Em Foco - Ano XI • nº 22 • 2014

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O PERFIL NUTRICIONAL DE QUILOMBOLAS DE
COMUNIDADES DE ÁREAS DE VÁRZEA E PLANALTO E
SUA RELAÇÃO COM HIPERTRIGLICERIDEMIA
HIPERCOLESTEROLEMIA, NO MUNICÍPIO
DE SANTARÉM-PA
Jackson Nogueira Uchoa
1
Willian Rodrigues de Aguiar2
Silvania Yukiko Lins Takanashi3
Edna Ferreira Coelho Galvão4
Resumo:
A vulnerabilidade das comunidades quilombolas é vericada em boa parte do Brasil e se dá em vários aspectos da
saúde. Objetivou-se estabelecer relação do perl nutricional com os níveis de colesterol (total e fracionado) e
triglicerídeo, bem como a obesidade. O estudo foi realizado com 21 pessoas de três comunidades quilombolas,
localizadas no município de Santarém-PA. Foi aplicado questionário com questões socioeconômicas e de
frequência alimentar. Em 12 participantes foi possível relacionar as medidas com exames de colesterol e
triglicerídeo. Os dados foram analisados estatisticamente. Os resultados encontrados foram: 33,4% vivem com
menos de um salário; 83,5% possuem HDL menor que 40mg/Dl; mais de 50% são obesos classe um ou dois; 4,76%
são obesos mórbidos; apenas 23,74% estão com peso corporal normal; mais de 90% armam ter mudado os hábitos
tradicionais, dentre os motivos apresentados estão a menor disponibilidade dos produtos regionais e/ou maior
facilidade de obter alimentos industrializados; 52,4% consomem manteiga; 42,9% comem macarrão. Este padrão
alimentar alterado parece estar contribuindo para a presença da obesidade e de fatores de risco para algumas
doenças cardiovasculares.
Palavras chaves: Perl nutricional, obesidade, colesterol e hábitos alimentares.
Abstract:
The vulnerability of maroon communities in Brazil takes place in various aspects of health. The objective was to
establish the nutritional profile compared to the levels of cholesterol (total and fractionated) and triglycerides, as well
as obesity. The study was conducted with 21 people of three maroon communities in the municipality of Santarém-PA.
A questionnaire with socioeconomic and food frequency questions was administered.12 participants was possible to
relate the measurements to tests of cholesterol and triglycerides. Data were statistically analyzed. The results were:
33.4% live on less than a salary, 83.5% had HDL less than 40mg/dL, more than 50% are obese class one or two,
4.76% are morbidly obese, only 19% are normal weight, over 90% said they changed the habits of a reduced
availability of traditional regional products and / or ease of obtaining foods, consuming 52.4% butter, 42.9% eat
noodles. So many factors are contributing to change in eating habits such as the Maroons improved access to
industrial products. This dietary pattern changed seems to be contributing to obesity as a risk factor for some
cardiovascular diseases.
Key words: Nutritional profile, obesity, cholesterol and changes in eating habits.
1
Graduando em medicina; Instituição: Universidade do estado do Pará (UEPA). E-mail: [email protected]
Graduado em medicina; Instituição: Universidade do estado do Pará (UEPA). E-mail: [email protected].
Mestrado em Genética e Biologia Molecular pela Universidade Federal do Pará. Professora assistente I da Universidade do estado do Pará
(UEPA) e membro do comitê de ética da UEPA-Santarém. E-mail: [email protected].
4
Doutorado em Educação pela Universidade Federal Fluminense. Professora Adjunto II da Universidade do Estado do Pará (UEPA). Email:[email protected].
2
3
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1- INTRODUÇÃO
O processo de colonização e formação da nação
brasileira propiciou a visualização atual de grupos locais
(como os indígenas e quilombolas) disseminados pelas
diversas regiões do país. Atualmente, constam no Cadastro Geral de Comunidades Remanescentes de Quilombos da Fundação Cultural Palmares 1.342 comunidades, localizadas nas mais diversas regiões brasileiras. O Estado do Pará é um dos estados com o maior número de comunidades quilombolas (MELO, 2009).
Na Região do Baixo Amazonas estas comunidades
estão localizadas, na sua maioria, no meio rural. Somente no município de Santarém estão identicadas nove comunidades, que se localizam em diferentes espaços socioambientais: quatro na área do planalto (Murumuru, Murumurutuba, Tiningu e Bom Jardim), cinco na
área da várzea do Rio Amazonas (Arapemã, Saracura,
São Raimundo do Ituqui, São José do Ituqui, Nova Vista
do Ituqui). Todas organizadas politicamente em torno da
Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS), certicadas pela Fundação Cultural Palmares e em processo de regularização fundiária pelo
INCRA.
A partir da diversidade de formação dos brasileiros,
desenvolveu-se, também, uma ampla diversidade de
costumes e tradições, principalmente na alimentação,
que depende, essencialmente, da capacidade de acesso aos alimentos. No estudo do perl nutricional das comunidades remanescentes de negros africanos, no Brasil, percebem-se hábitos alimentares bem variados como peixe, mandioca, ovos, coco e açaí (COSTA, 2010).
Os diferentes alimentos presentes na dieta dos povos
quilombolas têm uma relação direta com a região geográca que estes povos residem.
As comunidades quilombolas, contudo, enfrentam
uma série de problemas sociais e de desigualdade social, onde a garantia das suas propriedades estão, em muitos casos, extremamente ameaçadas, obrigando estas
populações a redenirem seus costumes e até migrarem para cidade. Esta dinâmica tem sido cada vez mais
apreciada no cenário nacional, sendo percebidos novos
costumes e hábitos alimentares, modicando, assim, o
perl alimentar dessa população proporcionando a ocorrência de quadros relativos aos novos hábitos, como hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia.
As comunidades quilombolas estão vulneráveis em
vários níveis nutricionais, que vão desde a desnutrição
até a decitária presença de alimentos importantes na
dieta normal. Esta situação é ainda mais alarmante
quando se trata de crianças, onde a proporção de desnutridas é signicativa e o consumo com alimentos ricos
em açúcar tem aumentado, conforme se discutiu no encontro nacional de aleitamento materno (ENAM, 2010),
pois elas apresentam maior de risco para esta alimenta-
ção insatisfatória. Essas privações podem desencadear
distúrbios sérios no metabolismo dos lipídios e carboidratos. O descaso nutricional com estas comunidades
tem sido um aspecto muito prejudicial para um bom desenvolvimento físico e saudável.
O racismo ainda é um dos principais obstáculos na
garantia dos direitos sociais e da saúde. A questão da
precariedade da nutrição dos quilombolas precisa ser
entendida por uma dimensão social bem ampla, tem-se
uma visão reduzida, repassada pela história ocial, que
tenta amenizar no discurso os efeitos deletérios da escravidão. Um perl nutricional carente e insuciente é
também fruto desta “invisibilidade” do governo, segundo
a secretaria especial de políticas de promoção da igualdade racial (SEPPIR, 2007). A intervenção nutricional é
fundamental na prevenção e melhoras nas patologias,
em especial as que possuem uma ligação estreita com
maior ingestão de gorduras, principalmente pelos efeitos deletérios à saúde.
Quando ocorrem alterações nos hábitos alimentares, alguns distúrbios podem ocorrer, como o aumento
de triglicerídeos. Conforme Lima et al (2009), hipertrigliceridemia é uma das alterações dos sanguíneos dos lipídios circulantes (dislipidemias), onde os níveis de triglicerídeos estão acima dos valores padrões e têm múltiplas causas. Pode ser primária (dieta rica em gorduras)
ou mais, comumente, resultar do uso de drogas ou estar
associada a certas condições mórbidas, principalmente
obesidade, diabetes mellitus e síndrome metabólica. Os
níveis de triglicerídeos são assim classicados:
• Normais: < 150 mg/dL
• Limítrofes altos: 150 a 199mg/dL
• Altos: 200 a 499 mg/dL
• Muito altos: > ou = 500 mg/dL.
Para Lyra et al (2009), a hipercolesterolemia é alteração lipídica íntima, onde os padrões de colesterol estão elevados, e diretamente correlacionados não só
com a patogênese da aterosclerose, mas também com
risco para doença arterial coronariana (DAC). Foi evidenciada a existência de relação linear entre o aumento
das concentrações séricas (alimentação rica em gorduras, por exemplo) e o risco para DAC, uma elevação de
colesterol total (CT) para 150 a 200mg/dL se acompanhou de discreta elevação de risco para DAC. Entretanto, quando comparados níveis de CT de 200mg/dL com
250-300mg/dL, o risco para eventos macrovasculares
foi aumentado 2 a 4 vezes. A classicação dos níveis lipídicos de colesterol é:
• Desejável: < 200mg/dL
• Limítrofe alto:200-230mg/d
• Alto: > ou = 240 mg/dL.
A necessidade da obtenção de dados dedignos
com a investigação da situação alimentar dos quilombo-
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las, analisando os níveis séricos de triglicerídeos e colesterol é muito importante para avaliarmos se há vulnerabilidade das comunidades quanto à saúde da população. As comunidades quilombolas, em sua grande maioria, vivem em áreas afastadas de cidades, com carência
de recursos e acesso a serviços, podendo estar numa situação de risco nutricional. A partir da detecção da realidade nutricional é possível então planejar alternativas
de correção, modicando ou adaptando essa situação.
“A educação ou aconselhamento nutricional, é o processo pelo qual os clientes são efetivamente auxiliados a selecionar e programar comportamentos desejáveis de nutrição e estilo de vida...” (MARTINS, 2005).
Na tentativa de buscar uma lógica de investigação
do problema, é que buscamos este perl de pesquisa,
buscando sempre responder de forma coerente às questões a qual se propõe o tema. Relacionar o perl nutricional, investigando os itens alimentícios da dieta destas
comunidades quilombolas, parece trazer algumas respostas às possíveis dislipidemias, entendendo que a variável alimentação é um importante fator nos distúrbios
lipídicos. Os objetivos desse estudo, então, são: identicar a o perl nutricional de quilombolas de comunidades
de áreas de várzea e planalto e sua relação com hipertrigliceridemia e hipercolesterolemia, no município de Santarém-Pa; Identicar e quanticar os índices de obesidade na população quilombola; e identicar a ocorrência
de mudanças de hábitos alimentares nos quilombolas.
sentes na resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de
Saúde (CNS) que versa sobre as Normas de Pesquisa
Envolvendo Seres Humanos.
3 - RESULTADOS
Participaram do estudo respondendo ao questionário 21 residentes em quilombos de Santarém, destes
33,4% declararam viver com menos de um salário mínimo por mês e quase 60% das famílias quilombolas (numerosas, geralmente com mais de cinco pessoas) analisadas sobrevivem com cerca de um a dois salários mínimos (gura 1). Mais de 60% armam que consideram
sua alimentação saudável, mas relatam aumento de produtos industrializados na dieta.
RENDA MENSAL
FIGURA N° 1- RENDA MENSAL
FONTE: PROTOCOLO DE PESQUISA
2 - MÉTODO
Tipo de estudo: Este estudo de delineamento
transversal, quantitativo e descritivo foi realizado nos
meses de abril e maio de 2012 em três comunidades quilombolas no município de Santarém-Pará, uma situada
na região de várzea e duas de planalto, como parte de
um plano de trabalho do projeto Pesquisa para o Sistema Único de Saúde, intitulado “Comunidades quilombolas: a saúde em foco”, autorizado pela federação das comunidades quilombolas de Santarém.
Procedimento de coleta: Foi aplicado um questionário com as pessoas que moram nestas comunidades,
adultos, de ambos os sexos, e que aceitaram participar,
abordando questões que contribuem para o perl nutricional e sua relação nas dislipidemias. Em alguns participantes foi possível fazer a relação com exames de sangue com análises prévias dos níveis de colesterol e triglicerídeos, parte da pesquisa ao qual o plano de ação
está inserido. Os mesmos indivíduos, que aceitaram participar da pesquisa, responderam um questionário direcionado aos seus hábitos alimentares e foram pesados
e medidos para vericar o IMC, através do cálculo
IMC=peso / (altura)2
Todos os indivíduos entrevistados na presente pesquisa foram estudados segundo os preceitos éticos pre-
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ALIMENTAR
92,00%
78,60%
64,30%
7,15%
FATORES ECONÔMICOS
MAIOR DISPONIBILIDADE
DE ALIMENTOS
INDUSTRIALIZADOS E
MENOR OFERTA DE
PRODUTOS REGIONAIS
FATORES ASSOCIADOS
MOTIVO DA MUDANÇA DO PERFIL ALIMENTAR
FIGURA N° 2-MOTIVO DA MUDANÇA DO PERFIL ALIMENTAR
FONTE: PROTOCOLO DE PESQUISA
A maior disponibilidade de alimentos industrializados e menor oferta de produtos tradicionais apresentou
um dos principais motivos da ingestão de outros alimentos fora dos produzidos pela comunidade (Figura 2). A
maioria (mais de 70%), arma que preparam os alimentos de maneira cozida e frita (gura 3). Foi identicado
que mais de 60% dos quilombolas adquirem seus alimentos na própria comunidade, em mercadinhos locais
e na cidade de Santarém (gura 4). Apesar da presença
de alimentos tradicionais na nutrição habitual (semanal)
dos indivíduos, aproximadamente 76,20% armam comer peixe, 61,9% comem farinha e 66,7% dizem se alimentar com algum tipo de vegetal, percebeu-se que os
alimentos industrializados têm sido cada vez mais pre-
FIGURA N°3- MANEIRA DE PREPARO DO ALIMENTO
FONTE: PROTOCOLO DE PESQUISA
FIGURA N° 4- LOCAL ONDE ADQUIRE OS ALIMENTOS
FONTE: PROTOCOLO DE PESQUISA
sentes com 52,4% relatando o consumo de manteiga
(de gordura vegetal), 28,6% dizem ingerir suco articial
e 42,9% comem macarrão (gura 5).
FIGURA N° 6- NÍVEIS DE COLESTEROL E TRIGLICERÍDEOS
FONTE: PROTOCOLO DE PESQUISA
Entre os 12 participantes que tinham realizado exames foi observado que o nível de triglicerídeo foi abaixo
de 150mg/Dl em mais de 70% dos indivíduos, índice desejável. Detectou-se LDL menor que 100mg/Dl em aproximadamente 60% da amostra, HDL foi abaixo de
40mg/Dl em mais de 80% das pessoas estudadas e colesterol total cou inferior a 200mg/Dl em poucos mais
de 90% dos mesmos (Figura 6).
PRINCIPAIS ALIMENTOS CONSUMIDOS
CONSUMO EM %
- PÃO
76,20%
-MACARRÃO
42,9%
-PEIXE
66,6%
-FARINHA
61,9%
-SUCO ARTIFICIAL
28,6%
- FRANGO DE GRANJA
52,4%
-VEGETAIS
66,7%
-BOLACHA
66,6%
-MANTEIGA
52,4%
-ENLATADOS
14,3%
FIGURA N° 5- PRINCIPAIS ALIMENTOS INGERIDOS
FONTE: PROTOCOLO DE PESQUISA
Atualmente, nos estudos que abordam os fatores
de risco para as doenças cardiovasculares, o acompanhamento das medidas antropométricas é imprescindível. Nos indivíduos pesquisados, através do índice de
massa corporal (IMC), foi vericado que apenas 23,74%
dos indivíduos estão com peso ideal, enquanto 19%
apresentaram sobrepeso. Caracterizou-se a obesidade
em quase 60% dos quilombolas, a maioria (28,6%) classe um, 23,9% são obesos de classe dois e 4,76% obesos classe três (gura 7).
FIGURA N° 7- ÍNDICE DE MASSA CORPÓREA
FONTE: PROTOCOLO DE PESQUISA
4 - DISCUSSÃO
A condição econômica declarada pelos comunitários é uma realidade presente nas zonas rurais de diversas localizações do Brasil e muito frequente nas comunidades quilombolas, indicando a diculdade de aquisição de bens e diversidade de dieta a que estas pessoas
estão submetidas, contribuindo para uma alimentação
deciente. Quanto aos hábitos alimentares, mais de
90% dos quilombolas armaram que mudaram seus hábitos alimentares tradicionais (que eram baseadas no
consumo de peixe, animais de criação, frutas, macaxeira, entre outros), onde o componente econômico é pelo
menos em parte o responsável por esta mudança, já que
a maioria arma que alguns alimentos como o peixe e algumas frutas estão com o preço elevado, o que sugere a
diminuição da agricultura familiar e da pesca artesanal,
uma vez que declararam comprar os produtos. Outro estudo, realizado no estado do Paraná, apresentou estatística semelhante, os pesquisadores traçaram o perl
alimentar da comunidade quilombola João Surá, e demonstraram a vulnerabilidade econômica e alimentar
dos quilombolas, armando que os indivíduos da comunidade iam em busca de renda em outros espaços fora
do quilombo (CAMBUY, 2006).
Foi identicado que quase 50% dos quilombolas
analisados têm como seu principal meio de preparo alimentar o cozimento dos alimentos, em segundo vêm os
alimentos fritos e por último assado. Usam neste processo, principalmente, óleo vegetal (soja). Do ponto de
vista da segurança alimentar, é importante vericar a
quantidade de óleo que utilizam nos alimentos, já que a
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maioria arma não saber a quantidade adequada ou manuseio ideal para o consumo mínimo de lipídios. No estudo de Cambuy (2006) o óleo vegetal industrializado também foi um dos produtos amplamente presente na alimentação da maioria das famílias. O autor justica que o
hábito do uso da banha de porco foi substituído tanto pela produção suciente de banha (falta de recursos e de
terras para a criação) quanto pela proibição pelos médicos.
A partir das informações sobre a mudança dos hábitos alimentares foi vericado que mais de 90% dos entrevistados armam que os motivos para essa mudança
foram a associação de três fatores: fatores econômicos
(alimentos locais com preço mais elevados), diculdades em obter os produtos regionais e maior disponibilidade de produtos industrializados, adquiridos na própria
comunidade e em Santarém. Os alimentos tradicionais
persistem na rotina dos comunitários, mas tem sido menos frequente a sua produção e consumo. Esses dados
concordam com o estudo de Cambuy (2006), que detectou a introdução no dia-a-dia um grande número de produtos industrializados. O açúcar branco renado é consumido com frequência e a maionese e a margarina também estão sendo utilizadas, sendo recente a presença
destes produtos na dieta deste povo.
Contudo, percebe-se que essa tendência mostrada
pelo pequeno grupo pesquisado nas comunidades quilombolas de Santarém, de menor produção familiar, destoa de outras comunidades quilombolas do Brasil, onde
o acesso alimentar é predominantemente da agricultura
familiar; o alimento produzido é usado para mantimento
próprio, como também para venda e geração de renda.
Esta característica preservada dos quilombolas foi vericada por Souza et al (2008) no estado de Tocantins,
num trabalho que avaliou a situação de insegurança alimentar e nutricional nas comunidades quilombolas.
Entre a pequena amostra que tinha realizado exames, a maioria apresentou colesterol total com índices
desejáveis, triglicerídeos e LDL normais e/ou desejável,
os níveis sanguíneos de HDL caram abaixo da normalidade em torno de 83,5% dos quilombolas. Os níveis
anormais de HDL associados a outros parâmetros como
obesidade e pressão arterial elevada, potencializam os
riscos cardiovasculares e distúrbios metabólicos. Como
apenas 23,74% da amostra estão com o IMC adequado
é possível categorizar essa grupo como de risco para as
doenças cardiovasculares.
De fato, a partir do estudo de Framingham (1983), já
se reconhece a obesidade como um fator de risco independente para ocorrência de doença cardiovascular, sobretudo em mulheres, e que o ganho de peso durante a
vida adulta aumenta o risco de doença cardiovascular,
independente do peso inicial ou da presença de outros
fatores de risco. Ademais, nesse mesmo estudo, 70%
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dos casos de hipertensão em homens e 61% nas mulheres puderam ser diretamente atribuídos à obesidade e,
para quilograma de peso ganho, a pressão sistólica eleva-se em média 1 mmHg (CARVALHO, 2005).
Estes dados são realmente alarmantes, pois grande parte dos quilombolas estudados é obesa, se assemelhando muito com a população de grandes centros urbanos. A obesidade, além de ser um fator de risco isolado para doenças cardiovasculares, também atua como
importante fator na siopatologia da hipertensão arterial
e diabetes mellitus tipo 2. Sabe-se que a etiologia para a
obesidade é multifatorial, porém os hábitos alimentares
representam um dos mais importantes fatores relacionados.
5 - CONCLUSÃO
Os achados de sobrepeso e obesidade associados
ao HDL abaixo de 40mg/Dl observados nesse grupo podem inuenciar signicativamente no agravamento de
patologias como a hipertensão arterial. Há uma transição do perl alimentar, com o acréscimo de produtos industrializados, associado a uma agricultura familiar cada vez menos presente.
A educação alimentar se faz necessária, considerando aos altos índices de obesidade, alimentação baseada em gorduras e ingestão pouco frequente de vegetais. Um levantamento das potencialidades locais é um
dos primeiros passos para se conseguir um resultado favorável. Estas comunidades possuem alimentos da oresta bem diversicados como: mamão, cupuaçu, açaí,
maracujá, pupunha, abacate etc. Estas potencialidades
devem ser valorizadas, assim como incentivo a horta e
agricultura familiar como um todo. Desta forma, seria
possível fornecer uma alimentação mais saudável e um
incremento na renda mensal para estas comunidades.
A instrumentalização das comunidades para desenvolvimento da agricultura familiar, por meio da garantia
da titulação da terra e de políticas públicas de incentivo
parece fundamental para o alcance da soberania alimentar. Igualmente, essas políticas precisam considerar o incentivo à agricultura familiar de acordo com as tradições do modo de produção e da cultura alimentar das
comunidades.
É fundamental a criação de medidas que venham
garantir para a comunidade condições materiais de produção (mudas, semente, manejo do solo etc.) e escoamento de seu produto para a venda. É preciso incentivar
a valorização dos hábitos alimentares tradicionais e culturais dos quilombolas. E, com base nos achados da pesquisa, ca evidente a necessidade de garantir suporte
permanente em saúde para estas comunidades, como
monitoramento do colesterol, glicemia, triglicerídeas e
qualquer necessidade em saúde.
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