Incêndios

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 Incêndios Ramon Vallejo Série do Fascículo: B Número: 2 Conteúdos O FENÓMENO DOS INCÊNDIOS NO MUNDO: CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS Os incêndios no Mediterrâneo Norte O PAPEL DETERMINANTE DOS INCÊNDIOS FLORESTAIS NA DESERTIFICAÇÃO Consequências dos incêndios nos ecossistemas e paisagens Consequências dos incêndios nos solos e ciclo de água Consequências dos incêndios na vegetação e fauna Vulnerabilidade perante os incêndios O CASO ESPECIAL DE INTERFACE URBANO ‐
FLORESTAL ESTRATÉGIAS PARA REDUZIR O RISCO DE INCÊNDIO, MITIGAR IMPACTOS DO FOGO, E RESTAURAR TERRENOS ARBORIZADOS QUEIMADOS Estabelecer prioridades Desenvolvimento de critérios para identificar ecossistemas vulneráveis – estudo de caso: Região de Valência, Espanha (Projecto FIREMAP) Estratégias e acções de recuperação pós‐
incêndio dos ecossistemas e prevenção do fogo – Estudo de caso: Ayora site (Valência, Espanha) CONCLUSÕES BIBLIOGRAFIA E LEITURA COMPLEMENTAR 1
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propagar e a espalhar‐se. As actividades humanas em áreas densamente povoadas são frequentemente a causa dos incêndios e constituem um dos principais impulsionares da desertificação. Estas aumentaram a frequência dos incêndios e modificaram os regimes do fogo em muitas regiões do Mundo. De acordo com a relação que existe entre adaptações do ecossistema e a história dos incêndios, é possível distinguir entre ecossistemas adaptados ao fogo e sensíveis ao fogo. No primeiro caso, o fogo é uma força ecológica fundamental na determinação da forma, estrutura e diversidade da paisagem, na medida em que os incêndios são necessários para a sua regeneração. Os ecossistemas sensíveis ao fogo são aqueles em que não é comum ocorrerem incêndios e que não desenvolveram mecanismo de adaptação; como consequência, são mais propensos a sofrer degradação após um incêndio. Identificar as consequências dos incêndios na estrutura e funcionamento dos ecossistemas constituíra as bases para avaliar a necessidade de implementar acções de restauração. Os incêndios podem ter impactos negativos, directos ou indirectos, sobre a biodiversidade biológica, a erosão do solo e risco de inundações, contribuindo, em suma, todos estes elementos para a desertificação. 1 7
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O FENÓMENO DOS INCÊNDIOS NO MUNDO: CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS Os incêndios são um dos processos que regem os ecossistemas naturais em muitas regiões do Mundo, onde durante a estação seca ou durante os anos secos, em regiões de características húmidas, a vegetação se torna facilmente inflamável. A Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD) reconhece que as zonas secas, sub‐húmidas e semi‐áridas são especialmente propensas a sofrer grandes incêndios florestais. Em contraste, áreas mais secas não permitem uma vegetação contínua, por isso, os fogos não tendem a Figura 1. Consequências dos incêndios florestais. A necessidade de empreender acções de mitigação, reabilitação ou restauro em terras queimadas baseia‐
se na identificação dos impactos negativos após o incêndio. Os incêndios no Mediterrâneo Norte Ao longo dos últimos cinquenta anos tem havido uma transformação socioeconómica nos países do Mediterrâneo Norte, que passaram de uma sociedade rural a urbana. Entre as consequências desta transformação encontram‐se a redução do pastoreio e a procura de lenha, bem como o abandono das terras de cultivo, o que provocou um aumento dramático na disponibilidade de biomassa combustível. Ao mesmo tempo, aumentou o número de pessoas que visitam áreas florestais para realizarem actividades de lazer. A florestação que se fez em muitos países do Mediterrâneo foi baseada na plantação de coníferas e de eucaliptos, mas não incluiu uma gestão florestal adequada das novas plantações. Todas estas transformações conduziram a um aumento da expansão na paisagem dos ecossistemas propensos ao fogo. Tal facto tem consequências a longo prazo, no aumento da probabilidade de ocorrência e vulnerabilidade aos incêndios (risco de incêndios), isto significa que o risco de incêndios é determinado tanto por factores dinâmicos (variáveis meteorológicas), como por factores estáticos (modelos de combustível). Entre as repercussões deste conjunto de factores, destaca‐se o aumento significativo dos incêndios florestais em termos de extensão e intensidade. 2 Figura 3. Tendências da superfície anual queimada e do número anual de fogos, na Comunidade Valenciana desde 1874 (gráfico superior, Pausas 2004), e estatísticas recentes sobre incêndios florestais em alguns países do Mediterrâneo do Norte (período 1995‐2004; gráfico inferior, dados da FAO 2006 e Eurostat). Figura 4. Vestígios de incêndio nas margens do rio Guadiana – Mértola, Portugal O PAPEL DETERMINANTE DOS INCÊNDIOS FLORESTAIS NA DESERTIFICAÇÃO Figura 2. Mancha de pinheiros jovens ( < 25 anos) com subcoberto muito desenvolvido, mas inflamável, onde predominam Ulex parviflorus, Cistus albidus e Rosmarinus officinalis. Consequências dos incêndios nos ecossistemas e paisagens O fogo afecta directamente a vegetação, o solo e a fauna com menor mobilidade. Os ecossistemas queimados (total ou parcialmente) apenas regeneram uma cobertura vegetal depois de vários meses ou mesmo anos. O solo nu, exposto à erosão eólica e pluvial, sofre a degradação da sua parte superficial (horizonte). À escala da paisagem, a cobertura dos solos modifica‐se, o que provoca alterações na intercepção das gotas da água, evapotranspiração e infiltração das chuvas. A estrutura da paisagem tende a tornar‐se mais homogénea; são alterados os fluxos de água, sedimentos e nutrientes, com aumentos frequentes da escorrência, e a redistribuição das partículas de solo nas vertentes e a produção de sedimentos. Depois do incêndio, durante um ou dois anos as bacias hidrográficas têm um risco de inundação e de sedimentação muito superior ao das bacias hidrográficas não queimadas, e estes riscos estendem‐se para fora das áreas afectadas, materializando‐se em danos em infra‐estruturas e populações (ex. deslizamento de terras) Figura 5. Pinhal na Bacia de Guadalest (Alicante, Sector Este de Espanha) quatro anos depois de um incêndio, mostrando áreas pouco regeneradas, junto a outras que não foram afectadas. Consequências dos incêndios nos solos e no ciclo da água Figura 6. Principais processos de degradação que ocorrem durante e imediatamente após o fogo. O impacto do fogo nas propriedades do solo, e as consequências subsequentes que tem na erosão do solo e escorrência, são o resultado da combinação, por um lado, do efeito directo de combustão ao aquecer a superfície do solo e ao estender‐se sem chama ao longo de raízes mortas e, por outro os efeitos indirectos derivados da perda de coberto vegetal e manta morta (folhagem) após o fogo. A importância dos impactos depende em grande medida da gravidade e da recorrência do fogo. Incêndios de grande intensidade, em que a superfície do solo atinge temperaturas elevadas, ocasionam a perda de matéria orgânica e de nitrogénio na manta morta e no horizonte superficial do solo, a esterilização temporária do solo, a formação de crostas em superfície (especialmente solos limosos). A hidrofobicidade pode alterar‐se, especialmente em solos arenosos, aumentando ou diminuindo em função da temperatura atingida e da sua duração. Os fogos de grande intensidade também causam maior susceptibilidade ao impacto das gotas de chuva, assim como uma perda da capacidade de infiltração derivada da formação de crostas no solo e do aparecimento de uma forte repelência à água (hidrofobicidade). Esta modificação temporal das propriedades hidráulicas do solo aumenta a escorrência e a erosão, produzindo‐se um empobrecimento in loco e possíveis prejuízos a jusante da área afectada. A microflora do solo e fauna podem ser directamente afectadas pelo calor e pela modificação do micro 3 habitat (ex. alterações nas propriedades químicas do solo, como o pH e o conteúdo em água). Como resultado, a composição (mais microorganismos autotróficos e menos simbióticos), a estrutura e funcionamento do solo desequilibram‐
se e passam a ser muito diferente dos que existiam antes do fogo. Tal facto afecta especialmente as associações simbióticas de plantas‐microorganismos (ex. diminui a formação micorrizas). As comunidades microbianas dos horizontes superiores do solo correm um risco maior de serem afectadas pelo fogo quando comparadas com aquelas que vivem nos horizontes mais profundos, uma vez que o efeito do calor diminui rapidamente com a profundidade. Fogos recorrentes aumentam a perda de nutrientes, que podem não recuperar durante o período entre fogos. Esse desequilíbrio tem como resultado uma redução nítida da fertilidade do solo. exóticas não proliferam geralmente em sítios queimados. 4 Figura 7. Repelência à água causada pelo fogo na manta morta. Consequências dos incêndios na vegetação e na fauna A vegetação dos climas secos, incluindo a das regiões do Mediterrâneo, desenvolveu numerosos mecanismos de adaptações ao fogo. Os ecossistemas mediterrâneos por norma regeneram eficazmente após um incêndio. As espécies vegetais recuperam porque rebrotam, ou germinando, ou ainda utilizando ambos os mecanismos (germinadoras facultativas). Em geral, os ecossistemas em que predominam espécies que rebrotam regeneram com maior rapidez o coberto vegetal, do que aqueles onde predominam espécies germinadoras. Estes ecossistemas oferecem, portanto, uma maior protecção à erosão e à degradação do solo. As sementes das espécies germinadoras provêm do banco de sementes do solo e das copas (ex. caso dos pinheiros). Depois de um incêndio, os pinheiros mediterrâneos necessitam geralmente de 15 a 20 anos para recuperar o banco de sementes que as suas copas formam. Além disso, os pinheiros não produzem um banco de sementes permanente no solo. Como consequência desse facto, a sucessão de incêndios num curto intervalo de tempo causa o desaparecimento dos pinhais e faz com que a recuperação dependa da existência de manchas de bosques próximos que não tenham sido afectadas. No caso dos grandes incêndios, esta recuperação requer períodos longos de tempo, uma vez que a taxa de colonização para os pinheiros anda à volta de 25 metros a cada 20 anos. Em geral, os incêndios não afectam negativamente as espécies mediterrâneas raras e ameaçadas (que podem mesmo ver‐se favorecidas), a não ser que se vejam acompanhadas de outras perturbações. Pelo contrário, as espécies Figura 8. Aroeira, que surgiu de novo após o fogo (Pistacia lentiscus). Figura 9. O tojo mediterrânico é uma germinadora forçada, que origina uma grande quantidade de combustível, fino e morto, quando atinge a sua maturidade (12‐18 anos). Produz incêndios de elevada intensidade e recupera lentamente a partir das sementes. As repercussões que os incêndios têm sobre os animais são muito variáveis (em função do seu tamanho e mobilidade) embora, no geral, a actividade da fauna seja drasticamente reduzida após o fogo. Os grupos mais afectados são provavelmente os répteis. As aves nidificadoras são muitas vezes seleccionadas como indicadores para avaliar as consequências do fogo na fauna. Dados obtidos no Sul de França mostram que a recuperação total das comunidades de aves em áreas florestais pode requerer entre 25 a 30 anos. Contudo, os bosques e os matos recentemente queimados normalmente desenvolvem pastagens de qualidade, o que cria um bom habitat para herbívoros e aumenta o potencial cinegético. interface urbano‐florestal: o tamanho das árvores, de modo a reduzir a cobertura dada pelas copas; a poda de ramos baixos, tanto vivos como mortos; a limpeza do sub‐bosque no perímetro das vivendas, para diminuir o perigo de combustão. Outro aspecto a considerar é a frequente introdução de espécies ornamentais exóticas muito inflamáveis (ex Cupressus spp) na interface urbano‐florestal. A importância destas espécies reside no facto de elas poderem estar na origem dos incêndios e também no aumento da sua extensão. Figura 10. Mértola, Portugal Vulnerabilidade perante os incêndios Uma gestão adequada pós‐incêndio deve prever as repercussões do fogo sobre os ecossistemas e paisagens, assim como as suas consequências sociais e económicas. Quando uma intensa exploração secular degradou a vegetação, é provável que esta tenha perdido a sua capacidade de regeneração, especialmente se os incêndios são frequentes. A sensibilidade dos diferentes tipos de solo em relação aos incêndios é variável, dependendo de certas propriedades críticas (como a erodibilidade e a capacidade de infiltração), bem como das condições climáticas e topográficas. O CASO ESPECIAL DA INTERFACE URBANO ‐
FLORESTAL O abandono da terra e a actual expansão urbana nas áreas rurais estão a aumentar extraordinariamente a superfície dos aglomerados urbanos em contacto com as áreas florestais. Este facto origina nestas áreas um elevado risco de ignição causado pelas actividades humanas, com o consequente perigo dos incêndios afectarem as casas e outras infra‐estruturas urbanas. Portanto, a extensão da interface urbano‐
florestal pressupõe um risco crescente de provocar danos pessoais. Alguns países estabeleceram normas para reduzir o combustível em redor das casas, assim como para minimizar a utilização de materiais inflamáveis na construção. Foram propostas outras medidas para diminuir o risco de incêndio na Figura 11. Efeito de um incêndio na interface urbano‐
florestal, em Oakland (Califórnia) em 1991. 5 ESTRATÉGIAS PARA REDUZIR O RISCO DE INCÊNDIO, MITIGAR IMPACTOS DO FOGO, E RESTAURAR TERRENOS ARBORIZADOS QUEIMADOS Estabelecer prioridades A gestão florestal pode ter múltiplos objectivos. Contudo, se o que se pretende é reduzir os impactos dos incêndios florestais, podem ser definidos, na maioria dos casos, um conjunto mínimo de objectivos prioritários: 1) Protecção do solo e regularização hidrológica; 2) Redução do risco de incêndio e aumento da resistência e resiliência dos ecossistemas e paisagens perante os incêndios florestais; 3) Desenvolvimento dos bosques adultos, diversos e produtivos. 6 Figura 12. Estratégias para o restauro após o fogo na região de Valência, Este de Espanha (Vallejo, 1996). Várias estratégias de mitigação e de restauro podem ser aplicadas, em função do risco de degradação e dos objectivos da gestão. Uma das opções de reabilitação apropriadas para os terrenos declivosos com escasso coberto vegetal e elevado risco de erosão é o “mulching” (deposição sobre a superfície do solo uma cobertura de matéria morta, constituída por elementos de origem vegetal), utilizando o solo ou acompanhado de sementeira, nas áreas com escassa capacidade de regeneração. Quando o restauro não tenha como objectivo principal a protecção do solo, mas sim a melhoria da diversidade biológica, da resistência e a funcionalidade das áreas afectadas, aconselha‐se a plantar espécies arbóreas e arbustivas que rebrotam com facilidade (para obter mais informação consulte o fascículo LUCINDA B1). Desenvolvimento de critérios para identificar ecossistemas vulneráveis – estudo de caso: Região de Valência, Espanha (Projecto FIREMAP) A vulnerabilidade de um ecossistema pode ser descrita como a sua susceptibilidade à degradação se é afectado por uma perturbação. Pode também ser definida como o inverso da capacidade para amortecer, sem perda de qualidade, essas perturbações. No momento de avaliar a qualidade de um ecossistema devem ser considerados tanto os prejuízos possíveis, como as perdas de recursos socioeconómicos (actividades recreativas, exploração de madeiras) e ecológicos (erosão, dinâmica de sucessão, paisagem). A erosão, a dinâmica da vegetação e a estrutura da paisagem são as três componentes que se devem ter em conta na avaliação da vulnerabilidade ecológica perante os incêndios. A metodologia que se propõe neste documento avalia principalmente a gravidade dos prejuízos e a capacidade de resposta dos ecossistemas depois dos incêndios. A escala temporal vai desde o curto prazo (< 1 ano, para identificação das áreas sensíveis à erosão) até ao médio prazo (25 anos, o que permite apreciar as modificações na composição e na estrutura da vegetação). Não obstante, existem alguns aspectos relevantes que não são previsíveis, tais como a intensidade do fogo e as condições meteorológicas após o incêndio. Uma solução prudente seria combinar os registos meteorológicos da área estudada com o pior cenário possível: um incêndio florestal de elevada intensidade em período estival. Avaliação a curto prazo (<1 ano). Para além da estrutura da vegetação, existe um conjunto de características físicas que permitem criar um modelo de risco de erosão do solo: tipo de rocha‐
mãe, tipo de solo, intensidade das precipitações, declive e comprimento da vertente e erodibilidade da fracção mineral do solo. Durante o primeiro ano depois do incêndio, a resposta do ecossistema dependerá das propriedades da vegetação afectada que determinem a taxa de recuperação a curto prazo. Por exemplo, um terreno com um declive superior a 15%, em que o teor de matéria orgânica no solo seja inferior a 2%, com tendência à formação de crostas e com uma vegetação composta por herbáceas, gramíneas e pequenos arbustos, pouco densos, pode ser muito vulnerável, devido à erodibilidade do solo, ao declive e às propriedades da vegetação. Contudo, esta vulnerabilidade atenua‐se se a área apresentar uma agressividade climática moderada (valor do índice de Fournier inferior a 20). Em termos gerais, quanto menor for o tempo necessário para que a vegetação recupere uma cobertura do solo em cerca de 30‐40%, menor será o risco de erosão. Certas características da vegetação (como a capacidade de rebrotar, persistência de bancos de sementes, a taxa de crescimento inerente, a capacidade de dispersão) podem ser utilizadas para prever a resposta da vegetação depois de um incêndio. A taxa de recuperação é o resultado da estratégia reprodutiva das plantas afectadas (espécie germinadora ou rebrotadora), em relação com outros factores físicos como o clima ou a exposição. No geral, depois de um incêndio, as espécies que rebrotam recuperam com maior rapidez que as germinadoras (Pausa e Vallejo, 1999). Além disso, a capacidade de rebrotar não depende das precipitações, enquanto o aparecimento de espécies germinadoras forçadas estará em grande medida determinado pelas chuvas da Primavera e do Outono posterior ao incêndio. Figura 13. Metodologia de avaliação da vulnerabilidade do ecossistema a curto prazo. Avaliação a médio prazo (≈ 25 anos) A médio prazo, a vulnerabilidade do ecossistema irá depender da sua capacidade de desenvolvimento, sem que ocorram grandes mudanças (composição, estrutura da vegetação, cobertura relativa /biomassa das diferentes espécies). Em geral, nos bosques adultos em que predominam espécies de germinação forçada, tanto no estrato arbóreo como no arbustivo, apresentam uma vulnerabilidade entre média e alta em função da sua capacidade de germinação depois do incêndio. Por exemplo, os pinheiros (Pinus halepensis e P. pinaster) têm elevadas taxas de sobrevivência e de germinação das sementes depois do incêndio. Tal deve‐se à serotinia das suas pinhas (capacidade de reter as sementes dentro das pinhas na copa, enquanto ocorre o incêndio). Por outro lado, as sementes do pinheiro manso (P. pinea) e as de outras espécies de clima sub‐mediterrâneo ou temperado (P. nigra, P. sylvestris), assim como as da sabina‐negral (Juniperus phoenicea), apenas conservam capacidade germinativa depois de sofrerem um incêndio, o que dificulta a recuperação das massas arbóreas. Os bosques adultos dominados por espécies frondosas rebrotadoras, como a azinheira (Quercus ilex), são muito resistentes. Os bosques jovens dominados por espécies germinadoras são mais vulneráveis que os bosques adultos, uma vez que o recrutamento de indivíduos novos é muito mais baixo pelo facto dos pinheiros não produzirem uma grande quantidade de sementes viáveis. Por último, as formações arbustivas dominadas por espécies germinadoras forçadas (Ulex parviflorus, Cistus spp., Rosmarinus officinalis) apresentam uma vulnerabilidade média, pelo facto de estarem, em geral, bem adaptadas ao fogo e de disporem no solo de bancos de sementes muito dinâmicos e abundantes. Além disso, a sua germinação é estimulada pelo fogo, ou por novas condições que este origina (por ex. a quantidade de radiação que chega à superfície do solo é maior, provocando variações mais acentuadas nas temperaturas diárias) Figura 14. Regeneração do Pinheiro‐do‐Alepo (Pinus halepensis): a passagem de fogo provoca a abertura das pinhas serotinas, libertando as sementes para o 7 manto de cinzas. Com as primeiras chuvas importantes de Outono, ou de Primavera, costumam produzir uma boa taxa de germinação, devido a uma maior disponibilidade de nutrientes e a uma menor competência de outras plantas. Estratégias e acções de recuperação pós‐incêndio dos ecossistemas e prevenção do fogo – Estudo de caso: Ayora site (Valência, Espanha) Os factores que determinam o tipo e as características da vegetação que se regeneram depois de um incêndio são: o tipo de solo e a evolução dos seus usos (frequentemente ligados), o regime dos incêndios e a topografia. A figura seguinte mostra a dinâmica da vegetação, tanto observada como previsível, num pinhal adulto depois de um incêndio florestal, tendo em conta a rocha‐mãe e a produção de outros incêndios. 8 Figura 15. Modelo conceptual da dinâmica da vegetação mediterrânea num pinhal, que sofreu um incêndio. A rocha‐mãe – e, portanto, o tipo de solo – e, a recorrência de incêndios, são parâmetros incluídos no modelo. As setas indicam a transição de um tipo ou outro de vegetação. Os pontos de interrogação indicam as transições que se desconhecem. Ule par = Ulex parviflorus; Ros off Rosmarinus officinalis; Que coc = Quercus coccifera. De Baeza et al. (2007). A recuperação dos ecossistemas florestais mediterrâneos pode ser muito lenta, devido às condições climáticas da região. Além disso, as manchas florestais que se podem formar nas etapas intermédias de sucessão (ou de transição), antes que alcancem a sua estrutura final, podem ser muito inflamáveis. A maioria destas etapas de transição consiste em formações arbustivas densas, nas quais abunda a fracção fina e morta do material vegetal. Estas propriedades das formações arbustivas mediterrâneas conduzem a um risco elevado de ocorrência de novos incêndios e fazem com que, frequentemente, se desencadeiem processos de degradação pelo fogo. As medidas que se adoptam nestes contextos devem interromper esses ciclos de degradação e promover formas mais rápidas e eficazes de alcançar o objectivo final de desenvolvimento que se pretende para os ecossistemas florestais. Isso não impede que as medidas se possam orientar, igualmente, para uma redução do perigo de incêndio. O projecto SPREAD (Propagação do Fogo Florestal Prevenção e Mitigação), financiado pela UE, tinha como objectivo a melhoria da qualidade da vegetação mediante a redução do risco de incêndio e o aumento da resiliência, de maneira a romper a realimentação positiva entre o fogo e a homogeneização da paisagem. O ecossistema modelo escolhido para este estudo foi um mato muito favorável a incêndios dominado por Ulex parviflorus, uma germinadora forçada. As espécies rebrotadoras lenhosas, tanto arbustivas como arbóreas, não estavam representadas ou eram escassas. As técnicas de restauro consistiram na plantação de espécies rebrotadoras e uma limpeza selectiva destinada a favorecer o desenvolvimento dos pinheiros e dos poucos exemplares de rebrotadoras presentes. O estudo incluiu quatro parcelas com diferentes tratamentos: Testemunho (controlo) – Mato, limpeza, plantação e plantação depois de limpeza. Os restos resultantes da limpeza, material vegetal, foram triturados e aplicados como mulch. Três anos depois da limpeza observou‐se uma modificação significativa da estrutura da vegetação e no modelo de combustível. A limpeza selectiva transformou o que era uma formação arbustiva densa, contínua e altamente inflamável, com uma grande acumulação de manta morta, numa pastagem de herbáceas com arbustos rebrotadores dispersos e uma biomassa combustível descontínua. Obviamente, a acumulação de biomassa reduziu‐se de forma significativa, passando aproximadamente de 3000 a 500 gm‐2; contudo, a cobertura vegetal apenas diminuiu de 85 para 56%, e a percentagem de solo a nu na parcela em que se fez a limpeza manteve‐se inferior a 5%, graças à protecção proporcionada pelos restos triturados. Três anos depois de se fazer a limpeza, um estudo do coberto vegetal permitiu constatar que a proporção entre espécies rebrotadoras e germinadoras tinha aumentado consideravelmente a favor das primeiras. O mulching com os restos da limpeza traduziu‐se numa redução notável das taxas de germinação das espécies germinadoras forçadas. O número de plantas jovens por metro quadrado foi duas vezes superior nas parcelas de controlo, do que nas parcelas com mulch. Como resultado, nas parcelas com limpeza, os indivíduos de espécies rebrotadoras eram 10 vezes mais abundantes do que as espécies germinadoras, quando comparadas com as parcelas de controlo. Tal facto deu ao novo ecossistema uma maior capacidade de resistência e resiliência. Figura 16. Fisionomia do mato Mediterrânico, com um estado entre a maturidade e velhice baixas taxas de sobrevivência e crescimento. Assim, é importante mencionar o sucesso que representa uma taxa de sobrevivência em torno dos 90%, nos Brinzales de azinheiras (Quercus ilex) e de Rhamnus alaternus. A limpeza demonstrou também favorecer o crescimento destas espécies. Pode concluir‐se que associar a limpeza com a plantação de espécies rebrotadoras é uma opção adequada para a gestão de áreas de mato que apresentem um risco elevado de incêndio, uma vez que consegue, por um lado, uma drástica redução tanto da qualidade total como da taxa de acumulação da biomassa combustível, e, por outro, um aumento da resiliência do ecossistema em virtude da introdução de espécies rebrotadoras; tudo isto diminui a vulnerabilidade destas áreas perante os incêndios e, por conseguinte, reduz o risco de desertificação. CONCLUSÕES Figura 17. Um ano depois de uma intervenção que consistiu numa limpeza e na plantação de plantas jovens de espécies rebrotador. Figura 18. Efeitos da limpeza da vegetação sobre a proporção relativa de espécies rebrotadoras e germinadoras na cobertura vegetal, depois de três anos de intervenção. A sobrevivência e o crescimento das plantas jovens introduzidas dependem do tratamento e, em particular, da limpeza. A plantação de espécies frondosas de etapas avançadas de sucessão nas zonas mediterrâneas degradadas tem oferecido, em geral, INCÊNDIOS FLORESTAIS - Ecossistemas sensíveis ao fogo não desenvolveram mecanismos de adaptação a incêndios intensos e são, assim, propensos a degradação após o fogo. - Transformações resultantes das actividades humanas e a evolução dos usos do solo no 9 Mediterrâneo aumentaram o risco de incêndios florestais de maior extensão e intensidade. - Os incêndios modificam a escorrência, o que aumenta o risco de inundações e a erosão dos solos. - Os microorganismos do solo são sensíveis ao fogo e às mudanças que estes provocam nas propriedades físicas do solo. Reduzem‐se as relações de simbiose entre plantas e microorganismos. - A vegetação rebrotadora recupera com maior rapidez que a germinadora. - As repercussões que os incêndios têm sobre a fauna dependem do tamanho e da mobilidade dos animais. - A interface urbano‐florestal aumenta em numerosos países, provocando um aumento notável no risco de incêndio e, com ele, de possíveis prejuízos em zonas urbanizadas. BIBLIOGRAFIA E LEITURA COMPLEMENTAR 10 Figura 19. Mora, Portugal ESTRATÉGIAS PARA FAZER FRENTE AOS INCÊNDIOS - A protecção do solo, a regularização hidrológica, a redução do risco de incêndio, a resiliência dos ecossistemas e o desenvolvimento dos bosques altos são os objectivos principais da gestão florestal em ecossistemas propensos a sofrer incêndios; - A identificação de áreas vulneráveis é baseada em erodibilidade do solo e na taxa potencial de recuperação da vegetação. A estratégia reprodutiva das espécies dominantes é o factor chave na taxa de recuperação da vegetação (resiliência); - A gestão florestal devia ser orientada tanto para reduzir a ocorrência e intensidade dos incêndios, como para aumentar a taxa de recuperação do ecossistema (resiliência). Figura 20. Serra Algarvia, Portugal Alloza, J.A. & Vallejo, V.R. 2006. Restoration of burned areas in forest management plans. In: Desertification in the Mediterranean Region: a Security Issue. W.G. Kepner, J.L. Rubio, D.A. Mouat & F. Pedrazzini eds. 475‐488. Springer.Dordrecht. Baeza, M.J., Valdecantos, A., Alloza, J.A. & Vallejo V.R. 2007. Human disturbance and environmental factors as drivers of long‐term post‐fire regeneration patterns in Mediterranean forests. Journal of Vegetation Science 18: 243‐252. Pausas, J. & Vallejo R. 1999. The role of fire in European Mediterranean ecosystems. In: Remote Sensing of Large Wildfires in the European Mediterranean Basin. E. Chuvieco Ed. 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