O Reconhecimenro Constitucional das Uniões Homossexuais como

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Curso de Graduação em Direito
O RECONHECIMENTO CONSTITUCIONAL DAS
UNIÕES HOMOSSEXUAIS COMO ENTIDADES
FAMILIARES E SUAS IMPLICAÇÕES NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.
Isaac Espíndola Vitorino Ferreira
Belo Horizonte
2010
Isaac Espíndola Vitorino Ferreira
O RECONHECIMENTO CONSTITUCIONAL DAS
UNIÕES HOMOSSEXUAIS COMO ENTIDADES
FAMILIARES E SUAS IMPLICAÇÕES NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.
Monografia apresentada à Faculdade Mineira de
Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais, como requisito parcial para aprovação na
disciplina Monografia II.
Orientador: Fernando Horta Tavares
Belo Horizonte
2010
ISAAC ESPÍNDOLA VITORINO FERREIRA
O reconhecimento constitucional das uniões homossexuais como entidades
familiares e suas implicações no ordenamento jurídico brasileiro.
MONOGRAFIA APRESENTADA À FACULDADE MINEIRA DE DIREITO DA
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA, COMO REQUISITO PARA
APROVAÇÃO NA DISCIPLINA MONOGRAFIA II.
________________________________________________
FERNANDO HORTA TAVARES – PUC MINAS
________________________________________________
________________________________________________
Aos que, apesar de tudo,
ainda acreditam na justiça.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, pelo amor incondicional.
Ao meu orientador, pela dedicação e respeito.
Ao Inominável, sempre.
"A insatisfação é o primeiro passo para o progresso
de um homem ou de uma nação."
Oscar Wilde
RESUMO
Este trabalho tem o objetivo de analisar as uniões homossexuais à luz da
Constituição de 1988, especificamente a partir do seu artigo 226, §4º, que insere no
ordenamento jurídico brasileiro a figura das entidades familiares. Neste sentido,
pretende traçar os princípios basilares da nova ordem jurídica pós-88 e sua atuação
na hermenêutica atual consoante a estas uniões. Para tanto, foram pesquisadas
obras jurídicas nacionais e modernas que abordam as uniões homossexuais no
contexto do Estado Democrático de Direito, bem como artigos científicos,
jurisprudências e projetos de lei que versam acerca do assunto. Ao final, constata-se
que o artigo 226, § 4º, da Constituição Federal de 1988 reconhece outros arranjos
familiares, denominando-os de entidade familiar. Trata-se o dispositivo supracitado
de cláusula aberta, comportando interpretação extensiva, incluindo-se, portanto,
neste rol, as uniões homossexuais. Esta diretriz constitucional deve orientar o
aplicador do direito na interpretação das normas-infraconstitucionais relativas a
estas uniões, gerando efeitos, por exemplo, no direito de família, no direito
previdenciário e no direito tributário.
Palavras chave: Homossexualidade, Uniões homossexuais, Entidade Familiar,
Direito de Família, Cláusula aberta, Estado Democrático de Direito.
ABSTRACT
This paper aims to analyze homosexual unions in the light of the Constitution of
1988, specifically from Article 226, § 4, which inserts in the Brazilian legal entities
familiar figure. We aim to draw the basic principles of the new legal post-88 and its
role in current hermeneutic depending on such unions. It had been researched
modern legal works that address national and homosexual unions in the context of a
democratic state of law, and scientific articles, case law and legislative bills that deal
on the subject. In the end, it appears that Article 226, § 4 of the Constitution of 1988
recognizes other family arrangements, calling them a family entity. This is the device
above the open clause, comprising a broad interpretation, including, therefore, in this
role, homosexual unions. This guideline is to guide the applicator constitutional law in
interpreting the rules for these infra-unions, creating effects, for example in family
law, pension law and tax law.
Keywords: Homosexuality, Homosexual unions, Familiar Entity , Family Law, Clause
Open, Democratic State of Law.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................10
2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA HOMOSSEXUALIDADE .................................11
3 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE FAMÍLIA ...................................12
3.1 A FAMÍLIA NA ANTIGUIDADE E NA PÓS-MODERNIDADE ..............................................12
4 A FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ................................14
4.1 A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988 E O NOVO CONCEITO DE FAMÍLIA ...............14
4.2 OS MODELOS DE FAMÍLIA CONTEMPLADOS NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 .......................16
5 AS UNIÕES HOMOSSEXUAIS NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA................18
6 O TRATAMENTO DAS UNIÕES HOMOSSEXUAIS NO DIREITO ESTRANGEIRO
..................................................................................................................................22
7 O RECONHECIMENTO DAS UNIÕES HOMOSSEXUAIS COMO ENTIDADE
FAMILIAR PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988................................26
8 AS UNIÕES HOMOSSEXUAIS E A ANALOGIA À UNIÃO ESTÁVEL.................29
9 A UNIÃO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO: PROJETO DE LEI
1.151/95 ....................................................................................................................32
10 O ESTATUTO DAS FAMÍLIAS E O CAPÍTULO DEDICADO ÀS UNIÕES
HOMOSSEXUAIS .....................................................................................................34
11 AS UNIÕES HOMOSSEXUAIS E A ADPF 132 E ADI 4.277 ..............................37
12 CONCLUSÃO ......................................................................................................41
REFERÊNCIAS.........................................................................................................43
ANEXO .....................................................................................................................49
10
O RECONHECIMENTO CONSTITUCIONAL DAS UNIÕES HOMOSSEXUAIS
COMO ENTIDADES FAMILIARES E SUAS IMPLICAÇÕES NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO.
1 Introdução
Este trabalho pretende abordar as uniões homossexuais no contexto do
Estado Democrático de Direito. Neste sentido, adotar-se-á o artigo 126, § 4º, da
Constituição de 1988, como cláusula aberta de interpretação, comportando,
destarte, outros arranjos familiares além daqueles exemplificados pelo dispositivo
em comento, por meio de uma leitura conjunta dos demais princípios que
conformam o texto constitucional.
Para tanto, nos primeiros capítulos serão abordados, respectivamente, o
conceito de homossexualidade, bem como a evolução histórica do conceito de
família desde a antiguidade até a sociedade pós-moderna. No capítulo 4, far-se-á
uma análise da família no ordenamento jurídico, abordando este tema na
Constituição da República de 1988 e no Código Civil de 2002.
Em seguida, será observado o tratamento das uniões homossexuais na
jurisprudência nacional e no direito estrangeiro, respectivamente, nos capítulos 5 e
6. Adiante, será exposto o entendimento defendido neste trabalho, qual seja, o que
sustenta o reconhecimento das uniões homossexuais como entidades familiares
pela Constituição de 1988.
Já no capítulo 8, as uniões homossexuais serão confrontadas com as normas
que regulamentam a união estável no Brasil; nos seguintes, proceder-se-á a uma
sucinta exposição dos projetos de lei voltados para regulamentar as uniões
homossexuais no cenário nacional. Outrossim, os instrumentos legais utilizados para
provocar o Poder Judiciário na apreciação de conflitos envolvendo as uniões
homossexuais serão apresentados no capítulo 11.
Ao concluir este trabalho, será reiterado o entendimento de que as uniões
homossexuais são reconhecidas pela nova ordem constitucional em consonância
com os paradigmas do Estado Democrático de Direito.
11
2 Considerações acerca da homossexualidade
Historicamente, compreender a homossexualidade tem sido um desafio para
estudiosos de diversas áreas, notadamente pelas implicações sociais e morais que o
tema recorrentemente esteve envolvido. Etimologicamente, a origem da palavra
homossexual é atribuída ao grego homo ou homeo, elemento de composição que
exprime a idéia de semelhança, igual, análogo, ou seja: homólogo ou semelhante ao
sexo que a pessoa figura, ou aspira ter (OLIVEIRA, 1997, p. 310).
Contudo, existem autores que afirmam que o termo “homossexual” e seus
derivados, “homossexualismo e homossexualidade”, surgiram no final do século XIX,
sendo, portanto, estranhos ao período da Antiguidade ou a outro que não seja o
Contemporâneo, não obstante contenha registros desta prática em sua história
(FRANCA, 2004, p. 36).
Atualmente, para a medicina e a psicologia a homossexualidade se
caracteriza por uma atração erótica por indivíduos do mesmo sexo, ensejando a
prática de atos libidinosos entre estes ou fantasias que encerrem este tipo de
situação (TAVARES et al., 2009, p. 2).
Há notícias de práticas homossexuais entre os romanos, egípcios, gregos e
assírios. Diz-se que entre os cartagineses, dórios, citas e, posteriormente, os
normandos, relacionou-se a homossexualidade à religião e até mesmo à carreira
militar, visto que a mesma estava ligada aos deuses que os representavam, como
Horus e Set (MIRANDA, 2006, p. 6).
Entre os gregos, vale ressaltar que o relacionamento entre pessoas do
mesmo sexo era visto de forma relativamente natural pela sociedade ateniense cujo
acervo de obras visuais recorrentemente apresentava a relação entre um homem
adulto com um jovem, particularidades estas que configuravam a pederastia
(FRANCA, 2004, p. 8).
Com a consolidação do Cristianismo, a homossexualidade passou a ser
amplamente condenada com fulcro em interpretações de passagens bíblicas e
taxada como anomalia psíquica e vício repugnante, resultando na pena de morte em
diversos Estados, como na Inglaterra que até a década de 60 ainda a classificava
como crime (MIRANDA, 2006, p. 7).
Entretanto, o termo “homossexualismo”, cujo sufixo ainda faz alusão à doença
de cunho mental, tornou-se obsoleto no meio científico, optando-se pelo significante
12
“homossexualidade”, em virtude das mudanças ocorridas, notadamente, a partir da
década de 70 (TAVARES et al., 2009, p. 3)
Em dezembro de 1973, a Associação Psiquiátrica Americana (APA) deixou de
considerar a homossexualidade um transtorno mental e, em 1991, a Anistia
Internacional passou a compreender a proibição da prática homossexual como
violação aos direitos humanos (REIS, 2005, p. 52). No Brasil, em 1985, o Conselho
Federal de Medicina retirou a homossexualidade do rol de desvios mentais. Nos
anos 90, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), que
serve como orientador para a classe médica, notadamente para os psiquiatras,
exclui a homossexualidade de suas páginas.
Em 1993, a Organização Mundial de Saúde passou a adotar o termo
“homossexualidade” em contraposição a “homossexualismo”. Finalmente, em 1995,
o “homossexualismo” deixou de constar na lista de Classificação Internacional de
Doenças (CID) (MIRANDA, 2006, p. 7-8).
Os avanços obtidos no campo científico nos últimos anos proporcionaram o
surgimento de novas teorias que se propõem a explicar a homossexualidade. Neste
sentido, diversos estudos baseiam-se ora na influência exercida pelo ambiente em
que o indivíduo está inserido, ora pela genética. Entretanto, atualmente, é unânime a
decisão de que ninguém opta por ser homossexual, mas sim em assumir ou não
esta condição (REIS, 2005, p.52).
3 A evolução histórica do conceito de família
3.1 A Família na Antiguidade e na pós-modernidade
Em A Cidade Antiga, renomada obra de Fustel de Coulanges, constatamos o
alicerce fundamental que orientou a formação dos principais institutos que
compunham o cenário social na Antiguidade: a religião. Segundo o ilustre autor, a
crença na vida além-túmulo, que resultou no estabelecimento de um peculiar culto
aos mortos, norteou a existência dos antigos, influenciando as diversas facetas de
sua história. Neste contexto, desenvolveu-se o conceito de família fortemente
associado à religião e, também, ao poder, conforme exposto pelo autor:
“O que uniu os membros da família antiga é algo mais poderoso que o
nascimento, o sentimento ou a força física: na religião do fogo sagrado e
dos antepassados se encontra esse poder. A religião fez com que a família
13
formasse um só corpo nesta vida e na do além. A família antiga é, desta
forma, mais uma associação religiosa que uma associação natural [...] A
família era, desta forma, um grupo de pessoas a quem a religião permitia
invocar os mesmos manes e oferecer o banquete fúnebre aos mesmos
antepassados.” (COULANGES, 2002, p. 34).
Portanto, para que fossem considerados parentes, dois homens deveriam
cultuar os mesmos deuses, presidirem o mesmo banquete fúnebre, ou seja,
comungarem da mesma religião, sendo o parentesco determinado pela linha
paterna, conhecido como agnação. (MIRANDA, 2006, p. 12)
No Direito Romano, mormente, o termo família designava o conjunto de
pessoas que viviam sob o jugo do pater familias, seja unido pelo vínculo cognativo,
seja constituindo um acervo patrimonial ou herança, o que destacava seu caráter
eminentemente patrimonial (SOLLA, 2009, p. 3). A autoridade incontestável exercida
pelo pater familias baseava-se na pátria potestas, direito que se expressava em uma
relação de domínio exercido por aquele sob os demais membros do grupo familiar.
O “filius” não passava de uma propriedade do pai, podendo este decidir, até mesmo,
pela morte de seus descendentes, conforme reiterado pelas XII Tábuas (MIRANDA,
2006, p. 12)
No período medieval, o conceito de família se expande ao representar um
grupo de pessoas unidas pelas relações de fidelidade. Contudo, a família era
concebida a partir do casamento religioso, abrangendo, destarte, os cônjuges, seus
descendentes, e, em determinadas ocasiões, os ascendentes, sem, contudo,
despojar-se de seu aspecto patrimonialista (SOLLA, 2009, p. 3).
O surgimento da sociedade burguesa valida o conceito de família com base
nos princípios do individualismo, da não intervenção estatal na seara privada, da
autonomia da vontade e do patrimonialismo, consolidando-se como domínio
particular do homem (SOLLA, 2009, p. 3).
Outrossim, a família moderna também permaneceu fortemente jungida à
figura do pater. Era o homem quem detinha o poder marital sobre a esposa e o
pátrio-poder sobre seus descendentes. Esta era a unidade familiar merecedora da
tutela jurisdicional. Em contrapartida, as companheiras, concubinas, os filhos
chamados ilegítimos, bem como os filhos de mães solteiras, as uniões
homossexuais e tantas outras situações ficavam à mercê do silêncio do Legislador e
ao alvedrio do Judiciário (SOLLA, 2009, p. 4).
14
A crise do Estado Liberal e ascensão do welfare State favoreceram o
surgimento da chamada “era dos direitos”, desencadeando um processo de
reformulação do sistema jurídico. As revoluções ocorridas a partir da década de 60
ensejam mudanças paradigmáticas que refletem na concepção de família. Surge a
mulher liberta do jugo do poder marital, emancipada, sexualizada pela liberdade
advinda da pílula anticoncepcional e inserida no mercado de trabalho. Momento de
efervescência cultural e política em que os prazeres são redescobertos e diversos
institutos que compõe a sociedade passam a ser reinterpretados. Este período é
marcado pelos movimentos feministas e homossexuais que despontam tanto no
cenário internacional quanto no Brasil (SOLLA, 2009, p.4).
No plano nacional, em contraposição ao então vigente Código Civil de 1916,
surgem diversos diplomas legais que modificam profundamente o significado de
família no ordenamento jurídico brasileiro: a Lei 883 de 1949 reconhece a prole até
então denominada ilegítima e os direitos a ela devidos; a Lei 4.121/62 retira a mulher
da situação de relativamente incapaz; com a Lei 6.515 de 1977, que instituiu o
divórcio, o casamento, depois de dissolvido, poderia ser novamente constituído
(SOLLA, 2009, p. 4-5).
Finalmente, a Constituição da República de 1988, a partir de seu arcabouço
principiológico, inaugura uma nova concepção de família, tornando-a pluralista,
democrática, livre e repersonalizada, consoante às prerrogativas do Estado
Democrático de Direito, cujos desdobramentos serão melhor expostos nos tópicos
seguintes.
4 A família no ordenamento jurídico brasileiro
4.1 A Constituição da República de 1988 e o novo conceito de família
Pode-se afirmar que a Constituição da República de 1988 inaugurou uma
nova ordem jurídica e política no cenário nacional, rompendo com um passado
marcado por abusos e restrições impostos pelos longos anos de ditadura e
instituindo o Estado Democrático de Direito. Seu objetivo precípuo é garantir a
efetivação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, afirmando direitos e
garantias individuais em consonância com seus ideais democráticos (TAVARES et
al., 2009, p.4).
Neste sentido, dispõe o art. 1º da Carta Constitucional:
15
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana; [...] (grifo nosso) (BRASIL, 2008, p. 7)
Faz-se mister ainda evocar o artigo 5º da Constituição da República,
notadamente reconhecido pelas garantias que encerra, conforme se pode apreender
de seu caput:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, à
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: [...] (BRASIL, 2008, p. 7).
A Constituição da República de 1988 representa um desafio aos intérpretes e
aos operadores do direito na medida em que propõe uma nova hermenêutica capaz
de harmonizar os demais institutos previstos na legislação infraconstitucional com os
inúmeros princípios basilares do texto constitucional, efetivando o Estado
Democrático de Direito. Neste aspecto, aduz o professor Cesar Fiúza (2003, p. 29):
Vive-se hoje no Brasil os alvores do Estado Democrático de Direito. Este é o
momento da conscientização desse novo paradigma. Só agora assumem a devia
importância os princípios e os valores constitucionais por que se deve pautar todo o
sistema jurídico. Constitucionalização ou publicização do Direito Civil entram na
temática do dia. [...] Diz-se que os pilares de sustentação do Direito Civil, família,
propriedade e autonomia da vontade, deixaram de sê-lo. O único pilar que sustenta
toda a estrutura é o ser humano, a dignidade da pessoa, sua promoção espiritual,
social e econômica.
É possível afirmar que, atualmente, há uma crise do Direito, no tocante à
interpretação de seus institutos em face da nova visão proposta pela Constituição
Federal, abrangendo, indubitavelmente, o Direito de Família, conforme se pode
apreender da lição abaixo colacionada:
O direito de família está em crise. A mesma Revolução Industrial que gerou a crise
do Direito das Obrigações, esta mesma Revolução conduz a mulher para o mercado
de trabalho, retira o homem do campo, proletariza as cidades, reduz o espaço de
coabitação familiar, muda o perfil da família-padrão. (FIUZA, 2003, p.28-29)
Enquanto nas Constituições Brasileiras de 1937, 1946 e 1967 o legislador
propugnava pelo casamento indissolúvel como única forma de se constituir família, a
16
Constituição de 1988 reconheceu novos arranjos familiares ao instituir a figura da
entidade familiar como cláusula aberta de interpretação (MIRANDA, 2006, p.14).
Neste sentido, o dispositivo constitucional alinha-se às mudanças do conceito
de família, cujo conteúdo não mais se restringe a modelos tradicionais de formação,
reconhecendo-a como espaço de realização plena do indivíduo, como instituição
democrática, pluralista, incorporando valores regentes fundamentais, tais como a
dignidade da pessoa humana, a solidariedade, a igualdade e a liberdade (SOLLA,
2009, p. 6).
Deve-se reiterar, portanto, que a Constituição da República de 1988 é
fundada em princípios que objetivam viabilizar uma interpretação que melhor atenda
à realização da pessoa humana. Destarte, defende-se, neste trabalho, que os
parágrafos 3° e 4° do artigo 226 da Constituição Fe deral devem ser interpretados no
sentido de tutelar outros modelos de entidades familiares, além daqueles que foram
explicitamente previstos, constituindo numerus apertus:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.[...]
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável
entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada
por qualquer dos pais e seus descendentes. (BRASIl, 2008, p. 68).
A nova ordem constitucional tem por escopo a proteção da pluralidade dos
arranjos familiares enquanto forma de atuação do princípio da dignidade da pessoa
humana (MIRANDA, 2006, p.17-18).
Outrossim, o Estado Democrático de Direito exige a garantia de iguais
liberdades fundamentais (HABERMAS, 2003, p. 128-131), o que resulta na
coexistência de diversos projetos de vida. Consoante à nova ótica constitucional é
que se fala em Direto das Famílias em contraposição ao título anterior Direito de
família, cuja justificativa se observará mais adiante, especificamente quando for
abordada a crise de interpretação neste ramo do Direito.
4.2 Os modelos de família contemplados no Código Civil de 2002
O Código Civil de 2002 apresenta como modelos de família o casamento e a
união estável. Em seu artigo 1.511 dispõe que o casamento estabelece comunhão
17
plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos respectivos
conjugues.
Surgem, a partir desta disposição, diversas correntes que objetivam definir a
natureza jurídica do casamento. A primeira, de natureza institucionalista,
compreende que o casamento é uma instituição social, visto que representa um
conjunto de regras aceitas por todos que visam regular as relações entre os
cônjuges. A segunda, de natureza contratual, concebe o casamento como um
acordo de vontades, resultando num tipo de contrato especial, dadas as
peculiaridades que possui. Outros, compreendem que o casamento, enquanto
celebração é contrato, e enquanto vida comum, é uma instituição social (FIUZA,
2006, p. 944).
Ainda, de acordo com o artigo 1.514 do Código Civil, “O casamento se realiza
no momento em que o homem e a mulher manifestam perante o juiz, a sua vontade
de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz declara casados.” Neste sentido, afirma
César Fiúza (2006, p. 943) que: “Segundo nosso Direito em vigor, casamento é a
união estável e formal entre homem e mulher, com o objetivo de satisfazer-se e
amparar-se
mutuamente,
constituindo
família.”
Logo,
os
dispositivos
infraconstitucionais expostos não oferecem a possibilidade de casamento entre
pessoas do mesmo sexo, como também não o faz correlato constitucional que exige
a diversidade de sexos (TAVARES et al., 2009, p. 6).
Entretanto, o advento do Código Civil de 2002 trouxe algumas inovações
relativas ao casamento, desvinculando-o da idéia de satisfação sexual, da filiação, e
da própria constituição de família, vez que, nos termos de seu artigo 1.723, também
reconheceu a união estável como entidade familiar (TAVARES et al., 2009, p. 7).
Quanto à união estável, o caput do artigo 1.723 do Código Civil de 2002,
prevê que: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a
mulher, configurada na convivência pública, continua e duradoura e estabelecida
com o objetivo de constituição de família.”
Para César Fiúza (2006, p. 969):
União estável é a convivência pública, contínua e duradora sob o mesmo
teto ou não, entre homem e mulher não ligados entre si pelo casamento,
com a intenção de constituir família. O entendimento mais moderno é que
seja dispensável o mos uxoruis, ou seja, a convivência idêntica ao
casamento. Bastam a publicidade, a continuidade e constância das
relações, para além de simples namoro ou noivado [...]. Pode haver,
portanto, união estável sem que haja coabitação e vida idêntica à do
18
casamento, embora deva estar presente a intenção de constituir família.
Esta intenção traduz-se na prática de viver juntos, compartilhando o dia a
dia, criando uma cumplicidade, uma comunhão de vida, amparando-se e
respeitando-se reciprocamente [...].
A união estável é permitida aos solteiros, viúvos, divorciados, separados
judicialmente, e ainda apresenta como inovação inserida no Código Civil de 2002, a
possibilidade de pessoas “separadas de fato” constituírem união estável válida, o
que não era previsto pela Lei n. 8.791/94 (TAVARES et al., 2009, p. 7)
Aos companheiros são assegurados os direitos à prestação de alimentos
recíproca, à participação na sucessão (ainda que de forma reduzida em relação ao
casamento) e o regime de comunhão parcial de bens.
Para que seja reconhecida a união estável, basta que sejam satisfeitos os
requisitos presentes no artigo 1.723 do Código Civil, não estabelecendo o Legislador
tempo necessário para sua constituição. Ainda, conforme o artigo 1.726, os
companheiros poderão obter, a qualquer tempo e de comum acordo, a conversão da
união estável em casamento, mediante requerimento ao juiz, com o assento no
Registro Civil.
Semelhantemente ao que ocorre no casamento, a união estável não está
prevista para as pessoas do mesmo sexo, visto a menção expressa do artigo 1.723
do Código Civil de 2003 à diversidade de sexos como requisito necessário a sua
constituição, distinguindo-a, portanto, da união homossexual, resultando em
entidades familiares distintas (TAVARES et al., 2009, p. 8).
Mediante o exposto, pode-se concluir, que o Código Civil de 2002, no tocante
ao Direito das Famílias, não apresentou avanços compatíveis com os ideais do
Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição da República de 1988,
que em seu artigo 226, enquanto cláusula aberta de interpretação, prevê outras
formas de entidades familiares, tais como a monoparental, a anaparental e a própria
união homossexual.
5 As uniões homossexuais na jurisprudência brasileira
Ainda que o Legislador brasileiro tenha se omitido, até o presente momento,
em regulamentar as uniões homossexuais, o Poder Judiciário tem se manifestado,
em diversas instâncias, no sentido de declarar o reconhecimento constitucional
destas uniões na solução dos litígios que lhe são apresentados.
19
Neste sentido, as uniões homossexuais trilham, no cenário judicial do país, o
mesmo caminho percorrido pela união estável, no tocante ao seu reconhecimento
como entidade familiar, tutelando-lhe os direitos e garantias compatíveis com o
Estado Democrático de Direito. Entretanto, não obstante os avanços obtidos na
jurisprudência acerca do tema, não são raras as vezes em que decisões são
proferidas no âmbito do judiciário em flagrante desalinho com a nova ordem
instituída a partir da Constituição da República de 1988 (TAVARES et al., 2009, p.
9).
Existem autores que ainda entendem que as uniões homossexuais devem ser
consideradas como sociedades de fato, atribuindo-lhes natureza notadamente
mercantil, negando, destarte, a competência das varas de família para conhecer de
suas ações e atribuindo-as às varas cíveis. A partir desta premissa o autor
Guilherme Calmon Nogueira da Gama (1998, p.491) entende que é possível:
[...] o reconhecimento do direito do partícipe da relação que for prejudicado
em decorrência da aquisição patrimonial em nome tão somente do outro, ao
partilhamento dos bens adquiridos durante a constância da sociedade de
fato, na medida da sua efetiva contribuição para a formação ou o
incremento patrimonial.
Entretanto, autores como Álvaro Villaça Azevedo (2004, p. 42) aconselham
aos pares homossexuais que efetuem contrato que contenha cláusula expressa
acerca do patrimônio existente e quanto à possibilidade de adquirirem bens em
nome de ambos, o que importa condomínio em partes iguais, diante da falta de
tratativa específica da matéria.
Contudo, é digno de nota que as primeiras decisões favoráveis à união
homossexual ocorreram no Rio Grande do Sul, onde pioneiramente julgou-se que a
competência para casos semelhantes seria das Varas de Família e não mais da
Vara Cível (RIO GRANDE DO SUL, 1999).
Logo, surgiram novos julgados reconhecendo diversos direitos atinentes à
“entidade familiar homossexual”, notoriamente os de caráter sucessório. Em 2001, é
reconhecida a primeira união homossexual por um tribunal brasileiro, novamente no
Rio Grande do Sul (RIO GRANDE DO SUL, 2001).
Também, merece menção o reconhecimento da inelegibilidade em razão de
uniões homossexuais pelo Tribunal Superior Eleitoral (BRASIL, 2004), ao entender
que a união entre duas pessoas do mesmo sexo é uma “entidade familiar” e que se
20
sujeita ao impedimento eleitoral existente em qualquer relação familiar (TAVARES et
al., 2009, p. 9).
Neste sentido, Maria Berenice Dias (2008, p.190) compreende que se estão
sendo impostos ônus às uniões homossexuais, faz-se mister sejam assegurados
também todos os direitos e garantias a essas uniões no âmbito do Direito das
Famílias e do Direito Sucessório.
Destarte, como exemplos destes avanços jurisprudenciais, ainda vistos com
reserva pela maioria dos magistrados, colacionam-se duas jurisprudências
brasileiras, uma do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e outra do Superior Tribunal
de Justiça, as quais decidiram pelo reconhecimento das uniões homossexuais como
entidades familiares.
O processo n. 1.0024.04.531585-0/001(1), julgado em 13/12/2009, pela
desembargadora Maria Elza, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (MINAS
GERAIS, 2009), trata do reexame e recurso de apelação interposto pelo Instituto de
Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais - IPSEMG, contra a
sentença proferida pelo juiz da 2ª Vara da Fazenda Estadual. A primeira instância
julgou procedente pedido em ação ordinária, concedendo ao autor o benefício
previdenciário em razão do falecimento de seu companheiro.
O acórdão proferido pela 5ª Câmara Cível manteve a decisão de 1ª grau,
reconhecendo a união homossexual como entidade familiar por força do artigo 226,
§4º, da Constituição da República, propugnando pela aplicação analógica das
normas que regulamentam a união estável ao caso em tela. Tal entendimento dá-se,
portanto, pela adoção do referido dispositivo constitucional como cláusula aberta de
interpretação, em consonância com os demais princípios norteadores do Estado
Democrático de Direito, como o Principio da Dignidade da Pessoa Humana, que
apontam para o reconhecimento da pluralidade de arranjos familiares presentes na
sociedade.
O Recurso Especial n. 820.475, julgado em 02 de setembro de 2008, pelo
Superior Tribunal de Justiça (BRASIL, 2008), julgou uma demanda em que se pedia
o reconhecimento da união homoafetiva. O processo originou-se na 4ª Vara de
Família de São Gonçalo, no Rio de Janeiro, onde os autores ajuizaram ação
declaratória de união estável sob a alegação de preencherem os mesmos requisitos
previstos para este modelo de entidade familiar. Ademais, justificava-se o pedido
pelo fato de um dos companheiros ser canadense e que o reconhecimento
21
jurisdicional desta união permitiria a concessão de visto permanente a ele, uma vez
que o outro é brasileiro.
Porém, a sentença de 1ª instância extinguiu o processo alegando ausência de
previsão legal, conforme o artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil. Em
sede de apelação, a decisão de 1º grau foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio
de Janeiro. Desta feita, as partes aviaram o Recurso Especial junto ao Superior
Tribunal de Justiça.
Os recorrentes fundamentaram o recurso sustentando que o Tribunal a quo
violara o princípio da identidade física do juiz, conforme artigo 132 do Código de
Processo Civil, além da infringir os artigos 4º da Lei de Introdução ao Código Civil e
126 do Código de Processo Civil, sob o argumento que o ordenamento jurídico não
veda o reconhecimento de uniões homossexuais.
Destarte, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria,
conheceu do recurso e deu–lhe provimento. O voto do relator, Ministro Antônio de
Pádua Ribeiro, fundamentou-se na inocorrência de ofensa ao princípio da identidade
física do juiz. Contudo, em relação à impossibilidade jurídica do pedido declarou que
tanto na doutrina quanto na jurisprudência é pacífico o entendimento de que esta só
se configura quando existe expressa vedação disposta pelo ordenamento jurídico.
O Ministro, portanto, afirma que não há vedação legal expressa da união
entre pessoas do mesmo sexo nos artigos 226, § 3º da Constituição da República de
1988; e 1.723 e 1.724 do Código Civil de 2002. Assim, mesmo diante da ausência
de regulação específica, o caso não deve ficar sem solução jurídica, devendo-se,
portanto, aplicar a analogia, conforme os artigos 4º da Lei de Introdução ao Código
Civil e 126 do Código de Processo Civil.
Neste sentido, pondera o autor Luiz Edson Fachin que
Essa dedução, se de um lado pode gerar alguma perplexidade para a
sustentação dos valores informativos das uniões tradicionais, por outro,
pode ser um caminho, enquanto a norma específica não vier, para que os
resultados buscados, dentro ou fora do Judiciário, sejam mais justos
(FACHIN, 1999, p.100).
No mesmo raciocínio, corrobora Maria Berenice Dias que
O caminho está aberto, sendo imperioso que os juízes cumpram com a sua
verdadeira missão: fazer Justiça. Acima de tudo, precisam ter sensibilidade
para tratar de temas tão delicados como as relações afetivas, cujas
22
demandas precisam ser julgadas com mais sensibilidade e menos
preconceito. Os princípios de justiça, igualdade e humanismo devem
presidir as decisões judiciais (DIAS, 2008, p.191).
As
jurisprudências
apresentadas,
embora
representem
um
avanço
significativo obtido por cidadãos brasileiros junto aos tribunais, tanto no âmbito
estadual quanto nacional, ainda demonstram as dificuldades a serem enfrentadas na
análise dos casos que envolvem uniões entre pessoas do mesmo sexo. Outrossim,
decisões como estas não só servem como precedentes para mais julgamentos
favoráveis no reconhecimento das uniões homossexuais, bem como justifica a
necessidade de um dispositivo legal próprio que regule estas relações.
Todavia, conforme pontuado neste trabalho, a união homossexual encontrase amparada pelo ordenamento jurídico através da cláusula aberta de entidades
familiares da Constituição da República de 1988, dispensando, para seu
reconhecimento, o recurso à analogia com os dispositivos legais referentes à união
estável; entretanto, é possível encontrar decisões judiciais propugnando pelo
emprego da referida analogia em face da ausência de norma específica que
regulamente os efeitos das uniões homossexuais.
6 O tratamento das uniões homossexuais no direito estrangeiro
Se no Brasil a aprovação do projeto de lei que regulamenta as uniões
homossexuais ainda suscita controvérsias e é recorrentemente postergado pelo
Legislador, no plano internacional, diversos outros países já se dedicaram ao tema,
produzindo normas específicas aplicáveis ao caso.
Reunindo reportagens e informações publicadas acerca do tema pelo site
oficial da Folha Online (www.folha.uol.com.br), é possível esboçar o seguinte
panorama das uniões homossexuais no mundo:
Junho de 1989 - A Dinamarca aprova uma lei que permite o registro da união
civil a casais homossexuais, abrigando-os na mesma lei que define os direitos
atinentes aos parceiros em uniões heterossexuais (FOLHA online, 2007);
Agosto de 1993 - A Noruega se torna o segundo país do mundo a permitir
que gays e lésbicas registrem civilmente a união, fornecendo direitos muito
semelhantes aos que são oferecidos aos casais heterossexuais (FOLHA online,
2007);
23
Março de 1995 - A Corte Constitucional da Hungria derruba uma lei que
proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo (FOLHA online, 2007);
Outubro de 1999 - A França garante a todos os casais o direito à união civil,
incluindo reformas na cobertura do seguro social e nas leis de transmissão da
herança (FOLHA online, 2007);
Dezembro de 2000 - A Holanda dá a aprovação final à lei que permite o
casamento e a adoção de crianças por casais do mesmo sexo. É mister salientar
que o governo holandês reconhecia a união civil homossexual desde 1998 (FOLHA
online, 2007);
Julho de 2002 - A Alemanha permite que casais homossexuais registrem
suas uniões junto a autoridades civis (FOLHA online, 2007);
Julho de 2003 - Dois argentinos tornam-se o primeiro casal homossexual da
América Latina a usar uma nova lei que permite a união civil entre pessoas do
mesmo sexo (FOLHA online, 2007);
17 de maio de 2004 - Os primeiros casais homossexuais se casam
legalmente em Massachusetts, tornando-o, na época, o único Estado americano a
permitir esta modalidade de casamento (FOLHA online, 2007);
27 de julho de 2004 - Uma corte francesa anula o primeiro casamento entre
homossexuais do país, que aconteceu em 5 de junho de 2004 (FOLHA online,
2007);
Novembro de 2004 - O Parlamento britânico aprova o Ato de Parceria Civil
que permite a casais do mesmo sexo registrar oficialmente sua união. A nova lei,
que
concedeu
aos
homossexuais
quase
os
mesmos
direitos
civis
dos
heterossexuais, somente começou a valer a partir de dezembro de 2005 (FOLHA
online, 2007);
5 de abril de 2005 - Eleitores do Kansas (EUA) aprovam uma emenda à
Constituição do Estado que barra o casamento entre homossexuais (FOLHA online,
2007);
30 de junho de 2005 - A Câmara dos Deputados da Espanha aprova lei que
permite o casamento entre homossexuais e a adoção de crianças por estes casais
(FOLHA online, 2007);
19 de julho de 2005 - O Senado do Canadá aprova o projeto de lei C-38, que
permite o casamento entre casais gays, legalizando a união entre homossexuais em
todo o país (FOLHA online, 2007);
24
20 de abril de 2006 - O Senado da Bélgica aprova o projeto de lei que
concede aos casais homossexuais o direito de adotar crianças, depois da aprovação
da Câmara dos Deputados em dezembro de 2005 (FOLHA online, 2007);
12 de maio de 2006 - O Parlamento do Território da Capital Australiana
(ACT), Canberra, adota uma controvertida lei que autoriza a união entre pessoas do
mesmo sexo (FOLHA online, 2006);
06 de julho de 2006 - A Suprema Corte do Estado de Nova York proíbe o
casamento homossexual, afirmando que a união entre pessoas do mesmo sexo não
é permitido sob as leis do Estado, dizendo que uniões deste tipo "violam" os direitos
constitucionais (FOLHA online, 2007);
14 de novembro de 2006 - O Parlamento da África do Sul vota a favor da
legalização das uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, após entendimento do
Tribunal Constitucional do país que a legislação até então existente discriminava
homossexuais ao definir casamento como “uma união entre um homem e uma
mulher” (FOLHA online, 2006);
15 de dezembro de 2006 - O Poder Legislativo do Estado de Nova Jersey
aprova lei que reconhece aos casais homossexuais os mesmos direitos
assegurados aos heterossexuais casados, após a Suprema Corte local fixar prazo
para que os parlamentares apreciassem a matéria (FOLHA online, 2006);
31 de agosto de 2007 - Tribunal do Estado americano de Iowa determina que
os casais do mesmo sexo podem contrair matrimônio, com base na garantia de
tratamento isonômico consagrada pela Constituição, anulando lei estadual que
declarava que o único casamento legítimo era entre um homem e uma mulher. O
caso ainda será apreciado pelo Supremo Tribunal de Iowa (FOLHA online, 2007);
19 de dezembro de 2007 - O Congresso Nacional do Uruguai aprova a
chamada lei da “união concubinária”, que atinge casais héteros e homossexuais,
dispondo acerca da divisão de bens, herança, pensões em caso de falecimento e
outras vantagens do sistema de segurança social do país (FOLHA online, 2007);
22 de dezembro de 2007 - A Corte Suprema do Nepal reconhece os direitos
de homossexuais e transexuais do país e recomenda ao Poder Executivo a
formação de comitê para estudar a possibilidade de se permitir casamentos entre
pessoas do mesmo sexo (FOLHA online, 2007);
25
02 de janeiro de 2008 - O Estado de New Hampshire, às vésperas das
eleições nos Estados Unidos, reconhece a união civil entre homossexuais,
conferindo-lhe direito à herança e à guarda dos filhos (FOLHA online, 2008);
03 de junho de 2008 - Prefeito da ilha de Tilos, no Mar Egeu, celebra os dois
primeiros casamentos na Grécia, em razão de uma brecha na lei que versa sobre o
matrimônio civil. Após a celebração dos casamentos, o procurador de Rodas, que
tem jurisdição sobre Tilos, pediu ao prefeito a anulação dos casamentos (FOLHA
online, 2008);
12 de novembro de 2008 - O Estado de Connecticut, na Costa Leste dos
Estados Unidos, legaliza a união civil entre homossexuais, em conformidade com a
decisão proferida pela Corte Suprema do Estado em outubro do mesmo ano
(FOLHA online, 2008);
1º de abril de 2009 - O Parlamento da Suécia aprova lei que confere às
uniões entre pessoas do mesmo sexo os mesmos direitos das uniões
heterossexuais, alterando a lei de 1994, que permitia o registro destas uniões, mas
não as considerava como casamentos formais (FOLHA online, 2009);
6 de maio de 2009 - John Baldacci, Governador do Maine, sanciona o projeto
de lei que permite a união civil entre pessoas do mesmo sexo (FOLHA online, 2009);
26 de maio de 2009 - A Corte Suprema da Califórnia validou decisão de um
plebiscito, realizado no ano anterior, que proibia o casamento homossexual no
Estado; entretanto, as 18 mil uniões gays realizadas antes do plebiscito foram
consideradas válidas (FOLHA online, 2009);
10 de dezembro de 2009 - O Parlamento da Áustria aprova união civil entre
pessoas do mesmo sexo, garantindo aos casais homossexuais os mesmos direitos
dos casais heterossexuais. Entretanto, os casais gays não poderão oficializar suas
uniões no registro civil, tendo que fazê-lo diante de uma autoridade competente
(FOLHA online, 2009);
21 de dezembro de 2009 - A Assembléia Legislativa da Cidade do México
aprova o casamento entre homossexuais com os mesmos direitos das uniões
heterossexuais, como a adoção de crianças, a herança, a união patrimonial para
obtenção de crédito bancário e a possibilidade de receber benefícios do seguro
social (FOLHA online, 2009);
08 de janeiro de 2010 – Parlamento Português adota projeto de lei que
legaliza a união homossexual, mas rejeita proposta quanto à adoção de crianças por
26
estes casais. O projeto de lei será examinado por uma comissão e, posteriormente,
votado de forma definitiva, seguindo então para o chefe de Estado para
promulgação (FOLHA online, 2010);
9 de março de 2010 - Washington celebra seus primeiros casamentos entre
pessoas do mesmo sexo, após decisão da Suprema Corte do Estado em rejeitar
petição dos opositores ao casamento homossexual (FOLHA online, 2010);
O panorama exposto acerca das uniões homossexuais no ordenamento
jurídico de outros países nos permite refletir que, não obstante existam
posicionamentos conflitantes a respeito do tema ou uma maior ou menor
flexibilidade para tratar do assunto conforme a cultura em que esteja inserido, os
Estados têm se posicionado no sentido de resguardar estas uniões, regulamentado
seus efeitos na ordem normativa (TAVARES et al., 2009, p. 13).
7 O reconhecimento das uniões homossexuais como entidade familiar pela
Constituição da República de 1988
Neste trabalho, optou-se pelo emprego da expressão “uniões homossexuais”,
não obstante seja recorrente o uso, pela doutrina nacional, do termo “homoafetiva”
em situações análogas. Tal escolha justifica-se pela posição adotada por alguns
autores em observância ao chamado Princípio da Afetividade, conforme se pode
apreender da passagem a seguir:
[...] fica clara a necessidade de uma reformulação conceitual no que diz
respeito ao nosso tema. Tal empreitada, apesar de recheada por uma
enorme parafernália conceitual, nos leva ao conhecimento daquilo que
Maria Berenice Dias tão bem chamou de homoafetividade. [...] Homoafetiva,
ao contrário, se diz do enlace afetuoso a unir indivíduos do mesmo sexo em
comunhão devida. Seu alicerce não é a pulsão sexual, mas o vínculo
emocional estabelecido entre os partícipes. Isso nos faz constatar a
intencionalidade diversa que se estabelece entre ambas, afinal, o sexo e a
construção e uma vida em comum nem sempre se coadunam (SOLLA,
2009, p. 9-10)
Entretanto, deste posicionamento, data vênia, reserva-se entendimento
diverso, ao compreender que o elemento afeto não passível de mensuração pelos
operadores do Direito, e pertencente à esfera existencialista e subjetiva do indivíduo,
não deve ser considerado indispensável à constituição das relações familiares, ainda
que, moralmente, diga-se desejável; tampouco deve o mesmo ser elencado ao
27
patamar de princípio jurídico (TAVARES et al., 2009, p. 13-14). Ainda, é pertinente a
observação de que a extinção do afeto entre os indivíduos nem sempre resultará no
fim de seu relacionamento.
Nesse sentido, prelecionam Renata Barbosa de Almeida e Walsir Edson
Rodrigues Júnior:
Que o afeto é aspecto inerente às relações familiares, consistindo num dos
elementos caracterizadores da família e que, neste sentido, alcança
importância considerável, parece indiscutível. O mesmo não se pode dizer,
porém, acerca de sua qualidade de princípio jurídico, como defendem
alguns.
Imputar a afetividade tal predicado induz conferir a mesma característica
imperativa, exigibilidade. Saliente-se, mais uma vez, que os princípios
jurídicos são norma e, por isso, de obrigatória observância. Nisso se
assenta a dúvida. A afetividade é passível de cobrança? Pode-se impor a
alguém que tenha e preste afeto a outro(s)?
A resposta, crê-se, só pode ser negativa. Se o afeto é um sentimento de
afeição para com alguém, soa intrínseco ao mesmo a característica de
espontaneidade. É uma sensação que se apresenta, ou não, naturalmente.
É uma franca disposição emocional para com outro que não tolera
variações de existência: ou há ou não há; e tanto numa como noutra
hipótese, o é porque autêntico. Isso impede que, ainda que se pretenda, se
possa interferir sob o propósito de exigibilidade nas situações em que ele
não se apresentar autonomamente. Insistir nisso é desvirtuar a virtude do
afeto. Uma vez imposto não é sincero e, assim, não congrega as qualidades
que lhes são próprias, dentre as quais o incentivo a sadia conformação da
identidade pessoal dos envolvidos.
Em face de tudo isso, a conclusão emerge por si. A afetividade, embora
merecedora de atenção jurídica, o é porque elemento-constitutivo da família
e, assim, geradora de certos efeitos na orbita do Direito – como o é
nascimento com vida, por exemplo. É elemento fático; porém, não jurídico.
(ALMEIDA; RODRIGUES JUNIOR, p. 46)
Entretanto, é certo que a Constituição da República de 1988 instaura uma
nova ordem jurídica que prima pelo respeito às garantias e direitos individuais, cujo
objetivo é a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sob a égide do
Estado Democrático de Direito. No tocante à família, o texto constitucional dispõe:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...]
§3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre
o homem e a mulher, como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua
conversão em casamento. §4º. Entende-se, também, como entidade familiar
a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
(BRASIL, 2008, p.68).
Para o saudoso mestre baiano Orlando Gomes (2001, p. 3-30), o dispositivo
retro-mencionado possui uma cláusula excludente, vez que se refere apenas à união
28
estável entre homem e a mulher, bem como a família monoparental como entidades
familiares, constituindo, destarte, numerus clausus.
Com respeito à posição doutrinária, adota-se entendimento contrário ao do
mestre, ao propugnar-se por uma interpretação ampla do texto constitucional, como
bem ensina Gadamer, citado por SOLLA (2009, p. 14):
Quem quiser compreender um texto, realiza sempre um projetar. Tão logo
apareça um primeiro sentido no texto, o intérprete prelineia um sentido do
todo. Naturalmente que o sentido somente se manifesta porque quem lê o
texto lê a partir de determinadas expectativas e na perspectiva de um
sentido determinado. A compreensão do que está posto no texto consiste
precisamente na elaboração desse projeto prévio, que, obviamente, ter que
ir sendo constantemente revisado com base no que se dá conforme se
avança na penetração do sentido.
Neste sentido, deve-se salientar que a apreciação do capítulo constitucional
dedicado à família encontra assento no Princípio da Dignidade Humana, fundamento
do Estado Democrático de Direito, e nos Princípios da Igualdade e da Liberdade,
ambos expressamente previstos no artigo 5º da Constituição de 1988 (TAVARES et
al., 2009, p. 15)
A partir desta exposição, entende-se cabível afirmar que as uniões
homossexuais são reconhecidas pela Constituição da República de 1988 como
entidades familiares, adotando o seu artigo 226, § 4º como cláusula aberta de
interpretação, entendimento este em consonância com os princípios norteadores do
Estado Democrático de Direito, conforme corrobora Paulo Luiz Netto Lobo (2002, p.
44-45):
No caput do art. 226 operou-se a mais radical transformação, no tocante ao
âmbito de vigência da tutela constitucional à família. Não há qualquer
referência a determinado tipo de família, como ocorreu com as constituições
brasileira anteriores. Ao suprimir a locação “constituída pelo casamento”
(art. 175 da Constituição de 1967-69), sem substituí-la por qualquer outra,
pôs sob a tutela constitucional “a família”, ou seja, qualquer família. A
cláusula de exclusão desapareceu. O fato de, em seus parágrafos, referir a
tipos determinados, para atribuir-lhes certas conseqüências jurídicas, não
significa que reinstituiu a cláusula de exclusão, como se ali estivesse a
locução “a família, constituída pelo casamento, pela união estável ou pela
comunidade formada por qualquer dos pais e seus filhos”. A interpretação
de uma norma ampla não pode suprimir de seus efeitos situações e tipos
comuns, restringindo direitos subjetivos.
Quanto ao reconhecimento das uniões homossexuais propriamente ditas, o
autor ainda afirma que:
29
Além da invocação das normas da Constituição que tutelam
especificamente as relações familiares, preferidas nesta exposição, a
doutrina tem encontrado fundamento para as uniões homossexuais no
âmbito dos direitos fundamentais, sediados no art. 5º, notadamente os que
garantem a liberdade, a igualdade sem distinção de qualquer natureza, a
inviolabilidade da intimidade e da vida privada. Tais normas assegurariam “a
base jurídica para a construção do direito à orientação sexual como direito
personalíssimo, atributo inerente à pessoa humana” (LOBO, 2002, p. 54).
É mister salientar que a Constituição da República de 1988 suprimiu a
cláusula de exclusão, que concebia apenas a família constituída pelo casamento,
adotando conceito aberto, abrangente e inclusivo. Portanto, a ausência de lei que
regulamente as uniões homossexuais não deve servir como óbice a sua existência,
visto que as normas do artigo 226 do texto constitucional são auto-aplicáveis, ou
seja, reconhecem expressamente estas uniões como entidades familiares, tornandoas, portanto, titulares de direitos e garantias atinentes à sua existência, destinatárias
de igual proteção do Estado.
8 As uniões homossexuais e a analogia à união estável
Conforme o Artigo 226, § 3º, da Constituição da República de 1988, “Para
efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a
mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
A partir deste dispositivo, divide-se a doutrina em dois entendimentos.
O primeiro que compreende a união homossexual dentro do âmbito da união
estável, através de uma interpretação extensiva dos direitos fundamentais, pelo
emprego da analogia, através do dispositivo constitucional mencionado (TAVARES
et al., 2009, p. 16).
Em contrapartida, o segundo entendimento defende a inconstitucionalidade
do referido artigo, pela violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e da
igualdade, como objeto de manifestação da atividade originária constituinte
(TAVARES et al., 2009, p. 16).
Filiado a primeira corrente, Roger Raupp Rios entende que:
A equiparação das uniões homossexuais à união estável, pela via
analógica, implica a atribuição de um regime normativo destinado
originariamente a situação diversa, ou seja, comunidade formada por um
homem e uma mulher. A semelhança aqui presente, autorizadora da
analogia, seria a ausência de vínculos formais e a presença substancial de
30
uma comunidade de vida afetiva e sexual duradora e permanente entre os
companheiros do mesmo sexo, assim como ocorre entre os sexos opostos
(RIOS, 2000, p.122).
Por sua vez, aqueles que se filiam ao segundo entendimento, afirmam que o
Supremo Tribunal Federal deveria verificar se o artigo 226, § 3º, da Constituição da
República, infringe os princípios constitucionais e direitos fundamentais, como a
dignidade da pessoa humana e a igualdade, presentes no próprio texto
constitucional. Neste sentido, deveria julgar a inconstitucionalidade do referido
dispositivo constitucional.
Tratar-se-ia, portanto, de uma inconstitucionalidade da norma constitucional
originária. (TAVARES et al., 2009, p. 16).
Entretanto, esta tese é rechaçada pelo próprio Supremo Tribunal Federal, sob
o fundamento de que no sistema de Constituição rígida, como é o da Constituição da
República Federativa do Brasil de 1988, por meio do qual é exigido um processo
solene de alteração constitucional, não coaduna com a idéia de normas
constitucionais inconstitucionais. Ou seja, não há que se falar em hierarquia de
normas constitucionais (TAVARES et al., 2009, p. 16-17).
A ementa da decisão da ADI n. 815 de relatoria do Ministro Moreira Alves
parece corroborar este entendimento:
EMENTA: - Ação direta de inconstitucionalidade. Parágrafos 1º e 2º do
artigo 45 da Constituição Federal. - A tese de que há hierarquia entre
normas constitucionais originárias dando azo à declaração de
inconstitucionalidade de umas em face de outras e incompossível com
o sistema de Constituição rígida. - Na atual Carta Magna "compete ao
Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição" (artigo
102, "caput"), o que implica dizer que essa jurisdição lhe é atribuída para
impedir que se desrespeite a Constituição como um todo, e não para, com
relação a ela, exercer o papel de fiscal do Poder Constituinte originário, a
fim de verificar se este teria, ou não, violado os princípios de direito
suprapositivo que ele próprio havia incluído no texto da mesma
Constituição. - Por outro lado, as cláusulas pétreas não podem ser
invocadas para sustentação da tese da inconstitucionalidade de normas
constitucionais inferiores em face de normas constitucionais superiores,
porquanto a Constituição as prevê apenas como limites ao Poder
Constituinte derivado ao rever ou ao emendar a Constituição elaborada pelo
Poder Constituinte originário, e não como abarcando normas cuja
observância se impôs ao próprio Poder Constituinte originário com relação
as outras que não sejam consideradas como cláusulas pétreas, e, portanto,
possam ser emendadas. Ação não conhecida por impossibilidade jurídica
do pedido (BRASIL, 1996).
31
Concernente a linha de pensamento que permeia este trabalho, adotou-se
parcialmente a primeira corrente, ponderando pelo uso da analogia entre uniões
estáveis e uniões homossexuais apenas quanto aos efeitos legais. Quanto ao
reconhecimento como entidade familiar, entende-se que a união homossexual
encontra respaldo diretamente na cláusula aberta de entidades familiares da
Constituição da República de 1988 (artigo 226, §4º), em consonância com o Estado
Democrático de Direito (TAVARES et al., 2009, p. 2). A este respeito conclui Paulo
Luiz Netto Lôbo (2002, p.43/46) que
[...] Além do princípio da igualdade das entidades, como decorrência natural
do pluralismo reconhecido pela Constituição, há de se ter presente o
princípio da liberdade de escolha, como concretização do macro princípio
da dignidade da pessoa humana. Consulta a dignidade da pessoa humana
a liberdade de escolher e constituir a entidade familiar que melhor
corresponda à sua realização existencial. Não pode o legislador definir qual
a melhor e mais adequada.
[...] Não é a família per se que é constitucionalmente protegida, mas o locus
indispensável de realização e desenvolvimento da pessoa humana. Sob o
ponto de vista do melhor interesse da pessoa, não podem ser protegidas
algumas entidades familiares e desprotegidas outras, pois a exclusão
refletiria nas pessoas que as integram por opção ou por circunstâncias da
vida, comprometendo a realização do princípio da dignidade humana.
A assertiva acima encontra amparo no chamado princípio da máxima
efetividade da interpretação constitucional, conforme preceitua os ensinamentos de
J.J. Gomes Canotilho:
[...] a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior
eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer
normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da
actualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado
no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a
interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)
(CANOTILHO, 1993, p.227).
Logo, se ao artigo 226 da Constituição da República forem atribuídos dois
sentidos possíveis, deve ser aplicado aquele que alcança a inclusão de todas as
entidades familiares, visto que confere maior eficácia ou eficiência aos princípios de
“especial proteção do Estado”, no caput deste artigo, e da dignidade da pessoa
humana “de cada um que a integram”, disposto no §8º do referido dispositivo
(TAVARES et al., 2009, p. 18).
Outrossim, não se deve negar a viabilidade de um regramento específico para
as uniões homossexuais, em face de suas peculiaridades e na constatação de que
32
os direitos e deveres a serem conferidos a elas não devem ser os mesmos das
uniões estáveis entre pessoas de sexos opostos. É importante salientar que se a lei
não discrimina, é defeso ao legislador e ao intérprete o fazerem, salvo se a
discriminação estivesse expressamente prevista na Constituição, o que não é o
caso.
Destarte, as uniões homossexuais, como nova configuração de entidade
familiar, enseja que todos os seus aspectos sejam regulamentados por meio de lei
infraconstitucional, fixando os direitos e deveres atinentes aos membros que a
compõem, como o regime de comunhão, os direitos sucessórios, a adoção dentre
outros.
Conforme Roger Raupp Rios,
[...] a união estável distingue-se das uniões homossexuais precisamente em
virtude do requisito da diversidade sexual entre os companheiros,
expressamente consignado no texto do art. 226, § 3º, bem como na
determinação constitucional de se facilitar sua conversão em casamento,
aspecto que também afasta as uniões homossexuais da união estável
(RIOS, 2002, p.513).
Admitir que a aplicação analógica dos artigos 1.723 a 1.727 do Código Civil
de 2002 e dos dispositivos constitucionais que tratam da união estável às uniões
homossexuais fique à mercê do poder discricionário dos magistrados, é violar os
direitos fundamentais destes indivíduos (TAVARES et al., 2009, p. 18).
Portanto,
dados
os
singulares
contornos
em
lastreiam
as
uniões
homossexuais, conclui-se que esta forma de entidade familiar, reconhecida pela
cláusula de interpretação aberta do artigo 226 da Constituição da República, exige,
para um adequado tratamento de seus efeitos, um diploma legal próprio. Tal
entendimento alinha-se aos princípios basilares quer norteiam o Estado Democrático
de Direito bem como preceitua pelos direitos e garantias previstos no texto
constitucional de 1988, cujo foco repouso na tutela e promoção da dignidade da
pessoa humana.
9 A união civil entre pessoas do mesmo sexo: Projeto de Lei 1.151/95
O Projeto de Lei n. 1.151, de autoria da ex-deputada Marta Suplicy – PT/SP,
aguarda apreciação pelo Plenário da Câmara dos Deputados desde o dia 14 de
33
agosto de 2007. Com o objetivo de requerer sua inclusão na ordem do dia, o
Deputado Celso Russomanno ofereceu o requerimento n. 1447/2007, em que
afirma:
[...] Um País que estabeleceu em sua Constituição Federal o respeito à
diversidade cultural e de pensamento, a proteção à intimidade e à vida
privada e à liberdade de expressão não pode omitir-se na luta de milhões de
brasileiros que seguem uma orientação sexual diferente da maioria.
O respeito à dignidade da pessoa humana impede ao Estado a imposição
de uma moral determinada. Ao invés, é dever dos governantes garantir um
âmbito de autonomia e liberdade para que cada um possa desenvolver a
própria personalidade. [...] (BRASIL, 2007)
O referido projeto tem o objetivo de regulamentar a união civil entre pessoas
do mesmo sexo, dispondo, por exemplo, acerca da “transmissão de bens
patrimoniais quando da abertura da sucessão, benefícios previdenciários, segurosaúde, declaração conjunta do imposto de renda, direito à curatela e à nacionalidade
brasileira, no caso de estrangeiros” (REIS, 2005, p. 54).
Na justificativa da propositura deste projeto de lei, a então deputada Marta
Suplicy ponderou que:
A criação desse novo instituto legal é plenamente compatível com o nosso
ordenamento jurídico, tanto no que se refere a seus aspectos formais
quanto de conteúdo. È instituto que guarda perfeita harmonia com os
objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil constitucionalmente garantidos - de construir uma sociedade livre, justa e
solidária e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art.3º, I e IV CF)
(BRASIL, 1995).
É importante frisar que a união civil entre pessoas do mesmo sexo não se
confunde com o instituto do casamento, regulado pelo Código Civil Brasileiro, nem
tampouco com a união estável, prevista no parágrafo 3º do artigo 226 da
Constituição da República, merecendo a devida proteção do Estado Democrático de
Direito (BRASIL, 1995).
Caso seja aprovado o projeto de lei mencionado, deverá ser o registro da
união feito em livro próprio, afastada a hipótese de mudança no estado civil dos
envolvidos na relação. Caso seja realizado com mais de uma pessoa, o contrato
será nulo, podendo o infrator responder penalmente por falsidade ideológica.
Portanto, somente poderá ser celebrado novo contrato se o anterior for desfeito,
conforme dispõe o artigo 4º do Projeto de Lei n. 1.151/95 (REIS, 2005, p. 54).
34
Sobre o projeto, acrescenta Álvaro Villaça Azevedo:
O art. 9º institui o bem de família, como disciplinado pela lei nº 8.009, de
1990. Já os artigos 10 e 11 estabelecem, respectivamente, o direito à
inscrição do parceiro como beneficiário do Regime Geral de Previdência
Social, na qualidade de dependente, e como beneficiário de pensão, nos
moldes da Lei nº 8.112/90.
Em seus artigos 16 e 17, a proposta mostra-se de grande utilidade social,
porquanto prevê a composição de rendas para a aquisição de casa própria;
reconhece o direito dos parceiros a plano de saúde e seguro de vida em
grupo e autoriza a inscrição de um e de outro como dependente, com
efeitos na legislação tributária (deduções, principalmente) (AZEVEDO,
2004, p. 44).
Contudo, o referido Projeto de Lei falha ao não contemplar no âmbito das
uniões homossexuais a possibilidade de obter a guarda ou tutela, em conjunto, de
crianças ou adolescentes, mesmo que sejam filhos biológicos de um dos
contraentes, ainda que a jurisprudência tenha avançado neste sentido (TAVARES et
al., 2009, p. 21).
É mister reconhecer que o Projeto de Lei n. 1.151/95 representa um passo
significativo do Legislador brasileiro na concretização dos direitos decorrentes das
uniões homossexuais, reconhecidas constitucionalmente como entidades familiares,
não obstante seja necessária uma discussão ampla e séria pelos parlamentares
acerca da matéria no sentido de melhor conformá-lo com os princípios e garantias
que fundamentam e orientam o Estado Democrático de Direito.
10 O Estatuto das Famílias e o capítulo dedicado às uniões homossexuais
O Estatuto das Famílias, Projeto de Lei 2.285 de 2007, é de autoria do
deputado federal Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA), e segue apensado ao Projeto
de Lei 674/2007, do deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), que trata da união
estável.
Elaborado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) o referido
instituto visa reunir em uma única legislação os direitos referentes aos novos
arranjos familiares brasileiros, além de tentar restringir a arbitrariedade dos
magistrados brasileiros no que diz respeito às ações de Direito das Famílias.
Aprovado no dia 26 de agosto de 2009 pela Comissão de Seguridade Social e
Família, da Câmara dos Deputados, o Projeto do Estatuto das Famílias sofreu
diversas mudanças efetuadas pelo relator, deputado José Linhares, do PP do Ceará.
35
A principal alteração é a exclusão da união estável entre pessoas do mesmo
sexo, que era presente em ambos os projetos, mas que, conforme o relator, fora
objeto de várias emendas contrárias. Atualmente, o projeto aguarda análise e
votação na Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania da Câmara, onde
poderá ser novamente modificado.
Nas razões de propositura do Projeto de Lei 2.285/07, Carneiro salienta que o
Livro de Direito de Família do Código Civil de 2002 fora concebido pela Comissão
coordenada por Miguel Reale, no final dos anos 60 e início dos anos 70 do século
passado, sob o paradigma da família patriarcal, constituída pelo casamento e
marcada pelas desigualdades entre cônjuges e filhos; o resultado final não fora outro
senão um conjunto de institutos jurídicos em descompasso com o Estado
Democrático de Direito inaugurado com a Constituição da República de 1988.
No intuito de melhor alinhar o Direito das Famílias às prerrogativas
constitucionais, o então deputado procurou o Instituto Brasileiro de Direito das
Famílias - IBDFAM, conforme expõe:
Ciente desse quadro consultei o Instituto Brasileiro de Direito de FamíliaIBDFAM, entidade que congrega cerca de 4.000 especialistas, profissionais
e estudiosos do direito de família, e que também tenho a honra de integrar,
se uma revisão sistemática do Livro IV da Parte Especial do Código Civil
teria o condão de superar os problemas que criou. Após vários meses de
debates a comissão científica do IBDFAM, ouvindo os membros associados,
concluiu que, mais que uma revisão, seria necessário um estatuto
autônomo, desmembrado do Código Civil, até porque seria imprescindível
associar as normas de direito material com as normas especiais de direito
processual. Não é mais possível tratar questões visceralmente pessoais da
vida familiar, perpassadas por sentimentos, valendo-se das mesmas
normas que regulam as questões patrimoniais, como propriedades,
contratos e demais obrigações. Essa dificuldade, inerente às peculiaridades
das relações familiares, tem estimulado muitos países a editarem códigos
ou leis autônomos dos direitos das famílias (BRASIL, 2007).
Quanto às uniões homossexuais, também previstas no referido projeto sob a
denominação de “união homoafetiva”, aduz o deputado que a norma do artigo 226
da Constituição constitui cláusula aberta de interpretação, comportando, deste
modo, outros arranjos familiares existentes na sociedade, ainda que diversos do
modelo matrimonial. Pondera ainda que a Constituição da República não veda o
relacionamento entre pessoas do mesmo sexo, mas reconhece sua natureza familiar
em consonância com o Princípio da Dignidade Humana, um dos principais pilares do
Estado Democrático de Direito.
36
Outrossim, aponta o desafio da jurisprudência brasileira ao tentar preencher o
que denomina de vazio normativo infraconstitucional, declarando os efeitos atinentes
a estas uniões.
Nas disposições gerais do projeto do Estatuto das Famílias, considera-se
família toda comunhão de vida instituída com a finalidade de convivência familiar,
em qualquer modalidade, reconhecendo-a como direito fundamental de todos,
propugnando pelo respeito aos membros e às suas respectivas orientações sexuais.
No que tange às uniões homossexuais, o Projeto de Lei 2.885/07 prevê
normas que versam acerca do procedimento de seu reconhecimento e dissolução,
regulamenta guarda e convivência com os filhos e o dever de prestação de
alimentos atinentes aos ora designados parceiros.
Já em seu artigo 68 dispõe que:
É reconhecida como entidade familiar a união entre duas pessoas de
mesmo sexo, que mantenham convivência pública, contínua, duradoura,
com objetivo de constituição de família, aplicando-se, no que couber, as
regras concernentes à união estável.
Parágrafo único. Dentre os direitos assegurados, incluem-se:
I - guarda e convivência com os filhos;
II - a adoção de filhos;
III - direito previdenciário;
IV - direito à herança. (BRASIL, 2007)
Uma das críticas apontadas ao projeto e que merece especial atenção neste
trabalho é a equiparação das uniões homossexuais às uniões estáveis, conferindolhe o mesmo tratamento atinente a estas, não obstante as peculiaridades que
permeiam estas relações. Já se abordou este tema em outro tópico, o que não
impede de reiterar que os referidos institutos não se confundem no plano normativo,
cabendo, portanto, ao Legislador, editar lei específica que regulamente as uniões
homossexuais; é esta a alternativa que julgamos mais adequada para o caso em
tela.
É importante também frisar a importância revelada pelos redatores do texto
ao elemento afeto no plano jurídico de constituição destas relações, entendimento
este ao qual não nos filiamos conforme exposto no capítulo 6 deste trabalho, ao qual
se remete o leitor.
Resta, portanto, admitir que o projeto do Estatuto das Famílias também
representa no cenário jurídico brasileiro um relevante avanço no sentido de melhor
conformar a legislação infraconstitucional aos princípios informadores da nova
37
ordem democrática. Entretanto, falha ao não dispensar tratamento específico e
minudente acerca das uniões homossexuais propriamente ditas, distiguindo-as,
oportunamente, da união estável e editando normas próprias para o tema.
11 As uniões homossexuais e a ADPF 132 e ADI 4.277
Na defesa pelo reconhecimento das uniões homossexuais como entidades
familiares pela via judicial, destacam-se no cenário brasileiro a Argüição de
Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132 e a Ação Direita de
Inconstitucionalidade (ADI) 4.277. Ambas reiteram o posicionamento de que não é
necessária uma lei para que estas uniões sejam reconhecidas, vez que estão
inseridas na cláusula aberta de interpretação prevista no artigo 226, § 4º da
Constituição da República de 1988.
A ADPF é um instrumento de controle de constitucionalidade previsto no
artigo 102, §1º da Constituição da República de 1988 e disposta nos artigos 1º e
seguintes da Lei n. 9.882/1999, com o fim de argüir descumprimento de preceito
fundamental (TAVARES et al., 2009, p. 22).
Ajuizada pelo governador do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, em 27
de fevereiro de 2008, a ADPF 132 indica como violação aos preceitos fundamentais
da igualdade, da liberdade e ao princípio da segurança jurídica, todos dispostos no
artigo 5º da Constituição da República de 1988, o tratamento discriminatório
dispensado às uniões homossexuais pelas autoridades administrativas e judiciárias,
negando a tutela constitucional destas entidades familiares.
Referida ação arrola como atos do poder público causadores da lesão: o
Estatuto dos Servidores Civis do Estado do Rio de Janeiro, interpretado em desfavor
dos homossexuais e as decisões proferidas pelos tribunais estaduais, notadamente
do Rio de Janeiro, que negam às uniões homossexuais o mesmo regime jurídico
que previsto para as uniões estáveis.
Os fundamentos expostos na ADPF procuram harmonizar-se com as
evoluções ocorridas no cenário nacional e mundial nos últimos anos, evidenciando
as relações homossexuais como fatos do cotidiano cuja existência é inegável. Neste
sentido, sua proteção se torna necessária para evitar a insegurança nas decisões
judiciais e garantir o livre desenvolvimento da personalidade de seus membros
(TAVARES et al., 2009, p. 22).
38
A ADPF 132 propõe, ainda, a equiparação das uniões homossexuais à união
estável, regulamentada no artigo 1.723 do Código Civil de 2002, pretendendo, por
meio da interpretação analógica, afastar discriminação inconstitucional, em razão da
afetividade, que, segundo o referido instituto, merece tutela do Direito.
A ADPF também tem por escopo a proteção jurídica dos servidores públicos
do Estado Rio de Janeiro que mantém uniões homossexuais, postulando as
mesmas garantias previstas para os servidores que possuem relacionamentos
heterossexuais.
Como forma de solucionar a violação aos preceitos fundamentais argüida no
referido instituto, a ADPF 132 pondera pelo emprego da analogia, devendo-se
estender o regime jurídico da união estável, previsto no Código Civil, às uniões entre
homossexuais, visto que esta apresenta os mesmos elementos para a configuração
daquela, em razão da interpretação da legislação ordinária à luz dos princípios
constitucionais.
Junto aos seus pedidos, a ADPF contempla medida liminar a fim de evitar que
outras decisões sejam proferidas em prejuízo dos direitos fundamentais dos
homossexuais, bem como requer a validação de decisões administrativas no sentido
de equiparar as uniões homossexuais à união estável. Subsidiariamente, pede-se
em caso de descabimento da ADPF a sua conversão em Ação Direta de
Inconstitucionalidade, pois o que se pretende é a interpretação conforme a
Constituição (TAVARES et al., 2009, p. 23).
Acerca de seu andamento processual, a ADPF 132, em tramitação no
Supremo Tribunal Federal, apresenta autos conclusos ao relator em 18 de março de
2010 (BRASIL, 2010).
Em encontro com o Presidente do STF, Ministro Gilmar Mendes, em 26 de
março de 2009, a autora Maria Berenice Dias afirmou que
[...] o preconceito é uma das razões que impedem o avanço desse tema no
âmbito do Legislativo. As pessoas que se envolvem nesse tema, que
defendem de alguma maneira, acabam sendo rotulados de homossexuais;
como se as pessoas não pudessem defender causas que não lhe
dissessem pessoalmente. (AT/AM, 2009).
É mister salientar a existência de divergências entre as razões expostas na
ADPF 132 e o entendimento consignado neste trabalho acerca da afetividade e do
recurso à analogia em relação às uniões estáveis e às uniões entre pessoas do
39
mesmo sexo, exposto nos capítulos anteriores. Contudo, considera-se o referido
instrumento como um grande passo na defesa pelos direitos dos homossexuais,
abrindo-se o campo de discussão e promoção da diversidade sexual no campo
jurídico.
Por outro lado, a ADPF 178, proposta pela Procuradoria Geral da República e
que versa acerca do reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como
entidade familiar, foi reautuada como Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.277,
segundo determinação do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Gilmar
Mendes, em 21 de julho de 2009.
Procuradoria Geral esclarece que o objetivo deste instrumento é obter da
Suprema Corte a declaração:
[...] (a) que é obrigatório o reconhecimento, no Brasil, da união entre
pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, desde que atendidos os
requisitos exigidos para a constituição de união estável entre homem e
mulher; e (b) que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas
uniões estáveis estendem-se aos companheiros nas uniões entre pessoas
do mesmo sexo. [...] (BRASIL, 2009)
Na exposição dos fatos que ensejam a propositura da presente ação, a
Procuradoria Geral da República argumenta que as uniões homossexuais são uma
realidade fática inegável em todo mundo, existido desde os primórdios da história da
humanidade. Entretanto, a liberalização dos costumes e o fortalecimento dos
movimentos que lutam pelos direitos atinentes aos homossexuais, trouxeram maior
visibilidade ao tema e a discussão acerca do assunto acentuou-se, com sensível
diminuição do preconceito que historicamente o envolvia (BRASIL, 2009).
Pondera, ainda, que certas visões anacrônicas sobre a homossexualidade
devem ser superadas, como a idéia de pecado, sustentada pela Igreja,
posicionamento este incompatível com os princípios da liberdade de religião e da
laicidade (Constituição da República artigos 5°, in ciso VI e 19, inciso I) ou, ainda, a
hipótese de doença, hoje rechaçada pela Medicina e pela Psicologia (BRASIL,
2009).
A ADI 4.277 compreende que a inserção das uniões homossexuais na
cláusula aberta das entidades familiares tem como escopo uma interpretação em
consonância com os princípios esculpidos na Constituição da República de 1988 e
40
balizadores do Estado Democrático de Direito. Em seguida, aponta uma alternativa
hermenêutica para sanar a omissão legislativa acerca do tema:
A tese sustentada nesta ação é a de que se deve extrair diretamente da
Constituição de 88, notadamente dos princípios da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, inciso III), da igualdade (art. 5º, caput), da vedação de
discriminações odiosas (art. 3º, inciso IV), da liberdade (art. 5º, caput) e da
proteção à segurança jurídica, a obrigatoriedade do reconhecimento da
união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. E diante da
inexistência de legislação infraconstitucional regulamentadora, devem ser
aplicadas analogicamente ao caso as normas que tratam da união estável
entre homem e mulher (BRASIL, 2009).
O instituto em comento reitera, portanto, a necessidade de tratativa legal
específica acerca das uniões homossexuais como forma de efetivar os direitos já
previstos na Carta Constitucional, visto que esta ausência de regulamentação legal
vem comprometendo, na prática, o exercício de direitos fundamentais pelos
homossexuais (TAVARES et al., 2009, p. 24).
Destarte, é mister salientar que a ADI 4.277, proposta pela Procuradoria Geral
da República, tem como fundamento o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e
como finalidade a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, segundo as
prerrogativas do Estado Democrático de Direito. Ao provocar o posicionamento da
Suprema Corte sobre as uniões homossexuais, o referido instrumento, ainda
pendente de julgamento, sinaliza o advento de mais um importante precedente no
cenário jurídico, cujo alcance será de relevante importância na interpretação e
concretização dos direitos em debate.
41
12 Conclusão
Ao instituir o Estado Democrático de Direito, a Constituição da República de
1988 anuncia o início de uma nova ordem jurídica, que tem como fundamento
precípuo a efetivação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a proteção
dos direitos e garantias individuais esculpidos no texto constitucional.
Neste contexto, surge a necessidade de se desenvolver uma hermenêutica
constitucionalizada, hábil a assegurar a harmonia do sistema mediante as diretrizes
principiológicas inseridas pela Constituição de 1988, notadamente voltadas ao pleno
desenvolvimento do individuo, conferindo-lhe existência digna compatível com os
postulados de uma sociedade democrática.
Neste sentido, fala-se em crise do direito, vez que novos paradigmas são
reconhecidos, conformando a atuação do operador do Direito na interpretação das
normas que compõem o ordenamento jurídico, através de uma nova ótica
democrática proposta a partir de 1988 e comprometida com os direitos e garantias
fundamentais esculpidos no texto constitucional.
No âmbito do Direito das Famílias, essa crise tem como ponto alto o
reconhecimento de outros arranjos familiares, distintos do modelo tradicional, cujo
respaldo e proteção encontram-se dispostos no artigo 226, § 4º, da Constituição de
1988. Consoante os estudos empreendidos neste trabalho, o dispositivo em
comento deve ser compreendido como cláusula aberta de interpretação, adotandose, destarte, para as entidades familiares, o sentido que melhor atenda aos
princípios constitucionais da Igualdade, Liberdade e promoção da Dignidade da
Pessoa Humana, sob a égide de um Estado que prima pelos ideais democráticos.
Conclui-se, portanto, que as uniões homossexuais devem ser consideradas
entidades familiares, vez que são reconhecidas pela Constituição da República de
1988, a partir da adoção do referido dispositivo como cláusula aberta de
interpretação em face dos demais princípios que fundamentam o texto constitucional
e harmonizam-se com o objetivo de promoção do desenvolvimento do indivíduo no
Estado Democrático de Direito.
Doravante o exposto neste trabalho, reiteramos que o Estado, dirigido pelos
princípios presentes na Carta Constitucional, deve assegurar a eficácia dos direitos
e garantias decorrentes da constituição destas uniões, em atenção ao seu
42
compromisso de defesa dos direitos e garantias fundamentais especialmente
tutelados pela nova ordem jurídica instituída após 1988 e que corroboram a
construção de um Estado Democrático de Direito.
43
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Acesso em: 12 jan. 2010.
FOLHA on line. Suécia terá casamentos gays a partir de 1º de maio. 1º abr. 2009.
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Acesso em: 12 jan. 2010.
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31ago. 2007. Disponível em:
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Acesso em: 12 jan. 2010.
FOLHA on line. Uruguai aprova lei que permite união civil de homossexuais.
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49
ANEXO
Número do processo:
Relator:
Relator do Acórdão:
Data do Julgamento:
Data da Publicação:
1.0024.04.531585-0/001(1)
Númeração Única: 5315850-85.2004.8.13.0024
MARIA ELZA
MARIA ELZA
03/12/2009
12/01/2010
Inteiro Teor:
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. UNIÃO HOMOAFETIVA.
RECONHECIMENTO.
POSSIBILIDADE
A
Constituição
da
República,
especificamente em seu art. 226, consagra uma concepção aberta de família, a qual
deve ser apurada mediante as peculiaridades de cada caso concreto. Nesse campo,
adotando-se uma interpretação sistemática, não se pode olvidar que o conceito de
família expresso na Constituição encontra-se atrelado aos direitos e garantias
fundamentais e, claro, ao princípio maior da dignidade da pessoa humana. Assim,
afigura-se inconcebível admitir que a Constituição tenha adotado determinados
modelos familiares, em detrimento de outros, com base em determinados aspectos
que não propriamente o afeto. Ademais, mormente por ser a concepção de família
uma realidade sociológica, que transcende o Direito, não há como a restringir a
formas pré-definidas ou modelos fechados, sendo, pois, absolutamente plural.
Caracterizada a união estável há de ser concedido o benefício de pensão por morte
pleiteado.
APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO N° 1.0024.04.53 1585-0/001 (EM
CONEXÃO COM A DE Nº 1.0024.06.237516-7/001) - COMARCA DE BELO
HORIZONTE - REMETENTE: JD 2 V FAZ COMARCA BELO HORIZONTE - 1º
APELANTE(S): MARCELO ANTONIO MELO CHAGAS - 2º APELANTE(S): IPSEMG
- 3º APELANTE(S): MANIRA ABUD BELMOK - APELADO(A)(S): MANIRA ABUD
BELMOK, IPSEMG, MARCELO ANTONIO MELO CHAGAS - RELATORA: EXMª.
SRª. DESª. MARIA ELZA
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do
Estado de Minas Gerais, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da
ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR
PROVIMENTO AO PRIMEIRO E TERCEIRO RECURSOS E DAR PROVIMENTO
PARCIAL AO SEGUNDO RECURSO.
Belo Horizonte, 03 de dezembro de 2009.
DESª. MARIA ELZA - Relatora
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
Assistiu ao julgamento, pelo 1º Apelante, a Drª. Fernanda de Brito Leão Viana.
50
A SRª. DESª. MARIA ELZA:
VOTO
Trata-se o presente feito de ação ordinária ajuizada por MARCELO ANTÔNIO MELO
CHAGAS em desfavor do IPSEMG - Instituto de Previdência dos Servidores
Públicos do Estado de Minas Gerais e de MANIRA ABUD BELMOK na qual pugna
pela concessão do benefício previdenciário de pensão por morte.
Aduziu o autor em sua inicial constante às fls. 02/09 - TJ que conviveu em união
estável com TYRONE TADEU ABUD BELMOK até 31/05/2004, data do falecimento
do mesmo em virtude de um acidente automobilístico. Alegou ainda que, além de tal
assertiva, era dependente econômico do mesmo, razão pela qual pugnou pela
concessão do benefício.
Contestação apresentada pelo IPSEMG às fls. 123/132 - TJ na qual aduziu que a
família e a união estável previstas na Constituição se referem tão-somente ao casal
formado por homem e mulher, sendo inviável a pretensão do autor em virtude de
ausência de amparo legal.
MANIRA ABUD BELMOK apresentou a sua contestação às fls. 133/143 - TJ na qual
alegou, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido. No mérito alegou que
a união estável só pode se dar entre homens e mulheres, bem como discorreu sobre
a ausência de provas capaz de configurar a união estável.
Impugnação à contestação apresentada às fls. 146/151 na qual afastou o autor as
argumentações esposadas nas peças contestatórias.
Sentença prolatada às fls. 259/284 - TJ na qual decidiu o juízo a quo pela
procedência da ação, condenando o IPSEMG ao pagamento do benefício de pensão
por morte.
Parcialmente insatisfeito com a decisão interpôs o autor recurso de apelação às fls.
330/334 - TJ no qual pugna pela majoração dos honorários, bem como pela
incidência dos juros de mora à alíquota de 1% (um por cento) ao mês.
Irresignado com a decisão interpôs o IPSEMG recurso de apelação às fls. 335/344 TJ no qual alega a ausência de amparo legal para o reconhecimento do benefício,
bem como pugna pela redução dos honorários advocatícios.
Também insatisfeita interpôs a litisconsorte MANIRA ABUD BELMOK recurso de
apelação às fls. 345/356 - TJ no qual aduz, preliminarmente, sob a impossibilidade
jurídica do pedido. No mérito busca a integral reforma da sentença primeva.
Contrarrazões aos recursos supra-apresentadas às fls. 359/370 - TJ.
Este o breve relato do necessário, passa-se a decidir.
Presentes os pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade, CONHECESE dos recursos de apelação interpostos.
51
Segundo o já relatado cinge-se o mérito da questão a saber sobre a possibilidade do
reconhecimento de união estável homoafetiva bem como sobre a presença dos
requisitos caracterizadores da mesma.
Inicialmente, rejeita-se a preliminar de impossibilidade jurídica aventada pela terceira
recorrente.
A Constituição da República, especificamente em seu art. 226, consagra uma
concepção aberta de família, a qual deve ser apurada mediante as peculiaridades de
cada caso concreto.
Nesse campo, adotando-se uma interpretação sistemática, não se pode olvidar que
o conceito de família expresso na Constituição encontra-se atrelado aos direitos e
garantias fundamentais e, claro, ao princípio maior da dignidade da pessoa humana.
Assim, afigura-se inconcebível admitir que a Constituição tenha adotado
determinados modelos familiares, em detrimento de outros, com base em
determinados aspectos que não propriamente o afeto.
Ademais, mormente por ser a concepção de família uma realidade sociológica, que
transcende o Direito, não há como a restringir a formas pré-definidas ou modelos
fechados, sendo, pois, absolutamente plural.
A esse respeito, transcreve-se, ainda, lição de Maria Celina Bodin de Moraes, que,
tratando especificamente da união homoafetiva, traz ensinamentos valiosos para o
caso em tela:
A proteção jurídica que era dispensada com exclusividade à 'forma' familiar (pensese no ato formal do casamento) foi substituída, em consequência, pela tutela jurídica
atualmente atribuída ao 'conteúdo' ou à substância: o que se deseja ressaltar é que
a relação estará protegida não em decorrência de possuir esta ou aquela estrutura,
mesmo se e quando prevista constitucionalmente, mas em virtude da função que
desempenha - isto é, como espaço de troca de afetos, assistência moral e material,
auxílio mútuo, companheirismo ou convivência entre pessoas humanas, quer sejam
do mesmo sexo, quer sejam de sexos diferentes".
Se a família, através de adequada interpretação dos dispositivos constitucionais,
passa a ser entendida principalmente como 'instrumento', não há como se recusar
tutela a outras formas de vínculos afetivos que, embora não previstos
expressamente pelo legislador constituinte, se encontram identificados com a
mesma ratio, como os mesmo fundamentos e com a mesma função. Mais do que
isto: a admissibilidade de outras formas de entidades 'familiares' torna-se obrigatória
quando se considera seja a proibição de qualquer outra forma de discriminação
entre as pessoas, especialmente aquela decorrente de sua orientação sexual - a
qual se configura como direito personalíssimo -, seja a razão maior de que o
legislador constituinte se mostrou profundamente compromissado com a com a
dignidade da pessoa humana (art. 1º, II, CF), tutelando-a onde quer que sua
personalidade melhor se desenvolva. De fato, a Constituição brasileira, assim como
a italiana, inspirou-se no princípio solidarista, sobre o qual funda a estrutura da
República, significando dizer que a dignidade da pessoa é preexistente e a
antecedente a qualquer outra forma de organização social.
52
(A união entre pessoas do mesmo sexo: uma análise sob a perspectiva civilconstitucional" - in RTDC vol. 1 p. 89/112).
Destarte, tem-se que plenamente cabível o reconhecimento da união estável. No
mesmo sentido o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSO CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA.
PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. OFENSA NÃO CARACTERIZADA
AO ARTIGO 132, DO CPC. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. ARTIGOS 1º
DA LEI 9.278/96 E 1.723 E 1.724 DO CÓDIGO CIVIL. ALEGAÇÃO DE LACUNA
LEGISLATIVA. POSSIBILIDADE DE EMPREGO DA ANALOGIA COMO MÉTODO
INTEGRATIVO.
1. Não há ofensa ao princípio da identidade física do juiz, se a magistrada que
presidiu a colheita antecipada das provas estava em gozo de férias, quando da
prolação da sentença, máxime porque diferentes os pedidos contidos nas ações
principal e cautelar.
2. O entendimento assente nesta Corte, quanto a possibilidade jurídica do pedido,
corresponde a inexistência de vedação explícita no ordenamento jurídico para o
ajuizamento da demanda proposta.
3. A despeito da controvérsia em relação à matéria de fundo, o fato é que, para a
hipótese em apreço, onde se pretende a declaração de união homoafetiva, não
existe vedação legal para o prosseguimento do feito.
4. Os dispositivos legais limitam-se a estabelecer a possibilidade de união estável
entre homem e mulher, dês que preencham as condições impostas pela lei, quais
sejam, convivência pública, duradoura e contínua, sem, contudo, proibir a união
entre dois homens ou duas mulheres. Poderia o legislador, caso desejasse, utilizar
expressão restritiva, de modo a impedir que a união entre pessoas de idêntico sexo
ficasse definitivamente excluída da abrangência legal. Contudo, assim não
procedeu.
5. É possível, portanto, que o magistrado de primeiro grau entenda existir lacuna
legislativa, uma vez que a matéria, conquanto derive de situação fática conhecida de
todos, ainda não foi expressamente regulada.
6. Ao julgador é vedado eximir-se de prestar jurisdição sob o argumento de ausência
de previsão legal. Admite-se, se for o caso, a integração mediante o uso da
analogia, a fim de alcançar casos não expressamente contemplados, mas cuja
essência coincida com outros tratados pelo legislador.
5. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 820475 / RJ. Rel. Min. REsp 820475 / RJ, Quarta Turma, julgado em
02/09/2008, DJe06/10/2008)
PLANO DE SAÚDE. COMPANHEIRO.
53
"A relação homoafetiva gera direitos e,analogicamente à união estável, permite a
inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica" (REsp nº
238.715, RS, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ 02.10.06). Agravo
regimental não provido.
(AgRg no Ag 971466 / SP. Rel. Min. ARI PARGENDLER, Terceira Turma, julgado
em 02/09/2008, DJe 05/11/2008)
PROCESSO CIVIL E CIVIL - PREQUESTIONAMENTO - AUSÊNCIA - SÚMULA
282/STF - UNIÃO HOMOAFETIVA - INSCRIÇÃO DE PARCEIRO EM PLANO DE
ASSISTÊNCIA MÉDICA - POSSIBILIDADE - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL
NÃO-CONFIGURADA.
- Se o dispositivo legal supostamente violado não foi discutido na formação do
acórdão, não se conhece do recurso especial, à míngua de prequestionamento.
- A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a
inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica.
- O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual
não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana.
- Para configuração da divergência jurisprudencial é necessário confronto analítico,
para evidenciar semelhança e simetria entre os arestos confrontados. Simples
transcrição de ementas não basta.
(REsp 238715 / RS. Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, Terceira Turma,
julgado em 07/03/2006, DJ 02/10/2006.)
Destarte, plenamente possível o pedido.
No mérito, tem-se que restou configurada a união homoafetiva, fazendo jus,
portanto, o autor, ao benefício pleiteado.
Acerca da caracterização da união estável como entidade familiar, bem como o
caráter de especial proteção do Estado, o art. 226, § 3º, da Constituição da
República estabelece:
"Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º. (...);
§ 2º. (...);
§ 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o
homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em
casamento".
54
No intuito de regulamentar o referido diploma constitucional foram editadas a Lei
Federal n. 9.278/96 e o art. 1.723 do Código Civil. Eis as características apontadas
pelas referidas leis no que toca ao conceito de união estável, respectivamente:
"Art. 1º. É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e
contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de
família."
"Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a
mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida
com o objetivo de constituição de família."
A respeito dessa matéria, colaciona-se a lição do ilustre civilista Sílvio de Salvo
Venosa:
"A definição estabelecida pelo art. 1723 é muito semelhante àquela então fornecida
pelo art. 1º da Lei 9.278/96. Trata-se de um conceito aberto de união estável, sem as
amarras temporais do passado. O vínculo duradouro e não um limite de tempo
poderá definir a solidez dessa união. A primeira lei que regulamentou o §3º do art.
226 da Constituição Federal foi a de nº 8.971/94, que se referia a um lapso temporal
de cinco anos.".
(Direito civil: direito de família; Vol. VI, 4. ed., São Paulo: Atlas; 2004, p. 475).
Como se poder ver, o exame da configuração dos elementos que informam a união
estável deve se dar caso a caso, porquanto os diplomas de regência não fixam
previamente um lapso temporal para tal mister.
É cediço que não é qualquer relacionamento que pode ser reconhecido como união
estável. Raciocínio diverso seria distorcer um instituto jurídico que foi consagrado
pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de proteger vínculos constituídos
com fito familiar, sem, contudo, a presença do casamento civil.
No caso vertente tem-se que, em um juízo de cognição sumária, restou comprovada
a união estável. Nesse sentido as provas testemunhais produzidas nos autos:
"... é agente de viagens e Tyrone a procurava para fazer pacotes, seja turismo, seja
por motivo profissional; tem conhecimento de que o autor e Tyrone mantinham uma
relação homoafetiva, moravam juntos."
(f. 167 - TJ)
"... era empregada da residência aonde morava Marcelo e Tyrone; pode afirmar que
eles viviam como um casal homoafetivo; era Tyrone quem bancava as despesas da
casa, inclusive o pagamento da depoente;
...
que o casal dormia no mesmo quarto;
55
...
quando a mãe de Tyrone o visitava, quando moravam em um apartamento menor,
cediam o quarto para a senhora; após a mudança para um apartamento maior, isto
não mais acontecia, dormiam juntos como sempre, mesmo a mãe estando
presente."
(f. 169 - TJ)
No mesmo sentido também as provas fotográficas anexadas às fls. 60/70 - TJ.
Ademais, tem-se que a união já se encontra reconhecida pelo Poder Judiciário do
Estado do Espírito Santo, conforme documentação acostada às fls. 288/299 - TJ.
Deste modo, há de ser mantida a sentença para conceder ao autor da ação o
benefício pleiteado.
Em relação à alíquota de juros a ser aplicado nas parcelas devidas, importante
ressaltar que o benefício pleiteado encontra-se revestido de caráter eminentemente
alimentar, o que afasta a aplicação do disposto no artigo 406 do Código Civil por não
se tratar de relação jurídica de natureza privada.
Nesse campo de atuação, a medida provisória nº. 2.180-35 de 24 de agosto de
2001, em seu art. 4º, que acrescentou o art. 1º-F à Lei 9494/97 determina que:
"Art. 1º-F. Os juros de mora, nas condenações impostas à Fazenda Pública para
pagamento de verbas remuneratórias devidas a servidores e empregados públicos,
não poderão ultrapassar o percentual de seis por cento ao ano."
Diante do exposto torna-se límpido que nas condenações impostas à Fazenda
Pública em relação ao pagamento de verbas a seus servidores e empregados
públicos e, conseqüentemente, aos aposentados e pensionistas, os juros moratórios
não poderão ultrapassar o montante de 6% (seis por cento) ao ano, o mesmo que
0,5% (meio por cento) ao mês. Consoante esse entendimento encontra-se esse
tribunal:
"ADMINISTRATIVO/PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE SEGURADO.
COBRANÇA DE DIFERENÇAS APURADAS ENTRE OS VALORES DEVIDOS E OS
EFETIVAMENTE PAGOS. PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL. JUROS DE MORA: 6%
AO ANO. HONORÁRIOS. São de aplicabilidade imediata as normas constitucionais
que determinam o pagamento de pensão por morte na integralidade dos
vencimentos que seriam percebidos pelo falecido segurado, caso na ativa estivesse
(art. 40, § 7º da CF/88, com redação dada pela EC nº 20/98 e art. 40, § 5º, com
redação original). O art. 195, § 5º da CF/88 aplica-se tão-somente aos casos de
criação de benefícios previdenciários e não naqueles em que se pretende o
pagamento de benefício na forma estatuída pela CF/88. Reconhecidas como
devidas as diferenças entre os valores pagos às pensionistas e aqueles
efetivamente devidos, deve ser limitada a condenação ao período de 5 (cinco) anos
anterior à data da distribuição do feito. Incidem juros de mora sobre os valores
devidos, à taxa de 6% (seis por cento) ao ano, contados a partir da
citação.Tratando-se de causa em que foi vencida a Fazenda Pública, os honorários
56
de sucumbência devem ser fixados com base no que dispõe o art. 20, § 4º do CPC.
(AP nº 1.0000.00.354955-7, Rel. Des. Audebert Delage, publicado em 02/12/2003)."
Mister se faz, portanto, a aplicação de juros a partir da citação que deverão incidir na
alíquota de 0,5 % (meio por cento) ao mês.
A respeito dos honorários advocatícios, de acordo com o art. 20 § 4º do CPC, tem-se
que nas condenações impostas à Fazenda Pública, os mesmos serão fixados
consoante apreciação eqüitativa do magistrado, levando-se em conta a natureza e a
importância da causa bem como o trabalho realizado e o tempo despendido pelo
advogado.
Dessa maneira, considerando-se o grau de complexidade da matéria ora analisada
bem como o grau de zelo do profissional, entende esta relatora que deve ser
reduzido o valor fixado pelo juízo a quo para o montante de R$ 1.500,00 (Hum Mil
Reais).
Diante do exposto, com respaldo no princípio da obrigatoriedade da fundamentação
dos atos jurisdicionais (art. 93, inciso IX, da Constituição Brasileira) e no princípio do
livre convencimento motivado (art. 131, do Código de Processo Civil), além da
legislação invocada no corpo deste voto, DÁ-SE PARCIAL provimento ao segundo
recurso de apelação, interposto pelo IPSEMG, tão-somente para fixar os honorários
no montante de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), e NEGA-SE PROVIMENTO
aos demais recursos. Custas ex lege.
O SR. DES. NEPOMUCENO SILVA:
VOTO
De acordo.
O SR. DES. MANUEL SARAMAGO:
VOTO
De acordo.
SÚMULA :
NEGARAM PROVIMENTO AO PRIMEIRO E TERCEIRO RECURSOS
E DERAM PROVIMENTO PARCIAL AO SEGUNDO RECURSO.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
APELAÇÃO CÍVEL / REEXAME NECESSÁRIO Nº 1.0024.04.531585-0/001
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