Cartéis: Crime e Castigo - Departamento de Economia PUC-Rio

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Cartéis: Crime e Castigo
Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello1
Há algo inequivocamente positivo no caso Siemens: chamar a atenção da sociedade para o quão
perniciosos são os cartéis. Eles são muito frequentes e causam um dano social que não faz feio
frente à corrupção generalizada que assola o país. Um cartel é um arranjo entre concorrentes, que
tem por objetivo suprimir a competição e aumentar os lucros.
Numa licitação como a do Metrô, o arranjo se manifesta em menores lances feitos pelo vencedor
em relação ao que ocorreria se houvesse competição. Nesse caso, o cartel aumenta seus lucros à
custa do contribuinte. Quando os produtores de um bem se cartelizam - como no caso dos cartéis
dos gases e de aços longos, ambos condenados pelo CADE - os preços pagos pelos consumidores
são maiores do que ocorreria sob competição: os cartelistas, então, aumentam seus lucros à custa
dos consumidores. Juntamente com a carga tributária no consumo, a cartelização, protegida pelos
altos custos de importação – tarifários e não tarifários, são os principais suspeitos pelos
altíssimos preços de vários produtos no Brasil.
Além de abocanhar indevidamente uma parte do bolo, os cartéis diminuem a eficiência, ou seja,
reduzem o tamanho do bolo, de duas formas. Para aumentar preços que os consumidores pagam,
eles restringem as quantidades produzidas, algo que, no caso de alguns produtos, pode ser
dramático. Pense nos doentes que consomem gases medicinais. Numa licitação pública, para
arrefecer competição (e, como consequência, reduzir os pagamentos feitos ao Estado), o cartel
tipicamente permite que empresas menos eficientes explorem – de quando em quando – o
serviço licitado. Afinal, se a empresa menos eficiente nunca vence um contrato, ela não
concordará em participar do cartel. A ineficiência trazida pelos cartéis tem um impacto relevante
na produtividade agregada do país, via um efeito cascata: o encarecimento de um insumo básico,
como o vergalhão de aço, aumentará o custo ao longo de toda a cadeia de produção, reduzindo a
produção em todos os estágios
Se, por um lado, é indispensável que se compense os prejudicados, por outro, também é
importante criar mecanismos de dissuasão, que inibam a formação de cartéis. As punições
administrativas e criminais aplicadas pelo CADE aos cartéis já detectados são um bom começo.
Mas há um mecanismo simples que cumpre simultaneamente o papel de compensação e
dissuasão: a busca por ressarcimento pelo dano causado pelos cartéis. Vale notar que, dos três
casos aqui citados, em dois deles os prejudicados estão a demandar ressarcimento na justiça
(contra os cartéis dos gases e do vergalhão). No outro caso - o Cartel do Metrô –, o Estado de
São Paulo, corretamente, já anunciou que buscará ressarcimento por suas perdas. Esse
mecanismo de dissuasão pode certamente ser melhorado, seja através de mudanças institucionais
que facilitem a busca por reparação (como class action), seja pela introdução do princípio de
trebble damages - em discussão no CADE - que daria aos prejudicados o direito ao triplo do
dano.
1
Vinicius Carrasco e João Manoel Pinho de Mello são PhDs em Economia pela Universidade Stanford e Professores
do Departamento de Economia da PUC-Rio.
Obviamente, também é necessário que haja um esforço do CADE no combate e detecção de
cartéis, sejam eles novos ou reincidentes/continuados. Garantir que cartéis já condenados
aquiesçam à obrigação de desfazer o arranjo colusivo que motivou a condenação cumpre o papel
fundamental de sinalizar aos outros potenciais cartelistas que malfeitos contra consumidores
serão coibidos de facto. Pode haver melhoras nesse front. Afinal, vemos cartelistas condenados
anunciando pública e recorrentemente a existência de excesso de capacidade em determinadas
indústrias, chamada típica para que produtores se coordenem, além de evidências anedóticas de
que as empresas continuaram a dividir o mercado, sendo clientes “alocados” para determinados
produtores (é sempre difícil documentar tal divisão porque os prejudicados relutam, com razão,
em denunciar um fornecedor único de um insumo essencial).
Pelos motivos elencados, nos parece ser fundamental criar no uma cultura de repúdio aos cartéis.
Trata-se, no entanto, de algo difícil em um país que já teve câmaras setoriais, organizadas pelo
próprio governo, decidindo preços de maneira centralizada, dentre outras tantas excentricidades
que contribuem para que pareça “normal” que os competidores se coordenem na decisões de
preços e quantidades. Mas há uma boa notícia: a decisão política de suprimir competição para
que tenhamos campeões nacionais - anunciados com pompa, certificado e pelos em rede nacional
de TV - faz com que a preocupação com cartéis desapareça: monopolistas não precisam se
coordenar para cobrar preços maiores dos consumidores. Deixamos que o leitor infira qual é a
má notícia associada a essa boa nova.
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