dificuldades no emprego da classificação de ridley e jopung

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DIFICULDADES NO EMPREGO DA CLASSIFICAÇÃO DE RIDLEY E
JOPUNG - UMA ANALISE MORFOLOGICA
R a u l N e g r ã o F LE U R Y
RE SU MO - 0 autor ex põe as d ificuld ad es enco ntr ad as na pr átic a d iár ia p ar a o em pr ego
d a c las s ific aç ão d e R id le y e Jop ling . São id e ntific a d o s o s p arâm e tr o s mo r fo ló g ico s , c ujas v a riações permitem dis tinguir, do ponto de v ista his tológico, os tipos polares e os s ub- grupos dimorfos. Deixando-se de lado as alterações histológicas mais inconstantes, considera-se que esta
dis tinç ão de pe nde b as ic am ente dos p ar âme tros: cé lula ep ite lióide, gr anulom a de cé lulas e p ite lióides, linfácitos e baciloscopia. É realizada análise critica de cada um destes parâmetros, concluindo-se que são escassos, e que há grande dificuldade na identificação e interpretação de suas
variações para fins de classificação. Estas dificuldades são maiores durante as fases reacionais.
Palavras-chave: Hanseníase. Histopatologia. Classificação.
Há consenso de que, para fins práticos, de
d ia g nós tic o e a c om p a nha m e nto te r a p ê ut ic o
na hanseníase, a classificação de Madri seria
suficiente 2 , 9 . A classificação de Ridley e Jopling6,7 seria rese rv ada para pesquisa. O patologista geral, no entanto, é freqüentemente
solicitado a classificar as biópsias examinadas,
d e n t r o d o s p a d r õ e s d e R id l e y e J o p l i n g e
mesmo os mais experientes patologistas da
área d e ha nse nías e têm d ific uldad es par a o
uso corrente desta classificação.
É necessário se reconhecer que em muitos
casos, principalmente em lesões iniciais, não
reacionais, é possível através dos parâmetros
de Ridley e Jopling, se colocar o quadro his tológ ic o e x am inad o d entr o d e um d os s ub grupos dimorfos** de modo a haver uma
( * ) M é d i c o c h e f e d o S e t o r d e A n a t o m i a P a t o l ó g i c a d o I n s t i t u t o " L a u r o d e S o u z a U m a " ( C a i x a P o s t a l 6 2 , 17001, Bauru, SP,
Brasil.
P r of essor Ass ist en t e D ou t or d o D ep a rt amen t o d e P at olog ia d a Facu ld ad e d e Od on t olog ia d e Bau r u , U n i v er sid a d e d e S ão
P au lo.
(**) A classificação de Riddley e Jopling inclue dois tipos polares, TT (tuberculóide) e LL (virchoviano ou lepromatoso) e três sub-gr upos d imorfos ou "borderline", ou seja BT (borderline-tuberculóide), B B (border line- bo rde r line ) e B L (bor de rline- le pro m atos o).
Mais re ce nteme nte R idle y ad ic iono u p ar âme tro s his to ló g icos q ue per miti r i am ide n ti fic ar de ntro do s
virchovianos, aqueles realme nte polares (que são ab-initio virchovianos) e os virchovianos sub -polares
(L L s ) q ue se or ig inar iam a p a r t ir d o s B B e B L d e ntr o do p ro c es s o de d e g r ad aç ão ("d o w g r ad ing "). No
pólo tuberculóide inclue uma variante designada TTs ou tuberculóide secundário, que se manifesta ri a
inicialmente como BT e subsequentemente desenvolveria máxima hipersensibilidade e características
histológicas TT, embora clinicamente permanecesse com características BT.
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FL EU RY , R.N. D if icu ld ad es n o empr ego d a classif icação d e Rid ley e J op lin s
- uma análise morfológica
correspondência entre o comportamento do
caso em questão e as características clínicas,
imunológicas, evolutivas próprias do referido
subgrupo.
Em um número não menor de casos, no
entanto, o patologista encontra grandes dificuldades neste exercício, principalmente na
exata colocação do quadro histológico no
grupo dimorfo, e na distinção entre os tipos
polares e os subgrupos dimorfos mais próximos, mais explicitamente entre os tuberculóides reacionais* e os dimorfo-tuberculóides
(BT) e entre os virchovianos (LLp), os dimorfo-virchovianos (BL) e os virchovianos subpolares (LLs).
Admite-se que a posição dentro do espectro estaria, do ponto de vista histológico, relacionada à capacidade imune-celular expressa
morfologicamente pela presença de linfócitos
e pelo grau de diferenciação da célula epitelióide. O grau máximo desta capacidade imunecelular seria representado pela formação
do granuloma tuberculóide constituído por
agregado de células epitelióides bem diferenciadas, contornado por halo linfocitário. Esta
estrutura representaria a eficiência máxima
no bloqueio da proliferação e disseminação
bacilar, tanto assim que pacientes apresentando este padrão de reação granulomatosa
nas biópsias mostram clinicamente lesões escassas, bem delimitadas, e que se curam espontaneamente. Os bacilos só são demonst rado s em um a por cent agem r eduz ida de
biópsias, com extrema dificuldade e em ramos nervosos.
Também são empregados como dados para caracterizar resistência, do ponto de vista
histológico, e, portanto para definir casos pertencentes ao polo tuberculóide, a agressão à
epiderme pelos focos inflamatórios, a presença de gigantócitos de tipo Langhans nos granulomas, a intensa destruição neural, além de
evidências de hipersensibilidade como edema
intersticial e intracelular, necrose grande número de células gigantes tipo corpo estranho5.
Analisando alguns destes parâmetros, veremos que a agressão à epiderme é um dado
válido quando positivo, a ausência pode significar que a alteração focal não foi representada na secção examinada, podendo aparecer
em outras secções ou em outra biópsia da
mesma lesão. O edema, por sua vez, é uma
alteração praticamente generalizada a toda
lesão granulomatosa ativa na hanseníase, e a
necrose é relativamente rara. Acreditamos
haver relação entre a presença de gigantócitos tipo Langhans centrando granulomas tuberculóides e alto grau de resistência. Já os
gigantócitos de tipo corpo estranho aparecem
freqüentemente no grupo dimorfo sem
caracterizar resistência, visto que, em um
mesmo paciente são presentes em biópsias de
algumas lesões e ausentes em outras.**
Na realidade restam praticamente, para os
histopatologistas três parâmetros para classificação, ou seja o grau de diferenciação da célula epitelióide, a quantidade de linfócitos e a
baciloscopia. Assim a distinção, dentro do
grupo dimorfo entre um subgrupo de maior
(*) Acreditamos que as características dos casos tuberculóides secundários de Ridley, correspondam ao que
designamos como tuberculóide reacional.
(**) Em áreas de exposição solar freqüentemente os granulomas dimorfos mostram numerosos gigantócitos
de tipo corpo estranho fagocitando fibras elastóticas fragmentadas.
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F L E U R Y , R . N . D i f i c u l d ad e s n o e m p r e g o d a c l a s s i f i c a ç ã o d e R i d l e y e J op l i n s
- u ma an álise morf o lóg ica .
resistência para outro de menor resistência se
basearia na indiferenciação progressiva da célula epitelióide, diminuição do número de
linfócitos, e no aumento do número de bacilos nos granulomas e ramos nervosos.
A transformação histiocitária própria da
resistência imune celular pode ser avaliada
pela célula epitelióide isoladamente ou pelo
granuloma tuberculóide. Individualmente a
célula epitelióide é uma célula bem maior que
um histiócito não diferenciado, 12 a 20 mµ
trapezóide, com contornos irregulares, pouco
definidos e citoplasma hogeneamente pálido
e acidofflico. O núcleo é ovóide, ou levemente
riniforme, onde a cromatina é frouxa, a membrana nuclear regular, delicada e há um pequeno nucléolo2.
Avaliar a indiferenciação da célula epitelióide é bastante difícil, visto que dependemos
apenas das alterações do citoplasma, pois as
característic as mo rfológicas do núcleo se
mantém
inalteradas
no
espectro
da
hanseníase só se alterando nas fases de
regressão da hanseníase virchoviana. O
citoplasma da célula epitelióide, à medida que
caminhamos no espectro se torna mais
escasso, menos homogêneo, e quando nos
aproximamos do pólo virchoviano passa a
conter vacuólos, de início pequenos e opacos,
onde as colorações para gordura são
positivas1.4. No entanto, o valor desta análise
morfológica do citoplasma da'célula epitelióide
para fins de classificação é freqüentemente
prejudicado,
pois,
mesmo
em
casos
tuberculóides, nas fases muito ativas da
inflamação, o edema intracelular, que em
geral se manifesta por vacúolos claros de
localização periférica, reduz o tamanho da célula e torna o citoplasma menos homogêneo.
A análise do granuloma tuberculóide como
um todo, pode ser um recurso importante para a avaliação do grau de resistência. Enxergamos o granuloma tuberculóide como um
nódulo constituído pelo arranjo concêntrico,
desordenado, de células epitelióides, qualquer
Hansen Int. 14(2): 101.108, 1989
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que seja seu grau de diferenciação. O granuloma compacto de células epitelióides contornado por halo linfócitário coincide, freqüentemente com dados clínic os, evolut ivos e
imunológicos próprios da resistência imune.
Isto, porém, nem sempre ocorre, e em pacientes com todos estes restantes parâmetros
de resistência, principalmente nas fases mais
ativas da infecção, as biópsias podem mostrar
edema intersticial disjuncionando as células
epitelióides, com rarefação do halo linfocitário, e definição de uma estrutura diversa do
padrão histológico acima referido.
No lado virchoviano do espectro onde as
células epitelióides são muito indiferenciadas, o
arranjo ou por vezes o esboço de arranjo tuberculóide é um dado valioso para diferenciar
lesões dimorfas virchovianas. Isto, no entanto, é possível quando os granulomas são focais, na medida em que se tornam confluentes, o arranjo tuberculóide se dilue dando lugar ao padrão monótono dos infiltrados virchovianos.
O estudo do componente linfocitário
também tem valor relativo para fins de classificação. Na verdade raramente visualizamos o
h a l o l i n f o c i t á r io . O s l i n f ó c i t o s , p e l a s u a
própria fisiologia, dispõem-se em torno dos
vasos adjacentes aos granulomas e entre as
células histiocitárias não diferenciadas e células epitelióides, na periferia dos granulomas.
Raramente esta disposição consegue montar
a imagem de halo linfocitário. Por outro lado,
dentro do próprio polo tuberculóide, a quantidade de linfócitos é muito variável. Em geral
nos quadros mais ativos os linfócitos são escassos, ou por se diluirem em meio aos granulomas extensos, ou por se apresentarem
realment e em menor número. Obse rva-se
também que os linfócitos são sempre mais
numerosos e com arranjo mais compacto no
derma e tecido celular subcutâneo.
Estas variações no comportamento dos
linfócitos também se encontram no grupo
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FLEURY, R.N. Dificuld ad es no empreg o d a classificação d e Rid ley e Jop lins
- u ma an álise morf o lóg ica
dimorfo e parecem depender das fases evolutivas do processo granulomatoso. Estranhamente, no extremo de menor resistência do
grupo dimorfo, encontramos uma variante do
subgrupo dimorfo virchoviano (BL) onde extensos e densos mantos de linfócitos se
dispõem sobre infiltrados de células histiocitárias pouco diferenciadas.
Um parâmetro efetivamente importante é
a baciloscopia. Por este parâmetro temos
idéias do "clearence" bacilar do sistema imune celular. Obviamente quanto maior a resistência, menor o número de bacilos nos
granulomas. Consideramos mesmo, que o
encontro de bacilos no interior de macrófagos
praticamente afasta o diagnóstico de hanseniase tuberculóide. A exceção a esta regra
seria a hanseníase tuberculóide reacional onde nas fases iniciais dos surtos, a baciloscipia
pode ser relativamente elevada, para na
evolução, se tornar escassa ou mesmo negativa. Esta observação, calcada na experiência
dos hansenologistas da fase pré-sulfônica8 ,
torna difícil o diagnóstico diferencial em termos puramente histológicos entre dimorfos
tuberculóides (BT) e tuberculóides reacionais
(TR).
Ao valorizarmos a baciloscopia como um
parâmetro efetivo de resistência, nos vemos
diante de situações onde os restantes parâmetros histológicos são muito relativos. Assim no grupo dimorfo encontramos casos
onde os granulomas tuberculóides são compactos, constituídos por células epitelióides
muito bem diferenciadas, e contornados por
halo linfocitário muito denso (Figura 1 e 2), e
onde há grande número de bacilos (Figura 3)
e vice-versa casos com granulomas com escassa diferenciação epitelióide, pequeno número de linfócitos e com pequeno número de
bacilos.
FIGURA 1 - Biópsia de pele. Hanseníase dimorfa. Granuloma tuberculóide no derma com halo
linfocitário denso e células epitelióides. H.E. 100 aumentos.
Hansen. Int. 14(2):101-106, 1989.
FLEURY, R.N. Dificuldades no emprego da classificação de Ridley e Joplins
- uma análise morfológica.
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FIGURA 2 - Detalhe da Figura mostrando células epitelióides bem diferenciadas. H.E. 160 aumen tos.
FIGURA 3 - Detalhe da Figura 1. Numeroso bacilos no interior de células histiocitárias. Faraco -Fite.
160 aumentos.
Hansen. Int. 14(2): 101-106, 1989
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FLEURY, R.N. Dificuld ad es no empreg o d a classificação d e Rid ley e Jop lins
u ma an ális e morf ológ ica .
A todas estas dificuldades, adicionamos as
alterações histológicas que podem aparecer
na evolução dos pacientes dimorfos durante
as fases de degradação ("downgrading") e
durante as reações reversas. Nestas fases podemos t er em um a m esma bió ps ia ou em
biópsias de locais diferentes de um mesmo
paciente, granulomas com aspectos muito diversos, não sendo infreqüente o encontro de
granulomas epitelióides com linfócitos no inte ri or de extensos infiltrados macrofágicos
com características virchovianas.
Concluimos que uma classificação histológica baseada em escassos parâmetros morfológicos dificilmente pode permitir a identif i c a ç ão f i d e d i g n a d e s u b g r u po s e m u m a
doença onde tantas variáveis biológicas estão
em jogo, ou seja, porta de entrada, resistência
inespecífica, resistência imune celular, imunidade humoral, características biológicas do
bacilo, ação medicamentosa, etc.
AB STR AC T: T he re are m any d ifficulties in the use o f the Rid ley & Jo pling c las sific atio n
in daily practice. The author identified the morphologic parameters whose variations permit to
distinguish the polar types and borderline groups according to Ridley. If we avoid the inconstant
h i s t o l o g ic a l t e r a t i o n s w e b e l i e v e t h a t t h i s d i s t i n c t io n d e p e nd s b a s i c a l l y o n t he f o l lo w i ng
p ar ame ter s: e pithe lio id ce ll, g r anulom a o f ep ithe lioid c ells, num ber o f lym p hoc y tes and num be r
of bacilli. A critical analys is is p erformed of each of these p arameters and the author conclude s
that they are scarce, ande that there are great difficulties for the identification and interpretation of
their variations for classification purposes. These difficulties are even more important during the
reactional episodes.
Key words: Hanseniasis. Histopathology. Classification.
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