Promessas das células-tronco - Biblioteca

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GAZETA DO POVO – Vida e
Cidadania
Estudo do HC está sendo feito há dois
anos. As células-tronco adultas são retiradas da medula óssea, isoladas, contadas e aplicadas diretamente no coração
CIÊNCIA
Promessas das células-tronco
Pesquisas com estruturas adultas, que são obtidas do próprio paciente,
avançam, principalmente na cardiologia
Publicado em 21/03/2010 | ARI SILVEIRA
Autorizadas pela Lei de Biossegurança, que foi sancionada pelo presidente Luiz
Inácio Lula da Silva há cinco anos e declarada constitucional pelo Supremo
Tribuinal Federal em março de 2008, as pesquisas com células-tronco
embrionárias ainda não foram liberadas para testes em seres humanos no
Brasil nem tiveram avanços significativos mundo afora. Longe dos dilemas
éticos causados pelos procedimentos que envolvem embriões, pesquisadores
brasileiros vêm conseguindo resultados promissores nos estudos com célulastronco adultas, obtidas do próprio paciente a ser tratado. Tecnicamente, a
vantagem de se extrair células do paciente é óbvia: o procedimento afasta o
risco de rejeição. A cura de doenças cardíacas e a recuperação dos sentidos da
audição e da visão estão entre os objetivos dessas pesquisas.
No Paraná, o professor cirurgião cardiovascular Danton da Rocha Loures é o
coordenador dos estudos no Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Federal
do Paraná (UFPR). Os trabalhos são feitos em duas frentes: no tratamento da
cardiomiopatia dilatada (coração aumentado) de causa desconhecida, tanto
como parte de uma pesquisa nacional, patrocinada pelo Ministério da Saúde,
quanto em âmbito local, com suporte do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); e no combate à cardiopatia
isquêmica (paciente infartado, com ponte de safena), com apoio da Secretaria
de Estado da Ciência e Tecnologia.
O cirurgião cardiovascular Danton da Rocha Loures aponta
melhora nos sintomas
Queimados recuperam a visão
Pacientes que perderam a visão em consequência de queimaduras químicas na córnea são os
maiores beneficiados por uma nova técnica, que combina o uso de membrana aminiótica e
células-tronco. Em Curitiba, o oftalmologista Hamilton Moreira vem pesquisando a técnica desde
os anos 90 do século passado.
“No Paraná temos um grave problema que são os acidentes com bombas de cal”, conta. “A
explosão é violenta, e pode ocorrer ainda nas mãos do paciente.” O mais grave é que a maioria
das vítimas sofre queimadura nos dois olhos.
O médico se inspirou no trabalho do ginecologista e obstetra Mauri Piazza, que usou a membrana
amniótica em cirurgias ginecológicas. “Iniciamos as pesquisas entre 1992 e 1994,
posteriormente combinadas com a implantação de células-tronco”, lembra.
As células-tronco são obtidas do olho sadio do próprio paciente, no caso de queimadura
unilateral, ou de um parente próximo, se a vítima tiver sofrido queimadura bilateral. A superfície
ocular é coberta pela membrana amniótica. As células-tronco, por sua vez, cobrem a área,
recuperando a transparência da córnea.
“Cerca de 20 pacientes por ano são submetidos a essa técnica”, afirma Moreira. “Casos de bom
prognóstico têm maiores chances de sucesso.” Ou seja, quanto mais recente e menos grave a
lesão, maior a possibilidade de recuperação da visão.
Retina
No interior paulista, o oftalmologista Rodrigo Jorge, do Hospital das Clínicas do câmpus da
Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, está testando a terapia com células-tronco
no tratamento da retinopatia pigmentar, doença degenerativa que atinge o fundo do olho. Os
pacientes receberam injeções de células-tronco sobre a retina. As células são retiradas da
medula óssea do paciente. As primeiras avaliações deverão ser feitas nos próximos meses.
Otorrino
Tratamento de surdez engatinha
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) iniciaram há cinco anos estudos sobre a
implantação de células-tronco no órgão de Corti, estrutura do ouvido interno onde estão as células
ciliares, que convertem as vibrações sonoras em impulsos nervosos. “Os estudos sobre o uso de
células-tronco na surdez, tanto no Brasil quanto no exterior, atualmente estão restritos a animais”,
explica o professor Luiz Carlos de Melo Barboza Junior, do Departamento de Otorrinolaringologia da
USP.
Nas experiências feitas em animais, as células-tronco podem ser obtidas de diversos tecidos, como
embriões, medula óssea, cérebro, pele e da própria orelha. Elas são implantadas em cobaias com
surdez induzida. “Já existem alguns resultados relativamente promissores, como a sobrevivência
de células-tronco dentro da orelha implantada, a transformação delas em células com
características das da orelha e a expressão pelas células-tronco implantadas de proteínas que são
próprias da orelha”, conta. “Porém nenhum estudo demonstrou ainda regeneração total da audição
após implantação.”(AS)
No HC, 70 pacientes participam da experiência há dois anos. As células-tronco
são retiradas da medula óssea, isoladas, contadas e aplicadas diretamente no
coração, com seringa do tipo usada para injetar insulina. Cada aplicação tem 2
mililitros de solução contendo de 100 milhões a 800 milhões de células-tronco.
“Há uma relação direta entre o número de células e o resultado obtido”,
garante o pesquisador. “Os melhores efeitos aparecem quando se aplicam pelo
menos 800 milhões de células.”
Os resultados preliminares apontam uma melhora nos sintomas: pacientes que
reclamavam de muita falta de ar e muito cansaço passam a fazer queixas mais
discretas. “A capacidade de contração do coração, porém, parece não ter
melhorado na mesma proporção”, explica o médico. “O paciente melhora, mas
não volta ao normal.” As células-tronco da medula óssea, chamadas de
hematopoiéticas (formadoras de sangue), têm grande capacidade de formar
vasos, revascularizando o coração, mas parecem ter pouco efeito na produção
das células do miocárdio, responsáveis pelas contrações.
A chave parece estar em outro tipo de células-tronco, as células mesenquimais.
Elas estão presentes no cordão umbilical, mas também são encontradas na
medula óssea, em menor número. Isolá-las e cultivá-las pode ser a solução
para um tratamento mais completo de recuperação do músculo cardíaco. Outro
caminho foi apontado pelos pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica
do Paraná (PUCPR): o cultivo de células musculares (mioblastos) retiradas da
perna do paciente. Aplicadas em conjunto com as células da medula óssea,
elas proporcionaram efeitos positivos. “Ainda não há uma célula-tronco para
tudo”, explica Rocha Loures. “É necessária uma composição.”
As células mesenquimais são as que mais se aproximam das embrionárias. Elas
se multiplicam por mais tempo e podem se transformar em uma maior
variedade de tipos de células. Novas pesquisas apontam que células comuns do
organismo adulto podem ser transformadas em células iguais às embrionárias
– sem o risco de rejeição nem destruição de um embrião – com o uso de vírus
não patogênicos, abrindo novas perspectivas.
Para cultivar células-tronco no HC, foram necessários investimentos de R$ 360
mil na construção de um laboratório. “É uma sala limpa, sem bactérias”,
explica Rocha Loures. “O espaço é de dois por dois (metros), enquanto o filtro
ocupa uma área cinco vezes maior. As células são manipuladas como se fosse
em um centro cirúrgico, com o uso de máscara, gorro e luvas.”
Embora já se tenha bons resultados, o médico lembra que as pesquisas ainda
exigem cautela, pois há muitas dúvidas ainda não esclarecidas. As principais
são: o que vai determinar a transformação das células-tronco em determinado
órgão? Quando elas vão parar de se multiplicar? Elas podem se transformar em
tumor? Quais os fatores que influenciam na multiplicação e diferenciação?
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