A POPULAÇÃO DE RUA DE BELO HORIZONTE E O - cress-mg

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A POPULAÇÃO DE RUA DE BELO HORIZONTE E O ENVELHECIMENTO:
ANÁLISE SOCIAL E POLÍTICA A PARTIR DOS DADOS CENSITÁRIOS
Silvania Cecilia da Silva1
Vitória Régia Izaú2
Edvaldo Anastácio3
RESUMO
O presente trabalho visa fazer um recorte sobre os aspectos sociais e políticos do fenômeno do
envelhecimento da população em situação de rua de Belo Horizonte. A questão recebe
importância a partir dos indicadores dos dados censitários de 1998, 2005 e 2013, que apontam
para o crescimento dessa população, e também seu envelhecimento. O que implica num
necessário reordenamento das políticas públicas para fins de atendimento a essa população no
horizonte do envelhecimento. O assistente social por ser um profissional que atua com as
refrações da questão social no Brasil precisa atentar-se nesta direção e nas lutas sociais por
um projeto urbano que contemple este segmento populacional. Percebe-se que o tema ainda
não tem sido central na literatura especializada, em que pese alguns esforços nas discussões
acadêmicas. O texto é parte do trabalho de Conclusão do Curso de pós-graduação Gestão do
Trabalho com Famílias, aqui organizado de forma interdisciplinar. Aponta-se para a contínua
reflexão e pesquisas futuras a respeito, uma vez não havendo a intenção de esgotá-la nesta
tematização.
Palavras-chave: População de Rua, Envelhecimento, Políticas Públicas, Serviço Social
1. Introdução
1
Graduada em Serviço Social UNA, Pós-Graduanda em Gestão do Trabalho com Família – UNA
2014/2015.Gerente Regional de Programas Sociais Barreiro – PBH (desde 05/2009)
E-mail: [email protected]
2
Doutoranda em Educação e Inclusão Social – FAE /UFMG, Graduada em Serviço Social pela UERJ, docente
dos cursos de pós-graduação da UNA e da UNI-BH, pesquisadora e ex-coordenadora do Curso de Pós-graduação
Gestão do Trabalho com Famílias da UNA-BH.
3
Bacharel Licenciado em Filosofia – PUC –MG, Técnico do Serviço Especializado em Abordagem Social da
Prefeitura de Belo Horizonte.
E-mail: [email protected]
3
A presença de um cidadão em situação de rua implica numa condição sui generis de
vulnerabilidade, risco social e violação de diretos no mais alto grau. Sabe se que as causas
para essa situação de rua são múltiplas e de gêneses difusas, como o texto vai perpassar em en
passant.
Dentro dessa realidade explicita de uma condição muitas vezes de assujeitado social,
vitima de agenciamentos violentos do Estado, a população de rua, torna se alvo de
intervenções, que podem tanto resguardar seus direitos, como fragilizá-los. Ademais não
surpreende assim que “simples suspeitas justifiquem prisões, e até, por vezes, a execução
sumária” (ARANTES, 2000, p. 108).
Em outro aspecto, quando se olha de perto a situação de um idoso na sociedade isso
remete a outras preocupações. Mesmo com a promulgação do Estatuto do Idoso, normativa de
grande importância, ainda se convive cotidianamente com um quadro de violações de direitos,
da ordem da negligência, da violência física e mesmo do óbito.
Assim, quando se parte da realidade de um cidadão em situação de rua e idoso, a tarefa
de pensar alternativas e uma política de autonomia, defesa e garantia dos direitos é ainda mais
desafiadora. Pois há que considerar, também a prevalência de um tempo no qual “os dilemas
do trabalho e da satisfação das necessidades sociais são obscurecidas, em favor das
mercadorias e do dinheiro, enquanto produtos do capital” (IAMAMOTO, 2008, p. 21).
2.1. A população de rua: discutindo conceitos
De acordo com o conceito do Ministério do Desenvolvimento Social a população de
rua consiste num: “grupo populacional heterogêneo constituído por pessoas que possuem em
comum a garantia da sobrevivência por meio de atividades produtivas desenvolvidas nas ruas,
os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a não referencia de moradia regular”
(MDS, 2005).
Apesar de ser um conceito seminal para a compreensão dessa população no âmbito do
território nacional, ainda ficam algumas dúvidas. No ensejo de clareá-las, serão precisas
outras análises que vão além do conceito do MDS, faz-se necessário, portanto, visitar estudos
nacionais e internacionais, artigos e produções acadêmicas, para fundamentar algumas
questões e conceitos.
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Torna-se oportuna, uma reflexão dessa população por parte de um texto de Carlos
Henrique Araújo.
Os sem teto, os que moram nas ruas, têm por trás de sua situação uma longa história
e causas sociais determinadas que se ligam a questões econômicas, de migração, de
desagregação familiar, de desemprego, de violência urbana, de drogadição, de
alcoolismo, entre outras. O peso de cada uma dessas variáveis é específico de
situações diferenciadas entre países, regiões e cidades, e no tempo. Dar peso maior a
uma ou a outra só se justifica tendo tais especificidades em mente (ARAÚJO, 2000,
p. 89).
Com efeito, já Anderson e Snow (1998), aludem num estudo dos anos 90 em Austin
no Texas, que os moradores de rua, aos quais chama de desafortunados, se tornam moradores
de rua, devido a: desastres de massa, como terremotos, inundações, furacões; as migrações do
trabalho, a fuga de países por problemas políticos ou econômicos, e ainda mudanças
econômicas e institucionais. Os autores ainda abordam o fenômeno dessa população sobre as
dimensões da moradia, do vínculo familiar, do valor moral, e da dignidade baseado num papel
desempenhado socialmente.
Embora, nem todas as categorias de análise conceitual do estudo de Anderson e Snow
sejam pertinentes para descrição da pessoa em situação de rua no Brasil e de Belo Horizonte,
especificamente as categorias do valor moral e da dignidade baseada num papel socialmente
construído, são bem pertinentes para a percepção da ideia, do imaginário acerca do morador
de rua no cenário brasileiro.
Pois bem, em grandes linhas pode se considerar hoje a população de rua como sendo.
Pessoas que vivem em situação de extrema instabilidade, na grande maioria de
homens sós, sem lugar fixo de moradia, sem contato permanente com a família e
sem trabalho regular; são demandatários de serviços básicos de higiene e abrigo; em
que a falta de convivência com o grupo familiar e a precariedade de outras
referências de apoio efetivo e social fazem com que esses indivíduos se encontrem,
de certa maneira, impedidos de estabelecer projetos de vida e até de resgatar uma
imagem positiva de si mesmos (VIEIRA; BEZERRA e ROSA, 1994, p. 155).
Como é notório nos objetivos dos Censos realizados em Belo Horizonte, o
levantamento do perfil da pessoa em situação de rua também se tornou meta. O processo de
conhecer quem é esse cidadão é crucial no esforço de pensar em aproximações, intervenções,
formas pertinentes e competentes de acompanhamento desse público.
2.2. Políticas públicas para população de rua
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A execução da política para a população de rua de Belo Horizonte se encontra em
conformidade com as principais normativas disponíveis para esse fim. Dentre as diversas
normativas, observa-se a: Constituição Federal de 1988, especificamente, art. 5º e art. 203. A
PNAS (Política Nacional de Assistência Social), das Leis Estaduais e Municipais, da Política
Nacional para a População de Rua – Decreto nº 7.053/2009; do parecer classificatório nº
9.5940/2010 da Procuradoria Geral do Município de Belo Horizonte, dentre outros textos
legais.
A importância da legislação torna claro que esse público, embora transite invisível nas
ruas e praças da cidade, são alvo e objeto de uma intervenção estatal garantida por lei. E, que
de maneira fundamental, não deveria ocorrer de maneira coercitiva, arbitrária, e policialesca,
no sentido de vigilância constante, comutado pela ideologia de prevenção a uma possível
manifestação da delinquência, mas sim de uma ordem inalienável e irrestrita de garantia de
direitos. E uma vez que há um vasto arcabouço jurídico com essa finalidade, a luta e o esforço
ativo do controle social nesse sentido devem ser irrepreensíveis, de modo que os interesses de
uma classe no espaço urbano, não signifique a ignóbil eliminação de outra.
Os habitantes da cidade deslocam-se e situam-se no espaço urbano. Nesse espaço
comum, que é cotidianamente trilhado, vão sendo construídas coletivamente as
fronteiras simbólicas que separam, aproximam, nivelam, hierarquizam ou, numa
palavra, ordenam as categorias e os grupos sociais em suas mútuas relações
(ARANTES, 2000, p. 106).
Nesse aspecto, a política social na visão de Behring deve ser reconhecida como uma
“mediação entre economia e política, como um resultado de contradições estruturais
engendradas pelas lutas de classes e delimitadas pelos processos de valorização do capital”
(BEHRING, 2009, p. 1). De posse dessa clareza, a intervenção profissional tende a se pautar
de modo mais razoável, crítica e eticamente capaz de flexionar as contradições da política
social, na iminência de resguardar os seus usuários minimamente dessas contradições. Pois
disso se compreende que.
A adesão dos governos no Brasil, pós anos da década de 1990, ao ideário neoliberal,
significou, entre outras determinações, a configuração de uma nova forma de
regulação social no campo das políticas sociais. Forma essa que manteve e mantém
uma relação orgânica com as políticas de ajuste econômico impostas pelos
organismos multilaterais de financiamento (DURIGUETTO, 2011, p. 139).
Dessa forma, embora se saiba de várias entidades e organizações que perpassam o
cotidiano da população de rua na cidade de Belo Horizonte, instituindo vários fluxos que
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atendem ou simplesmente assistem essa população, até com cunho assistencialista; vale dizer
das execuções da política pública que de fato visam promover e resguardar o direito dessa
população na cidade.
Dentro da política de atendimento a população de rua em Belo Horizonte, tem se, por
exemplo, o Serviço Especializado em Abordagem Social; o Centro de Referência da
População de Rua desde 1996; o Abrigo São Paulo, numa parceria da Prefeitura de Belo
Horizonte com a Sociedade São Vicente de Paulo; o Serviço de Acolhimento Institucional
para População de Rua e Migrante (albergue noturno), a Pousadinha Mineira; o Abrigo
Pompéia e as Repúblicas Maria Maria e Reviver, o Pós-alta hospitalar; no âmbito do
atendimento a saúde clínica o Centro de Saúde Carlos Chagas, referência na região central da
cidade, além de rede de hospitais afins; os demais centros de saúde, e que ainda junto ao
CERSAM, são referências no território do tratamento da saúde mental; o CEPAI (Centro
Psíquico da Adolescência e da Infância), o CMT (Centro Mineiro de Toxicomania) e
CERSAM AD, no tratamento em caso de consumo de substâncias psicoativas. Já no horizonte
da Renda e da Segurança Alimentar, ocorre o cadastro dessa população no Programa Bolsa
Família. O programa Bolsa Moradia da URBEL, que contempla a partir de disponibilidade de
vagas e análises a demanda de moradia desse público que se encontra em acompanhamento, o
que pode significar em alternativa de saída definitiva das ruas. E também uma instância de
representatividade em paridade com o poder público que é o Comitê de Acompanhamento e
Monitoramento da Política Municipal da População em Situação de Rua, decreto Nº 14.146
de 07/10/2010.
Vale dizer, que a rede descrita refere se majoritariamente ao público adulto, como na
última pesquisa, foi entrevistado um número de apenas 13 pessoas em situação de rua abaixo
dos 18 anos e o foco aqui é tratar dessa população no horizonte do envelhecimento, esse
público por hora e apenas por isso, foi desconsiderado nas dimensões dessa apresentação.
2.3. População de rua e envelhecimento: dados censitários
Segundo, Denise Regina Stacheski (2012, p. 56), “com o envelhecimento populacional
brasileiro, discussões sobre a qualidade de vida dos idosos começam a ser exploradas em
todas as áreas de conhecimento”. Com efeito, o 3º Censo da População de Rua realizado no
ano 2013 em Belo Horizonte, num número aproximado de 1.827 pessoas em situação de rua,
de forma semelhante à população brasileira, revela também que ocorreu o aumento do público
idoso desse segmento populacional.
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O objetivo geral do primeiro Censo foi pesquisar e localizar a população de rua de
Belo Horizonte, visando diagnosticar e subsidiar a execução de políticas públicas voltadas
para esse segmento social. No primeiro censo, foram contabilizadas: 1.120 pessoas em
situação de rua, sendo, 714 homens; 212 mulheres, 204 crianças e adolescentes (menores de
18). Vale observar que a população entre 51 a 60 anos, era de 67 pessoas, e acima dos 60
anos, 18 pessoas; ou seja, estatisticamente falando, 5,8% para os primeiros e 1,61% para os
segundos.
Quanto ao segundo Censo, o mesmo teve como objetivo geral, realizar contagem,
localização e caraterização da população de rua de Belo Horizonte, comparando os resultados
obtidos com os do Censo de 1998; e analisar qualitativamente a situação desse segmento;
buscando subsidiar a formulação e/ou redimensionamento de políticas públicas dirigidas ao
mesmo, e ainda possibilitar comparações posteriores. No segundo censo, foram
contabilizadas: 1.239 pessoas em situação de rua, sendo, 1.018 homens; 135 mulheres, 75
crianças e adolescentes (menores de 18); 11 sem informações. Considerando um total de 111
pessoas entre os 51 a 60 anos, e 52 pessoas acima dos 60 anos, novamente considerando
estatisticamente, 8, 96% para os primeiros e 4,20% para os segundos.
O censo de 2013 teve como objetivo principal, obter informações que possam
subsidiar políticas públicas para atender as necessidades próprias da população em situação de
rua e migrantes. Os dados desse último Censo dão conta do aumento 57% da população em
situação de rua. Sendo que mais da metade dessa população entrevistada 67% de recenseados,
situava-se na faixa etária compreendida entre 31 e 50 anos. Os dados de 2013 apontam a
presença de 9,9% dessa população acima dos 55 anos. Considerando os idosos já existentes, e
o significativo aumento do envelhecimento, é inegável que esse público “irá necessitar, cada
vez mais, de acesso a serviços especializados na abordagem do idoso em situação de rua”
(CENSO, 2013, p. 30).
2.4. População de rua e envelhecimento: horizonte de um novo cenário
Sendo assim, é preciso despertar a atenção para uma reflexão política de modo à
criação de programas e pactuação de fluxos na defesa de um atendimento que de fato
promova a garantia dos direitos, no campo social, jurídico, da saúde, habitação, urbano, dentre
outros. O que aponta para a necessidade de fortalecimento e/ou novas construções política
intersetorial para o atendimento da população de rua, sobretudo idosa.
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Os cinquentenários e sexagenários representarão a maior proporção da população de
rua dentro de dez anos. Este envelhecimento está acontecendo, muitas vezes, sem
que sejam antecipadas medidas de prevenção e promoção da saúde, as quais a maior
parte da população em geral, com a mesma idade, tem acesso (GARCIA, 2015, p.
16).
Nesse mérito, não é preciso ir tão longe, visto que na esfera do acolhimento
institucional não se encontra em Belo Horizonte uma República, Abrigo, enfim, um espaço de
acolhida especifica para o idoso. E mesmo em caso de necessário encaminhamento, o mesmo
entra numa longa fila de espera, para uma vaga em entidade asilar. É oportuno dizer que o
idoso devido à complexidade de sua subjetividade, carece de um atendimento diferenciado,
como se pode perceber na visão de Brêtas.
O envelhecimento é um processo complexo, pluridimensional, revestido por
aquisições individuais e coletivas, fenômenos inseparáveis e simultâneos. Por mais
que o ato de envelhecer seja individual, o ser humano vive na esfera coletiva e como
tal, sofre as influências da sociedade. A vida não é só biológica, ela é social e
culturalmente construída, portanto pode se dizer que os estágios da vida apresentam
diferentes significados e duração (BRÊTAS, 2003, p. 298).
Na visão de Sposati et al (1991, p. 22) é papel do Estado providenciar “a organização
de um sistema governamental de assistência social. Ante o reconhecimento mesmo que frágil,
da necessidade dos segmentos mais espoliados”. No caso da população de rua, devido às
fragilidades que a envolve, e cronificada pela questão da idade, o trato da assistência torna-se
mais delicado, mesmo porque, as questões são complexas, a partir das necessidades e
demandas especificas desses cidadãos.
Assim, somente quando não se percebe essa população de modo homogêneo, enquanto
uma massa, de uma marca indelével da pobreza e da violência, torna-se possíveis algumas
mudanças. Pois, “a condição de ser pobre não gera direitos. É a condição de ser cidadão que
os gera. Por consequência, enquanto for atribuída a responsabilidade da assistência social ao
trato do pobre, ela não será uma política de direito de cidadania” (SPOSATI, 2007, p. 441).
Sposati (2007, p. 441), observa ainda que “esta é uma das questões mais difíceis a ser
enfrentada, pois muda o “pólo energético” da assistência social”. No horizonte do crescimento
da população de rua de Belo Horizonte, trazendo em seu bojo a realidade do envelhecimento,
entende-se que a politica deve se pautar não de construção e tarefas pontuais de enfretamento
da realidade baseado no trato do pobre, mas antes numa vertente de promoção, da igualdade,
do acesso e da defesa dos direitos da população de rua. Assim, “dessa forma, o enfrentamento
dessa situação, extremamente complexa, exige a atuação compartilhada dos poderes
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governamentais e da sociedade civil e uma abordagem intersetorial, envolvendo ações nos
mais diferentes campos da política pública” (SANTOS, 2015, p. 10).
Sempre é bom lembrar que o Estatuto do Idoso no art. 33 preconiza que “a assistência
social aos idosos será prestada, de forma articulada, conforme os princípios e diretrizes
previstos na Lei Orgânica da Assistência Social, na Politica Nacional do Idoso, no Sistema
Único de Saúde e demais normas pertinentes” (ESTATUTO, 2014, p. 10). O texto do Estatuto
do Idoso vai de encontro às questões supracitadas, quando da responsabilidade pública do
Estado em gerir uma política social, sobretudo de assistência, mesmo por que.
O envelhecimento humano é um fato reconhecidamente heterogêneo, influenciado
por aspectos socioculturais, políticos e econômicos, em interação dinâmica e
permanente com a dimensão biológica e subjetiva dos indivíduos. Desta forma, a
chegada da maturidade e a vivência da velhice podem significar realidades
amplamente diferenciadas, da plenitude à decadência, da gratificação ao abandono,
sobretudo em presença de extremas disparidades sociais e regionais como as que
caracterizam o Brasil contemporâneo (ASSIS, 2004, p. 11).
É nesse sentido que esse trabalho vem apontar suas preocupações para com o
atendimento e assistência de maneira eficiente e empoderada a população de rua, sobretudo, a
idosa. E isso não se dá sem razões suficientes, haja vista que as violações de direito da
população de rua atingem seu cume quando lhes é negado o direito a vida. O que se torna
lugar comum numa cena pública de vulnerabilidade e intensa violência. E infelizmente, no dia
a dia “as noticias de assassinato e tentativas de assassinatos têm sido cada vez mais frequentes
na mídia” (VASCONCELOS, 2014, p. 19).
Dentro do desenho político atual, tanto a política para a população de rua quanto à
política do idoso se encontra alavancada pela assistência social. Cabe então a essa política o
cuidado e o esforço de promover a diferença, algo muito facilitado em função da natureza das
questões e das demandas de seu publico alvo, e que surgem no processo de acompanhamento
e interlocução com esse público. Certo é que foi apenas a partir do.
Diálogo da população em situação de rua consigo mesmo, ou seja, do seu processo
de articulação, mobilização e organização é que foi sendo construído um processo de
diálogo com a sociedade e com o poder público. A população de rua procurava
ocupar espaços no sentido de reverter à situação de eternos assistidos á condição de
cidadãos (FIGUEIREDO, 2011, p. 26).
Ora, é justamente neste diálogo e nessa relação com outras políticas é que se encontra
talvez o maior desafio e o ponto central da questão apontada pelo presente trabalho. O diálogo
para além das realidades nas ruas nem sempre ecoa, nos gabinetes e secretárias. Nesse
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horizonte, no tocante á análise do Terceiro Censo da População em situação de Rua de 2013,
no que tange aos impactos para a população de rua idosa é que Garcia observa.
Dar acesso a saúde e às medidas de prevenção e promoção da saúde é outro grande
desafio para as políticas públicas para esta população. Assegurar o acolhimento e o
acompanhamento dos idosos na rua será, a nosso ver, outro grande desafio para as
políticas públicas enfrentarem nos próximos dez anos. (GARCIA, 2015, p. 17).
É importante pensar com Cardoso et al (2014, p. 19), que com “implantação da
Constituição Brasileira de 1988, o Brasil passou por um reordenamento estrutural na gestão
das políticas públicas, buscando a incorporação de um modelo de gestão social integrado e
articulado entre políticas e a sociedade”. Ou seja, uma gestão horizontal, sem a insistência e
proeminência de um modelo verticalizado e setorializado, e com isso, a política de
atendimento a determinado público, sobretudo aquele para o qual a assistência oferta
atendimento, necessita de mudanças. E, espera se que a mesma passe pelo enfrentamento
dentre outras coisas, da violação institucional nos processos de atendimento desse público e
no ensejo, deixar que esse público produza com sua fala e criticidade os efeitos e os desenhos
de novas intervenções.
3. Considerações finais
Ao término dessa comunicação fica a certeza de que o tema aqui proposto não se
esgotou. Mas pelo contrário, perante a sua verve hipotética, de pensar ou apontar questões
advindas do presente, mas lançadas ao futuro, o desafio para as políticas públicas de
atendimento, acolhimento e acompanhamento da pessoa em situação de rua idosa está posto.
A sobrevivência nas ruas é dura, difícil, onde se encontra o cenário da vida nua, de resposta
meramente biológica e instintiva na maioria das vezes. Pode se perceber que ali as pessoas se
(des) subjetivam e (res) subjetivam, sendo necessário assumir outros papéis e perfis de modo
por vezes forçoso em vista do cotidiano de violações.
De modo inconteste tais ponderações vêm mostrar que apesar de uma política
fundamentada num vasto arcabouço jurídico, a população de rua ainda convive com situações
de violação de direitos: nas ruas, na rede e equipamentos. É incontestável também que a redesócio assistencial de retaguarda e atendimento ao idoso em situação de rua ainda é frágil, e,
portanto, incipiente no que tange as demandas especificas desse público. O que aponta a
necessidade de articulação constante entre as Gerencia de Abordagem e Gerência do Idoso,
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Gerencia de Saúde, Gerência de Esportes, Lazer e Cultura, e afins; fomentada pela Secretária
Municipal de Politicas Sociais, incluindo a pactuação de fluxos, construção de GTs para um
desenho de atendimento a população de rua idosa no conjunto da cidade.
Os dados censitários, não apenas possibilitaram ao longo dos anos uma aproximação
do perfil das pessoas que estão nas ruas de Belo Horizonte, mas também de modo semelhante,
tornaram público uma realidade nacional. Ou seja, a de milhares de pessoas em condição de
miséria, abandono, sofrimento físico e psíquico; marginalizado numa abissal distância de um
contingente cada vez maior de pessoas no Brasil, que ao invés de viver, conseguem apenas
sobreviver.
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