estilo de pensar e de fazer.
184
Durmeval Trigueiro Mendes
Entretanto, volto a afirmar: o conteúdo da Escola Nova é precário,
salvo apenas pela contribuição desses dois protagonistas que, em certa
medida, o superaram. A parte positiva da Escola Nova contém o projeto, a
experiência, a criatividade, a interrogação e a problematização; a parte
negativa, a rota de reconstrução da experiência individual e social, política e econômica dentro da contradição, isto é a homogeneidade falsa e a
heterogeneidade real, na qual o inconsciente ideológico encobre a sociedade de classes, a despeito do empenho de Anísio e Fernando em situarem a escola única como instrumento de justiça social.
Tendências atuais da educação brasileira
Há o risco, no Brasil, quanto ao comportamento de analistas e estudiosos, de utilizar categorias do pensamento dialético ou do pensamento
funcionalista, ou estruturalista, ou quaisquer correntes, afastadas da situação brasileira. Nesse caso, há justaposição ou descolamento entre as fontes, especialmente estrangeiras, e a conjuntura brasileira. Esse mimetismo
cultural está analisado em alguns textos meus. Entretanto, se trata de algo
mais profundo. O Estado brasileiro, sobretudo o governo, não formula
uma proposta clara sobre a educação na sociedade de classes, configurada
a formação social encravada, historicamente, no capitalismo brasileiro.
O governo evita, deliberadamente, o projeto político e pedagógico, já
que os países hegemônicos, por exemplo, os Estados Unidos, influem, explícita ou implicitamente, na educação brasileira, isto é, num país dependente. O plano educacional está marcado também por influências de outros
países europeus como a França, com raízes antigas, agora rejuvenescidas no
Brasil. Entretanto, em termos analíticos, pode-se perceber a evidência de
diferentes dimensões (política, econômica, cultural e pedagógica), as quais
são isoladas, no país, sob a forma de justaposição. Por que isso ocorre e qual
a razão da presença de elementos heteróclitos no conhecimento? Precisamente pela falta de integração nesse projeto brasileiro. Aliás, pode-se admitir aqui a distinção entre justaposição e superposição: aquela seria a colagem
de peças desajustadas na superfície, e essa seria a separação da estrutura e
da superestrutura, sem corte vertical entre elas, isto é, sem um tecido urdido
e articulado. Por isso mesmo, instâncias isoladas e, portanto, reificadas. Só
existirá o significado/significante quando houver a complementaridade
dialética das duas instâncias.
Entretanto, é preciso alertar seriamente quanto ao efeito complicador:
o projeto individual nas instituições (por exemplo, de um educador, filósofo ou cientista) e os projetos do governo que, por hipótese, convergiriam
num projeto brasileiro. Ora, o que há são os dois mecanismos de justaposição e superposição no plano individual e no plano do Estado. Por exemplo,
Ensaios sobre Educação e Universidade
185
a maioria dos pedagogos, ou filósofos, cientistas sociais e psicólogos da
educação utilizam alguns modelos, como Marx, Gramsci, Establet, Bourdieu
e Passeron, Weber, os pensadores da Escola de Frankfurt, os positivistas
contemporâneos, alguns estruturalistas franceses, estudiosos da análise
institucional, Piaget, Dewey, Rogers, Skinner, os existencialistas etc. É um
projeto acadêmico individual ou institucional (sobretudo na universidade),
e do próprio governo, o qual induz, raras vezes, ao próprio projeto acadêmico, desde que haja cautela do pensamento crítico frente à ortodoxia governamental, quanto à execução. Mesmo assim, é difícil estabelecer a divisão
de águas no pensamento do Estado, no qual se mescla a visão liberal e a
normatividade tecnocrática (com ou sem planos), o consenso (funcionalista)
no desencontro das classes, e a visão economicista do "capital humano",
barrada pela visão crítica, histórica, dialética.
Há também pedagogos sem lastro filosófico e científico, que pretendem, engenhosamente ou não, compor elementos dispersos e
desestruturados em relação à Sociologia, Economia, Filosofia etc. (A Lei
nº 5.692/71 é um exemplo de justaposição; igualmente, os planos de desenvolvimento, aliás desarticulados quanto aos planos setoriais como a
educação e a cultura.) Nesse caso, o projeto individual acadêmico se converte em projeto inscrito no Governo, mas já sabendo que o governo não o
utilizará. Entretanto, faço algumas observações que me parecem básicas:
a) Assinalo a justaposição e a distância entre o projeto e o governo. A
meu ver, o Governo, através da inteligentsia tecnocrática, ignora
esse projeto acadêmico, e este, por sua vez, o ignora. Duas distâncias simétricas. E uma das razões do projeto acadêmico consiste em
apropriação equivocada dos modelos mencionados. Há um tipo de
alienação, na qual alguns estudiosos se julgam articulados com o
pensamento e a ação no Brasil. Na verdade, esses analistas fazem o
discurso sobre e não de. Isto é, o discurso especulativo e abstrato
sobre e não o discurso operante, integrado no conhecimento e na
práxis. (Por exemplo, estudiosos que se consideram dialéticos fazem o discurso sobre a dialética e não da dialética materializada
pelas estruturas sociais). As análises de alguns professores e estudiosos de importantes universidades, ao discutir educação, se prendem mais a conceitos e formas um tanto esquemáticos de compreender as relações sociedade-educação, distanciadas dos fatos, atores e processos que fizeram a educação brasileira.
b) Para superar justaposição e superposição, é indispensável:
1) pesquisar os fatos e os dados, elucidados pela teoria brasileira no
sentido preciso. Aparentemente, não existe uma teoria brasileira,
186
Durmeval Trigueiro Mendes
segundo alguns estudiosos; seja em termos filosóficos,
epistemológicos e históricos, é preciso estabelecer categorias apropriadas, elaboradas por pensadores e cientistas em todos os países
e culturas diferentes – inclusive, obviamente, o Brasil;
2) focalizar estilos e regimes políticos e ideológicos. Quando falo do
discurso sobre e não de, já assinalado, no âmbito da filosofia e das
ciências humanas, alguns dialéticos brasileiros fazem exatamente
isto: a distância (não metodológica, mas alheada), do foco do poder, interseccionado pelas instâncias do saber, subentendida a visão acadêmica e política.
A despeito dos modelos, alguns estudiosos estão presentes na conjuntura brasileira através de suas pesquisas empírico-teóricas, algumas
vezes valiosas. Entretanto, pode-se perceber (e, nesse caso, seria interessante estabelecer a mecânica do saber nesses analistas) certo hibridismo
entre o empírico ou factual (objetividade) e o teórico, direta ou indiretamente atrelado aos modelos já assinalados. Seria justaposição ou cisão.
Sabe-se muito bem a distinção entre o empírico e o concreto; nesse caso,
o concreto, ou a totalidade concreta, supera esses dois mecanismos.
Curiosa a analogia entre modelos e personagens antigos – no caso,
por exemplo, de Anísio Teixeira ou Fernando de Azevedo – e os novos.
Continuam as justaposições no passado e no presente, e uma das razões
justificadas pela sociologia da cultura reside na falta de invenção e descoberta, na práxis e teoria brasileira, entrelaçadas com as outras culturas
estrangeiras.
Entretanto, analistas e pensadores brasileiros procuram articular criticamente o pensamento autóctone e outras fontes fora do país. Pesquisadores realizam trabalhos sérios e produtivos a despeito da indiferença governamental, aliás, examinada em outros textos meus, pela estratégia de planos e leis, estas, oriundas primordialmente do executivo acionado pelos
tecnocratas. Há um paradoxo (aparente), manifestado pela presença dos
pesquisadores ou centro de pesquisa no próprio governo. O que se poderia
esclarecer, em parte, seria o desvio tecnocrático e o compartimentismo, abordados no meu texto Desenvolvimento, tecnocracia e universidade, e a política da pesquisa educacional, que tento elucidar em Indicações para uma
Política da pesquisa da educação no Brasil.
Atualmente, na percepção de alguns críticos da Escola Nova, sobretudo os teóricos da pedagogia crítico-social dos conteúdos, estariam cortadas abruptamente as raízes culturais e históricas. Essas raízes provêm do
Iluminismo e, depois, do idealismo autoritário, através das metamorfoses
históricas, desde o século 18.
Seria o roteiro das tendências nos séculos 17, 18, 19 e início deste:
o Racionalismo; o Iluminismo; o centralismo doutrinário, através dos
Ensaios sobre Educação e Universidade
187
intelectuais e dos professores, estabelecido pelo código hegemônico do
saber; o Iluminismo retardatário da cultura dependente; a pedagogia de
Herbart; a elite e o povo. Em contrapartida, o Romantismo (aliás, um dos
veios do próprio Iluminismo) contra o Racionalismo e o Cientificismo; o
Pragmatismo de William James e de Dewey; o Intuicionismo de Bergson
(para ele, a durée é alteração); o Historicismo de Croce e o Vitalismo de
Ortega; Freud, Nietzsche, os existencialistas na década de 40 e 50; Rousseau
revivido, quanto à "educação negativa", um dos precursores remotos da
educação não-diretiva. (Obviamente, a importância de Rousseau está no
plano social e político, articulado com a educação, sobretudo no Emílio.)
Então, emerge a Escola Nova na Europa e nos Estados Unidos, como
epifenômeno da cultura e da história.
Entretanto, numa das vertentes atuais do pensamento educacional
no Brasil, discípulos e seguidores de Gramsci, segundo sua própria estratégia, rente à conjuntura política e cultural na Itália, são paradoxalmente
especulativos e abstratos, sem se aterem, concretamente, à conjuntura
brasileira. Na escola tradicional, o método de conservar não leva ao método de inovar, operativamente, de criar conteúdos novos, correspondendo
aos valores emergentes na cultura e nas ciências, sobretudo nas ciências
humanas.
Por isso, persiste o risco do comportamento do professor. O professor
se erige em instância do conhecimento e do saber, e o aluno, mesmo assimilando o saber fornecido pelo professor, não consegue criar o conhecimento; a adaptação apenas do paradigma do saber constituído do professor, e não constituinte, em relação ao professor, ao aluno e ao cidadão.
A despeito da contribuição de alguns protagonistas da pedagogia crítico-social dos conteúdos, seus argumentos não são convincentes. Respeitando a importância de sua análise, persistem aspectos questionáveis e, às
vezes, ambíguos. Por exemplo, não há dialética, ao contrário; primeiro, o
domínio do conteúdo (mas qual o significado dos conteúdos? qual o conteúdo político, cultural e ideológico do próprio professor?), em seguida,
há reapropriação dos processos do trabalho docente. Só depois, a partir
dessa base, uma visão mais crítica dessa escola e dos conteúdos. Ora, a
criticidade está sempre percorrida pelo trabalho docente, já à primeira
hora, e não a reapropriação do saber através da transmissão. Existe o risco
real, sobretudo pela ambivalência: qual é o momento e a instância de transmissão e de ruptura? Quanto ao conteúdo, ele secreta o método e a técnica; epistemologicamente, entretanto, os dois se fundem, explícita e
formuladamente; além disso, esses argumentos não conseguem integrar
esses dois elementos com o compromisso político, pois todo saber e poder
obedece a trâmites e compromissos, pressupostos e instâncias, na escola
e fora dela, o Estado, o regime político, o rumo da escola – diretores, supervisares, orientadores, professores, os alunos –, os quais estão submersos
188
Durmeval Trigueiro Mendes
às opções política, cultural e econômica. Sem isso, a escola, demiúrgica,
estaria desgarrada do ecúmeno social e político.
Talvez, e aparentemente, essas opções se contraponham ao
dogmatismo pedagógico, na concepção de Gramsci. A verdade, entretanto, é outra. Sua visão é mais profunda: sua estratégia é histórica e política;
sua epistemologia compõe elementos da cultura e do ensino, segundo o
itinerário ascendente e dialético do saber, integrando a lógica formal com
o pluralismo dos valores culturais e políticos, dentro e fora da escola,
através da lógica dialética. Mesmo assim, respeitando a concepção vasta
de Gramsci, algumas vezes minhas colocações são diferentes e faço restrições ao dogmatismo pedagógico, incompatível com a sua própria dialética.
Outros teóricos da pedagogia crítico-social dos conteúdos fornecem,
paradoxalmente, argumentos abstratos e a-dialéticos: os conteúdos, transmitidos pelos professores, que possibilitam o acesso às classes populares.
Esse enunciado é mágico, superposto à conjuntura brasileira, à sociedade
de classes, ao regime político e econômico, à dominação do Estado, aos
responsáveis pela escola pública e particular.
Na verdade, a contradição entre as classes dominantes e as classes
subalternas está também no conteúdo, dependente, pois, de uma formação social e historicamente definida. O homogêneo/heterogêneo e a
hegemonia política apropriam o saber, isto é, o recorte do conhecimento,
vinculado aos objetivos e valores políticos, culturais e econômicos. Depois de instalado o saber, consolidado o establishment capitalista, o saber
que instrumenta o poder, e vice-versa, desaparece a revolução burguesa, o
iluminismo e o racionalismo dos fins e valores, para estabelecer a
racionalidade e o domínio dos meios que, fetichizados, se convertem em
decisões políticas do Estado e das classes dominantes. E esse pensamento
organizatório contém o estruturalismo a-histórico, no plano primordialmente do saber, e a tecnocracia, principalmente do poder. Para inverter de
baixo para cima, é preciso uma estratégia política e técnica, na qual a
prática popular se articule com os intelectuais.
Realmente, as camadas populares deixaram de incorporar a convicção que as elites dominantes lhes transmitiram – e elas acabaram por
internalizar – da imutabilidade da ordem (física e social) que as degrada.
Donde o corte transversal da sociedade de classes, costurada pela ideologia liberal. O trabalho, no sentido genérico, constrói a pólis e, ao mesmo
tempo, é marginalizado na despossessão quanto aos valores do trabalho,
da cidadania e da cultura. Entretanto, em vez da fixidez do "Quadro" de
Quesnay, há a transição dialética da conservação para a mudança, de baixo
para cima, da homogeneização para a heterogeneidade e vice-versa, com
mecanismos apropriados na síntese superadora.
Apesar da contribuição importante dos pedagogos brasileiros ligados
à teoria crítico-social dos conteúdos, as falhas fundamentais dessa teoria
Ensaios sobre Educação e Universidade
189
correspondem precisamente aos seus principais critérios norteadores, isto
é, a função e o papel do educador, a especificação do ato pedagógico e a
relativa independência da escola face à sociedade. Além disso, considero
rígida a distinção entre a Escola Tradicional e a Escola Nova. A parte positiva desta última consiste na diferença como categoria do saber, isto é, o
outro, o projeto, a interrogação, a criatividade, a experiência, a
problematização. Atualmente, se revela o pensamento organizatório de
uma vertente poderosa da cultura ocidental, precisamente para achatar a
diferença. É a ideologia que corrói o conteúdo, substituído pela
racionalidade técnica. Quanto ao problema das discriminações sociais,
poderia ser aprofundada a análise: a rota de reconstrução da experiência
individual e social contrapõe-se à rota da conjuntura social, política e econômica dentro da contradição, isto é, a homogeneidade falsa e a
heterogeneidade real, na qual o inconsciente ideológico encobre a discriminação social. E a parte negativa da Escola Nova.
Quanto à escola tradicional, constitui um equívoco em relação à modificação, realizada da "tradição antiga" para o nexo escola-vida, nutrida
de noções concretas, através do interior da personalidade. A civilização
moderna não corresponde ao quadro de Gramsci, sobretudo transposto na
cultura contemporânea e polêmica.
Gostaria de enfatizar o problema da homogeneidade e fazer algumas
considerações. No Brasil existem vertentes bastante separadas, os intelectuais e os tecnocratas, aqueles inseridos na sociedade civil, e estes albergados no poder do Estado, sem a ponte entre os protagonistas pela qual se
alcançaria o projeto político e social. Ora, o intelectual tem como uma das
funções principais atar vertentes no saber e no poder, na sociedade e na
cultura. E o processo dialético se faz homogeneizante e ao mesmo tempo
heterogeneizante na dimensão da sociedade histórica. A democracia moderna encerra, entre outras categorias, a sociedade constituída e a contradição, a "consciência má" e a "consciência possível", e mais, o contínuo e o
descontínuo, a unidade e a diversidade, o pluralismo, a diferença, a singularidade e as temporalidades simultâneas. Distinguiria a visão historicista,
que é maciçamente homogênea (suceptível de ser questionada em relação
a Gramsci), da visão historializadora, precisamente pela mediação que
articula as categorias aqui referidas, estabelecendo então o movimento de
transição do passado para o presente. A transição, nesse caso, tem um
mínimo de organicidade, a qual, entretanto, contém mudanças historicamente qualitativas, reveladas pelo contraponto dialético. Por isso LéviStrauss é coerente na sua concepção, definindo a sincronia e a diacronia,
sucessivamente, sem historicidade, enquanto que a minha concepção se
pauta por outro horizonte, o dialético.
Quanto às mutações referidas, corresponderiam, em parte, aos conteúdos vivos e aos conteúdos reificados na transição dialética. Para
190
Durmeval Trigueiro Mendes
explicitar esse tema, o tempo e o espaço sociais correspondem à conjuntura orgânica cuja potencialidade está ainda explorada na formação social,
na qual, entretanto, se instala a contradição. Ela contém negatividade, que
significa, ao mesmo tempo, o conteúdo objetivado e o conteúdo incoativo
e virtual. Outro ângulo de homogeneização seria o de que a ciência não é
burguesa na sociedade de classes, mas logo depois, com o saber,
tendencialmente, instrumentalizada, codificada, integrada, homogeneizada
no plano cultural, político e econômico, através da ideologia. Entretanto,
a própria ciência (sobretudo, obviamente, as ciências humanas), emerge
das condições possíveis na formação social e histórica, revelada e mobilizada, implícita ou explicitamente, na práxis e na teoria, pela transformação social. Estabelece, então, o nexo de homogeneização (a sincronia aparente, já que, ao contrário, há temporalidades simultaneamente diferentes, embora elas existam, às vezes embutidas, com homogeneização relativa, orgânica, na sociedade constituída) e heterogeneização na contradição
explícita através da síntese dialética, sempre refeita e superada, procurando articular a paidéia e a polithéia, a cultura e o poder.
O problema da homogeneização deve ser ainda mais aclarado. A meu
ver, a homogeneização significa o conteúdo devidamente apropriado pelo
tempo e espaço social – aliás, tempos e espaços sociais, convergindo,
dialeticamente, para a direção da unidade e da diversidade. Por exemplo,
a escola básica para os alunos do 1º e 2º graus é o enunciado não só do
Ministério da Educação, mas também das lideranças democráticas empenhadas na educação. Contudo é preciso distinguir os primeiros graus do
ensino e os outros, superiores, já que estes se amplificam e diversificam
quanto não só às áreas de conhecimento, mas também quanto ao pluralismo
e à heterogeneidade. Aliás, sobre a escola básica, esse enunciado precisa
ser nuançado. Primeiro, é pertinente a definição, estipulada pelo documento do Ministério da Educação, sob o título Educação para todos –
Caminho para mudança:
A educação básica é aqui entendida como aquela que venha possibilitar a leitura, a
escrita e a compreensão da língua nacional, o domínio dos símbolos e operações
matemáticas básicas, bem como o domínio dos códigos sociais e outras informações indispensáveis ao posicionamento crítico do indivíduo face à sua realidade.
Segundo, o sistema educacional brasileiro pretende uniformizar, a
ordem é homogeneizar o saber, imposta pelas classes dominantes. A estratégia perversa desse saber consiste em dissolver o conteúdo, não só o
saber através das matérias escolares, mas também os grupos, as instituições, a diferença entre as classes e os movimentos sociais. Simplificar,
uniformizar é perder a substância e a diferença, como se fosse um só estômago, ignorando os estômagos diferentes, pois cada um tem o seu.
Estômago fascista, ditadura do saber.
Ensaios sobre Educação e Universidade
191
Em termos filosóficos e pedagógicos, o conteúdo significa a substância do objeto significante pelo sujeito; e o método, neste caso, significa o
conteúdo estruturado e coerente. Aliás, tento definir esse problema com
sugestões aproximativas, por exemplo: o conteúdo é o concreto atravessado pela abstração que o elucida, elaborado pela consciência intencional e
histórico; ou o conteúdo é a totalidade concreta de dados na Natureza, os
quais o homem estrutura na História e na Cultura através do sujeito e do
objeto, as coisas apropriadas pelo valor e pela linguagem (o signo – significado/significante) e os símbolos.
Alguns educadores brasileiros às vezes incorrem em equívoco, em
termos históricos e epistemológicos, quanto ao problema do conteúdo na
escola. Acho muito limitada sua análise, primeiro, confinada à escola (sobretudo a Escola Tradicional e a Escola Nova, cuja tipologia é um tanto
artificiosa), numa postura primordialmente pedagógica, mesclada, às vezes, com psicologia; segundo mais importante ainda – , afastada das verdadeiras dimensões do conteúdo em termos filosóficos. É claro que os
conteúdos são fundamentais no ensino e na cultura, na escola e também
fora dela; mas, no fundo, o conteúdo é ontológico e histórico, bem como
cultural, social e político.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Referências bibliográficas
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cultura no Brasil. 4. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1963.
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Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 6, n. 153, p. 287-294, maio/ago. 1985.
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TRIGUEIRO MENDES, Durmeval. Desenvolvimento, tecnocracia e universidade. Revista de Cultura Vozes, Petrópolis, ano 69, n. 6, p. 5-18, ago.
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Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 60, n. 136, p.
481-495, out./dez. 1987.
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Durmeval Trigueiro Mendes
BIOBIBLIOGRAFIA
DO EDUCADOR
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CRONOLOGIA
1927 – Nasce a 9 de fevereiro de 1927 em Cuiabá, Mato Grosso, filho de João Mendes da Silva e Souza e D. Maria
da Conceição Castelo Branco Mendes de Souza. Em
abril do mesmo ano, a família retorna à Paraíba.
1939 – Ingressa, aos 12 anos, no Seminário Arquidiocesano
de João Pessoa, onde faz o curso secundário e estudos de Filosofia.
1946 – Conclui o curso de Filosofia no Seminário Arquidiocesano de João Pessoa.
1949 – Conclui o curso de bacharelado em Letras Clássicas
pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Manoel
da Nóbrega, no Recife, tendo colado grau em 8 de
dezembro de 1949.
1950 – Recebe o diploma de Licenciatura Pedagógica pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade Católica de Pernambuco, em 8 de dezembro de 1950.
Ensaios sobre Educação e Universidade
193
1951 – É nomeado Secretário da Prefeitura Municipal de Campina Grande, pelo prefeito Elpídio de Almeida, mediante Decreto nº 178, de
2 de maio de 1951.
1952 – É designado Diretor do Departamento de Educação do Estado da
Paraíba (19511952), pelo Decreto de 12/05/51; assume, também,
como professor titular, a cadeira de Sociologia da Educação na Faculdade de Filosofia da Paraíba.
Como Secretário de Educação da Paraíba em 1954, Durmeval
discursa ao lado do então Governador José Américo de Almeirda.
1954 – Diploma-se como Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da
Universidade do Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco,
em 30 de dezembro de 1954.
Passa a exercer como professor titular a cadeira de História e Filosofia da Educação do Instituto de Educação da Paraíba.
É designado Secretário de Educação e Cultura do Estado da Paraíba,
durante as administrações de José Américo de Almeida e Flávio
Ribeiro Coutinho.
Presta concurso público e é admitido na função de Inspetor de
Ensino Secundário do Ministério da Educação e Cultura (Portaria
Ministerial nº 595, de 26/11/54).
1955 – Torna-se professor titular de Filosofia Geral da Faculdade de Filosofia Nossa Senhora de Lourdes, em João Pessoa.
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Durmeval Trigueiro Mendes
Recebe em 4 de novembro de 1955 o diploma de sócio honorário
da Orquestra Sinfônica da Paraíba.
1956 – Organiza e assume como primeiro Reitor a Universidade Estadual
da Paraíba, atual UFPB.
1957 – Realiza viagem à Europa, durante oito meses, com a finalidade de
observar os sistemas educacionais da França e da Alemanha, visitando também algumas universidade inglesas.
1958 – É designado Supervisor da Campanha de Educação Complementar
do Inep, atendendo a convite de Anísio Teixeira.
É contratado como professor de Filosofia da Educação, do Curso
de Pedagogia da Faculdade de Filosofia da PUC-Rio.
Profere conferência sobre "Filosofia dos Valores", no Fórum Roberto
Simonsen, em São Paulo.
1959 – Participa de pesquisa sobre as condições de trabalho em algumas
universidades brasileiras e as experiências de intercâmbio cultural
no campo das Humanidades e Ciências Sociais, para o American
Council of Learned Societies.
Ministra curso de Filosofia da Educação para professores secundários, promovido pela Diretoria de Ensino Secundário (Cades/MEC),
na cidade do Rio de Janeiro.
Pronuncia conferência sobre "A educação e a civilização atual", no
Fórum Roberto Simonsen, em São Paulo.
1960 – Dirige o setor de Filosofia da Enciclopédia brasileira, a cargo do
Instituto Nacional do Livro, coordenando a seção de Religião.
Faz conferência sobre "O problema da escola pública", na Faculdade de Filosofia da Universidade Estadual da Paraíba.
Realiza conferência sobre "A universidade brasileira: deficiências
e equívocos", na Faculdade de Direito da Universidade Estadual da
Paraíba.
Ministra curso sobre "O significado da filosofia" para professores
secundários, promovido pela Cades/MEC, em Porto Alegre.
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195
Profere conferência sobre "Educação complementar e seus problemas" no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE/Inep),
Rio de Janeiro.
Faz conferência sobre "O Projeto de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional" para dirigentes da Ação Católica no Rio de Janeiro.
Pronuncia conferência sobre "Adolescência como preparação para
a vida adulta – a condição de adulto e sua significação cultural",
promovida pela Cades no Rio de Janeiro.
Nomeação para Diretor do Ensino Superior do MEC 1961. Da esquerda para
direita: Anísio Teixeira, Presidente João Goulart, Ministro Antonio Britto
e Durmeval.
1961 – É nomeado Diretor do Ensino Superior do Ministério da Educação
e Cultura (1961 a 1964), Decreto de 4/10/61, por indicação de Anísio Teixeira ao Ministro Oliveira Brito.
É designado membro do Conselho de Produtividade da Confederação Nacional da Indústria, Portaria de 21/11/61.
Faz conferência sobre "A reforma universitária", na PUC-Rio.
Profere conferência sobre "O indivíduo e a sociedade", na Faculdade de Filosofia Nossa Senhora Medianeira de Nova Friburgo, Rio
de Janeiro.
Pronuncia conferência "Sobre a literatura", no Congresso de Crítica e História Literária, realizado em João Pessoa, PB.
196
Durmeval Trigueiro Mendes
Integra a delegação brasileira, proferindo a conferência de abertura
do Congresso Internacional de Universidades Populares, realizado
em Buenos Aires, sobre o tema "Conceito e perspectivas da cultura
popular".
1962 – Integra, na condição de titular da Diretoria do Ensino Superior do
Ministério da Educação e Cultura, o Conselho Nacional de Saúde,
de acordo com o Decreto nº 847, de 5 de abril de 1962, que aprova
o Regimento do referido Conselho (DO, 9/4/1962, p. 4026).
1963 – É nomeado para integrar o Conselho Consultivo da Campanha
Nacional de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior, mediante decreto coletivo de 24/9/63.
Profere conferência sobre "Ensino superior e planejamento", no Congresso de Educação promovido em Brasília pela Associação Brasileira de Educação (ABE).
Faz conferência sobre "O problema das elites no Brasil", em reunião da Associação Brasileira de Ensino Odontológico, em São Paulo.
1964 – É designado para o Conselho Federal de Educação, mediante Decreto de 18 de março de 1964 (DO, 19/3/1964, p. 2660), para exercer, por seis anos, o mandato de membro do CFE. No entanto, por
força do Ato Institucional n. 12, de 31 de agosto de 1969, foi afastado de suas funções como membro desse Conselho em 16/09/
1969 (DO, 17/11/1969, p. 7849).
Profere conferência sobre "A política do ensino superior no Brasil",
na Associação Brasileira de Educação (ABE), Rio de Janeiro.
Durmeval e Anisio Teixeira em reunião no Conselho Federal de Educação.
Ensaios sobre Educação e Universidade
197
1965 – Casa-se em 24 de julho com Maria Márcia de Barros Lima.
Assume a cadeira de História do Pensamento Econômico na Faculdade de Ciências Econômicas e mais tarde a de Sociologia na Faculdade
de Administração e Finanças da Universidade do Estado da Guanabara.
Presta consultoria técnica em recursos humanos e educação (1965
a 1970) à empresa Serviços e Planejamento Ltda., Rio de Janeiro.
Profere conferência sobre "O papel das elites", na Escola de Administração, em Fortaleza.
Faz conferência sobre "A realidade brasileira" e "Aspectos do sistema educacional no Brasil", no Centro de Aculturação de Petrópolis,
Rio de Janeiro.
1966 – Nasce o primeiro filho, André, em 30 de julho.
Ministra curso de Política Social para professores de escolas de
Serviço Social de todo o país, no Rio de Janeiro.
É designado Coordenador da Comissão Inep/Unesco, instituída no
âmbito do Ministério da Educação, com o objetivo de promover os
Colóquios Estaduais sobre a Organização dos Sistemas Educacionais (Ceose), prestando cooperação técnica em matéria de planejamento, organização educacional e reestruturação dos sistemas educacionais dos Estados do Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará,
Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia,
Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (Portaria nº 142, do
Diretor do Inep, de 16/8/66).
Integra a Associação Brasileira de Educação (ABE), como membro
do Conselho Diretor.
Profere conferência sobre "O professor universitário: sua formação, seu papel e seus métodos de trabalho", na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais.
Faz conferência sobre os "Fundamentos filosóficos da educação primária", na abertura do Congresso Nacional de Ensino Normal, no
Rio de Janeiro.
1967 – Participa da Comissão de Especialistas que, sob os auspícios da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, elaborou o plano de
estruturação de uma Faculdade de Educação (1967 a 1969).
198
Durmeval Trigueiro Mendes
Profere conferência sobre "A educação de adultos", na Sudene, em
Recife.
É relator-geral do II Seminário sobre Assuntos Universitários, promovido pelo Conselho Federal de Educação.
1968 – Visita instituições educacionais da França e da Alemanha, a convite dos respectivos governos.
É designado perito da Unesco e, na qualidade de representante da
América Latina, participa de reunião promovida por esse órgão,
em Moscou, para um grupo de dez especialistas, a fim de estudar a
comparabilidade e a equivalência internacional dos certificados de
estudos secundários e dos diplomas e graus universitários.
Presta depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou as condições do Ensino Superior no Brasil.
É eleito presidente do Instituto Brasileiro de Filosofia, seção
Guanabara (1968-1969).
É transferido da Universidade Federal da Paraíba para a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Nasce o segundo filho, Daniel, em 23 de outubro.
1969 – É designado professor titular de Fundamentos Sociológicos da Educação da Faculdade de Educação da UFRJ, assumindo a chefia do
Departamento de Fundamentos Sociológicos da Educação na mesma Faculdade.
Coordena e é professor do curso de Planejamento Educacional realizado pela Universidade do Estado da Guanabara.
Profere aula magna na Universidade do Estado da Guanabara sobre
o tema "A hora da universidade".
É indicado relator-geral da IV Conferência Nacional de Educação,
promovida pelo Inep em São Paulo.
Faz conferência sobre "Educação no Brasil", na Escola de Saúde do
Ministério da Saúde, Rio de Janeiro.
Trabalha como consultor da Equipe de Levantamentos e Diagnósticos do Serviço de Assistência Técnica do Inep.
Ensaios sobre Educação e Universidade
199
Participa de painel sobre "O novo currículo médico", na Universidade Federal Fluminense, durante a VII Reunião Anual da Associação Brasileira de Escolas Médicas.
Integra o grupo de trabalho encarregado de elaborar um plano de
reestruturação da Universidade do Estado da Guanabara (Portaria
nº. 26, de 4/3/69).
É aposentado "nos cargos que ocupa na administração direta ou
indireta da União, Estados, Distrito Federal, Territórios ou Municípios", conforme Decreto de 29/8/69, publicado no DO de 9/9/69. Ao
mesmo tempo, é afastado do Conselho Federal de Educação.
Profere conferência no Centro D. Vital, Rio de Janeiro, sobre "Educação no Brasil", a convite de Alceu Amoroso Lima.
1970 – É designado professor adjunto do Departamento de Educação da
PUC-Rio, coordenador da área de concentração em Planejamento
Educacional e professor da mesma disciplina no Mestrado de Educação dessa Universidade, onde permanece até 1986.
Presta consultoria técnica em assuntos educacionais à empresa Projetos, Planejamentos e Pesquisas Ltda. (Proagri), de São Paulo.
Faz conferência sobre "Educação e trabalho" para professores do
Senac no Rio de Janeiro.
1971 – Torna-se membro da equipe da Enciclopédia Mirador Internacional – Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda., na parte de Filosofia.
Elabora o projeto de estruturação dos cursos de pós-graduação do
Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio.
Faz conferências sobre "As implicações socioculturais da tecnologia
moderna", no Centro de Treinamento de Pessoal do Senai, Rio de
Janeiro.
Profere conferência sobre "As funções da educação", no Instituto
Souza Leão, Rio de Janeiro.
Faz conferência sobre "O ensino da filosofia", na PUC-Rio.
200
Durmeval Trigueiro Mendes
É designado assessor técnico da FGV/Iesae, participando das sessões das Comissões de Planejamento e Programação das atividades
do Ieae/FGV.
Profere conferência sobre "A reforma do ensino de 1º e 2º graus à luz
da Filosofia da Educação", no Colégio Zaccaria, no Rio de Janeiro.
1972 – Sofre derrame cerebral em março. Inicia paciente trabalho de recuperação, particularmente de terapia da palavra.
1973 – Trabalha como consultor do Thesaurus brasileiro de educação, em
organização no Inep (1973-1975).
Retoma as atividades de magistério na PUC-Rio, na disciplina Planejamento Educacional a partir do 2º semestre, atuando no Programa de Pós-Graduação em Educação dessa Universidade.
1974 – É designado como professor titular de Filosofia da Educação e Filosofia da Educação Brasileira no Mestrado de Educação do Iesae/FGV,
sendo também coordenador da disciplina Teorias da Educação.
Integra o Conselho Coordenador do Iesae/FGV.
1976 – Elabora o projeto de pesquisa "Filosofia da educação brasileira no
Iesae/FGV".
1977 – Coordena o projeto integrado de pesquisa Filosofia da educação
brasileira no Iesae, com apoio do Inep e a participação de professores da PUC-SP, USP e do próprio Iesae. O relatório final da pesquisa, concluída em 1979, foi publicado pela Editora Civilização Brasileira em 1983, com o mesmo título da pesquisa.
Integra o Conselho Editorial da revista Fórum Educacional, no Iesae.
1978 – Participa de seminário sobre "O sistema universitário e a sociedade
brasileira", promovido pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub), em João Pessoa, apresentando texto.
Elabora parecer técnico, atendendo a solicitação da Finep.
1979 – Emite parecer técnico, atendendo a solicitação da Finep.
1980 – Reassume as funções de professor titular da UFRJ (no Departamento de Filosofia da Educação), atuando como docente-pesquisador
Ensaios sobre Educação e Universidade
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até 1987 e de técnico de assuntos educacionais do MEC, em conseqüência da Lei de Anistia.
1985 – Preside a comissão julgadora do Prêmio Grandes Educadores Brasileiros, instituído pelo Inep/MEC (Portaria Ministerial, de 2/8/85).
Faz conferência sobre "A concepção do educador" no DSAT/MEC.
1986 – É designado assessor da Sub-Reitoria de Ensino de Graduação e
Corpo Discente da UFRJ (Portaria nº 473, de 30/4/86).
Elabora projeto de pesquisa sobre o tema "O Inep e a produção
intelectual" através da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,
apresentado à UFRJ.
Profere conferência sobre "O pensamento educacional no Brasil",
em seminário promovido pela PUC-Rio para celebrar os "Vinte anos
de Mestrado em Educação".
1987 – Trabalha na elaboração de um projeto de pesquisa individual sobre
"O saber e o poder na cultura e na educação", para o Doutorado em
Educação da UFRJ e atua como consultor da pesquisa: Da Faculdade Nacional de Filosofia à Faculdade de Educação: resgate de uma
história, coordenada pela professora Maria de Lourdes de
Albuquerque Fávero.
Morre no Rio de Janeiro, em 9 de dezembro.
1988 – Recebe diploma de "Doutor Honoris Causa" (post-mortem) da Universidade Federal da Paraíba, em 22 de fevereiro de 1988.
Recebe diploma de "Professor Emérito" (post-mortem) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em 24 de novembro de 1988.
202
Durmeval Trigueiro Mendes
BIBLIOGRAFIA
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______. Filosofia política da educação brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Universitária José Bonifácio/UFRJ, 1990.
2. Folhetos/Outros estudos
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______. Anotações sobre o Convênio FGV/Iesae – Prodem. Rio de Janeiro: Iesae,
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______. Política educacional no mercado de trabalho para engenheiros, arquitetos
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______. Problemas da inspeção escolar. Rio de Janeiro: Conselho Federal de Educação, [19??] 6 p. Mimeografado.
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______. Proposta de reformulação do currículo para o curso de mestrado em educação. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 1971. 10 p. Datilografado.
______. Proposta para o programa de pesquisas do Iesae. Rio de Janeiro: Iesae/
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______. Qualidade e quantidade em educação. Rio de Janeiro: Iesae/FGV, 1973. 33
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______. Reflexões sobre o ensino de Filosofia. In: MENDES, Durmeval Trigueiro.
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______. Um sistema de assistência técnica. Rio de Janeiro: Inep/MEC, 1967. 9 p.
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______. Subsídios para a reforma da Universidade Federal da Bahia. Salvador:
UFBA, 1966. 103 p. Mimeografado.
______. Tecnocracia e formas de poder. João Pessoa: Edições Ipê, 1978. 14 p. Datilografado.
3. Introdução e prefácios de livros
TRIGUEIRO MENDES, Durmeval. Introdução. Ginásios pluricurriculares: o projeto arquitetônico em face do projeto pedagógico. In: GINÁSIOS pluricurriculares.
Rio de Janeiro: M. Roberto Arquitetos, 1971.
______. Universidade, teatro e povo. Prefácio à versão portuguesa de Os mistérios
da missa, de Calderon de La Barca, constante da "Coleção Universitária de Teatro", organizada pela Diretoria do Ensino Superior do MEC. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963. p. 5-13.
______. Prefácio. In: NUNES, Clarice. Escola e dependência: o ensino secundário
e a manutenção da ordem. Rio de Janeiro: Achiamé, 1980. p. 7-14.
______. Prefácio. In: BASÍLIO, Luiz Cavalieri. O menor e a ideologia da segurança
nacional. Belo Horizonte: Vega/Novo Espaço, 1985. 3 p.
______. Prefácio. In: PENNA, Maria Luiza. Fernando de Azevedo: educação e transformação. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. XIII-IXX.
4. Artigos em periódicos
TRIGUEIRO MENDES, Durmeval. Tristão de Athayde. A União, João Pessoa, 2 set.
1956.
______. O ensino primário na Paraíba – I. A União, João Pessoa, 14 set. 1956.
______. O ensino primário na Paraíba – II. A União, João Pessoa, 20 set. 1956.
______. O ensino primário na Paraíba – III. A União, João Pessoa, 22 set. 1956.
______.O ensino primário na Paraíba – IV. A União, João Pessoa, 23 set. 1956.
______. O ensino primário na Paraíba – V. A União, João Pessoa, 25 set. 1956.
______. O ensino primário na Paraíba – VI. A União, João Pessoa, 26 set. 1956.
______. O ensino primário na Paraíba – VII. O ensino rural. A União, João Pessoa,
27 set. 1956.
______. O ensino primário na Paraíba – VIII. Educação Artística. A União, João
Pessoa, 28 set. 1956.
______. O ensino primário na Paraíba – IX. A União, João Pessoa, 20 out. 1956.
Ensaios sobre Educação e Universidade
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______. A Universidade e seus problemas atuais – I. A União, João Pessoa, 23 dez.
1956.
______. A Universidade e seus problemas atuais – II. A União, João Pessoa, 28 dez.
1956.
______. Nova política para o ensino superior. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 36, n. 84, p. 187-192, out./dez. 1961.
______. Curriculum-vitae. Documenta, Rio de Janeiro, n. 27, p. 91-94, jul. 1964.
______. Inspeção e ajuda técnica às escolas superiores. Documenta, Rio de Janeiro, n. 31, p. 103-106, nov. 1964.
______. Novo sistema de relações entre o MEC e as escolas superiores. Documenta, Rio de Janeiro, n. 31, p. 103-106, nov. 1964.
______. Sobre o planejamento do ensino superior: esboço de uma metodologia.
Documenta, Rio de Janeiro, n. 35, p. 45-63, mar. 1965.
______. Contra a má consciência e o conformismo. Documenta, Rio de Janeiro, n.
36, p. 124-126, abr. 1965 e Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 4 abr. 1965.
______. Planejamento do ensino superior. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 43, n. 98, p. 189-207, abr./jun. 1965.
______. Novo sistema de relações entre o MEC e as escolas superiores: cooperação
técnica, planejamento e inspeção por especialistas – Indicação n. 10. Documenta,
Rio de Janeiro, n. 37, p. 64-68, maio 1965.
______. Preparação de candidatos ao vestibular de 1964 na Guanabara (carta dirigida
a Prof. Nádia Cunha). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v.
45, n. 101, p. 77-90, jan./mar. 1966.
______. Colóquios regionais sobre organização dos sistemas estaduais de educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 46, n. 103, p. 153157, jul./set. 1966.
______. Plano de Educação. Documenta, Rio de Janeiro, n. 58, p. 54-71, ago./set.
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______. O Plano Decenal da Educação. Documenta, Rio de Janeiro, n. 58, p. 54-71,
ago./set. 1966.
______. Plano de Educação no Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico.
Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 46, n. 104, p. 335-350,
out./dez. 1966.
______. Administração da universidade. Documenta, Rio de Janeiro, n. 64, p. 115121, dez. 1966.
______. Governo da universidade. Documenta, Rio de Janeiro, n. 64, p. 74-98, dez.
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______. O Ministério da Educação depois da Lei de Diretrizes e Bases. Documenta, Rio de Janeiro, n. 64, p. 5-9, dez. 1966.
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______. Educação complementar: análise da experiência. Revista Brasileira de
Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 47, n. 106, p. 219-225, abr./jun. 1967.
______. Expansão do ensino superior no país. Documenta, Rio de Janeiro, n. 71, p.
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______. O problema dos excedentes e a reforma universitária. Revista Brasileira
de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 48, n. 107, p. 163-168, jul./set. 1967.
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______. Programas de Filosofia da Educação Brasileira. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 60, n. 134, p. 248-250, abr./jun. 1974.
______. Criatividade. A redefinição do papel do indivíduo na sociedade. Jornal do
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______. Indicações para uma Política de Pesquisa da Educação no Brasil. Revista
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______. Para um balanço da educação brasileira. Revista de Cultura Vozes, Petrópolis,
ano 69, n. 2, p. 85-92, mar. 1975.
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Petrópolis, ano 69, n. 6, p. 15-18, ago. 1975.
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______. Depoimento. Ande, São Paulo, n. 6, p. 29-35, 1983.
______. Anotações sobre o pensamento educacional do Brasil. Revista Brasileira
de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 68, n. 160, p. 481-491, set./dez. 1987.
______. Formação de novas elites. Boletim Informativo da Capes, Rio de Janeiro, n.
109, p. 3-5, dez. [19??]
5. Produção no Conselho Federal de Educação: pareceres, indicações
e conferências (1964-1969)
1. Parecer nº 254/64, aprovado em 2/6/1964. Faculdade de Ciências Econômicas
de Guaratinguetá/SP (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 27, p. 32-33, jul. 1964.
2. Segundo Adendo ao Parecer nº 254/63. Aprovado em 2/6/1964. (Autorização
para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 28, p. 128, ago. 1964.
3. Parecer nº 165/64, aprovado em 3/7/1964. Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da Universidade Católica do Paraná (Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 28, p. 26-28, ago. 1964.
4. Parecer nº 188/64, aprovado em 22/7/1964. Instituto Cultural e Educacional
"João Herculano" – Sete Lagoas/MG (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 29, p. 25-28, set. 1964.
5. Parecer nº 211/64, aprovado em 24/7/1964. Faculdade de Direito da Universidade Católica de Pelotas (Solicitação de reconhecimento). Documenta, Rio de
Janeiro, n. 29, p. 35-39, set. 1964.
208
Durmeval Trigueiro Mendes
6. Parecer nº 17/64 (adendo), aprovado em 3/9/1964. Faculdade de Filosofia Dom
José – Sobral/CE (Solicitação de reconhecimento). Documenta, Rio de Janeiro, n.
30, p. 35, out. 1964.
7. Parecer nº 254/64, aprovado em 4/9/1964. Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Nova Iguaçu/RJ (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de
Janeiro, n. 30, p. 34, out. 1964.
8. Indicação transformada no Parecer nº 239/64. Inspeção e ajuda técnica às escolas superiores – Fundamentos e normas para uma nova política. Documenta, Rio
de Janeiro, n. 31, p. 103-106, nov. 1964.
9. Parecer nº 343/64, aprovado em 13/11/1964. Escola de Administração do Ceará
(Solicitação de reconhecimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 32, p. 42-48, dez.
1964.
10. Parecer nº 355/64, aprovado em 13/11/1964. Obrigatoriedade de cursos de extensão. Documenta, Rio de Janeiro, n. 32, p. 95-96, dez. 1964.
11. Parecer nº 386/64, aprovado em 1/12/1964. Conceito de complementação de
currículo no ensino superior. Documenta, Rio de Janeiro, n. 33, p. 63-66, jan.
1965.
12. Parecer nº 343/64 (adendo), aprovado em 2/12/1964. Curso de Administração
Pública da Escola de Administração do Ceará (Reconhecimento autorizado). Documenta, Rio de Janeiro, n. 33, p. 32-33, jan. 1965.
13. Parecer nº 394/64, aprovado em 3/12/1964. Faculdade de Ciências Econômicas
de Guaratinguetá/SP (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 33, p. 18-19, jan. 1965.
14. Parecer nº 211/64 (2º adendo), aprovado em 9/12/1964. Faculdade de Direito
"Clóvis Bevilácqua" da Universidade Católica de Pelotas/RS (Solicitação de reconhecimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 33, p. 31-32, jan. 1965.
15. Comentário ao Parecer do Conselheiro Valnir Chagas sobre duração dos cursos
superiores. Documenta, Rio de Janeiro, n. 34, p. 126-128, fev. 1965.
16. Sobre planejamento do ensino superior. Esboço de uma metodologia (Estudo
especial). Documenta, Rio de Janeiro, n. 35, p. 45-63, mar. 1965.
17. Parecer nº 134/65, aprovado em 7/4/1965. Faculdade de Direito "Laudo
Camargo"– Ribeirão Preto/SP (Aprova regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n.
36, p. 34, abr. 1965.
18. Parecer nº 157/65, aprovado em 9/4/1965. Faculdade de Filosofia da PUC do
Rio de Janeiro (Aprova alterações no Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n.
36, p. 36, abr. 1965.
19. Parecer nº 172/65, aprovado em 9/4/1965. Escola de Administração do Ceará
(Aprova alterações no Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 36, p. 36, abr.
1965.
Ensaios sobre Educação e Universidade
209
20. Parecer nº 183/65, aprovado em 9/4/1065. Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Juiz de Fora – Curso de Pedagogia (Autorização para funcionamento).
Documenta, Rio de Janeiro, n. 36, p. 50-52, abr. 1965.
21. Parecer nº 164/65, aprovado em 9/4/1965. Faculdade de Direito "Clóvis
Bevilácqua" – Pelotas/RS (Solicita reconhecimento). Documenta, Rio de Janeiro,
n. 36, p. 54, abr. 1965.
22. Parecer nº 160/65, aprovado em 9/4/1965. Curso de Biblioteconomia da Universidade de Minas Gerais (Incorporação). Documenta, Rio de Janeiro, n. 36, p.
88, abr. 1965.
23. Parecer nº 164/65, aprovado em 5/5/1965. Faculdade de Direito da Universidade Católica de Pelotas/RS (Reconhecimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 37, p.
25-26, maio 1965.
24. Parecer nº 215/65, aprovado em 6/5/1965. Escola de Administração do Ceará
(Indicação de professores). Documenta, Rio de Janeiro, n. 37, p. 52-53, maio 1965.
25. Indicação nº 10, aprovada em 7/5/1965. Novo sistema de relações entre o MEC
e as escolas superiores: cooperação técnica, planejamento e inspeção por especialistas. Documenta, Rio de Janeiro, n. 37, p. 64-68, maio 1965.
26. Parecer nº 774/65, aprovado em 9/7/1965. Faculdade de Direito de Campo Grande/MS (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 39, p.
34-37, jul. 1965.
27. Parecer nº 297/65, aprovado em 5/8/1965. Faculdade de Direito de Sergipe
(Aprova Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 40, p. 26, ago. 1965.
28. Parecer nº 283/65, aprovado em 6/8/1965. Faculdade de Filosofia da Universidade de Goiás (Aprova Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 40, p. 25, ago.
1965.
29. Parecer nº 470/65, aprovado em 6/8/1965. Faculdade Nacional de Ciências
Econômicas (Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 40, p. 30, ago. 1965.
30. Parecer nº 774/65, aprovado em 17/9/1965. Faculdade de Direito de Campo
Grande/MS (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 41,
p. 29-30, set. 1965.
31. Parecer nº 866/65, aprovado em 17/9/1965. Faculdade de Direito de Tupã/SP
(Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 41, p. 30-33,
set. 1965.
32. Parecer nº 810/65, aprovado em 17/9/1965. Escola de Administração do Ceará
(Representação de dois candidatos ao magistério). Documenta, Rio de Janeiro, n.
41, p. 54, set. 1965.
33. Parecer nº 763/65, aprovado em 13/10/1965. Faculdade de Direito da Universidade Católica de Pernambuco (Reconhecimento). Documenta, Rio de Janeiro, n.
42, p. 38-41, out. 1965.
210
Durmeval Trigueiro Mendes
34. Parecer nº 810/65, aprovado em 13/10/1965. Escola de Administração do Ceará
(Recurso de candidatos ao magistério). Documenta, Rio de Janeiro, n. 42, p. 56-57,
set. 1965.
35. Parecer nº 911/65, aprovado em 14/10/1965. Escola de Engenharia de
Uberlândia/MG (Escolha de representantes do corpo discente – Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 42, p. 26, out. 1965.
36. Parecer nº 774/65, aprovado em 15/10/1965. Faculdade de Direito de Campo
Grande/MS (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 42,
p. 33-34, out. 1965.
37. Parecer nº 452/65, aprovado em 12/11/1965. Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora/MG (Regimento). Documenta, Rio
de Janeiro, n. 43, p. 26, nov. 1965.
38. Parecer nº 1014/65, aprovado em 24/1/1966. Faculdade de Filosofia de Campos/RJ. Curso de Matemática (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio
de Janeiro, n. 45, p. 43-45, jan. 1966.
39. Parecer nº 1/66, aprovado em 25/1/1966.Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Taubaté/SP (Indicação de professora). Documenta, Rio de Janeiro, n. 45,
p. 70, jan. 1966.
40. Parecer nº 26/66, aprovado em 27/1/1966. Faculdade de Ciências Econômicas
da Universidade Católica do Paraná (Alteração de Regimento). Documenta, Rio de
Janeiro, n. 45, p. 26, jan. 1966.
41. Parecer nº 42/66, aprovado em 27/1/1966. Faculdade de Farmácia e Odontologia da Universidade Federal de Juiz de Fora/MG (Alteração de Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 45, p. 30-31, jan. 1966.
42. Parecer nº 28/66, aprovado em 27/1/1966. Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Juiz de Fora/MG – Criação do Curso de Pedagogia (Autorização para
funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 45, p. 48-49, jan. 1966.
43. Parecer nº 41/66, aprovado em 27/1/1966. Escola de Administração do Ceará
(Pedido de reconsideração de professor impugnado). Documenta, Rio de Janeiro,
n. 45, p. 87-88, jan. 1966.
44. Parecer nº 88/66, aprovado em 3/2/1966. Faculdade Católica de Filosofia de
Sergipe (Alteração de Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 46, p. 14, fev.
1966.
45. Parecer nº 90/66, aprovado em 3/2/1966. Faculdade de Filosofia de Caxias do
Sul/RS (Adaptação do Regimento à Lei 4464). Documenta, Rio de Janeiro, n. 46, p.
21, fev. 1966.
46. Parecer nº 94/66, aprovado em 3/2/1966. Faculdade de Direito de Curitiba/PR
(Adaptação de Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 46, p. 21, fev. 1966.
47. Indicação nº 19, aprovada em 3/2/1966. Sobre o currículo mínimo dos cursos
de Administração. Documenta, Rio de Janeiro, n. 46, p. 80, fev. 1966.
Ensaios sobre Educação e Universidade
211
48. Parecer nº 149/66, aprovado em 11/3/1966. Faculdade de Serviço Social de
Ribeirão Preto/SP (Reconhecimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 47, p. 47-49,
mar. 1966.
49. Parecer nº 227/66, aprovado em 14/4/1966. Escola de Engenharia da Universidade Federal de Alagoas (Adaptação de Regimento à Lei nº 4.464). Documenta,
Rio de Janeiro, n. 50, p. 19-22, abr. 1966.
50. Parecer nº 256/66, aprovado em 15/4/1966. Escola Médica do Rio de Janeiro
(Adaptação de Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 50, p. 26, abr. 1966.
51. Parecer nº 250/66, aprovado em 15/4/1966. Faculdade de Filosofia de Passo
Fundo/RS (Autorização para funcionamento de Cursos de Ciências Naturais e Estudos Sociais). Documenta, Rio de Janeiro, n. 50, p. 53-56, abr. 1966.
52. Parecer nº 246/66, aprovado em 15/4/1966. Criação de Curso de Licenciatura
em Ciências da PUC/RS (Reconhecimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 51, p.
42, abr. 1966.
53. Parecer nº 248/66, aprovado em 15/4/1966. Faculdade de Filosofia de Campos/
RJ (Indicação de professor). Documenta, Rio de Janeiro, n. 51, p. 45, abr. 1966.
54. Parecer nº 257/66, aprovado em 15/4/1966. Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras Nossa Senhora da Imaculada Conceição de Viamão/RS (Indicação de professor) Documenta, Rio de Janeiro, n. 51, p. 49-50, abr. 1966.
55. Parecer nº 312/66, aprovado em 5/5/1966. Faculdade de Filosofia de Passo Fundo/RS – Cursos de Ciências Naturais e Estudos Sociais (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 52, p. 17, maio 1966.
56. Parecer nº 279/66, aprovado em 3/5/1966. Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Caxias/RS (Aprovação de Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 52,
p. 34, maio 1966.
57. Parecer nº 299/66, aprovado em 5/5/1966. Universidade Católica da Bahia (Aprovação de Estatuto). Documenta, Rio de Janeiro, n. 52, p. 32, maio 1966.
58. Parecer nº 373/66, aprovado em 4/6/1966. Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais (Adaptação à LDB). Documenta, Rio de Janeiro, n. 54, p. 27-28,
jun. 1966.
59. Parecer nº 372/66, aprovado em 4/6/1966. Universidade da Paraíba – Financiamento de projeto pela Finep. Documenta, Rio de Janeiro, n. 55, p. 48-53, jun.
1966.
60. Parecer nº 420/66, aprovado em 8/7/1966. Escola de Enfermagem de Manaus/
AM (Adaptação de Regimento à Lei nº 4.464/64). Documenta, Rio de Janeiro, n.
56, p. 38, jul. 1966.
61. Parecer nº 307/66 (Redação final), aprovado em 8/7/1966. Currículo mínimo
de Administração. Documenta, Rio de Janeiro, n. 56, p. 60-71, jul. 1966.
212
Durmeval Trigueiro Mendes
62. Parecer nº 394/66, aprovado em 8/7/1966. Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Ponta Grossa/PR (Indicação de professora). Documenta, Rio de Janeiro,
n. 56, p. 89-90, jul. 1966.
63. Parecer nº 396/66, aprovado em 8/7/1966. Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras "Sedes Sapientiae"/SP (Indicação de professor). Documenta, Rio de Janeiro,
n. 56, p. 90, jul. 1966.
64. Parecer nº 477/66, aprovado em 1/9/1966. Escola de Educação Física da Universidade Católica de Minas Gerais (Aprovação de Regimento). Documenta, Rio
de Janeiro, n. 58, p. 50-53, ago./set. 1966.
65. Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social - Plano de Educação.
Aprovado em 1/9/1966. Documenta, Rio de Janeiro, n. 58, p. 54-71, ago./set. 1966.
66. Parecer nº 480/66, aprovado em 27/9/1966. Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras de Uruguaiana/RS (Indicação de professora). Documenta, Rio de Janeiro, n.
60, p. 55-56, set./out. 1966.
67. Parecer nº 510/66, aprovado em 29/9/1966. Faculdade Estadual de Filosofia,
Ciências e Letras de União da Vitória/PR (Adaptação à Lei 4464/64). Documenta,
Rio de Janeiro, n. 60, p. 35, set./out. 1966.
68. Parecer nº 499/66, aprovado em 29/9/1966. Centro Acadêmico "Hugo Simas"
da Faculdade de Direito do Paraná – Denúncia contra a criação de Faculdade de
Direito de Campo Grande/MS. Documenta, Rio de Janeiro, n. 60, p. 64, set./out.
1966.
69. Parecer nº 520/66, aprovado em 30/9/1966. Faculdade de Ciências Contábeis
em Juazeiro do Norte/CE (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de
Janeiro, n. 60, p. 11, set./out. 1966.
70. Parecer nº 521/66, aprovado em 30/9/1966. Faculdade de Filosofia da PUC-RJ
(Adaptação de Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 60, p. 40, set./out. 1966.
71. Parecer nº 522/66, aprovado em 30/9/1966. Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras "Sedes Sapientiae"/SP (Indicação de professores). Documenta, Rio de Janeiro, n. 60, p. 75-76, set./out. 1966.
72. Parecer nº 532/66, aprovado em 30/9/1966. Universidade Católica de Salvador/ BA – Consulta sobre Instituto de Agregação. Documenta, Rio de Janeiro, n.
60, p. 84, set./out. 1966.
73. Voto em separado (assinado por 13 Conselheiros e transformado em vencedor)
ao Parecer do Conselho Federal de Educação sobre uma proposta relativa à
gratuidade do ensino a ser encaminhada ao Projeto da nova Constituição, atendendo a solicitação do Sr. Ministro da Educação. Documenta, Rio de Janeiro, n.
60, p. 93-94, set./out. 1966.
74. Parecer nº 576/66, aprovado em 11/11/1966. Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Pernambuco – Cursos de Psicologia.
Ensaios sobre Educação e Universidade
213
75. Parecer nº 575/66, aprovado em 11/11/1966. Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da Universidade Federal do Pará (Regimento). Documenta, Rio de Janeiro,
n. 61, p. 50-51, nov. 1966.
76. Parecer nº 594/66, aprovado em 9/12/1966. Escola de Administração do Ceará
(Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 63, p. 15, dez. 1966.
77. Nota de abertura – O Ministério da Educação depois da Lei de Diretrizes e
Bases. Documenta, Rio de Janeiro, n. 64, p. 5-9, dez. 1966.
78. Parecer nº 576/66, aprovado em 9/12/1966. Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Pernambuco (Reconhecimento). Documenta, Rio de Janeiro, n.
64, p. 37-38, dez. 1966.
79. "O Governo da Universidade". Conferência pronunciada na Sessão Plenária do
"Seminário sobre Ensino Universitário", promovido pelo Conselho Federal de
Educação. Documenta, Rio de Janeiro, n. 64, p. 74-98, dez. 1966.
80. "Administração da Universidade" – Resumo do texto "O Governo da Universidade". In: Relatório Final do Seminário sobre Ensino Universitário. Documenta,
Rio de Janeiro, n. 64, p. 115-121, dez. 1966.
81. Parecer nº 100/67, aprovado em 27/2/1967. Universidade Católica da Bahia
(Estatuto). Documenta, Rio de Janeiro, n. 66, p. 51, fev. 1967.
82. Parecer nº 101/67, aprovado em 28/2/1967. Faculdade de Filosofia de Lorena/
SP (Indicação de professor). Documenta, Rio de Janeiro, n. 66, p. 98-99, fev. 1967.
83. Parecer nº 111/67, aprovado em 2/3/1967. Faculdade de Direito de Itabirito/MG
(Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 67, p. 28, fev./
mar. 1967.
84. Indicação nº 27 – Sobre administração das Universidades brasileiras. Documenta, Rio de Janeiro, n. 67, p. 71, fev./mar. 1967.
85. Parecer nº 167/67, aprovado em 7/4/1967. Faculdade de Direito de Avaré/SP
(Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 68, p. 24-25,
abr. 1967.
86. Parecer nº 195/67, aprovado em 12/5/1967. Universidade Federal do Ceará
(Reforma do Estatuto). Documenta, Rio de Janeiro, n. 70, p. 28, maio 1967.
87. Parecer nº 209/67, aprovado em 6/6/1967. Expansão do ensino superior no
país. Documenta, Rio de Janeiro, n. 71, p. 10-21, jun. 1967; republicado na Documenta, Rio de Janeiro, n. 91, p. 122-131, set. 1968, como Anexo para o III Seminário sobre Assuntos Universitários, realizado em setembro de 1968.
88. Parecer nº 255/67, aprovado em 2/8/1967. Faculdade de Medicina de Itajubá/
MG (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 74, p. 8-27,
jul./ago. 1967.
214
Durmeval Trigueiro Mendes
89. Parecer nº 284/67, aprovado em 4/8/1967. Faculdade Salesiana de Filosofia,
Ciências e Letras de Lorena/SP - Criação de Licenciatura de Letras e de Estudos
Sociais (Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 74, p. 91, jul./ago. 1967.
90. Parecer nº 313/67, aprovado em 4/8/1967. Conselho Federal de Biblioteconomia
– Consulta sobre criação de cursos de biblioteconomia. Documenta, n. 74, p. 118119, jul./ago. 1967.
91. Parecer nº 101/67, aprovado em 29/8/1967. Faculdade Salesiana de Filosofia,
Ciências e Letras de Lorena/SP (Indicação de professor). Documenta, Rio de Janeiro, n. 75, p. 46, ago./set. 1967.
92. Parecer nº 394/67, aprovado em 6/10/1967. Universidade Federal do Paraná
(Plano de reestruturação). Documenta, Rio de Janeiro, n. 76, p. 70-76, out. 1967.
93. Parecer nº 255/67 (2º adendo), aprovado em 10/11/1967. Faculdade de Medicina de Itajubá/MG (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro,
n. 77, p. 19-25, nov. 1967.
94. Parecer nº 390/67, aprovado em 6/11/1967. Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Pernambuco – Cursos de Psicologia e de Jornalismo (Reconhecimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 77, p. 68-69, nov. 1967.
95. Parecer nº 255/67 (3º adendo), aprovado em 15/12/1967. Faculdade de Medicina de Itajubá/MG (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro,
n. 78, p. 13-16, dez. 1967.
96. Parecer nº 474/67, aprovado em 6/12/1967. Universidade Federal do Amazonas (Reestruturação). Documenta, Rio de Janeiro, n. 78, p. 93-101, dez. 1967.
97. Apreciações sintéticas do Conselheiro Durmeval Trigueiro Mendes - IV Reunião Conjunta dos Conselhos de Educação – Súmula n. 4, p. 83-84, 1967.
98. Indicação nº 49/67, aprovada em 15/12/1967, para o III Seminário de Estudos
Universitários – Sobre o Desenvolvimento do Ensino Superior. Documenta, Rio
de Janeiro, n. 80, p. 82-89, jan. 1968.
99. Parecer nº150/68, aprovado em 11/3/1968. Faculdade de Ciências Econômicas
do Maranhão – Incorporação à Universidade do Maranhão. Documenta, Rio de
Janeiro, n. 82, p. 81-84, mar. 1968.
100. Parecer nº 195/68, aprovado em 15/3/1968. Faculdade de Filosofia do Recife/
PE – Curso de Psicologia. Documenta, Rio de Janeiro, n. 83, p. 45-46, mar. 1968.
101. Parecer nº 196/68, aprovado em 15/3/1968. Faculdade de Ciências Contábeis
de Santo Ângelo/RS (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 83, p. 46-48, mar. 1968.
102. Informe do pronunciamento feito por ocasião do término dos mandatos dos
Conselheiros Alceu Amoroso Lima, Anísio Teixeira, Hélder Câmara e Antônio
Martins Filho. Documenta, Rio de Janeiro, n. 83, p. 109-112, mar. 1968.
Ensaios sobre Educação e Universidade
215
103. Parecer nº 268/68, aprovado em 7/5/1968. Instituto Politécnico de Ribeirão
Preto/SP (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 86, p.
10-13, maio 1968.
104. Parecer nº 331/68, aprovado em 10/5/1968. Escola de Administração do Ceará
– Curso de Administração de Empresas (Reconhecimento). Documenta, Rio de
Janeiro, n. 86, p. 80-81, maio 1968.
105. Parecer nº 460/68, aprovado em 5/7/1968. Faculdade de Ciências Econômicas
e Administração de Empresas de Mogi das Cruzes/SP (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 88, p. 80-81, jul. 1968.
106. Parecer nº 518/68, aprovado em 9/8/1968. Instituto Politécnico de Ribeirão
Preto/SP (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 89, p.
49-50, ago. 1968.
107. Parecer nº 517/68, aprovado em 9/8/1968. Universidade Federal do Paraná
(Plano de reestruturação). Documenta, Rio de Janeiro, n. 89, p. 131-132, ago. 1968.
108. Parecer nº 512/68, aprovado em agosto/1968. Escola de Sociologia e Política
do Rio de Janeiro/GB (Alterações no currículo). Documenta, Rio de Janeiro, n. 89,
p. 146-147, ago. 1968.
109. Parecer nº 529/68, aprovado em 9/8/1968. Universidade Federal do Rio de
Janeiro/GB – Solicita o currículo do Curso de Engenharia de Operação nas Modalidades de Construção Civil e Construção de Estradas. Documenta, Rio de Janeiro,
n. 89, p. 154, ago. 1968.
110. "A expansão do ensino superior no Brasil" – Conferência proferida no III
Seminário sobre Assuntos Universitários em 28/8/1968 no Rio de Janeiro/GB. Documenta, Rio de Janeiro, n. 91, p. 26-66, set. 1968.
111. Parecer nº 673/68, aprovado em 11/10/1968. Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras de Rio Pomba/MG (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de
Janeiro, n. 93, p. 37-39, out. 1968.
112. Parecer nº 676/68, aprovado em 11/10/1968. Faculdade de Ciências Contábeis
e Administrativas Machado Sobrinho - Juiz de Fora/MG (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 93, p. 39-40, out. 1968.
113. Parecer nº 736/68, aprovado em 8/11/1968. Instituto Politécnico Moura Lacerda
– Ribeirão Preto/SP (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 94, p. 30-33, nov. 1968.
114. Parecer nº 706/68, aprovado em 7/11/1968. Universidade Federal do Paraná
(Plano de reestruturação). Documenta, Rio de Janeiro, n. 94, p. 59-60, nov. 1968.
115. Parecer nº 713/68, aprovado em 7/11/1968. Faculdade de Ciências Econômicas do Triângulo Mineiro (Indicação de professores). Documenta, Rio de Janeiro,
n. 94, p. 75-76, nov. 1968.
216
Durmeval Trigueiro Mendes
116. Parecer nº 766/68, aprovado em 3/12/1968. Universidade de Brasília – Cursos
de Direito, Ciências Econômicas e Administração (Reconhecimento). Documenta,
Rio de Janeiro, n. 95, p. 55-64, dez. 1968.
117. Parecer nº 784/68, aprovado em 4/12/1968. Instituto Politécnico Moura Lacerda
– Ribeirão Preto/SP (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 95, p. 29-30, dez. 1968.
118. Parecer nº 879/68, aprovado em 7/12/1968. Universidade de Brasília – Cursos
de Direito, Ciências Econômicas e Administração (Reconhecimento). Documenta,
Rio de Janeiro, n. 96, p. 68-70, dez. 1968.
119. Parecer nº 867/68, aprovado em 13/12/1968. Faculdade de Filosofia, Ciências
e Letras de São Leopoldo/RS (Indicação de professor). Documenta, Rio de Janeiro,
n. 96, p. 98, dez. 1968.
120. Parecer nº 876/68, aprovado em 17/12/1968. Escola Brasileira de Administração Pública/GB – Solicita concessão a bacharéis de Administração da Faculdade
para realizarem outros cursos afins. Documenta, Rio de Janeiro, n. 96, p. 120-122,
dez. 1968.
121. Parecer nº 889/68, aprovado em 18/12/1968. Faculdade de Direito de Araçatuba/
SP (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 96, p. 54-56,
dez. 1968.
122. Parecer nº 902/68, aprovado em 18/12/1968. Faculdade Estadual de Direito
de Londrina/PR (Indicação de professor). Documenta, Rio de Janeiro, n. 96, p.
105-106, dez. 1968.
123. Parecer nº 38/69, aprovado em 6/2/1969. Instituto de Ciências Econômicas,
Jurídicas e Sociais do Paraná – Curso de Administração (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 97, p. 36-37, jan./fev. 1969.
124. Parecer nº 142/69, aprovado em 3/3/1969. Universidade Federal do Paraná
(Plano de reestruturação). Documenta, Rio de Janeiro, n. 99, p. 73, mar. 1969.
125. Parecer nº 280/69, aprovado em 11/04/1969. Faculdade de Direito e de Ciências do Instituto Educacional Piracicabano/SP (Autorização para funcionamento).
Documenta, Rio de Janeiro, n. 100, p. 42-44, abr. 1969.
126. Parecer nº 296/69, aprovado em 5/5/1969. Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras "Dr. Carlo D'Alamo Louzada" – Birigui/SP (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 101, p. 18-21, maio 1969.
127. Parecer nº 29/69, aprovado em 5/5/1969. Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da OMEC – Mogi das Cruzes/SP, Cursos de Psicologia, Desenho e Estudos
Sociais (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 101, p.
21-23, maio 1969.
128. Parecer nº 373/69, aprovado em 9/5/1969. Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da OMEC – Mogi das Cruzes/SP (Cumprimento de diligência do Parecer nº
297/69). Documenta, Rio de Janeiro, n. 101, p. 75-76, maio 1969.
Ensaios sobre Educação e Universidade
217
129. Parecer nº 375/69, aprovado em 9/5/1969. Faculdade de Ciências Administrativas da União Universitária de Negócios e Administração – Belo Horizonte/MG
(Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 101, p. 76-80,
maio 1969.
130. Parecer nº 439/69, aprovado em 13/6/1969. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 102, p.
60-62, jun. 1969.
131. Parecer nº 492/69, aprovado em 10/7/1969. Faculdade de Direito de Araçatuba/
SP (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 103, p. 3637, jul. 1969.
132. Parecer nº 559/69, aprovado em 7/8/1969. Faculdade Estadual de Direito de
Londrina/PR (Indicação de professores). Documenta, Rio de Janeiro, n. 104, p. 9192, ago. 1969.
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Durmeval Trigueiro Mendes
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