Evolução das práticas de GRH para o século XXI: o caso

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Evolução das práticas
de GRH para o século XXI:
o caso particular das PME
Por: Mário Ceitil – Diretor Associado Cegoc/FranklinCovey; Professor Universitário
Fotografia: Plinfo Informação, Lda.
Neste artigo os leitores poderão
encontrar, numa primeira
parte, uma perspetiva da
evolução recente da função do
gestor de recursos humanos
enquanto agente de mudança
e impulsionador de uma nova
cultura organizacional.
Na segunda parte do texto o autor
apresenta uma reflexão sobre a
gestão de recursos humanos no
contexto das PME
1. Enquadramento geral: tendências
de evolução no papel do responsável
da Gestão de Recursos Humanos
A função Recursos Humanos, enquadrada no âmbito mais geral
da gestão das empresas e organizações, desenvolve-se em contextos de mudanças profundas, com o contínuo desenvolvimento e progressão da globalização e da consequente Sociedade do
Conhecimento. A sua evolução passa, assim, pela transformação
profunda das relações no binómio pessoa-organização, através
da emergência de um novo paradigma socioeconómico que tem
como base a crescente importância do «capital humano».
Neste contexto, o futuro diretor de Recursos Humanos será um
misto de catalisador e agente de mudança, bem como o impulsionador de uma cultura organizacional focalizada na constante
criação de valor para a organização, fazendo aumentar o investimento e inovação naquele que é consensualmente identificado
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como o principal ativo das organizações: as pessoas e as respetivas competências mobilizadas na ação.
Desta análise resulta uma prospetiva da função Recursos Humanos assente em dois eixos de evolução:
• O importante reforço e o peso substancial que vai progressivamente adquirindo nas questões estratégicas, tornando-se uma função de crescente relevância para o sucesso
das empresas.
• O aumento muito significativo do entendimento e perceção
que a função terá de possuir relativamente ao nível das
questões inerentes ao negócio específico da empresa e
organização, quer ao nível do mercado e das principais alterações a ocorrer, quer do setor socioeconómico em que
se enquadra, tal como a concorrência e principais competidores com que as empresas se defrontam para atingirem
os seus objetivos.
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Assim, a função Recursos Humanos irá finalmente assumir um
lugar de destaque junto de outras grandes funções empresariais
que, tradicionalmente, são consideradas mais relevantes e beneficiam de uma maior credibilidade por parte das direções-gerais.
Face a estas transformações, o profissional de Recursos Humanos deverá desenvolver competências para atuar nos contextos
turbulentos e exigentes da Sociedade do Conhecimento, mais
concretamente no exercício de quatro papéis fundamentais:
•
•
•
•
Participar na Estratégia Organizacional.
Atuar como Agente de Mudança.
Dinamizar Processos de Organização Interna.
Modelar Valores pelo Efeito do Exemplo.
Participar na Estratégia Organizacional
Com o desenvolvimento da Sociedade do Conhecimento e Informação torna-se imperioso gerir os fatores de produção «intangíveis», que passam a ser a principal componente da «cadeia
de valor». As pessoas e o conhecimento que geram, detêm e
reproduzem, passam assim a ser os fatores críticos e cruciais
para o sucesso das empresas.
Este processo conduz a uma reconceção da função Recursos
Humanos assente nos pressupostos dos modelos neoclássicos
e confere-lhe maior credibilidade e visibilidade, assumindo um
lugar de maior destaque na gestão empresarial. Isto ocorre porque as empresas e organizações necessitam, para garantirem a
sua sustentabilidade, de profissionais mais qualificados, com as
competências adequadas e alinhados com a visão e cultura empresariais e ainda fortemente motivados para a concretização
de objetivos de elevada exigência.
O domínio das técnicas, metodologias e processos da Gestão de
Recursos Humanos tornar-se-á, assim, uma necessidade cada
vez mais intensa e generalizada, o que constitui um fator incentivador de uma maior procura, no mercado de trabalho, de competências cada vez mais vastas e diferenciadas nos técnicos,
consultores e responsáveis de Recursos Humanos.
Atuar como Agente de Mudança
O responsável de Recursos Humanos terá um papel progressivamente mais decisivo na dinamização dos processos de
mudança organizacional que, como é amplamente reconhecido
na comunidade científica e empresarial, tem nas pessoas o seu
suporte, o seu sentido e a sua substância.
As competências em gestão do comportamento organizacional
serão, assim, reconhecidas e valorizadas como suporte ao desenvolvimento de planos de ação de mudança suscetíveis de
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remover os obstáculos e incentivar as pessoas a superarem
as suas resistências à mudança que, como é igualmente amplamente reconhecido, constituem as principais ameaças ao
sucesso dos processos de mudança organizacional.
Dinamizar Processos de Organização Interna
Se os dois papéis anteriormente referidos são essencialmente
estratégicos, também é necessário que os responsáveis e técnicos de Recursos Humanos desenvolvam competências num
papel mais tático e operacional: o de desenhar e promover a implementação dos processos que permitam concretizar as políticas de Recursos Humanos entretanto definidas.
É necessário, então, aos profissionais de Recursos Humanos, não só o conhecimento mas também o saber-fazer prático para o desenho desses processos, numa perspetiva muito
pragmática mas, em simultâneo, rigorosa e precisa. O domínio
dos processos fundamentais na Gestão de Recursos Humanos
deve pressupor o conhecimento das ferramentas adequadas às
diversas funcionalidades da GRH, como o estudo do trabalho, a
avaliação das performances, a gestão e o desenvolvimento das
competências, entre outras, que devem ser desenhadas e geridas em alinhamento com os princípios estratégicos definidos e
ainda com os valores que se pretendem instituir nas diversas
culturas organizacionais.
Modelar Valores pelo Efeito do Exemplo
Sendo o representante direto das políticas de Gestão de Recursos Humanos da sua organização, do responsável de RH espera-se que seja o primeiro a dar o exemplo relativamente às práticas diretamente decorrentes e coerentes com essas mesmas
políticas. O exercício deste papel pressupõe o domínio de competências como liderança, assertividade, inteligência emocional
e negociação e resolução de conflitos, assim como a assunção
de uma linha de conduta com base na integridade de caráter e
na justeza dos juízos.
Embora este papel possa ser mais permeável do que os anteriores às contaminações decorrentes das diferentes caraterísticas
das personalidades dos seus atores, as competências críticas
a ele inerentes podem ser adquiridas, incrementadas, desenvolvidas ou simplesmente melhoradas através de unidades de
formação desenhadas em função de objetivos precisos e claramente identificados e definidos.
Com este esboço relativo aos desenhos previsíveis das evoluções futuras da função de Recursos Humanos passaremos, a
seguir, a enunciar os aspetos mais específicos e particulares da
GRH para as PME.
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2. Gerir os Recursos Humanos no contexto
das PME
Os problemas com os Recursos Humanos desafiam fortemente os gestores e especialistas mais experimentados e têm, nas
PME, um território de desafios específicos e extremamente importantes.
Na verdade, ter bons colaboradores pode ser a maior riqueza de
uma empresa, particularmente de uma pequena, onde se torna muita nítida a relação entre as necessidades do cliente e a
resposta da empresa. Assim, encontrar e manter colaboradores
com qualidade aparece como um dos problemas maiores das
pequenas e médias empresas.
A maioria das empresas existentes em Portugal, assim como
noutros países, tem menos de 20 empregados e, destas, uma
grande parte são empresas familiares. Para estas, a necessidade de encontrar e contratar pessoal do exterior é frequentemente fonte de novos e complexos problemas, agravados pelo
facto de na maior parte dos casos ser o próprio dono da empresa
quem tem de tratar diretamente do assunto. Assim, faz cada vez
mais sentido pensar as condições e requisitos necessários para
o desenvolvimento de uma estratégia global de Recursos Humanos para as PME que permita dotá-las dos instrumentos necessários e adequados para contratar e fixar as pessoas, formá-las
e dar-lhes perspetivas aliciantes e motivadoras de carreira.
As necessidades da empresa em matéria
de Recursos Humanos
Repescando as várias definições que têm sido apresentadas sobre este assunto, podemos definir a Gestão de Recursos como
um conjunto de medidas que permitem organizar o trabalho
humano nas organizações por forma a obter um rendimento e
eficácia ótimos em condições de pleno desenvolvimento do potencial e capacidade das pessoas. Incluem-se nestas medidas
políticas, procedimentos, programas, enfim objetivos que no
seu conjunto visam gerir globalmente os diversos movimentos
e atividades das pessoas nas organizações em que trabalham.
Sendo uma atividade indispensável a qualquer organização, é
verdade que, por razões históricas e económicas, as grandes
empresas é que mais têm beneficiado e desenvolvido programas de Gestão de Recursos Humanos. No entanto, as pequenas e médias empresas apresentam as mesmas necessidades
em matéria de gestão das pessoas, embora a uma escala bastante menor.
Todas as empresas têm necessidade, a partir da sua fundação,
de contratar pessoas: mais tarde ou mais cedo o volume de negócios aumenta, a capacidade produtiva da empresa começa a
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evidenciar dificuldades de resposta ao mercado ou, ainda, não
consegue dimensionar-se para gerar futuros negócios.
Se o negócio aumenta, o dono da empresa não pode continuar
absorvido pelas tarefas do dia-a-dia mas tem de ser capaz de delegar tarefas a outros colaboradores e ter confiança em que as
coisas funcionam mesmo quando não está presente. Por outro
lado, para fazer face aos próprios imperativos do mercado deve
ter tempo para planear o futuro e projetar planos de desenvolvimento adequados, coisa que, naturalmente, não poderá delegar
em ninguém. Neste contexto, o dirigente da empresa tem de
começar a pensar em admitir novos colaboradores. É certo que
pode recorrer a situações de trabalho temporário, mas esta situação nunca possibilitará a constituição de uma equipa de colaboradores que possa ajudar, de facto, a empresa a desenvolver-se.
Numa pequena e média empresa é muito importante ter um
grande realismo quando se considera a necessidade de contratar novas pessoas. Na verdade, uma pequena empresa não pode
competir com as grandes empresas na contratação de pessoal
nem nos seus elevados custos de manutenção. Por outro lado,
uma pequena empresa pode desenvolver uma atmosfera informal, amigável, um espírito de equipa forte que é difícil encontrar
nas grandes unidades empresariais.
A pequena dimensão de uma empresa pode, assim, criar uma situação particular para a Gestão de Recursos Humanos, exigindo
do seu dirigente o desenvolvimento de um programa de gestão
de pessoal adaptado ao seu caso, à sua cultura e que tenha em
conta as suas caraterísticas distintivas.
Aplicar os Recursos Humanos na PME
O passo inicial e fundamental num programa integrado de Gestão de Recursos Humanos é o recrutamento de colaboradores
com boas caraterísticas e potencial. E, aqui, a PME compete tanto com as outras PME como com as grandes empresas, naturalmente também estas apostadas em captar os melhores.
Um programa de recrutamento adequado requer que o empregador tenha iniciativa e competência para localizar candidatos
e saiba avaliá-los corretamente à luz das necessidades da sua
empresa. E, neste contexto, preparar boas descrições de funções antes de fazer um recrutamento é uma boa prática que
permite tornar claro ao empregador o tipo de pessoa pretendido e ao candidato a natureza da função. A descrição de funções deve conter as especificações de um posto de trabalho e
a natureza das suas exigências e condições. Deve ainda conter
uma lista das qualificações e competências a exigir, de modo a
permitir identificar as caraterísticas pessoais requeridas para o
seu exercício.
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Evolução das práticas de GRH para o século XXI: o caso particular das PME
Numa pequena e média empresa é particularmente importante
manter as descrições flexíveis e atualizadas. Se as exigências
forem excessivas, o empregador pode ter dificuldades em encontrar a pessoa adequada. No entanto, podem encontrar-se
boas capacidades em pessoas que, embora não tenham à partida as caraterísticas necessárias, apresentem capacidade de
adaptação e bom potencial de desenvolvimento. Uma pessoa
sem experiência mas que apresente iniciativa e entusiasmo
pode dar mais a um posto de trabalho do que um «especialista»
a quem falta o interesse e a motivação.
Depois de o empregador decidir que tipo de colaborador é necessário, em seguida deve determinar o que lhe pode oferecer em
troca. E, aqui, algumas das desvantagens de uma PME podem
ser compensadoras por outros meios. A atmosfera informal, o
espírito de equipa, desde que não se transforme numa pressão
de pequeno grupo para a conformidade atrofiante (a matriz grupal), pode ser uma fonte de sinergia e de reinvenção de uma cultura empresarial que se torne um autêntico motor de sucesso e
motivação.
Desenvolver os Recursos Humanos
A pequena dimensão de uma PME torna-a capaz de desenvolver sinergias de mudança difíceis em empresas de maior dimensão. Este é, sem dúvida, um outro fator que pode facilitar
uma Gestão de Recursos Humanos eficaz numa PME.
Uma vez admitido, um colaborador desenvolve novas necessidades e expetativas. Contrariamente à grande empresa, onde os
processos de rotatividade interna podem ser morosos e às vezes
impossíveis, numa PME um colaborador pode desenvolver uma
polivalência que, sendo necessária ao progresso da empresa, é
também um fator de motivação importante. Isto se, entretanto,
a PME estiver de facto aberta ao progresso e à gestão eficaz dos
seus recursos humanos.
No caso português, a modernização da nossa economia e a plena inserção de Portugal no espaço comunitário aberto pressupõem um modelo de desenvolvimento centrado na valorização
dos Recursos Humanos e na modernização tecnológica. Para
tal, aparecem como objetivos relevantes a redução da ineficiência e o desenvolvimento de tecnologias de informação e comunicação, o que acarretará necessariamente o imperativo de
desenvolver, através da formação, o nível global de capacidade
profissional dos colaboradores da empresa.
Neste contexto, poucas serão as pequenas e médias empresas, especialmente no setor industrial, que possam dispensar a formação dos seus colaboradores. É claro que para
desenvolver competências e conhecimentos o colaborador é
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habitualmente formado pelo dono da empresa ou por um outro colaborador qualificado. No entanto, justamente uma das
fragilidades da pequena e média empresa reside no facto de
não planear a formação e não controlar devidamente os seus
resultados. E, no entanto, a pequena e média empresa tem,
pelas razões referidas, uma particularmente séria necessidade de desenvolver novas competências profissionais e de
gestão.
Numa PME podem existir, dependendo do seu real tamanho
e dimensão do volume de negócios, uma ou mais posições-chave. Atendendo ao número, os colaboradores podem participar em programas de desenvolvimento para atingirem uma
maior eficiência no exercício das funções atuais ou para desempenharem outras funções na PME. Assim, quanto maior
for a compreensão da PME em relação às necessidades reais
do mercado e quanto maior for a visão do seu dirigente, maior
será também, necessariamente, a sua capacidade de intervenção previsional no meio envolvente, dotando a sua empresa de
uma real vantagem competitiva, condição inevitável de sobrevivência e de progresso.
Os melhores dirigentes de pequenas e médias empresas
são personalidades empreendedoras – pessoas que querem
contabilizar sobre si próprias e sobre os seus esforços. E a
melhor maneira de produzir valor acrescentado constante é
gerar à sua volta, na sua PME, pessoas altamente motivadas,
com qualificações de nível elevado e envolvidas num projeto de empresa consubstanciado em valores partilhados de
sucesso empresarial. Mas para que tudo isto aconteça é necessária uma gestão inteligente de recursos humanos, que
associe à riqueza da experiência o conhecimento aprofundado das virtualidades do comportamento humano e dos procedimentos. Uma pequena empresa, com um pequeno número
de trabalhadores, pode não ter a disponibilidade financeira
para contratar um especialista que se ocupe a full-time dos
problemas dos recursos humanos. No entanto, deve procurar preparar um dos seus homens-chave para, através de
uma formação adequada, sugerir estratégias de gestão que
tenham os Recursos Humanos como centro e fim último da
eficácia empresarial.
A PME, pela sua plasticidade, pela sua flexibilidade, é um local
privilegiado para o brotar de sinergias humanas verdadeiramente ricas na sua criatividade e verdadeiramente plenas nas suas
potencialidades.
As possibilidades existem. São reais.
Podemos dar-nos ao luxo de as perder?
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