O PROCESSO DE METROPOLIZAÇÃO DO ESPAÇO E A - PUC-Rio

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Departamento de Geografia
O PROCESSO DE METROPOLIZAÇÃO DO ESPAÇO E A ARTE
COMO POSSIBILIDADE DE REENCONTRO AO COTIDIANO
Aluna: Mayara Rangel Silva
Orientador: Prof. Dr. Alvaro Ferreira
Introdução
A presente pesquisa se deteve, em um primeiro momento, a analisar, sob a perspectiva
do processo de metropolização do espaço, as transformações espaciais ocorridas na Zona
Portuária do Rio de Janeiro com a implementação do projeto “Porto Maravilha”. A chamada
Zona Portuária – composta pelos bairros principais da Saúde, Gamboa e Santo Cristo –
assumiu com o tempo suma importância para o processo de metropolização do espaço na
cidade do Rio de Janeiro, devido à sua localização estratégica durante o desenvolvimento
desta cidade e por ter sido uma das primeiras áreas de expansão urbana da mesma. O valor
histórico dessa área é inestimável. A mão-de-obra escrava e operária ocupou o local desde
trapiches do sal; lá se instalou o mercado de escravos que se localizava na Rua do Valongo,
atual Camerino; lá foram louvados os deuses africanos na Pedra do Sal; lá viveu e trabalhou
um grande contingente de escravos e libertos; lá estão as raízes da música popular brasileira
(PECHMAN, 1987).
A Zona Portuária do Rio de Janeiro sofreu com a falta de políticas públicas voltadas
para a área e, por conta disso, não se transformou do mesmo modo que o restante da cidade,
ou seja, através do processo ininterrupto de construção, demolição e reconstrução. Lá, as
formas ficaram cristalizadas, preservando o passado da cidade através da paisagem. Nesse
sentido, sendo a primeira centralidade da cidade e local onde ainda hoje encontra-se o Porto
do Rio de Janeiro, o quarto maior do Brasil, o processo de degradação foi se constituindo
através do tempo. Inspirada no modelo de Barcelona, a denominada “revitalização” dessa área
vem sendo proposta por governos anteriores, porém nunca houve uma situação que permitisse
a concretização desse projeto tão grandioso. A situação política que se configurou no Rio de
Janeiro e que, acreditamos, tem aberto a possibilidade de concretização do projeto é a aliança
entre os governos Federal, Estadual e Municipal. Com isso, cada ente federativo tem se
comprometido, dentro de suas competências, a dar continuidade a esse projeto de
“revitalização”. A escolha do Brasil como sede da Copa de 2014 e do Rio de Janeiro como
sede das Olimpíadas de 2016 também foram fundamentais para toda a transformação pela
qual a Zona Portuária do Rio de Janeiro está passando.
O Projeto “Porto Maravilha” já está avançado, e é gerido pela maior Parceria PúblicoPrivada do país, chamada Operação Urbana Consorciada do Porto do Rio de Janeiro. As
principais diretrizes, ações e métodos de intervenção do projeto foram determinados pela Lei
Complementar n° 101/09, uma lei municipal aprovada por iniciativa do governo municipal.
Tendo em vista a concretização do Projeto “Porto Maravilha”, que já vem alterando
profundamente a paisagem da região portuária, este estudo outrora pretendeu analisar as
intervenções urbanísticas que tem transformado a zona portuária associadas a projetos de
“revitalização”, baseados em modelos de sucesso que têm sido reproduzidos em várias
cidades do mundo.
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Esse estudo tem buscado entender a produção e concepção deste espaço em
contraposição com o que ele representa na perspectiva do espaço vivido – tendo em vista que
a região, depois de um período de franco abandono e decadência, foi ocupada principalmente
por moradores de baixa renda que, no atual momento, tem sido retirados de suas casas para
que deem lugar à toda “revitalização” da área.
Usamos o termo “revitalização” entre aspas pois, conforme os discursos de
desenvolvimento da cidade, a justificativa para o projeto envolveu três questões fundamentais
de defesa para a realização das obras. Em primeiro lugar, o discurso que envolve o turismo,
por conta dos megaeventos que a cidade tornou-se participante, inclusive como sede. Em
segundo lugar, a “melhora” na paisagem da cidade, conforme vimos com a retirada do
elevado da Perimetral para que “abrisse” a vista da cidade para o mar – o que claramente tem
caído em contradição com a construção de arranha-céus que, nessa linha, “esconderiam”
novamente a vista. Em terceiro lugar, temos que as duas primeiras justificativas se respaldam
até certo ponto na ideia de que essa mudança beneficiaria os moradores da cidade. Podemos
nos indagar quem são esses moradores beneficiados, a que grupo social eles pertencem, visto
que os próprios residentes da área em questão não estão sendo contemplados com suas reais
necessidades; ao contrário, tem sido, de forma por vezes violenta, impedidos de participar e
desfrutar do que seriam os benefícios do projeto. Um exemplo disso é a expulsão de
moradores de baixa renda de suas casas no Morro da Providência – quando as casas são
marcadas pela Secretaria Municipal de Habitação com a sigla SMH, denunciando a
espoliação direta que eles tem vivido, ou o aumento do preço do aluguel que não favorece a
permanência dessa população, espoliação de forma indireta – em contraposição com a
chegada de um grupo de maior poder aquisitivo no Morro da Conceição.
De forma geral, temos procurado sempre analisar a Zona Portuária do Rio de Janeiro no
contexto do processo de metropolização do espaço e das transformações pelas quais vem
passando atualmente, devido à implementação das obras do Projeto “Porto Maravilha”.
Porém, a atual fase da pesquisa pode ser considerada inicial no que tange à mudança de
atenção. Desviamos um pouco a atenção especificamente deste projeto que ocorre na Zona
Portuária para tratar sobre questões que emergem a partir das perambulações pela cidade, da
vivência com artistas de rua e da presença em eventos que se realizam ao ar livre pela área
central da cidade. Não perderemos de vista, no entanto, o processo de metropolização do
espaço que configura a cidade do Rio de Janeiro.
Acreditamos que o processo de metropolização do espaço imprime características –
antes exclusivas – da metrópole ao território, submetendo as práticas espaciais e as
identidades dos lugares aos códigos metropolitanos. Isso pode ser observado da ampla à
menor escala, da cidade e do campo ao corpo; pode ser analisado pela lente do cotidiano,
conforme Lencioni (2012) aborda a questão, por exemplo, das mudanças ocorridas nas
cidades e no campo, mas também a dimensão cultural desse processo com o surgimento da
figura do metrossexual e do imaginário que esse processo incute na população. Dessa forma,
o corpo torna-se uma importante escala para trabalharmos e o cotidiano, mais uma vez,
evidencia-se como categoria que fundamenta nosso estudo.
Porém, este processo não tende à homogeneização sem que hajam tensões e conflitos. O
investimento em áreas esquecidas da cidade por parte dos promotores imobiliários geram
mudanças na forma de uso e apropriação do espaço pelos antigos moradores do lugar – são
sinais claros da tensão que paira sobre o espaço urbano. Trataremos de considerar, portanto,
os discursos, interditos, dependências e poderes ocultos por trás das relações estabelecidas,
revelando um espaço socialmente construído. O discurso global sobre desenvolvimento fez
com que muitos países vivessem e vivam uma modernização ilusória com padrões de
consumo imitativos, sem vínculo com as reais necessidades da sociedade.
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Tem-se, ainda hoje, utilizado desenvolvimento como sinônimo de crescimento
econômico e esta racionalidade econômica tende a estender-se a toda a sociedade, assim o
lugar da reprodução das relações de produção é também o cotidiano do trabalho e do lazer,
que encontra-se extremamente ligado ao consumo; ou seja, os tempos livres são cada vez
mais comercializados. O próprio Lefebvre (1973) radicaliza seu discurso ao afirmar que a
escola é o local de reprodução das relações sociais de produção, pois “a escola prepara
proletários e a universidade prepara dirigentes, tecnocratas e gestores da produção
capitalista”. Ambas propagam o conhecimento e formam as gerações jovens segundo padrões
que convem ao empresariado e à manutenção da propriedade privada. Estamos querendo dizer
que não mais o discurso econômico, mas o próprio cotidiano tornou-se a base sobre a qual o
capitalismo se estabelece. A consciência vai perdendo sua função ativa à medida que o
processo de reificação penetra nos setores não-econômicos do pensamento e da própria
afetividade, isto porque esse conjunto econômico tende a se apossar de todas as manifestações
da vida humana.
Nesse sentido, temos as cenas que se repetem e rompem com a lógica de um cotidiano
que tem sido programado em função dessa estrutura capitalista. A arte tem caráter lúdico, e
determinadas manifestações artísticas não se fazem mercadoria, não tem a sobreposição do
valor de troca. Não nos é pertinente, nesse estudo, buscar uma definição do conceito de arte,
mas trabalhar com o que a mesma pode representar e materializar no espaço a partir dos
corpos que afetam e que se deixam afetar.
A poesia, por exemplo, é revolucionária, pois rompe com a linearidade e a
funcionalidade promovidas pelo mundo moderno capitalista, pois sua forma não segue a
função e, difunde o lúdico, o poder criador e a liberdade da imaginação.
As manifestações artísticas de rua com malabaristas, estátuas vivas, poetas, palhaços,
músicos de rua, grupos de teatro de rua, “flash mobs” e até eventos de dança de salão (como
forró e samba) tem crescido no centro da cidade e tomam alguns espaços momentaneamente.
Esses momentos constituem o encontro, estabelecem o urbano, fogem da rotina do cotidiano.
Portanto, a dimensão cultural trazida para o trabalho nesse momento, através dessas
intervenções podem, em primeira instância, parecer banais, mas tem ligação importante com o
processo de metropolização.
A escolha de considerar essas diversidades de manifestações artísticas se dá pelo corpo
e pela capacidade de afetar e ser afetado. Todas essas artes intervém naquele espaço e causam
uma descontinuidade no ritmo cotidiano supondo a troca de afetos. Os artistas de rua
necessitam dessa troca de afetos para intervir. Sem a troca, não seria possível a quebra com a
lógica estabelecida e programada, partindo do pressuposto de que tais artistas estão nas ruas
justamente para ter essa relação com seus espectadores. Caso contrário, não precisariam da
rua para expressar-se.
Dessa forma, consideramos nesta pesquisa apenas as artes cênicas, as artes dinâmicas e
de troca direta do artista com seus espectadores. Descartamos dessa análise as artes gráficas e
plásticas (grafiteiros, pintores, artistas plásticos...) por entendermos que as mesmas não
colocam os interlocutores em relação direta, ainda que estas estejam visíveis no espaço
urbano.
Se na maior parte do dia presenciamos os passos apressados dos trabalhadores do centro
da cidade do Rio de Janeiro que não interagem entre si, não estabelecem vínculos com o
lugar, quando ocorrem essas diversas manifestações de arte, vemos o ritmo daquele espaço se
modificar. Não são apenas os transeuntes, mas os espectadores que param ao redor de um
palhaço ou de um saxofonista, não são apenas os passos apressados, mas os passos ritmados
em música dos corpos que se movem para apresentar sua forma de arte.
A lógica formal que traz o valor de troca se sobrepondo ao valor de uso tende a
mercantilizar o vivido em seus menores aspectos através da dominação do cotidiano que tem
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sido exercida de forma cada vez mais elaborada. Assim, se o espaço torna-se cada vez mais o
meio de reprodução das relações sociais; sendo hierarquizado, objeto de investimentos
públicos e privados, reserva de valor ou mesmo deixado ao acaso e abandonado – e talvez a
grande batalha deva centrar-se na necessidade de romper com a ocultação e buscar desvelar
essa dominação do espaço, na visão de Lefebvre (1973), – o espaço também se torna o lugar
da contestação, do encontro, da rebeldia, lugar da ação, conforme Harvey (2013) . Muitas
vezes, os que deveriam ser atores sociais da luta por mudanças, acabam por perceber e viver a
partir da total naturalização de tudo, da banalização da miséria, da desigualdade. Por outro
lado, há os que lutam contra a “ordem estabelecida”. Possivelmente, a arte que não se torna
mercadoria e que privilegia o valor de uso poderá ser apontada como uma possibilidade de
reencontrar o cotidiano não de forma concebida, mas sim na dimensão do vivido.
Segundo o estudo de Moreaux (2014, p. 12) através da ritmanálise, em conformidade
com Lefebvre, “as práticas de artes de rua aparecem então na sua virtualidade de estabelecer
no espaço uma das promessas do urbano: o encontro, a festa”. Dentro de uma cidade
polirrítimica existe um ritmo singular que é impresso pelas intervenções de artes de rua,
materializando momentaneamente a presença e os corpos afetados pela arte.
Os corpos se expressam livres. Relacionam-se, intervindo no espaço de forma dinâmica.
A ação dos corpos reúnem as pessoas e, ao mesmo tempo em que esses eventos ocorrem
precariamente, essa precariedade carrega um potencial. Um exemplo disso é o saxofonista na
praça da Carioca ou os grupos musicais (samba, jazz) na Pedra do Sal, ambos centro do Rio
de Janeiro, que por vezes tem pessoas ao seu redor, por vezes não. Na maleta do sax nem
todos depositam alguma contribuição. Mas essa liberdade é o que torna esse tipo de atividade
uma ruptura, pois não tem obrigação com a formalidade, não há necessariamente que impor
regras. Umas pessoas param quando querem ver ou ouvir, mas outros passam por ali sem dar
atenção. Os que param podem sair da roda no momento em que quiserem e estão livres para
participar ou não do “chapéu” (a contribuição), para cantar junto etc.
Esse estudo demonstra o corpo como base de nossa observação tanto sensível quanto
empírica, materializando e propagando essas práticas. Assim temos duas dimensões: a
material e a simbólica. A material que aparece na formação da roda e na troca de afetos
(risadas, emoções, a reflexão do que está sendo exposto, a dança, o canto, os aplausos...) e a
simbólica quando tratamos da noção de imaginário urbano.
Essas práticas tem se revelado importantes principalmente no que tange a dimensão
simbólica visto que, toda ação tem sua intencionalidade através do discurso – o que nos leva a
abordar uma questão política – e, essas práticas propõem uma redefinição do urbano, de
encontro ao que Lefebvre considerava o urbano: o lugar da simultaneidade e do encontro, a
partir da criação de vínculos com aquele espaço e da apropriação do mesmo, ainda que
momentaneamente.
“O cotidiano programado (...) se vê momentaneamente interrompido por um evento
relativamente imprevisto, que suspende ou modifica (mesmo que seja por um instante) as
trajetórias de numerosos transeuntes” (MOREAUX, 2013, p. 14). Assim, para Moreaux, o
vivido, até então atrofiado pela dominação do cotidiano, emerge e faz com que essas
atividades de artes de rua não sejam mais consideradas residuais, mas ganham visibilidade e
afirmam descontinuidades nos fluxos do cotidiano, com imenso potencial para ressignificar os
lugares e os próprios sujeitos, ou seja, a experiência urbana e o próprio urbano.
Por outro lado, observar as artes de rua tem nos trazido a ideia de cidadania. A
instauração do encontro e da festa, a apropriação concreta do espaço público (ressignificando
a própria ideia de espaço público) traz, sob certo aspecto, a conscientização de que somos
seres espaciais, pois produzimos o espaço que nos produz (FERREIRA, 2011) e, logo,
enquanto agentes e autores neste espaço, produzimos e reproduzimos intencionalidades e
temos a possibilidade de nos constituirmos enquanto seres políticos – aqui adotamos a
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reflexão de Pogrebinschi (2009) do “ser político” –, dotados de direitos e deveres que poderão
produzir outro espaço que não este, outra lógica que não esta, reivindicando o Direito à
cidade, conforme Lefebvre idealizou.
A pesquisa não teria outra justificativa do que servir à população e analisar criticamente
o contexto atual para que possam ser apontadas possibilidades e/ou alternativas às
possibilidades existentes. Nesse sentido, ter consciência enquanto seres políticos de que
produzimos o espaço, leva ao entendimento de que a configuração atual desse espaço é uma
consequência a partir de escolhas dos próprios seres espaciais. Estes últimos, com a ausência
de seu ser político, permitiram que a política 1 fosse hegemonicamente a definidora das
normas e dos códigos aos quais os espaços e os seres espaciais estão submetidos.
Nesse sentido, um novo desdobramento será abordado na pesquisa: o “esvaziamento”
do ser político que se realiza, atualmente, pela lógica construída através do processo de
metropolização do espaço.
Objetivos
Pensando nas modificações trazidas para o cotidiano dos moradores da cidade com as
obras referentes ao “Porto Maravilha”, à Copa do Mundo de 2014 e aos Jogos Olímpicos Rio
2016, pretendemos analisar o “esvaziamento” do ser político realizado pela lógica construída
através do processo de metropolização espaço. Mas objetivamos, também, analisar como a
arte de/na rua pode se constituir como uma forma de resgate do ser político. Assim, outras
questões passam a ser observadas: como a arte pode contribuir como elemento de
contraposição à lógica em curso? Como a arte de/na rua pode se constituir como uma forma
de resgate do ser político? A política institucionalizada afeta o ser político? No intuito de
esclarecer um pouco mais nossa argumentação, seria seguro afirmar que o espaço contém as
relações sociais, mas além disso, contém também certas representações dessas relações
sociais de (re)produção, conforme Lefebvre (1994). Estaria o autor enaltecendo o fato de tais
relações poderem ser públicas, ou seja, declaradas ou, por outro lado, ocultas, clandestinas,
reprimidas e, por isso, capazes de conduzir a transgressões. Posto dessa forma, é possível
compreender o motivo pelo qual Lefebvre (1994) afirma que as representações do espaço têm
considerável peso e influência na produção do espaço, principalmente levando em conta que
correspondem a um sistema de signos, símbolos e códigos de representação dominantes em
uma sociedade e que estão relacionados ao exercício do poder e à conformação do espaço
abstrato.
Nosso objeto de pesquisa trata-se do processo de metropolização do espaço como
instrumento de reprodução das relações sociais em condições desiguais. Ao pensarmos nosso
objeto, dirigimo-nos para a relação entre duas dimensões do espaço como forma de
elucidação das transformações da metrópole carioca: abstrato e social.
Estamos entendendo espaço abstrato como a exteriorização de práticas econômicas e
políticas que se originam com a classe capitalista e com o Estado. É fragmentado, homogêneo
e hierárquico. No que concerne ao espaço social, trata-se do espaço dos valores-de-uso
produzidos pela complexa interação de todas as classes no cotidiano. Nesse sentido, podemos
afirmar que é a tensão entre valor de uso e valor de troca que produz o espaço social de usos,
produzindo também, simultaneamente, um espaço abstrato de expropriação. Ou seja, “o
espaço social incorpora as ações sociais, as ações dos sujeitos tanto individuais como
coletivos...” (LEFEBVRE, 1994, p. 33).
1 Aqui, adotamos a distinção de “a politica” e “o político”, conforme Pogrebinschi, por considerarmos que a
política feita com a presença do Estado não necessariamente atende às reais necessidades do ser político, dos
cidadãos, aí havendo tensões e conflitos entre as mesmas.
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Ao analisar o espaço urbano devemos considerá-lo como produto, condição e meio do
processo de reprodução das relações sociais. Portanto, conforme Carlos (1994, p. 24),
“se de um lado o espaço é condição tanto da reprodução do capital quanto da vida
humana, de outro ele é produto e nesse sentido trabalho materializado. Ao produzir
suas condições de vida, a partir das relações capital-trabalho, a sociedade como um
todo, produz o espaço e com ele um modo de vida, de pensar, de sentir”.
Sendo assim, a produção espacial mostra-se desigual, posto que o espaço urbano
encontra-se associado à produção social capitalista que se (re)produz desigualmente. O Rio de
Janeiro é um exemplo claro dessa reprodução desigual, pois, no âmbito do município, temos
condomínios de luxo em contraposição às favelas e às periferias, que contam com
infraestrutura urbana bastante inferior em relação aos bairros nobres da cidade. O espaço além
de ser um produto social, e como tal, criado para ser usado, para ser consumido, é também um
meio de produção; e como meio de produção não pode ser separado das forças produtivas ou
da divisão social do trabalho que lhe dá forma, ou do Estado e das superestruturas da
sociedade. Contudo, Lefebvre (1979, p. 52) avança ao afirmar que mais que isso, o espaço
deve ser considerado como uma das forças produtivas. O domínio do espaço confere uma
posição na estrutura econômica, por isso afirma que “mesmo quando uma parte do espaço não
tem conteúdo, seu controle pode gerar poder econômico, porque pode ser preenchido com
algo produtivo, ou porque pode precisar ser atravessado por produtores”. Assim, afirmar que
o espaço é uma força produtiva implica dizer que é parte essencial do processo. As relações
de produção é que possibilitam o entendimento da produção do espaço; dessa forma, se a
estruturação do espaço geográfico resulta da articulação dos modos de produção, podemos
afirmar que o espaço geográfico é o espaço social.
Metodologia e Procedimentos
Continuamos acreditando que pensar as cidades e o urbano a partir do debate marxista,
obviamente não de forma dogmática, e de sua associação com o reconhecimento dos
interesses de classe ainda contribui bastante para desvelar a realidade. Ao contrário do que
temos visto em vários artigos científicos, que dão grande ênfase à discussão teórica muitas
vezes desprendida do real, reafirmamos que o ponto de partida tem que ser o real. Após a
identificação do problema em questão, daquilo que nos inquieta, é que devemos voltar-nos à
teoria, mas sempre preocupados com o movimento entre prática e teoria.
Através da dialética é possível aliarmos a contraditória relação que mantém unida teoria
e prática. Essa relação contribui para manter em aberto as contradições do processo social e
histórico – que agrega as práticas e o imaginário, o concreto e o simbólico – contribuindo,
assim, para evitar reducionismos deterministas e idealizações afastadas do real, ambas
contribuindo para o fechamento do movimento e do diálogo crítico, quando o que buscamos é
a abertura. Portanto, é preciso esclarecer que estaremos trabalhando, no que concerne ao
método, a partir do materialismo histórico dialético. Estaremos buscando as tensões, os
conflitos; os momentos em que se encontram homogeneização, hierarquização e
fragmentação, aproximações e afastamentos, ordem e desordem, acomodação e inquietação,
conformação e inconformismos, imobilismos e (re)ação.
Isso obriga-nos a lidar com o fato das questões teóricas mostrarem-se, inclusive, como
problemas práticos. Buscando mais clareza, vemo-nos na defesa da autogestão e,
consequentemente, da redução da importância do Estado, entretanto vivemos em um país em
que a desigualdade social ainda alcança patamares elevadíssimos e onde o Estado tem (ou
deveria ter) um papel importante. Assim, se acreditamos que o ponto de partida deve ser a
realidade, isso também significa considerá-la como um limite à ação. Aliás, a própria teoria
pode tornar-se um limite à transformação. É preciso entender que qualquer contraposição ao
modelo vigente somente poderá partir de dentro do próprio capitalismo. Não basta fazer a
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crítica ao modelo, pois – segundo Marx – é preciso interpretá-lo para, então, transformá-lo,
para mudar o estado de coisas atual. Infelizmente, a maioria, quando muito, chega apenas à
interpretação. É essa inquietação de Marx que leva a cientista política Thamy Pogrebinschi
(2009) a afirmar que “não há, hoje, nada mais próximo do fim da propriedade do que a sua
expansão irrestrita e ilimitada.” Pensar a mudança significa lutar pela transformação das
condições materiais e não apenas pela obtenção de concessões formais; lutar pelo direito de
viver em uma cidade com mais justiça social.
No decorrer da pesquisa, conforme a necessidade de atender à explicação do real,
traremos para o método: o cotidiano como categoria de análise, revelando as contradições e as
possibilidades de mudança que abrigam essa categoria; Ainda, abordaremos a noção de ritmo
como ferramenta de análise, cunhada por Lefebvre e muito apontada no trabalho de
Moureaux, para distinguir a polirritmia das práticas; Relacionaremos o espaço abstrato e o
espaço concreto; Pensaremos o urbano e a contradição fundamental entre valor de uso e de
troca vigente na lógica dominante; Articularemos o espaço vivido e concebido para não
negarmos a realidade e nem negligenciarmos as necessidades reais; Como já tratado
anteriormente, o corpo aparecerá como base de observação. Ainda, discorreremos sobre o
político e a noção de cidadania, refletindo sobre o espaço público e a importância da arte
como uma forma de educação política do espaço.
No que tange aos procedimentos de pesquisa, a partir de agora serão feitas observações
desses momentos de expressão artística, tanto do palhaço que reúne um grupo em volta de si,
como um evento de forró ou samba na rua, ou mesmo um flash mob, que faz com que as
pessoas se apropriem daquele espaço. Serão realizadas entrevistas com grupos coletivos de
arte e com os participantes desses encontros, recuperação de bibliografia que trate do papel
dos artistas de rua no que se refere à ação como ser político e posterior tentativa de
mapeamento das áreas de atuação desses artistas.
Conclusões iniciais
A pesquisa está em fase inicial e, portanto, fazer conclusões nesse momento seria
imprudente. Porém, a partir da leitura já feita e das observações realizadas, podemos fazer
alguns apontamentos, retomando o que já foi refletido nesse relatório.
A lógica dominante instaurada pelo processo de metropolização do espaço, que
imprime características e códigos ao urbano, homogeneiza ao mesmo tempo em que
fragmenta. Dessa forma, o cotidiano e as formas de apropriação do cotidiano são também
submetidas a essa lógica dominante e, cada vez mais, distanciamo-nos do sentido real do
urbano como lugar do encontro. A lógica capitalista do espaço tende a mercantilizar os
mínimos aspectos da vida cotidiana e sobrepõe o valor de troca pelo valor de uso. O valor de
troca passa a ser o objetivo máximo e, em contraposição a essa estrutura, a arte de rua surge
como potente alternativa, pois nas intervenções artísticas de rua o valor de uso é
primordialmente considerado. Tais intervenções aqui tratadas não são tidas como
mercadorias. Ao contrário, elas tem o potencial, ainda que momentaneamente, de romper com
o ritmo da estrutura dominante vigente e fazer com que haja uma apropriação concreta do
sentido de urbano e, possivelmente, do encontro ao ser político como ponto de partida para as
transformações.
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