Nº 1.0000.16.035012-0/001 AGRAVO DE INSTRUMENTO CV No 1.0000.16.035012-0/001 AGRAVANTE(S) AGRAVADO(A)(S) 7a CÂMARA CÍVEL JUIZ DE FORA MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA CASSIA LUNARDE DE ASSIS DECISÃO I– Trata-se de AGRAVO DE INSTRUMENTO interposto pelo MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA/MG em face de decisão (doc. 2/TJ) que, proferida em “AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER” movida contra si por CASSIA LUNARDE DE ASSIS, deferiu medida de concessão liminar em tutela de urgência para determinar ao requerido que “disponibilize à autora (...) o medicamento Affinitor, no prazo de 10 (dez) dias, a contar da ciência desta decisão, às expensas do SUS, nos limites e na forma prescrita no receituário médico que instrui a inicial, enquanto houver necessidade do tratamento, sob pena d e multa diária no importe de R$ 500,00 (quinhentos reais), com o montante da penalidade limitado em R$20.000,00 (vinte mil reais), mediante apresentação bimestral de receituário médico.” (destaques do original) O agravante alega, em síntese, que: a) – conforme decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no AgRg na STA 175, ao Poder Judiciário não incumbe criar políticas públicas, mas apenas garantir seu cumprimento; b) – o tratamento de neoplasias é regulamentado pela Portaria GM/MS 2.439/2005, essa que atribui o atendimento aos hospitais cadastrados como Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) ou Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON), sendo descabido o fornecimento direto e isolado de medicamentos pelos entes públicos; c) – os fármacos antineoplásicos não se enquadram em nenhuma categoria dos componentes da assistência farmacêutica (básico, especializado ou estratégico); d) – a distribuição de competência se dá pela subsidiariedade e não pela solidariedade; e) – o Ministério da Saúde (MS) Fl. 1/16 Nº 1.0000.16.035012-0/001 financia a política oncológica no SUS, repassando recursos aos Estados e Municípios que, por sua vez, ressarcem as despesas do CACON/UNACON; f) – existem hospitais cadastrados naquele MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA/MG, capazes de garantir o tratamento, estando a requerente/agravada devidamente atendida por um deles; g) – não há demonstrado o esgotamento das vias disponíveis, nem comprovada a insuficiência ou a ineficácia da terapia em curso ou disponível no SUS; h) – injustificada a fixação de multa cominatória; i) – descabida a concessão de medida liminar contra a Fazenda Pública, sobretudo porque demasiadamente lesivo e irreversível, caracterizadas as vedações da Lei nº 9.494/97, da Lei nº 8.437/92 e da Lei nº 12.016/2009; j) – indemonstrada a probabilidade do direito, de modo a afastar-se a aplicação do art. 300 do CPC/2015. Pede, liminarmente, a concessão de efeito suspensivo e ao final, o provimento do recurso para reforma da decisão agravada (doc. 1/TJ). Junta documentos (doc. 2-33/TJ). Preparo: parte isenta (art. 10, I, da Lei estadual nº 14.939/2003 c/c art. 1.007, §1º, do CPC/2015). É o relatório. II – Vistos os pressupostos de admissibilidade, conheço do AGRAVO DE INSTRUMENTO. III – O pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso demanda análise à Fl. 2/16 Nº 1.0000.16.035012-0/001 luz dos requisitos do art. 995, par. único, do CPC/2015, quais sejam, o risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação consequente imediato da decisão recorrida, e a demonstração de probabilidade de provimento do recurso. III – a) De plano, afasto a alegação de impedimento à concessão liminar contra a Fazenda Pública, pois a situação dos autos não se amolda às hipóteses proibitivas estabelecidas na Lei nº 9.494/97, na Lei nº 8.437/92 e na Lei nº 12.016/2009, pois remanesce íntegro o objeto da ação. Além, e mais importante, nem sequer absoluta é a vedação, sob pena de inviabilizar o próprio instituto para situações graves que demandam imediata intervenção diante do risco de perecimento do próprio direito vindicado, esse o excepcional caso dos autos, que envolve discussão sobre a saúde. III – b) Em julgado submetido ao regramento da repercussão geral (art. 543-B do CPC/73), o Supremo Tribunal Federal (STF), reafirmando sua jurisprudência, decidiu que “o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados. O polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente”.(1) A uma primeira leitura, entender-se-ia que se definiu, enfim, ser solidária a responsabilidade pelo custeio e/ou pela prestação dos serviços públicos Fl. 3/16 Nº 1.0000.16.035012-0/001 de saúde através do Sistema Único de Saúde (SUS), incumbindo a qualquer dos entes seus componentes a legitimidade para figurar no polo passivo de ações que guardem correlação com o tema, desconsiderando o quanto determinando na própria Constituição quanto à descentralização do sistema, bem como a direção única atribuída a cada ente federal. Todavia, e diante de uma segunda leitura da referida decisão do STF, tem-se que a decisão na qual se baseou para reafirmar a jurisprudência, foi aquela prolatada pelo Min. GILMAR MENDES no julgamento da STA 175-AgR (Plenário, DJe 30.4.2010), por diversas vezes reiterada pelo STF. O Min. LUIZ FUX, em suas razões de decidir, transcreveu parte da decisão da STA 175-AgR, que dispõe, no que interessa: O direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal como (1) direito de todos e (2) dever do Estado, (3) garantido mediante políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos, (5) regido pelo princípio do acesso universal e igualitário (6) às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. Examinemos cada um desses elementos. (...) (2) dever do Estado: O dispositivo constitucional deixa claro que, para além do direito fundamental à saúde, há o dever fundamental de prestação de saúde por parte do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). O dever de desenvolver políticas públicas que visem à redução de doenças, à promoção, à proteção e à recuperação da saúde está expresso no artigo 196. A competência comum dos entes da federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestações na área de saúde. O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso 1 - STF: RE 855.178 RG/SE, Rel. Min. LUIZ FUX, j. 5.3.2015, pub. 16.3.2015. Fl. 4/16 Nº 1.0000.16.035012-0/001 aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles. As ações e os serviços de saúde são de relevância pública, integrantes de uma rede regionalizada e hierarquizada, segundo o critério da subsidiariedade, e constituem um sistema único. Foram estabelecidas quatro diretrizes básicas para as ações de saúde: direção administrativa única em cada nível de governo; descentralização político-administrativa; atendimento integral, com preferência para as atividades preventivas; e participação da comunidade. (...) O art. 200 da Constituição, que estabeleceu as competências do Sistema Único de Saúde (SUS), é regulamentado pelas Leis Federais 8.080/90 e 8.142/90. O SUS consiste no conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, incluídas as instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos e medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde. Destarte, com a referida decisão superam-se as preliminares de ilegitimidade passiva de quaisquer dos entes para as causas em que se pleiteiam determinados tratamentos, medicamentos, insumos, exames ou procedimentos quando negados pelo SUS, seja pelo gestor federal, estadual ou municipal. Conforme a decisão paradigma acentuou, todos os entes federados possuem a competência comum para prestação dos serviços de saúde, organizado em um sistema único, e, por isso, respondem solidariamente pela garantia do direito à saúde. Todavia, e conforme lá está escrito, tal solidariedade é subsidiária, vez que integrantes de uma rede regionalizada e hierarquizada. Assim, somente quando o SUS negar a dispensação ou atendimento à saúde é que todos os entes, solidariamente, serão chamados a responder, qualquer um deles, ou todos eles. Acrescento ainda que, reproduzindo texto constitucional, a decisão resolveu, expressamente, que o SUS tem como uma de suas diretrizes a descentralização político-administrativa, de forma regionalizada e Fl. 5/16 Nº 1.0000.16.035012-0/001 hierarquizada, regulamento pela Lei federal nº 8.080/90. Destarte, o julgador não está eximido de bem analisar as pretensões que lhe são apresentadas em concreto, deduzindo delas, em cada caso particular, a necessária correlação entre meios e fins, enfrentando o sempre difícil equilíbrio entre as demandas individuais e as limitações coletivas (de recursos, de estrutura e de técnicas). Além, deve atentar para a responsabilidade solidária, mas subsidiária, observando a distribuição de competências – descentralização político-administrativa, de forma regionalizada e hierarquizada – conforme previsto na CF e regulamentada pela Lei federal nº 8.080/90. Assim, conquanto me curve à força do aludido julgado, com as considerações acima postas, persevero firme na convicção – plenamente viável – de que, nos casos que envolvem matéria de saúde, nunca bastará a mera referência ao art. 196 da CF. Acolher essa vertente míope em questão tão grave e mesmo complexa é desertar da incômoda função de busca e profunda análise da realidade que se descortina nos processos, em especial quanto à existência de negativa expressa ou omissão dos entes públicos na prestação dos serviços, bem como de suas causas. III – c) A assistência farmacêutica, incluída no campo de atuação do SUS (art. 6º, I, “d”, c/c art. 19-M, I, da Lei nº 8.080/90, este último inserido pela Lei nº 12.401/2011) e financiada pela União, Estados e Municípios, estrutura-se em três dimensões: (a) Componente Básico (ações de assistência farmacêutica na atenção básica em saúde e para agravos e programas de saúde específicos, inseridos na rede de cuidados da atenção básica), (b) Componente Estratégico (ações de assistência farmacêutica de programas estratégicos, tais como controle de endemias, programa de doenças sexualmente transmissíveis e outras) e o (c) Componente Especializado da Fl. 6/16 Nº 1.0000.16.035012-0/001 Assistência Farmacêutica, assim considerados os de alto custo ou para tratamento continuado (Portaria nº 339/2006, de 22.2.2006, e Portaria nº 2.981 de 30.11.2009, do Ministério da Saúde). Para além disso, foi criada uma “Relação Nacional de Medicamentos Essenciais” (RENAME – art. 25-29, do Decreto nº 7.508/2011), aclarando a estrutura das relações específicas e complementares de medicamentos entre os ente federados (art. 27) e pressupostos da assistência farmacêutica (art. 28). No modelo adotado, embora de articulação interfederativa (cap. V, art.3041, do Decreto nº 7.508/2011), o Município desempenha o papel de – por assim dizer – “porta de entrada” do sistema, cabendo-lhe prestar precipuamente serviços do primeiro nível de atenção básica à saúde, serviços de atendimento primário, do gênero de clínica geral, pediatria, ginecologia, obstetrícia e, na assistência farmacêutica, o fornecimento de medicamentos básicos. Ademais, nos termos da Portaria nº 874, de 16.5.2013, do Ministério da Saúde, a Política Nacional para a Prevenção e Controle do Câncer abrange “a promoção, prevenção, detecção precoce, tratamento oportuno e cuidados paliativos” e é prevista para ser “implementada de forma articulada entre o Ministério da Saúde e as Secretarias de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.” Segundo o que nela dispõe, compete ao Ministério da Saúde (art. 22) “definir diretrizes gerais para a organização de linhas de cuidado para os tipos de câncer mais prevalentes na população brasileira” (IV); “elaborar protocolos e diretrizes clínicas terapêuticas de maneira a qualificar o cuidado das pessoas com câncer” (V); e “efetuar a habilitação dos estabelecimentos de saúde que realizam a atenção à saúde das pessoas com câncer, de acordo com critérios técnicos estabelecidos previamente de forma tripartite” (VII). A seu turno, compete às Secretarias de Saúde dos Estados (art. 23) “definir Fl. 7/16 Nº 1.0000.16.035012-0/001 estratégias de articulação com as Secretarias Municipais de Saúde com vistas ao desenvolvimento de planos regionais para garantir a prevenção e o cuidado integral da pessoa com câncer” (I); “apoiar a regulação e o fluxo de usuários entre os pontos de atenção à saúde, visando à garantia da referência e da contrarreferência regionais, de acordo com as necessidades dos usuários” (IV); e “efetuar o cadastramento dos serviços de saúde sob sua gestão no sistema de informação federal vigente para esse fim e que realizam a atenção à saúde das pessoas com câncer, de acordo com critérios técnicos estabelecidos em portarias específicas do Ministério da Saúde” (XIV). E, por fim, às Secretarias Municipais de Saúde compete “organizar as ações e serviços de atenção para a prevenção e o controle do câncer, assim como o cuidado das pessoas com câncer, considerando-se os serviços disponíveis no Município” (III); e “pactuar as linhas de cuidado na região de saúde, garantindo a oferta de cuidado às pessoas com câncer nos diferentes pontos de atenção” (V). Nesse sistema, atribuíram-se às Estruturas Operacionais das Redes de Atenção à Saúde responsabilidades conforme distintos componentes. Na atenção básica (a), “implementar ações de diagnóstico precoce, por meio da identificação de sinais e de sintomas suspeitos dos tipos de cânceres passíveis desta ação e o seguimento das pessoas com resultados alterados, de acordo com as diretrizes técnicas vigentes, respeitando-se o que compete a este nível de atenção” e “encaminhar oportunamente a pessoa com suspeita de câncer para confirmação diagnóstica”. Já na atenção especializada (b) “estabelecer e assegurar o encaminhamento dos usuários, quando indicado, com suspeição ou confirmação diagnóstica de câncer para as UNACON e os CACON” Dispõe ainda o art. 26, III, “b”, 1, da aludida Portaria que os hospitais habilitados como UNACON realizam o diagnóstico e o tratamento dos cânceres mais prevalentes da região, enquanto as estruturas hospitalares Fl. 8/16 Nº 1.0000.16.035012-0/001 habilitadas como CACON realizam o diagnóstico e o tratamento de todos os tipos de câncer. Por tudo, está certo que há um programa em curso de ação sistemática dos entes federativos brasileiros na realização do comando constitucional de acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica. III – d) No caso, por carência de recursos financeiros, objetiva a requerente/agravada seja o MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA/MG compelido a garantir, gratuitamente, o fornecimento do medicamento AFINITOR® (EVEROLIMO) 5MG, para tratamento de câncer de mama (CID150.9), estádio IV (metástases ósseas). Não se pode negar que políticas públicas, gerais e específicas, na área da saúde as há, de modo que a questão não diz com execrável omissão estatal. Todavia, as prioridades programáticas elegem-se por critérios eminentemente técnicos, não estando ao alcance do Poder Judiciário avaliar, na solidão dos gabinetes, seu acerto, validade, utilidade, mérito, eficiência, qualidade. Ainda que o julgador domine as ciências médicas, por cumulação de formação acadêmica, não poderá se valer de seus próprios conhecimentos (que não consubstanciam regras de experiência) sem que subtraia das partes o direito de participar da construção do provimento em igualdade de condições e paridade de armas. Assim, a questão que se nos apresenta é a de efetivar o direito à saúde daquele que, melhor informado, transforma em lide o paradoxo da atuação do Poder Público na área de saúde: uma presença que sempre sinalizará alguma ausência. Há, nesse aspecto, uma particularidade de caráter comportamental, Fl. 9/16 Nº 1.0000.16.035012-0/001 sociológico e político, que a contemporaneidade brasileira nos revela: a elevação do Poder Judiciário a palco da efetividade de concreção dos propósitos e ideais democráticos. O direito de ação, expressamente constitucionalizado entre nós no art. 5º, XXXV, da CF, tornou-se o sinônimo de típico acesso democrático do cidadão à cidadania, ao largo das amarras burocráticas e empecilhos institucionais, à inclusão social, ao alcance, sem delongas, do aparato da complexa estrutura dos instrumentos estatais. Com a clava do Judiciário o cidadão busca e obtém satisfação de suas demandas primárias, marcadamente no campo da saúde; o simbólico da urna eleitoral consubstancia-se, no Judiciário, no mecanismo da efetividade e da eficiência, na urna da satisfação, amoldando-se numa verdadeira arca da novíssima aliança democrática. É princípio estrutural do SUS (art. 7º, XIII, da Lei nº 8.080/90) a organização racional dos serviços, “de modo a evitar duplicidade de meios para fins idênticos”. Nesse sentido, também incumbe ao Poder Judiciário, convocado a pronunciar-se sobre o caso concreto, orientar a parte para endereçar a demanda, com adequação e utilidade, à esfera do Poder Público que em tese tenha a atribuição normativa de atendê-la, de modo a colaborar com a eficiência da prestação do serviço. Bem destacou o Des. BRANDÃO TEIXEIRA, do TJMG, que, em casos como o da espécie, o julgador há de ficar “obrigado a considerar a sistemática de implementação da política pública de efetivação do direito à saúde que, dentro do possível, deverá atender a situação individual não só daquela aqui tratada como também diversas outras que demandam atuação e dispêndio de recursos do Poder Público”(2) (destaquei). Há também outros tantos julgados deste TJMG sobre a questão.(3) 2 - TJMG: AC 1.0145.04.162864-8/001, Rel. Des. BRANDÃO TEIXEIRA, j. 31.3.2009, p. 7.5.2009. 3 - V. g. – TJMG: AC 1.0439.06.054285-9/001, Rel. Des. GERALDO AUGUSTO, j. Fl. 10/16 Nº 1.0000.16.035012-0/001 III – d) É dos autos que a paciente vem sendo atendida por médica (Dra. CHRISTIANE MARIA MEURER ALVES) atuante na Unidade de Oncologia do HOSPITAL ASCOMCENTER, em Juiz de Fora/MG, credenciado como CACON, portanto, vinculado ao SUS, conforme corroborado por consulta ao sítio do Instituto Nacional de Câncer (INCA) na internet.(4) E do conteúdo da Portaria GM/MS nº 3.535, de 2.9.1998, substituída pela Portaria SAS/MS nº 741, de 19.12.2005, e com o Manual de Bases Técnicas em Oncologia (agora em sua 13ª edição, de ago./2011),(5) a afirmarem categoricamente incumbir aos hospitais, credenciados como UNACON ou CACON, o atendimento integral aos pacientes, inclusive por meio da garantia de tratamentos auxiliares e paliativos. Desses atos normativos tem-se que o cadastramento dos referidos centros se dá com o preenchimento de determinadas características, todas fiscalizadas pelo Poder Público (art. 14 e 15, da Portaria SAS/MS nº 741/2005),(6) que – bem ou mal – remunera (por autorização de procedimento de alta complexidade – APAC) o serviço, este prestado por hospitais públicos ou particulares. E tais instituições, ao se candidatarem e obterem o credenciamento, assumem para si responsabilidades próprias, advindas 27.1.2009, p. 20.2.2009; AI 1.0024.08.941747-1/001, Rel. Des. ALBERTO VILAS BOAS, j. 17.6.2008, p. 8.7.2008; MS 1.0000.08.484948-8/000, Rel. para o acórdão Des. BRANDÃO TEIXEIRA, j. 3.6.2009, p. 18.9.2009; MS 1.0000.07.462763-9/000, Rel. Des. ARMANDO FREIRE, j. 4.6.2008, p. 8.8.2008. 4 - <http://www2.inca.gov.br/wps/wcm/connect/cancer/site/tratamento/ondetratarsus /MG> 5 - <http://www.saude.mg.gov.br/atos_normativos/legislacao-sanitaria/estabelecimen tos-de-saude/oncologia/portaria_3535.pdf> 6 - Art. 14. As unidades e centros credenciados para prestar serviços assistenciais de alta complexidade em oncologia deverão submeter-se à regulação, fiscalização, controle e avaliação do Gestor estadual e municipal, conforme as atribuições estabelecidas nas respectivas condições de gestão. Art 15. As Unidades e os Centros de Assistência e os Centros de Referência que não Fl. 11/16 Nº 1.0000.16.035012-0/001 da delegação do serviço. Já dentro do sistema, obrigatoriamente adotados os protocolos terapêuticos e as diretrizes do SUS, afeta unicamente à entidade hospitalar a garantia do tratamento eleito – com certa liberdade do hospital e dos profissionais de saúde na escolha da linha de tratamento mais adequada a cada caso, sempre observada a relação custo/ efetividade e colhido o termo de consentimento e responsabilidade do paciente (Anexo da Portaria SAS/MS nº 420/2010), depois de devidamente cientificado das implicações da escolha de uma ou outra linha, em resguardo da ética médica. Ressalto que a obediência aos protocolos terapêuticos e às diretrizes, como verdadeira condição para prestação do serviço de saúde, se encontra expressa na Lei nº 8.080/90, alterada pela Lei nº 12.401/2011, que determina: Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6o consiste em: I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P; Art. 19-N. Para os efeitos do disposto no art. 19-M, são adotadas as seguintes definições: II - protocolo clínico e diretriz terapêutica: documento que estabelece critérios para o diagnóstico da doença ou do agravo à saúde; o tratamento preconizado, com os medicamentos e demais produtos apropriados, quando couber; as posologias recomendadas; os mecanismos de controle clínico; e o acompanhamento e a verificação dos resultados terapêuticos, a serem seguidos pelos gestores do SUS. Art. 19-O. Os protocolos clínicos e as diretrizes terapêuticas deverão estabelecer os medicamentos ou produtos necessários nas diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde de que tratam, bem como aqueles indicados em casos de perda de eficácia e de surgimento de intolerância ou reação adversa relevante, provocadas pelo medicamento, produto ou procedimento de primeira escolha. mantiverem o cumprimento do disposto nesta Portaria serão desabilitados pela SAS. Fl. 12/16 Nº 1.0000.16.035012-0/001 Parágrafo único. Em qualquer caso, os medicamentos ou produtos de que trata o caput deste artigo serão aqueles avaliados quanto à sua eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade para as diferentes fases evolutivas da doença ou do agravo à saúde de que trata o protocolo. (negrejei). Além, somente na falta dos referidos protocolos é que se pode buscar auxílio, primeiramente junto à União e, de maneira suplementar, junto aos Estados e Municípios: Art. 19-P. Na falta de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, a dispensação será realizada: I - com base nas relações de medicamentos instituídas pelo gestor federal do SUS, observadas as competências estabelecidas nesta Lei, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Tripartite; II - no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores estaduais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada na Comissão Intergestores Bipartite; III - no âmbito de cada Município, de forma suplementar, com base nas relações de medicamentos instituídas pelos gestores municipais do SUS, e a responsabilidade pelo fornecimento será pactuada no Conselho Municipal de Saúde. Art. 19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. (negrejei). Aqui, portanto, considerada a existência de protocolos, resta aos Estados e aos Municípios, de acordo com suas respectivas condições de gestão e divisão de responsabilidades, estabelecerem fluxos assistenciais, mecanismos de referência e contra-referência dos pacientes e, ainda, adotar providências necessárias para que haja a articulação assistencial no atendimento a pacientes com câncer (art. 9º da Portaria SAS/MS nº 420/2010),(7) garantindo, na situação de ausência de prestação de serviço de 7 - Art. 9º. Determinar que as Secretarias de Estado da Saúde e Secretarias Municipais de Saúde em Gestão Plena do Sistema estabeleçam os fluxos assistenciais, os mecanismos de referência e contra-referência dos pacientes e, ainda, adotem as providências necessárias para que haja a articulação assistencial Fl. 13/16 Nº 1.0000.16.035012-0/001 alta complexidade oncológica em sua área de gestão, o acesso da população ao atendimento integral, através dos mecanismos de regulação (art. 10).(8) Observando a lógica organizacional da prestação de serviços de saúde e o tratamento normativo quase exauriente da questão – não somente pelas leis, mas também por atos normativos derivados –, sem espaço para digressões, interpretações ou integração principiológica, concluo que o hospital credenciado como CACON/UNACON, é que deverá arcar com os onera deste atendimento, como, aliás, já decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) em caso bastante similar: ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO – ASSISTÊNCIA ONCOLÓGICA – “TARCEVA/ERLOTINIB" – CENTRO DE ALTA COMPLEXIDADE EM ONCOLOGIA – CACON – HIPOSSUFICIÊNCIA. 1. Não é ônus do Judiciário administrar o SUS, nem se pode, sem conhecimento exato sobre as reais condições dos enfermos, conferir prioridades que só virão em detrimento daqueles pacientes do SUS que já aguardam ou já recebem a medicação e não poderão interromper tratamento. 2. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, tem se fundado no critério da hipossuficiência do paciente para a concessão do benefício, tratando-se de paciente hipossuficiente, é obrigação do Estado o fornecimento da medicação necessária ao tratamento. 3. A Política Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica é parte integrante da Política Nacional de Saúde. Possui a finalidade de garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários, seja interferindo em preços ou fornecendo gratuitamente de acordo com as necessidades. 4. Concretizando a dispensação de medicamentos à população, o Ministério da Saúde classifica como Básicos aqueles referentes às ações de assistência farmacêutica na atenção básica em saúde e para agravos e programas de saúde específicos, inseridos na rede de cuidados da atenção básica, sendo de responsabilidade dos três gestores do SUS. 5. Os Estratégicos são aqueles utilizados para o tratamento de doenças endêmicas que possuam impacto sócio-econômico. preconizada no inciso VI do Art. 7º, acima. 8 - Art. 10. Na situação de ausência de prestação de serviço de alta complexidade oncológica em sua área de gestão, o respectivo Gestor do SUS deverá garantir, através dos mecanismos de regulação, o acesso da população ao atendimento integral. Fl. 14/16 Nº 1.0000.16.035012-0/001 São medicamentos com aquisição pelo Ministério da Saúde e armazenamento e distribuição pelos Municípios. 6. Já o Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional tem por objeto o tratamento de doenças específicas que atingem um número restrito de pacientes. Trata-se de medicamentos com custo elevado, com fornecimento dependente de aprovação específica das Secretarias Estaduais de Saúde. Os recursos para a aquisição dos medicamentos excepcionais são oriundos do Ministério da Saúde, bem como das Secretarias Estaduais de Saúde, também responsáveis pela programação, aquisição e dispensação. 7. O funcionamento da assistência oncológica possui sistemática própria. Os medicamentos de tratamento do câncer são fornecidos pelos Centros de Alta Complexidade em Oncologia - CACON, cabendo ao Ministério da Saúde o repasse dos recursos para o custeio dos procedimentos. Não se enquadram tais medicamentos, assim, nos programas de dispensação de medicamentos básicos, estratégicos ou excepcionais, sendo fornecidos diretamente pelo estabelecimento de saúde. 8. O presente agravo deriva de ação onde postulado o fornecimento do medicamento "Tarceva/erlotinib 150mg". Pelas informações que constam no agravo, a autora dirigiu-se a um CACON para o tratamento de sua enfermidade, local onde constatada a necessidade da medicação ora postulada. O Hospital do Câncer de Maringá é apontada como CACON I na página do Instituto Nacional do Câncer. Buscou tratamento, assim, em um dos locais indicados pelo Poder Público para tratamento do câncer. A hipossuficiência, por sua vez, está demonstrada pela disparidade entre a renda mensal da autora e pelos valores do medicamento.9 (negrejei). Registro, alfim, que a busca por socorro tumultuário junto aos entes mais próximos – Município e Estado –, a despeito de compreensível diante do quadro de gravidade de determinados pacientes, só alimenta as incertezas organizacionais. Assim, mesmo sensível ao quadro de saúde da paciente, de um lado, mas havendo, de outro, recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (CONITEC) pela não incorporação do tratamento ao SUS,(10) 9- TRF4: AG 29719 PR 2008.04.00.029719-6, Rel. Des. MARGA INGE BARTH TESSLER, j. 1.10.2008, pub. 20.10.2008. 10 - Portaria nº 4, de 29.1.2014 - http://conitec.gov.br/images/Incorporados/EverolimoCMama-FINAL.pdf Fl. 15/16 Nº 1.0000.16.035012-0/001 entendo demonstrado o risco de dano decorrente da decisão recorrida, bem como a probabilidade de provimento do recurso. IV – POSTO ISSO, DEFIRO O EFEITO SUSPENSIVO pleiteado, tão somente para eximir o agravante da obrigação que lhe foi imposta na decisão agravada. Comunique-se o teor desta decisão à Juíza da causa, requisitando-lhe informações (art. 1.018, §1º, do CPC/2016), notadamente sobre eventual exercício de retratação e sobre o cumprimento do disposto no art. 1.018, §2º, do CPC/2015, pelo agravante. Cumpra-se o disposto no art. 1.019, II, do CPC/2015. Belo Horizonte, 19 de maio de 2016. DES. OLIVEIRA FIRMO RELATOR Fl. 16/16