Trabalho, técnica e emancipação no jovem Habermas

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Trabalho, técnica e emancipação no jovem Habernas
Vinicius dos Santos Xavier*
RESUMO
O objetivo do presente texto é caracterizar a dicotomia entre trabalho e interação na
teoria de juventude de Jürgen Habermas. Para tanto, apresentar-se-á, em um primeiro
momento, como o pensador desenvolve sua argumentação em torno dos conceitos de
ação instrumental e ação comunicativa, expostos, principalmente, em Técnica e Ciência
como “Ideologia”. Nesse contexto, Habermas compreende o trabalho como técnica de
apropriação da natureza, não sendo o âmbito no qual se formam a subjetividade e as
relações sociais; e, em outro aspecto, pauta a constituição cultural e a sociabilidade em
uma esfera distinta daquele da ação racional-instrumental. Esta é denominada como
interação, na qual ocorrem as relações intersubjetivas e, além do mais, domínio por
excelência da possibilidade de emancipação. Assim sendo, não compreende o problema
da sociedade moderna relacionado diretamente à produção material e ao trabalho social.
Antes, há uma intervenção da esfera da produção na esfera comunicativa que impede os
indivíduos de se emanciparem, caracterizado por uma tecnocracia. Neste âmbito, observa
a necessidade de transformação apenas no tocante ao político, à democracia, por meio da
constituição de uma esfera pública autônoma e reflexiva. Em seguida, mostrar-se-á como
o equacionamento entre trabalho e técnica, apreendido de forma não-dialética, constituise de modo problemático, tanto para os desdobramentos da teoria habermasiana quanto
à emancipação, como também em relação a crítica ao empreendimento de Marx. A partir
de uma interpretação crítica da categoria trabalho, assumindo o desenvolvimento
marxiano da teoria do valor e do fetiche da produção, propor-se-á uma alternativa crítica
à teoria da emancipação de Habermas. Para isso, far-se-á necessário demonstrar como,
segundo Marx, a distinção entre trabalho e interação, da vida humana constituída em
duas esferas separadas, é carente de sentido, já que, tomando-se a dialética imanente do
trabalho, a interação é um dos momentos das relações de produção, do trabalho social.
Por fim, constatar-se-á que a teoria habermasiana, ao equacionar trabalho e técnica,
possui um fundamento problemático que se reflete e desdobra por toda sua análise
acerca do capitalismo.
PALAVRAS-CHAVE: Trabalho. Técnica. Interação. Emancipação. Habermas.
*
Mestrando pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar; [email protected]
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Introdução
A consideração teórica de Jürgen Habermas do período de juventude, centrada
principalmente nos textos Mudança Estrutural da Esfera Pública, Conhecimento e
Interesse e Técnica e Ciência como “Ideologia”, que constam da década de 1960, é o
laboratório no qual forja seu pensamento e que será decisivo em sua teoria posterior, com
a chamada guinada linguística, a partir da década de 1980. Nesse primeiro período,
“Habermas infere uma perspectiva de leitura do trajeto Kant-Marx sustentada num duplo
espectro: a contraposição entre o prisma da constituição formativa da subjetividade
conforme o que seria o modelo da Bildung [formação] (objetivação/alienação e posterior
superação formativa desta alienação), por um lado; e, por outro, a perspectiva social da
intersubjetividade.” (MAAR, 2000, p. 79).Habermas fundamenta-se na filosofia hegeliana
de Iena apreendendo duplamente o processo formativo do espírito: de um lado, tem-se a
perspectiva “idealista, em que o espírito constitui um processo dialético de exteriorizaçãoalienação e posterior superação desta alienação; e [de] outro, comunicativo, em que o
espírito se forma num procedimento interativo de reconhecimento intersubjetivo.” (MAAR,
2000, p. 72).
A perspectiva habermasiana, nesse aspecto, sustenta uma diferenciação básica
no que tange o Homem enquanto ser social: 1.aação racional dirigida a fins – o trabalho
como tal –, que ele caracteriza enquanto técnica, na qual o Homem se realiza
historicamente como gênero humano; e, 2.ainteração, calcada na intersubjetividade
linguisticamente mediada constituindo a práxis efetiva do sujeito social. Na primeira
vertente, “há uma teoria evolutiva do sujeito como ser humano genérico; o trabalho,
apreendido como processo de reprodução social do ser genérico, [que] é indiferente
quanto à orientação da ação” (MAAR, 2000, p. 71). Na outra, fundada numa racionalidade
social, o ser humano teria o poder para se emancipar por meio de uma comunicação livre
de dominação organizando a vida social de forma democrática. Desse modo, existem
“duas formas distintas mas necessárias da ação social” (HONNETH, 1999, p. 17), sendo
que “o mundo da vida” – o domínio da interação comunicativa –, “é reservado à esfera da
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razão comunicativa, espaço por excelência da intersubjetividade, da interação”
(ANTUNES, 2009, p. 155 – grifo do autor).
No entanto, Habermas não faz uma crítica efetiva do trabalho social, tampouco,
consequentemente, do capitalismo enquanto sistema de dominação. Ao não relacionar
emancipação e produção social, toma um produto como componente distinto e
autônomo da totalidade. Segundo sua teoria, a totalidade secciona-se em duas vertentes:
ação instrumental e ação comunicativa. Ao não intentar a crítica ao trabalho, portanto,
deixa de entrever que a totalidade social é formada na esfera da produção da vida
material. Sendo esta, na sociedade capitalista, subsumida ao movimento autônomo e
abstrato do capital, a interação, momento de realização do ser social, é um fetiche, um
momento da práxis efetiva alienada.
Nesse sentido, a proposta do presente artigo é: 1.compreender a proposta
habermasiana que relaciona, por um lado, trabalho e interação e, por outro, interação e
emancipação. Para isso, será necessário considerar, em sua teoria da juventude, a análise
intentada pelo pensador, principalmente aquela que tem como centro organizador seus
ensaios reunidos em Técnica e Ciência como “Ideologia” (2009); 2. tomando como base a
teoria marxiana, fazer uma crítica ao trabalho social, núcleo da totalidade social capitalista,
que tem como seus momentos o fetichismo da produção e o trabalho abstrato, alheios ao
controle dos indivíduos e, além disso, autônomo frente a eles, assumindo posição de
dominador que subsume e coloca, a partir de si, uma totalidade reificada. Com isso,
relaciona-se a equação formalista entre trabalho e técnica na teoria do jovem Habermas a
fim de verificar até que ponto elas carecem de sentido; e, 3.por último, as considerações
finais, que trazem conclusões, por mais que parciais, de como a teoria habermasiana é
posta sobre um fetiche e, por isso, fadada a, por um lado, ratificar o capitalismo, e, por
outro, girar sobre um todo falso. Desse modo, tentar-se-á demonstrar alguns pontos
problemáticos na teoria da juventude de Habermas.
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Trabalho e Interação: o problema da emancipação
Ao propor a substituição do par conceitual marxiano de “forças produtivas e
relações de produção” pelo par “trabalho e interação”, fundamentando-o no trajeto
hegeliano pré-Fenomenologia do Espírito, Habermas concebe uma leitura da obra
marxiana, “centrada numa orientação histórico-evolutiva da história e não conforme a
crítica a uma ‘constelação histórica’, a da alienação correspondente à socialização
capitalista resultante da luta de classes”. (MAAR, 2000, p. 72). Assim sendo, sua
concepção se dá ao distinguir, de um lado, o progresso do gênero humano para a melhor
dominação técnica da natureza exterior; e, por outro, a possibilidade de emancipação – já
que, com o “desencantamento do mundo”, a dominação não se funda mais de modo
tradicional (HABERMAS, 2009) – por meio de uma formação da subjetividade pautada
numa vontade autônoma e livre de coação externa, uma vontade política autorreflexiva
que se comporia no campo da interação intersubjetiva por meio da linguagem.
É elucidativo como Habermas define em dois campos distintos as ações
instrumental e comunicativa. Sua perspectiva fundamentada na discussão pública,
perpassada por uma ética prático-normativa, define a subjetividade no comportamento
que se dá por meio de normas sociais. A ação comunicativa, nesse sentido, “orienta-se
segundo normas de vigência obrigatória que definem as expectativas recíprocas de
comportamento e que têm de ser entendidas e reconhecidas, pelo menos, por dois
sujeitos agentes. [...]. O seu sentido objetiva-se na comunicação linguística quotidiana.”
(HABERMAS, 2009e, p. 57). É na intersubjetividade do acordo e no reconhecimento
daquelas normas que ela se funda. Há, além disso, a caracterização distintiva entre técnica
e subjetividade: a ação racional dirigida a fins dispõe aos Homens habilidades técnicas, na
medida em que as normas, ligadas à comunicação, estruturam a personalidade.
Dessa maneira, o par conceitual trabalho-interação, ainda que distintos entre si,
constituem os domínios nos quais se fundamenta a emancipação humana. No âmbito do
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trabalho, o gênero humano em seu conjunto, evolutivamente ao longo da história,
encontra seu ponto mais alto na sociedade capitalista, aquela na qual a ciência e a técnica
são as mais avançadas e liberam o Homem do domínio da natureza exterior. A atitude
instrumental é “parte constitutiva de certa forma de ação que, ao contrário da interação,
tem como objetivo primordial o domínio técnico sobre objetos inanimados.” (HONNETH,
1999, p. 17). Isto indica que na esfera da ação instrumental a humanidade alcança seu
cume com o capitalismo industrial avançado, podendo submeter a natureza ao seu jugo
por meio da racionalização e das ampliação e aplicação técnico-científica.
De tal modo, não há, diz Habermas em seu ensaio Técnica e Ciência como
“Ideologia” (2009e), como supor uma alternativa histórica às conquistas no campo da ação
instrumental. Sua argumentação expressa que a ciência e a técnica – que compõem o
campo no qual a ação instrumental se efetiva – não podem ser entendidas como “projeto”,
já que, assim sendo, teria que se conduzir a um projeto “do gênero humano no seu
conjunto, e não a um projeto historicamente superável.” (2009e, p. 51). Na esfera da
técnica e da ciência não é possível uma alternativa, já que isto comporia um erro lógico.
Para Habermas, o nível de evolução atingido pelas realizações da técnica é irrenunciável,
não podendo ser substituído por qualquer alternativa: “não se vê como poderíamos
renunciar à técnica, isto é, à nossa técnica, substituindo-a por uma qualitativamente
distinta, enquanto houvermos de manter a nossa vida por meio do trabalho social e com a
ajuda dos meios que substituem o trabalho.” (HABERMAS, 2009e, p. 52).
A emancipação caso fosse fundamentada no âmbito do trabalho social, assim
como o é no pensamento marxiano, deveria pautar-se em uma totalização do gênero
humano por meio da esfera instrumental que, não obstante, Habermas a entende como
simples funcionalidade em torno da dominação da natureza. A emancipação situada na
práxis laborativa, na atividade instrumental, compõe-se de um erro lógico-interpretativo
da história da espécie, já que, grosso modo, trabalho é técnica de apropriação e domínio
da natureza, sendo um dos aspectos imanentes da existência humana ao longo da história
que tende a evoluir e chega ao seu nível mais elevado na modernidade. Neste âmbito,
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nem a filosofia hegeliana do período de Iena, nem a teoria social marxiana conseguem
atingir satisfatoriamente a concepção de formação da subjetividade e, por conseguinte, a
emancipação propriamente dita. O equívoco de Marx, segundo Habermas, constitui-se ao
colocar ambos os campos – trabalho e interação – em um único, o do trabalho, não
deslocando as relações intersubjetivas do plano da ação instrumental.
Nesse sentido, critica-se a concepção marxiana pelo fato de identificar a
emancipação estritamente na esfera da produção. Segundo ele, Marx põe a formação no
campo da produção, engendrada pelo trabalho social.“Marx reduz o curso da reflexão ao
nível do agir instrumental” (HABERMAS, 1987b, p. 60). O quadro institucional – a interação –
está situado nas relações de produção. Desse modo, forças produtivas e relações de
produção, para Habermas, são momentos reduzidos a um mesmo fator, o “ato autogerador
da espécie pelo trabalho” (HABERMAS, 1987b, p. 59). Isto indica que a experiência da
reflexão situa-se, equivocamente segundo Habermas, no desdobramento das forças
produtivas, e não nos processos de interação simbolicamente mediados, no
reconhecimento intersubjetivo e livre de coações. Mesmo que para Habermas as forças
produtivas tenham sido o motor da evolução sócio-humana, elas não representam um
potencial de libertação – a não ser aquela libertação das carências materiais dos Homens
que são satisfeitas com a ampliação do domínio técnico-científico no capitalismo. E isso,
aliado a sua recorrência a Hegel, justifica-o para que possa reinterpretar o materialismo
histórico sob a luz do par conceitual trabalho-interação, colocando-os em domínios
distintos.
Não obstante, a não-emancipação na sociedade moderna se dá por
uma
dificuldade de ordem política. É a vontade política, a autonomia – “única ideia de que
somos senhores” (HABERMAS, 2009a, p. 144) –, a formação de uma vontade coletiva via
consenso, que é violada por aquilo que o filósofo chama de ideologia: a interferência da
esfera de ação instrumental na interação, causada por uma tecnocracia de ordem
abstrata, substituindo o verdadeiro interesse da espécie humana por um interesse
coisificado, estranho àquele que seria o efetivo. Esta falsa consciência que envolve o
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interesse gera uma despolitização na opinião pública que, além do mais, desvia a práxis
vital (interação) para fins particulares, regidos, numa inversão, pela técnica e não pela
linguagem. Assim, a convivência sob “condições objetivas de uma capacidade de
disposição imensamente ampliada”, só pode ser adquirida e mantida por meio da
democracia, da liberdade e da autonomia no pensar e nas relações sociais, ou seja, sob
“as formas institucionalmente garantidas de uma comunicação geral e pública, que se
ocupa das questões práticas” (HABERMAS, 2009c, p. 101).
No entanto, “a despolitização das massas da população, que é legitimada pela
consciência tecnocrática”, na qual ocorre, ao mesmo tempo, “uma autoprojeção dos
homens em categorias”, faz com que os modelos coisificados das ciências transmigrem
para o “mundo sociocultural”, o mundo da vida, obtendo um poder objetivo sobre a
autocompreensão autônoma dos indivíduos (HABERMAS, 2009e, p. 82). Habermas
sustenta que tal despolitização aumenta um “comportamento adaptativo” que, apesar de
tudo, “é só o reverso de uma erosão contínua da esfera da interação linguisticamente
mediada, sob a pressão da estrutura da ação racional dirigida a fins” (HABERMAS, 2009e,
p. 76). A ideologia tecnocrática, por essa via, começa a ocultar a diferenciação entre
ambas às esferas – da ação racional dirigida a fins e da interação, que são distintas – da
consciência dos Homens, tendendo a anulá-la. Isso decorre de uma força do domínio da
produção social para falsear a consciência e substituí-la por outra, que seja engendrada
por essa esfera. Logo, a forma de tecnocracia imposta acaba por intervir na essência da
esfera pública e da humanidade, gerando um perigo vital coletivo.
Habermas concebe que essa “irracionalidade da dominação” somente é refreada
na formação de uma vontade coletiva, “que se ligue ao princípio de uma discussão geral e
livre de domínio.”(HABERMAS, 2009c, pp. 105-06). Um saber puramente técnico torna-se
nocivo à humanidade. Logo, um poder político ligado ao diálogo deve, a partir da
discussão pública, sem intervenções da esfera técnica, decidir os usos do progresso
técnico de forma consciente. “Uma sociedade cientificada só poderia constituir-se como
sociedade emancipada, na medida em que a ciência e a técnica fossem mediadas pelas
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cabeças dos homens juntamente com a prática vital.”(HABERMAS, 2009b, p. 127). É
somente por meio da autorreflexão que se engendra a emancipação. Neste sentido,
propõe-se que são os processos de interação que devem ser alterados, visando o debate
público e o interesse comum, livre da coação e da repressão, liberto das restrições
impostas à comunicação. É assim que se pauta, politicamente, a escolha reflexiva sobre as
formas de vida que se poderiam escolher, caso a comunicação fosse livre. De tal modo, os
Homens poderiam escolher como almejam viver, não se restringindo ao que querem, mas
ao como querem, ampliando a disposição e o quadro da vontade por meio do
alargamento das possibilidades.
Entretanto, a autocoisificação dos Homens não se dá em um movimento
imanente da produção da vida e das relações sociais por meio do trabalho. Ela se constitui
por uma ampliação ideológica do progresso técnico-científico em direção ao mundo da
vida. A anulação da distinção entre ação instrumental e interação ocorre por que a
administração política distancia-se da esfera pública, e a vontade política dos seres sociais
acaba por corrompida pela lógica científica. “O progresso técnico-científico que assume
função legitimadora constitui uma exacerbação no plano interativo de conteúdos
técnicos. Importa mantê-los separados.”(MAAR, 2000, p. 76).
Isso indica, entre outras coisas, que progresso técnico e racionalização da
conduta da vida social não significa emancipação. A dominação é legitimada por meio da
tecnocracia, da eficácia administrativa que, apesar disso, é mantida sob os mesmos
padrões da ação instrumental e não por uma esfera pública autônoma: “com a
institucionalização do progresso técnico-científico, o potencial das forças produtivas
assumiu uma forma que leva o dualismo do trabalho e interação a ocupar um segundo
plano na consciência dos homens.” (HABERMAS, 2009e, p. 73 – grifo do autor). O
progresso técnico-científico só se faz possível enquanto legitimador da nova dominação
porque Habermas assume que, no capitalismo tardio, a ciência se torna a maior força
produtiva.
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A interferência da esfera técnica, além de anular a distinção fundamental entre
interação e ação instrumental, faz com que o mundo da vida seja colonizado pela
totalização técnico-científica que invade a esfera comunicacional, transformando o debate
público, que deveria tratar de questões práticas em torno da eticidade, em resoluções de
problemas de ordem técnica, assim como ocorre nos subsistemas de ação estratégicoinstrumental. Dessa forma, os meios de controle que se desenvolvem no interior do
sistema – poder e dinheiro –
acabam por se sobrepor ao sistema interativo, à esfera comunicacional.
Opera-se uma instrumentalização do mundo da vida, sua tecnificação.
Com o aumento e complexificação dos subsistemas, o fetichismo,
descrito por Marx, acaba por invadir e instrumentalizar o mundo da vida.
Dá-se, então, o que Habermas caracteriza como processo de colonização
do mundo da vida (ANTUNES, 2009, p. 149 – grifo do autor).
Entretanto, a teoria habermasiana que distingue a vida social do ser genérico em
duas esferas, só é possibilitada por uma apreensão do trabalho social em uma concepção
transhistórica, a qual fomenta, assim, a crítica em vistas da emancipação distinta da esfera
da produção e do trabalho social. Já que o trabalho é “apreendido como processo de
reprodução social do ser genérico” (MAAR, 2000, p. 71), a via emancipatória da
humanidade estaria posta no âmbito da interação, distinto do plano de ação instrumental
quanto a meios e fins técnicos. Com isso, o pensador relega a crítica imanente à esfera
produtiva e situa sua interpretação no desenvolvimento de orientações normativas –
normas, estas, que devem ser internalizadas no próprio processo de formação na relação
intersubjetiva restrita à comunicação.
Ao compreender o mundo da vida em outra esfera, constituído independente do
trabalho e, por conseguinte, entender o trabalho como técnica, simplesmente, Habermas
equaciona trabalho a agir instrumental, à técnica pura e simples de dominação da
natureza. Por separar a atividade humana em dois campos, consegue argumentar acerca
da colonização do mundo da vida, já que o processo de erosão da intersubjetividade é
extrínseco a ela própria: “é a interação linguisticamente mediatizada entre sujeitos que
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fornece o padrão capaz de medir os danos provocados no interior do mundo vivido
social.” (HONNETH, 1999, p. 16), e só por meio dela que pode ser revertido.
A apreensão da vida social – e, por extensão, da crítica de Marx ao capitalismo –
feita por Habermas se dá, por um lado, ao desconsiderar a dialética imanente do trabalho,
tendo-se, ao contrário, uma postulação do trabalho como dominação da natureza
externa: como agir natural da espécie humana. Ao fazê-lo, retira o campo formativo – a
dialética – da esfera da atividade prática dos Homens. Além disso, ao levar em conta
apenas o trabalho concreto e o colocar lado-a-lado à técnica, constituidor intrínseco do
ser genérico, considera-o parte da história evolutiva da espécie que culmina na
modernidade, com a incorporação da ciência moderna à produção. Não há distinção, por
parte de Habermas, dos tipos de trabalho e seus determinados contextos sócio-históricos;
isto é, não existe trabalho, segundo Marx, fora de um modo de produção específico, um
conceito abstrato que se possa igualar em todas as épocas históricas. Por outro lado, a
apreensão dialética habermasiana somente se efetiva no âmbito da intersubjetividade, a
esfera formativa por excelência. Assim, ao não colocar o trabalho sob a ótica da crítica,
Habermas aprende-o apenas como trabalho concreto dos indivíduos na subjugação da
natureza para seu uso, como técnica, não levando em consideração toda a complexidade
dessa categoria inserida no sistema capitalista. Tão somente com essa apreensão do
trabalho que pode propor aquilo que chama de mudança de paradigma: do paradigma da
produção ao paradigma da comunicação.
Trabalho e Técnica: uma equação formal
A mudança de paradigma na teoria habermasiana de juventude é propiciada pela
interpretação, por um lado, da filosofia hegeliana do período de Iena e, por outro, a
consideração sobre a estrutura teórica marxiana. Por conceber, como pano de fundo de
sua concepção, o Espírito em duas esferas distintas, sua leitura dos textos hegelianos préFenomenologia do Espírito se dá ao compreender uma daquelas esferas como desprovida
de dialética. Habermas interpreta o movimento dos textos hegelianos na dicotomia entre
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trabalho e interação: primeiro, tem-se o trabalho individual dado a diferenciações; em
seguida, o movimento dialético da intersubjetividade. Além disso, a não abrangência do
trabalho em sua ambivalente universalidade, faz com que a interação se contraponha ao
trabalho social em sua forma abstratamente generalizada (MAAR, 2000, p. 92). Só por
meio de uma apreensão do trabalho em termos individuais, e não fundado em uma
especificidade, como se dá no capitalismo, que também engendra a totalidade social com
o trabalho abstrato e o fetiche da produção, que pode contrapor a dialética formativa da
esfera da comunicação ao domínio não-dialético da técnica. Desse modo, Habermas “vê a
técnica unicamente ‘no elemento da individualidade’; sua generalidade social [...] só seria
implementada pela interação subjetiva. Em suma: dialética [...] para Habermas seria uma
questão atinente só ao plano cultural-subjetivo.”(MAAR, 2000, p. 92).
O trabalho concreto individual concebido pelo filósofo constitui um ponto
problemático na fundamentação de sua teoria. Seu conceito de sociedade, “pressuposta
como formação social determinada e não nos termos de um modo de produção alienante
e deformador em sua efetividade formativa” (MAAR, 1999, p. 38), gera uma
autoafirmação do sistema capitalista. O trabalho concreto, vinculado a individuações e
diferenciações, é dado ao trato político de ganhos subjetivos. Isto só se faz possível por
Habermas equacionar trabalho e técnica, sem distingui-los quanto ao conteúdo, à forma e
à gênese de cada um. A relativização operada neste âmbito faz com que seu papel na
formação seja minimizado e relativizado, sendo efetivamente relevante somente
enquanto “esfera produtiva” que gera aquilo que ele chama de “tecnocracia”, a
interferência desta esfera no mundo da vida.
Contudo, só é admissível a relativização do papel do trabalho social geral ao não
o conceber como metabolismo entre Homem e natureza. Esta configuração geral do
trabalho social, forma o sujeito ao formar e conformar o objeto estabelecendo-se como
uma mediação entre Homem e natureza. Em todas as sociedades isso se constitui como
ponto fundamental através do qual se obtém e se mantém a existência humana. É por
meio dessa mediação que se satisfazem as necessidades, que se produz e reproduz a vida
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humana. É condição necessária para a sobrevivência do Homem. “Na expressão mais
simples, o trabalho se apresenta como intercâmbio de energias, metabolismo a operar entre
o homem e a natureza, processo de assimilação e expulsão de substâncias que se faz à custa
de acumular e despender forças naturais.” (GIANNOTTI, 1984, p. 85). O trabalho, assim
entendido, aparece como trocas de energias entre o organismo e o meio.
Porém, Habermas não concebe o trabalho composto dessa maneira. O
equacionamento que faz entre técnica e trabalho, não dá conta dessa forma geral do
metabolismo sujeito-objeto. Ao apreender a técnica como intrinsecamente humana de
modo positivo, concreto e formal, por meio da qual apenas se mantém a existência como
subsistência, e não como formação, dá-se a possibilidade para criticar o modelo marxiano
sem, entretanto, fazer uma crítica radical ao complexo capitalista, de valorização e
revalorização do capital. Habermas propõe uma interpretação do pensamento de Marx,
ao invés de uma crítica.
Por conta disso, na modernidade a técnica aparece com seu aspecto quase que
totalmente desenvolvido. A inserção das ciências na produção engendra, no capitalismo
tardio, a sociedade do fim do trabalho, sem, contudo, abolir de fato o trabalho alienado.
As compensações sociais, a distribuição da capacidade produtiva e dos produtos sociais,
aliadas à ciência, leva aquela concepção de sociedade, baseada no trabalho proletário e
na exploração do trabalho direto dos indivíduos como fonte de assegurar as valorização e
revalorização do capital, a perder cada vez mais sua importância. Não obstante, para
apreender as ciências como dominante no processo de produção, e, com isso, criticar o
“paradigma da produção” de Marx, é necessário desconsiderar o trabalho em suas
complexidade e especificidades.
Ao contrário, segundo Marx (1993), o trabalho só se torna efetivo longe dessa
abstração, ou seja, inserido em um contexto social determinado.Marx diz nos Grundrisse
que“a produção é sempre apropriação da natureza pelo indivíduo no seio e por intermédio
de uma forma de sociedade determinada.” Sendo que o trabalho propriamente dito “só se
efetiva ao ser inscrito num modo de produção determinado.” (MARX, 1993, p. 87).
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No capitalismo, todavia, o trabalho constitui uma forma de mediação social,
limitada historicamente e quase objetiva que serve “como o fundamento social decisivo das
características básicas da modernidade.” (POSTONE, 1993, p. 5). São, de outra forma, os
produtos do trabalho abstrato, aquele trabalho desprovido de todo o conteúdo e
independente das necessidades e vontades dos indivíduos envolvidos no processo, que
tomam para si, agora como sujeito da relação, a capacidade de dominar as relações sociais a
partir de um princípio abstrato.
Entendido como fundamento da mediação social no capitalismo, o trabalho
institui, tomando para si, a síntese da sociedade: a relação social. Logo, a mediação entre
os Homens se dá por meio do trabalho objetivado criado pelo processo de produção. Este
trabalho objetivado pode ser traduzido em categorias especificamente capitalistas: o
valor, a mercadoria, o capital, isto é, trabalho acumulado alheio aos produtores. O
trabalho desempenha papel decisivo nesta sociedade, e somente nela: ele medeia as
relações sociais e, consequentemente, institui uma forma social específica. Tal formação
social, além de ser instituída pelo trabalho nesta maneira particular, repõe esse mesmo
modo de trabalho de forma a naturalizá-lo e eternizá-lo. “A formação social assim
constituída aparece no dia a dia como se fosse ‘objetiva’, isto é, como produto abstraído
do processo de sua formação material, instalando-se como se fosse a verdadeira
‘natureza’ da sociedade.” (MAAR, 2006, p. 27). A ênfase de Marx na esfera da produção se
dá por conta dela estar intrinsecamente associada a todas as outras esferas da vida social,
determinando-as e dominando-as.
Ao pôr o trabalho vivo e direito subsumido ao trabalho morto – capital; em última
instância, capital constante, maquinaria, grande indústria –, reduzindo as subjetividade e
capacidades dos indivíduos à força de trabalho, passiva diante do movimento abstrato do
capital, o trabalho deixa de ser simples dominação da natureza exterior com a finalidade da
subsistência material humana – técnica, diz Habermas – e se coloca na posição de elemento
reificado predominante que aparece como componente fundamental da totalidade. Na
forma geral da produção capitalista, os meios de produção, as condições objetivas de
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trabalho, material de trabalho e meios de trabalho – a maquinaria, a tecnologia, em suma, a
grande indústria –, não se apresentam subsumidos ao trabalhador; antes, este é que
aparece a eles subsumido.
Desse modo, no sistema capitalista o trabalho aparece disperso, subsumido ao
processo produtivo centrado na grande indústria. Sua “unidade existe não nos
trabalhadores vivos, mas na maquinaria viva (ativa), que diante do fazer individual não
significativo do trabalhador, aparece em face deste como organismo poderoso.” O
trabalho morto enfrenta o vivo como força dominante do processo no qual o trabalho
está inserido (MARX, 1993, pp. 693-94). Nesse âmbito, o processo produtivo capitalista
visa a si próprio: não é meio de metabolismo do trabalhador fragmentado com a natureza.
Ele serve apenas a si mesmo, medeia-se, já que a totalidade social é suprassumida para si.
“Tudo isso vem subverter o modo de produção capitalista, convertendo condições e
resultados em manifestações do valor que se põe a si mesmo, a saber, do capital.”
(GIANNOTTI, 1984, p. 124). O trabalho passado, além do mais, apresenta-se visivelmente
como independente do trabalho enquanto auto-atividade: ao invés de ser subordinado
por este último, o trabalho passado é que o subordina a si. Ocorre, assim, a subsunção do
trabalho vivo ao capital. A produção pautada no trabalho acumuladoalcança forma
independente e plena autonomia em relação aos trabalhadores, ao mesmo tempo em que
se coloca em oposição a eles.
Há, aqui, a inversão fetichista da produção: o objeto torna-se sujeito, determina
as relações; os indivíduos, isolada ou coletivamente, são momentos coisificados dentro do
processo. Estes indivíduos são determinados pelo movimento autônomo do objeto,
aquele do qual fazem parte na produção. Desse modo, partindo da combinação social que
tem o capital como sujeito, “a desapropriação do poder produtivo do trabalhador ocorre
no próprio processo de produção” (NEGT & KLUGE, 1999, p. 104).
A isso cabe acrescentar que a subsunção real está intrinsecamente relacionada ao
fetiche da produção. Somente quando o trabalho é transformado em força de trabalho,
por um lado, e quando a grande indústria fundada na maquinaria e na tecnologia, que,
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além do mais, incorpora a ciência na produção a fim de tornar o trabalho vivo supérfluo,
separando concepção e execução, por outro, que o capital pode se tornar uma potência
autônoma face aos indivíduos. Com a grande indústria, “com o uso de máquinas no
processo de trabalho”, o movimento objetivo da valorização de capital incorpora em si a
ciência (ROMERO, 2005, p. 170). O trabalho só é real e efetivamente subsumido ao capital
no momento em que ele independe das capacidades do trabalhador e rege-se por meio
de um caráter científico. Com isso, coloca-se o trabalho ao lado da produção, como
simples instrumento passivo coordenado pelo movimento da máquina: o trabalho perde
seu caráter de auto-atividade. Cria-se um imperativo tecnológico na produção capitalista:
“os poderes intelectuais se concentram no capital e intervêm no processo de trabalho
como saber externos aos trabalhadores e propriedades do capital” (ROMERO, 2005, pp.
175-6). Assim sendo, o fetichismo da produção se coloca como uma necessidade objetiva
da própria produção capitalista, uma vez que ela é materializada no sistema da ciência
aplicada como tecnologia.
Cabe ressaltar que a ciência aplicada na produção não é, como quer Habermas, a
primeira força produtiva do capitalismo tardio; antes, é um dos modos de existência do
capital, subsumida, também ela, ao movimento autônomo do capital fetiche. As
determinações práticas, a consciência enquanto tal, são um dos momentos desse
movimento abstrato, enquanto o indivíduo é reduzido a uma determinação mecânica.
Todas as categorias derivadas do capital, por mais que pareçam autônomas frente a ele –
e isso também vale para a “interação simbolicamente mediada” –, assumem uma posição
subordinada ao processo de valorização. Somente com o capital dotando o processo de
trabalho por um caráter técnico-científico, tornando a tecnologia uma forma derivativa do
capital, ou mesmo uma das formas de manifestação dele, é que a subsunção real do
trabalho ao capital se efetiva plenamente.
As combinações sociais, tanto objetivas quanto subjetivas, expropriadas do
trabalhador individual e coletivo, desenvolvem-se como forças estranhas que dominam o
trabalhador. Os fins particulares dos indivíduos e suas vontades conscientes estão
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subsumidos à totalidade do processo. Dessa maneira, o capital adquire objetividade
autodeterminada, transformando-se em sujeito na medida em que configura mais sua
coisidade, por ter incorporado o trabalho e as determinações sociais como seus momentos.
Sua forma de existência, neste sentido, é de uma autonomia efetiva face aos indivíduos.
O capital, à medida que subtrai da força de trabalho socialmente produtiva
uma das sínteses que partem dele, institui uma combinação, com poder de
realidade, da força de trabalho social. O capital não incorpora apenas o
trabalho social, portanto, mas também as combinações sociais da força de
trabalho, que se acumulam diante do trabalhador individual sob a forma de
poderes sociais. (NEGT & KLUGE, 1999, pp. 104-5).
É o capital em si e para si que possui realidade e determina todos os momentos da
totalidade social a partir da produção alienada. O fetiche do capital faz com que ele próprio
apareça como o “demiurgo do mundo moderno”, “centro organizador da produção,
compreendendo todas as atividades sociais e [...] transformando-as em atividades
produtivas.”(NEGT & KLUGE, 1999, p. 104 – grifo do autor).
Isto indica que a consideração habermasiana acerca do trabalho, como dominação
da natureza e não como atividade prático-formativa, é ideológica. Quando considera a
interação como práxis vital, Habermas ratifica a reifícação gerada nas relações sociais fetiches,
colocada pelo movimento abstrato da produção. O fim da sociedade do trabalho – a ciência
substituindo o trabalho como primeira força produtiva –, calcada na ocultação das relações
sociais efetivas, só é possível ao transformar o “paradigma” ideologicamente: desconsidera e
relega a práxis efetiva e a realoca em um momento singular dessa práxis mesma. A
comunicação é um momento singular da existência humana; é um elemento que tem sua
formação no âmbito do trabalho social. Sendo um singular – e todo singular carrega em si a
totalidade, suas determinações –, então o processo que engendra uma totalidade fetiche o
faz um singular fetiche, desvinculado e alienado de si, ele mesmo como seu ser-outro,
desconectado e abstraído de si mesmo. E se no capitalismo essa formação é colocada pelo
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sujeito abstrato, a “interação” entre os Homens será tão mais técnica na medida mesmo em
que é, cada vez mais, coisificada.
A carência de sentido no jovem Habermas é proporcionada por tomar a
mistificação como realidade efetiva. Já que, como exposto, a sociedade é composta por
determinações histórico-específicas, e tais determinações são relações sociais de
produção fetichizadas, a naturalização da sociedade baseada no trabalho alienado,
concebida como “sociedade do fim do trabalho”, ou, como efetivamente aparece na
teoria habermasiana nos fins da década de 1960 – a interação como âmbito da
sociabilidade e da emancipação –, não é possível separar o ser genérico do Homem em
duas esferas distintas. Se se compreende o trabalho como práxis social e, ainda, a
subsunção real do trabalho ao capital, tendo-se as relações sociais como síntese dialética
de uma totalidade fetiche, carece de fundamento a separação em dois âmbitos.
Considerar o trabalho enquanto técnica é abstraí-lo. Destarte, “falar em colonização do
mundo da vida pelo sistema parece ser, então, uma versão muito tênue [...] frente à
totalização operada pela vigência do trabalho abstrato e pela fetichização da mercadoria e
suas repercussões reificadas no interior da esfera comunicacional. E o capitalismo por
certo é muito mais do que um subsistema.” (ANTUNES, 2009, p. 157 – grifo do autor).
Por mais que Habermas, em suas conclusões,
compreenda uma tecnificação no mundo da vida, a esfera da produção
“colonizando” a totalidade da sociedade assumindo o peso de domínio e anulação do
plano econômico sobre os indivíduos, possui o equívoco de tomar o produto como causa.
Oculta, em sua teoria, que os Homens são sujeitos e objetos desse processo de relações
sociais abstraídas. Sua função ideológico-legitimadora ocorre ao relegar a produção da
efetividade social e tomar por base um produto reificado. Não é o mundo da vida que é
colonizado pelo capital; antes, o mundo da vida é capital, um de seus momentos de
desenvolvimento, algo de particular que se generaliza de modo falso. As relações sociais
capitalistas são, tão somente, relações sociais que ocorrem na sociedade na qual o capital
é o demiurgo. Conceber uma mudança do “paradigma da produção” ao “paradigma da
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comunicação” é sustentar uma teoria do produto como esfera separada e autônoma. É,
em uma palavra, mistificação. “As forças produtivas não são técnicas; mas são sociais, isto
é, não são apenas resultados de uma ‘interação social’, mas simultaneamente constituem
um plano social em que se configura um modo de pensar, de refletir, de agir, de
‘esclarecimento’, ou então, de um referencial ‘normativo’.” (MAAR, 1999, p. 56). Em
última instância, a ideologia se dá ao equacionar trabalho e técnica e, consequentemente,
desvincular as relações sociais do âmbito da práxis efetiva.
Considerações Finais
A obra habermasiana de juventude está posta sobre uma consideração peculiar
sobre a evolução emancipatória da humanidade. A mudança de paradigma – da produção à
interação – secciona dualisticamente a história do ser genérico. Essa dualidade pode levar à
emancipação. De um lado, tem-se a evolução técnica, que culmina na modernidade como a
mais evoluída, fazendo com que o Homem se liberte do jugo da natureza; por outro, a
esfera pública na qual as modernas relações sociais se formam e tomam corpo. É aqui que,
na sociedade capitalista – e não para além dela –, pode haver emancipação, distinguindo de
modo prático ambas as esferas. “No nível mais abstrato, a sobrevalorização habermasiana
se efetiva pela perda da relação de distância e prolongamento existente entre o trabalho e a
práxis interativa, que assume a forma relacional entre esferas que se tornam dissociadas, a
partir da complexificação da vida societal.” (ANTUNES, 2009, p. 157). Habermas coloca
trabalho e interação como momentos distintos de um todo articulado, que embora fazendo
parte de uma totalidade não é, esta, aquela específica, característica das modernas relações
de produção da vida material.
Ao equacionar trabalho e técnica, na qual há a identificação a uma ação
instrumental estratégica no domínio das formações sociais no trajeto histórico do
Homem, na modernidade, verifica-se uma perturbação pela crescente expansão desse
campo nas relações intersubjetivas. A pretensa crítica habermasiana assume função
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afirmativa, ideológico-legitimatória da reifícação social. Ao prostrar o trabalho no âmbito
da dominação da natureza externa, circunscrevendo-o à esfera técnica, assume e ratifica o
trabalho alienado. A práxis vital realiza-se em um momento abstrato da práxis efetiva. A
subsunção real do trabalho ao capital, tendo-se as relações sociais como síntese abstrata
do movimento da produção, como uma sua realização, não é levado em consideração por
Habermas. Antes, assume-a como técnica que engendra uma tecnocracia formal,
dominando o mundo da vida externamente.
No entanto, o movimento da produção capitalista toma para si os momentos de
efetivação da sociabilidade humana e, consequentemente, realiza as determinações
sociais como sua plena concretização. O trabalho é subsumido à produção concomitante à
alienação gerada a si mesmo. Quem possui autonomia e a consolida é uma coisa, que se
traduz em trabalho passado, objetivado. Este processo estabelece a supremacia da
produção, enquanto produção de trabalho engendrando mais trabalho, na medida em
que os indivíduos e suas relações sociais são coisificados.
Ainda assim, o fato está em que não é simplesmente uma abstração dominante,
que determina a efetividade sem antes ter surgido dela: engendra-se na produção social.
Tal abstração consiste em uma forma historicamente específica de interdependência, de
caráter impessoal e objetivo. São, ainda, constituídas por formas determinadas de prática
social e, além disso, tornam-se independentes das pessoas engajadas nessas práticas.
Neste processo, “o resultado é uma forma de dominação social nova e crescentemente
abstrata – uma forma que subordina as pessoas a imperativos estruturais impessoais e a
restrições que não podem ser adequadamente captadas em termos de dominação
concreta (isto é, dominação pessoal ou de grupo) [...].” (POSTONE, 1993, pp. 3-4). Além
disso, essa forma efetiva de dominação é expressa no trabalho objetivado. Marx
caracteriza tal dominação fundada no trabalho morto como força estranha ao trabalho
vivo: a dominação, portanto, “está fundamentada na forma valor da própria riqueza, uma
forma de riqueza social que contrapõe o trabalho vivo (os trabalhadores) a uma força
estruturalmente alheia e dominante.” (MARX, 1993, p. 831). O trabalho, de tal maneira,
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ao invés de formar a personalidade dos indivíduos, enquanto experiência, forma a
personalidade do capital no momento mesmo em que coisifica as pessoas ao seu próprio
modo. Nesse domínio, nocapitalismo o trabalho social não é somente o objeto de
dominação e exploração, mas é ele mesmo o fundamento essencial de dominação.
Assim sendo, o momento da intersubjetividade simbolicamente mediada é um
dos aspectos de realização do trabalho abstrato. A emancipação posta na comunicação
livre ratifica o trabalho alienado. Ao não fazer uma crítica ao trabalho, à produção da vida
material capitalista, relegando a centralidade do trabalho, Habermas deixa escapar o
essencial: a esfera formativa – que, não obstante, deforma o ser social que se relaciona
intersubjetivamente por meio de uma determinação abstrata. Nesse sentido, “o sistema
não coloniza o mundo da vida como algo exterior a ela. ‘Mundo da vida’ e ‘sistema’ não
são subsistemas que possam ser separados entre si, mas são partes integrantes e
constitutivas da totalidade social que Habermas, sistêmica, binária e dualisticamente
secciona.” (ANTUNES, 2009, p. 158). A esfera da interação é, portanto, um fetiche surgido
da totalidade do capital. Somente com a superação do trabalho alienado é que se poderia
pautar uma sociabilidade livre, surgida da prática social longe do domínio abstrato do
capital e, somente assim, determinando uma sociedade livre por meio de uma produção
não reificada e abstrata.
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