PRÁTICAS AGROECOLÓGICAS EM QUINTAIS INDÍGENAS NAS SAVANAS DE RORAIMA Rachel Pinho¹; Katell Uguen¹; Robert Miller²; Sonia Alfaia¹; Leovone Magalhães³ ¹Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Av. André Araújo, 2936 , Petrópolis, 69010-970, Manaus-AM, email: [email protected]; ²Instituto Olhar Etnográfico, SHIN, CA 5, Conj. J, bl. B, Sala 105, 71505-000, Brasília-DF; ³INPA-RR, Rua Coronel Pinto, 315 , Centro, 69301-150, Boa Vista-RR. ABSTRACT - Agroecological practices in indigenous homegardens in the savannas of Roraima The savannas of Roraima are located in the far northern portion of the Brazilian Amazon. There are many Indigenous Lands at the savannas, inhabited by the Macuxi, Wapixana, Taurepang, Ingarikó and Sapará groups. These people developed techniques so that the agriculture could adapt to the severe dry weather of the savannas. The homegardens of these communities are one of the places where these techniques can be observed. This study was developed in 60 homegardens at the Araçá Indigenous Land, where a survey of the traditional techniques was made. Some agroecological practices were observed, such as techniques to optimizate the maintenance of water and organic matter in the soil, and the use of natural fertilizers. The agroecological practices developed in the homegardens make possible the generation of many products such as fruits, medicines, shade, timber, associated with the conservation of biodiversity and other ecological benefits. Keywords: Traditional techniques, agroforestry systems, fruit trees, water economy, organic fertilization. Palavras-chave: Técnicas tradicionais, sistemas agroflorestais, frutíferas, economia de água, adubação orgânica. INTRODUÇÃO O Estado de Roraima apresenta uma grande diversidade etnoecológica, com povos indígenas pertencentes às famílias lingüístico-culturais Karib (Macuxi, Taurepang, Ingarikó, Ye'kuana, Wai-Wai, Waimiri-Atroari), Aruak (Wapixana) e Yanomami. Destas etnias, os Macuxi, Wapixana, Taurepang, Sapará e Ingarikó habitam ecossistemas com predominância de savanas, ou seja, áreas formadas por uma vegetação de porte predominantemente herbáceo com diferentes graus de cobertura arbóreo-arbustiva. As savanas de Roraima ocupam cerca de 19% do Estado e são a maior área contínua de savanas da Amazônia (Barbosa et al., 2007). A savana, localmente chamada de “lavrado”, é uma referência etnoambiental para povos indígenas que desenvolveram processos de adaptação muito específicos a esse meio (Costa & Souza, 2005). Em geral, os solos das savanas possuem baixos teores de nutrientes e matéria orgânica, elevada acidez e alta saturação por alumínio (Vale Jr. & Sousa, 2005). Apesar disso, há sistemas tradicionais que se desenvolvem bem nessas áreas, como por exemplo, os quintais estabelecidos pelos indígenas ao redor de suas moradias, abrigando uma grande variedade de plantas, principalmente espécies frutíferas arbóreas (Oliveira Jr. et al., 2005). Os quintais 218 constituem importantes e complexos conjuntos de espécies e práticas variadas em um sistema de cultivo conhecido como sistema agroflorestal (SAF) (NAIR, 1989). A maior parte das práticas desenvolvidas nos quintais são é agroecológicas, permitindo uma produção com mínima utilização de insumos externos. Este trabalho teve como objetivo estudar as práticas em uso nesses quintais. Esse estudo está inserido no Projeto Wazaka`ye/Guyagrofor (INPA / CIR - Conselho Indígena de Roraima), que considera que as práticas agrícolas indígenas são fundamentais à subsistência dessas comunidades, ao mesmo tempo em que causam menor impacto ao ambiente do que as tecnologias agrícolas convencionais. MATERIAL E MÉTODOS O trabalho foi desenvolvido na Terra Indígena (T.I.) Araçá, que possui 50.013 hectares localizados em área de savana no mMunicípio de Amajari, a aproximadamente 110 km de Boa Vista. Na T.I. Araçá há cinco comunidades (Araçá, Guariba, Mangueira, Mutamba e Três Corações) onde vivem cerca de 1490 habitantes pertencentes a quatro etnias (Macuxi, Wapixana, Taurepang e Sapará). Através de visitas aos quintais e entrevistas com moradores da casa, foi realizado um levantamento das práticas utilizadas nos quintais indígenas. O levantamento foi feito em um total de 60 quintais nas cinco comunidades da T.I. Araçá. As savanas de Roraima se localizam na região nordeste do Estado. A precipitação anual nas savanas varia de 1100 mm a aproximadamente 1.700 mm. O clima da região é o "Aw" na classificação de Köppen, com um período seco definido (geralmente entre dezembro e março) no qual ocorre menos de 10% da precipitação anual (Barbosa, 1997). RESULTADOS E DISCUSSÃO Os quintais possuem uma grande variedade de plantas. Foram encontradas mais de 50 espécies frutíferas, sendo o limoeiro, a mangueira, a goiabeira, o cajueiro e a laranjeira as espécies mais comuns. A maior parte das frutíferas é proveniente de mudas que, em geral, são produzidas no próprio quintal. Muitas vezes é feito o reaproveitamento de sacos de arroz, feijão ou de garrafas PET para a confecção das mudas. Em geral, a área do quintal é constantemente capinada, roçada e varrida, de modo a manter a área “limpa” para evitar a presença de animais peçonhentos. Essa área é conhecida como “terreiro”, e se localiza próximo àa casa. Porém, alguns quintais se estendem até áreas mais afastadas da casa, onde não há a presença constante das pessoas, e ,portanto, não há necessidade de limpeza constante. Nessa área também é feito o plantio de frutíferas, em meio à vegetação espontânea que é mantida de modo a oferecer uma proteção contra a seca e o calor. Dessa maneira o solo fica “mais frio” e as plantas resistem às condições da seca. Trata-se de uma prática muito comum. Com o início das chuvas, toda a área é roçada. Na região de savanas a estação seca é muito pronunciada, por isso as plantas sofrem estresse hídrico durante vários meses, principalmente as mudas e plantas jovens. Toda a irrigação é feita de maneira manual. Na maioria das vezes o morador coleta água do poço, levando a água de planta em planta. 219 Foram observadas algumas práticas que otimizam o uso da água. Uma dessas práticas é o uso de uma garrafa PET com pequenos furos na parte inferior, que é amarrada ao tronco da planta. Assim, ao se encher a garrafa, a água é liberada aos poucos e de maneira contínua (Fig. 1). Outra prática é a colocação de um pneu ao redor da muda, o que garante uma maior retenção de umidade e matéria orgânica (Fig. 2). Além disso, esse é um exemplo de destinação e utilização do lixo por vários anos, já que um único pneu pode ser utilizado em várias mudas sucessivamente. O “coroamento” de mudas proporciona também um melhor aproveitamento da água. As plantas espontâneas que são retiradas na capina são direcionadas para a área ao redor da planta, fazendo um círculo de material seco (“coroa”) que além de proporcionar maior manutenção da água no solo, promove também a diminuição da temperatura do solo e uma possível liberação de nutrientes ao longo do tempo (Fig. 3). Fig. 1. Garrafa pet utilizada para irrigação. Fig. 2. Pneu para retenção de água e matéria orgânica. Fig. 3. “Coroamento” de muda. Além das práticas de otimização do uso da água, observaram-se também algumas técnicas de adubação orgânica utilizadas nos quintais indígenas. A adubação é feita principalmente nas mudas, com o uso de esterco de galinha ou esterco de gado da própria comunidade, que é utilizado após um tempo de decomposição. Em alguns casos a cinza proveniente da queima do lixo orgânico é também direcionada para as mudas, sendo uma importante fonte de potássio. Essas práticas representam técnicas tradicionais aperfeiçoadas ao longo do tempo visando ao aproveitamento de recursos locais no manejo dos quintais. Porém, algumas das práticas apresentadas não são amplamente utilizadas, sendo aplicadas somente por algumas famílias, que possuem o diferencial de otimizar o uso dos recursos, permitindo um melhor desenvolvimento das plantas mesmo sob o clima seco. REFERÊNCIAS BARBOSA, R. I. et al. The “Lavrados” of Roraima: biodiversity and conservation of Brazil´s Amazonian savannas. Functional Ecosystems and Communities. Aceito em: 16 abr. 2007. BARBOSA, R. I. Distribuição das chuvas em Roraima. In: BARBOSA, R. I.; FERREIRA, E. J. G.; CASTELLÓN, E. G. (Ed.). Homem, ambiente e ecologia no Estado de Roraima. Manaus: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, 1997. p. 325-335. 220 COSTA E SOUZA, J. M. Etnias indígenas das savanas de Roraima: processo histórico de ocupação e manutenção ambiental. In: BARBOSA, R. I., XAUD, H. A. M., COSTA E SOUSA, J. M. (Ed.). Savanas de Roraima: etnoecologia, biodiversidade e potencialidades agrossilvipastoris. Boa Vista: FEMACT, 2005. p. 21-60. Nair, P.K.R. Agroforestry Systems systems in the Tropics. Kluwer: Norwell, 1989. 664 p. OLIVEIRA JR., J. O. et al. Agricultura familiar nos lavrados de Roraima. In: BARBOSA, R. I., XAUD, H. A. M., COSTA E SOUSA, J. M. (Ed.). Savanas de Roraima: etnoecologia, biodiversidade e potencialidades agrossilvipastoris. Boa Vista: FEMACT, 2005. p. 155-168. VALE JR., J. F.; SOUZA, M. I. L. Caracterização e distribuição dos solos das savanas de Roraima. In: BARBOSA, R. I.; FERREIRA, E. J. G.; CASTELLÓN, E. G. (Ed.). Homem, ambiente e ecologia no Estado de Roraima. Manaus: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, 1997. p. 79-92. 221