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A UTILIZAÇÃO DA LINGUAGEM COMO MEDIADORA DO
DESENVOLVIMENTO COGNITIVO NA ATUAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA
PREVENTIVA
Monografia apresentada por Sergio
Senna Pires como exigência parcial
do curso de pós-graduação Latu
Sensu do Centro de Estudos de
Pessoal do Exército Brasileiro e do
Centro de Filosofia e Ciências
Humanas (UFRJ), na área de
Psicopedagogia.
CAPÍTULO 7 - A Mediação Simbólica
7.1 Os processos mediadores
O conceito de mediação simbólica recebe uma grande importância na
obra de Vygotsky. Provavelmente inspirado pela sua tendência dialética, ele
procurou abandonar a visão fragmentária adotada por muitos cientistas de sua
época e procurou enxergar a psicologia como um todo. Essa característica do
seu trabalho confere-lhe unidade e coerência lógica.
A mediação simbólica, por exemplo, permite explicar os processos de
internalização e objetivação, as relações entre pensamento e linguagem e a
interação entre sujeito e objeto, questão fundamental da teoria do
conhecimento.
A apropriação das produções culturais da sociedade, só é possível por
que existem sistemas simbólicos. Essa apropriação implica em processos de
internalização das funções psíquicas desenvolvidas ao longo da história social
da raça humana, como tratado no capítulo anterior.
Dentro desse contexto, podemos entender a mediação como toda
intervenção de um terceiro elemento que possibilita a interação entre os termos
de uma relação. Significativo para esse trabalho é a mediação simbólica
exercida pelos sistemas de signos na comunicação entre os homens e na
construção de um universo sociocultural.
Os processos mediadores multiplicam-se na vida social dos homens em
razão da complexidade das suas relações sociais. Os seres humanos criam e
empregam instrumentos e sistemas de signos que lhes proporcionam
transformar e conhecer o mundo, comunicar experiências e desenvolver novas
funções psicológicas. Essa mediação através dos sistemas de signos também
é tratada na literatura científica como mediação semiótica.
7.2 A Sinalética Animal
No capítulo 4 tratamos das experiências de K. Lorenz sobre os
mecanismos inatos deslanchadores da ação, os quais lhes permitem reagir de
maneira sensata aos sinais (sonoros, visuais ou olfativos) emitidos por outros
animais. Esse é um processo simples, mas bastante eficiente.
Eles selecionam um pequeno número de sinais que constituem a chave
da sua reação. Esse sistema orienta os animais de tal forma que não haja erros
de interpretação, o que lhes pode ser fatal. Além da pesquisa desse renomado
cientista, novos estudos etológicos trazem à tona outros sistemas sinaléticos
altamente especializados na transmissão de informações e utilizados por uma
grande quantidade de animais.
Apesar de sua eficiência para o fim a que se destina, a grande limitação
dos sistemas de sinalização reside no seu caráter fixo e unívoco. Quando
algum animal comete um erro, não é por falha no sistema, mas pela
incapacidade do animal discriminar entre os sinais e o objeto emissor, fato
evidenciado no fenômeno de imprinting.
Segundo o saber atual, o homem teria iniciado o desenvolvimento de
sua capacidade comunicativa quando da passagem das atividades de coleta
para a caça. A atividade de caça teria ensinado o homem a sentir, registrar,
interpretar e classificar os fatos da natureza através da pistas, marcas e
indícios. A capacidade de decifrar esses sinais revela a existência, no homem,
de novas formas de inteligência prática.
Essas pistas e marcas se distinguem dos signos. Aqueles são sinais que
remetem ao objeto sinalizado em razão da relação natural e fixa que existe
entre eles e o homem que interpreta. Os signos substituem, estabelecendo
uma relação artificial e variável que o próprio homem define entre o signo e o
objeto sinalizado.
Desta forma, quando o homem descobre o tipo de animal pela pegada
ele está utilizando um modelo interpretativo, qualitativamente superior ao dos
demais animais mas que ainda não é um sistema de mediação semiótica.
Quando o grupo planeja e comunica a estratégia da caça o processo de
mediação signica é utilizado.
Com o transcorrer do tempo, esse processo foi se tornando de grande
importância para a sobrevivência do ser que se tornava cada vez mais
humano. Esse ser acabou adotando essa ferramenta de símbolos como uma
das suas principais. Passou então a depender de um sistema de mediação
para a sua própria sobrevivência.
7.3 A mediação simbólica e a formação da mente
A mediação, para Vygotsky, consiste em relações sociais interiorizadas.
O desenvolvimento psíquico é o resultado da interação entre a sociedade e os
indivíduos com o objetivo de proporcionar a integração na complexa rede de
relações sociais e culturais que constituem uma formação social.
Dentro dessa teoria, as funções psicológicas são efeito e causa da
atividade social humana, resultado de um processo histórico de organização da
atividade social. A aprendizagem se constitui numa reconstrução interna
daquilo que existe no patrimônio cultural da sua sociedade.
Vygotsky coloca a função instrumental dos processos mediadores como
elemento central em sua obra. Para ele, a passagem da atividade prática dos
animais à atividade humana ocorre quando esta é mediada externamente.
Esse ponto é tão importante que levou o cientista a teorizar sobre as
relações entre o pensamento e a linguagem.
Em suas conclusões, apresenta que o significado é um fenômeno da fala
enquanto esta é ligada ao pensamento; é fenômeno do pensamento enquanto
este ganha corpo na fala. Logo é a união da palavra e do pensamento, cujo
ponto culminante é o pensamento verbal (Vygotsky, 1987, p. 104).
Os processos indicados por Vygotsky podem ser entendidos pela
substituição das relações diretas por relações indiretas. Quando uma criança
põe a mão na tomada e recebe um choque ela retira a sua mão rapidamente.
Está estabelecida uma relação direta entre o choque e a retirada da mão. Se a
criança for avisada pela sua mão e retirar a mão sem que leve o choque essa
relação estará mediada por uma outra pessoa.
O processo simples estímulo-resposta é substituído por ato complexo,
mediado,... nesse novo processo o impulso direto para reagir é inibido, e é incorporado
um estímulo auxiliar que facilita a complementação da operação por meios indiretos.
(Vygotsky, 1996, p.54)
Para Vygotsky as relações do homem com o mundo não é uma relação
direta, mas uma relação mediada. Daí temos a importância da utilização da
linguagem, principal sistema de mediação utilizado pelo ser humano, para o
desenvolvimento das funções mentais humanas.
A linguagem, como instrumento, interpõe-se ao sujeito aos seus objetos,
ampliando as suas possibilidades de transformação.
A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um
dado problema psicológico (lembrar, comparar, relatar, escolher, etc.) é
análoga à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico.
(Vygotsky, 1996, p. 70).
Os signos são chamados por Vygotsky de instrumentos psicológicos”.
Eles têm uma orientação para o próprio sujeito dirigindo-se ao controle das
ações psicológicas. São ferramentas que auxiliam nos processos psicológicos,
são ferramentas para pensar.
Vygotsky e seus colaboradores realizaram muitos experimentos com a
finalidade de estudar o papel dos signos na atividade psicológica. Alexander
Luria aprofundou-se nesse estudo e algumas dessas experiências são
descritas em detalhes em seu livro “A Construção da Mente”.
Na literatura indicada na bibliografia pode-se encontrar exemplos das
experiências conduzidas por A. N. Leontiev que procuram demonstrar o papel
dos signos na atenção voluntária e na memória.
Como introduzido no capítulo anterior, e demonstrado por essas
experiências ocorre um processo de modificação na utilização dos signos. A
utilização de mediadores externos vão se transformando em processos
internos. A esse fato Vygotsky chamou processo de internalização. Esse é um
ponto fundamental para esse estudo, pois tanto o processo de internalização
como a utilização de sistemas simbólicos são fundamentais para o
desenvolvimento cognitivo e põe em evidência a importância das relações
sociais entre os indivíduos na construção dos processos psicológicos.
A utilização ou não dos mediadores externos indica que há uma
diferença qualitativa no modo como operam crianças e adultos. As crianças
pequenas não utilizam os signos externos, a partir dos 8 anos elas se
beneficiam dessa estratégia, utilizando os cartões citados na experiência.
Os adultos também abandonam os cartões, mas demonstram a
utilização de um processo similar interno, utilizando a sua própria linguagem
para mediar a sua memória.
Isso nos indica que ao longo do processo de desenvolvimento o
indivíduo abandona a necessidade de marcas externas e passa utilizar signos
internos que são representações mentais substitutas dos objetos do mundo
real.
Dessa forma, fica claro que a utilização da linguagem catalisa o
pensamento humano. Ao longo do desenvolvimento ontogenético, o indivíduo
experimenta mudanças qualitativas em suas estratégias de operar com os
signos. Essa operação torna-se cada vez mais interna promovendo a maior
utilização de suas possibilidades orgânicas que dão suporte às funções
mentais.
Essa é mais uma das pistas deixadas por Vygotsky no sentido de
demonstrar que a utilização de processos de mediação simbólica participam
dialeticamente na transformação do substrato biológico e dos processos
mentais humanos resultando mudanças qualitativas durante o desenvolvimento
do indivíduo.
Tendo em vista o anteriormente tratado, consideremos um resumo das
características dos processos de desenvolvimento psicológico envolvidos com
as práticas educativas propostas por Ricardo Baquero :
O desenvolvimento cultural é um processo artificial. Pode-se afirmar que a
“educação” possui um papel inerente (não meramente coadjuvante) nos processos de
desenvolvimento.
Deste
modo,
o
desenvolvimento
e,
particularmente,
o
desenvolvimento em que no campo da teoria se denominam Processos Psicológicos
Superiores, é um processo artificial.
Os vetores do desenvolvimento estão dirigidos à promoção de graus crescentes
de domínio autônomo (consciente e voluntário) e descontextualizado dos instrumentos
de mediação.
O anterior implica obter sucessos crescentes no domínio da natureza, da
cultura e sobre si mesmo.
Diante disso, podemos concluir que os processos educativos devem
assegurar o domínio dos instrumentos de mediação de forma que o indivíduo
tenha meios de realizar a reestruturação das suas funções psicológicas
permitindo que o seu desenvolvimento ocorra na direção de um crescente
controle sobre as próprias operações intelectuais.
Numa primeira análise, vemos que a simples utilização de sistemas de
mediação simbólica já se reveste de um caráter preventivo. Dominar o uso
dessa ferramenta mental colabora para que os processos de reestruturação do
intramental para o intermental ocorram sem transtornos durante a existência do
indivíduo.
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